MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

Hoje o Direito volta-se mais para o aspecto teleológico e visa libertar-se da visão reducionista e binária do positivismo. Assim, pode abrir espaço para diversificar nas formas possíveis de tratamento de conflito (SOARES, 2010). Em resposta à crise que se instaurou no sistema judiciário, muitos métodos esquecidos ou utilizados na seara internacional foram redescobertos com a nova função de tratar também as disputas internas. Nos EUA, na década de 70, já se pode identificar o movimento para utilização da arbitragem, da negociação e da mediação em resposta à ineficiente atuação do sistema judiciário (FICHTNER; MANHEIMER; MONTEIRO, 2014). Assim, o uso crescente de métodos alternativos de resolução de disputas como forma de complementação da estrutura estatal deve-se a dois fatores: por um lado cresce a percepção de que o Estado vem falhando no tratamento dos conflitos, em razão da sobrecarga dos tribunais, elevados custos e ao excesso de formalismo; por outro lado, também existe uma percepção cada vez mais crescente de que a resolução de disputas não está adstrita às fórmulas positivadas.

Perigo esse que promove censuras, que rompem a sucessão de instantes no tempo processual, dispersa os sujeitos em suas posições e funções, golpeando a consciência das relações que se formam durante o processo de resolução de um conflito (Paumgartten, 2017). Um conflito será resolvido através da autocomposição, quando as pessoas envolvidas empreendem esforços na resolução dos seus problemas. Pode haver o auxílio de um terceiro externo que auxiliará (mediação) os envolvidos no alcance do consenso ou poderá compatibilizar as diferentes posições e até mesmo sugerir (conciliação) soluções possíveis, mas não poderá em nenhuma hipótese determiná-las (Paumgartten, 2017). Haverá heterocomposição quando as partes submetem o tratamento de um conflito a um agente externo à relação controvertida (hetero = diferente + composição = consenso → consenso determinado por um ser diferente daqueles envolvidos na relação conflituosa, um terceiro).

Os conflitantes não acordam e a preocupação com o problema é absorvido pela postura de exortar o terceiro, imparcial, com a melhor tese possível, que assumirá a função resolutiva do dissenso e decidirá a questão (jurisdição, arbitragem), declarando em que medida o direito em disputa pertence a cada um (Paumgartten, 2017). Será puro aquele mecanismo em que a solução do conflito se dá sem qualquer interferência jurisdicional, como na mediação, conciliação e arbitragem. Será híbrida, a via para a resolução do conflito em que, em algum momento, mesmo que para efeitos de mera homologação, há a participação do Estado-juiz, como a conciliação obtida em audiência ou no curso de um processo já instaurado, a transação penal, a remissão prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e o termo de ajustamento de conduta celebrado numa ação civil pública.

Apesar dos importantes enquadramentos doutrinários, entende-se que a diferenciação encontra-se pautada na existência de um terceiro externo ao conflito e na sistemática operacional utilizada no procedimento. Na autocomposição, apenas os sujeitos envolvidos no conflito se relacionam na busca da extinção do conflito, inserindo-se na sistemática de autogestão da controvérsia pelos próprios interessados. Na heterocomposição, ao contrário, a gestão do conflito será transferida a um agente externo ao conflito e imparcial que afastará as partes, substituindo-as e avocando-se na tarefa de determinar e impor uma solução para a questão. negociação direta. b. Método autocompositivo atípico: há a interferência de terceiros, mas não ao nível de substituição dos envolvidos. A atuação visa instigar as partes à reunião para dialogar e combinar um desfecho para o impasse.

A solução não será construída pelo terceiro, mas sim pelos conflitantes que também deverão se empenhar para resolver o conflito. Vasconcelos (2014) define mediação por um método pelo qual se pretende solucionar ou transformar determinado conflito através da conversa facilitada e conduzida por um terceiro, o mediador, de modo que seja possível estabelecer uma comunicação eficaz para a identificação dos conflitos, interesses e necessidades comuns e inerentes a cada uma das partes. A facilitação do diálogo é uma fórmula que possibilita a comunicação antes prejudicada entre as partes, de modo que os envolvidos tenham a oportunidade de conhecer o problema a partir da perspectiva do outro. Com o reestabelecimento desse diálogo é possível, muitas vezes, o refazimento de relacionamentos maculados pelos conflitos.

A função do mediador é imprescindível, já que ele promove a reaproximação das pessoas que vivenciam o conflito, por meio do diálogo, mas de forma não interventiva, não cabendo qualquer sugestão dele aos conflitantes. O mediador deve somente estimular a comunicação entre as partes, de maneira autônoma, a fim de que encontrem um caminho para o seu problema, sem impor qualquer tipo de decisão. Por tratar de um procedimento informal, não há uma rigidez quanto ao modo de executar. Ao contrário, deve-se preservar a autonomia das partes e o caráter de despojamento do processo. Todos os envolvidos precisam estar cientes de que a sessão de mediação é confidencial, não sendo permitido qualquer comentário ou repercussão do que foi dito no âmbito processual.

O mediador deve ter o cuidado de estar sempre atuando de forma imparcial, atento as expressões das partes, colocando-se sempre com a maior neutralidade que lhe for possível. Os objetivos da mediação são a solução efetiva do conflito atual; a prevenção da má administração de conflitos vindouros; a inclusão social, a partir da conscientização dos direitos e da facilitação ao acesso á justiça, bem como a promoção da paz social, que vai além da ausência de perturbação física ou moral, lutando em prol da efetivação dos direitos fundamentais (SALES, 2007). Depois de passarem por uma mediação, é muito provável que os envolvidos a considerem como mecanismo adequado e satisfatório. Isso porque ela permite prevenção da má administração de conflitos por estimular a avaliação das responsabilidades de cada um dos envolvidos, a conscientização da ponderação das condutas durante o processo, o respeito aos direitos e deveres de cada um, a mudança de perspectiva do enfoque que cada um dá ao problema, além de incentivar o diálogo, para a construção de possíveis acordos.

Numa mediação, as partes devem participar efetivamente do diálogo estimulado e tem chances de refletir sobre suas obrigações e envolvimento no conflito. São ouvidas, respeitadas, reconhecidas e valorizadas. Esse processo de valorização e reconhecimento provoca a inclusão social por meio do empoderamento individual e do exercício da cidadania (SALES, 2007). Em 17 de dezembro de 2014 foi aprovado pelo Senado Federal o texto base do Código, remetido em 25 de fevereiro de 2015 para sanção presidencial. Em 16. foi publicada a Lei 13. que entrou em vigor em 18. Em continuidade à política nacional para o tratamento adequado dos conflitos em andamento desde 2010 com a Resolução 125 do CNJ, nota-se na redação do novo Código de Processo Civil a preocupação da Comissão com o incentivo ao uso da mediação, da conciliação e outros métodos de solução consensual de conflitos.

O prosseguimento nas sessões, por sua vez, fica a critério dos participantes (PINHO, 2012). Para que se entenda melhor esse processo, é importante reportar ao relato delineado por Pinho (2012) sobre a rota traçada pela mediação desde a primeira proposta de regulamentação em 1998 com o Projeto de Lei 4. Este projeto de autoria da Deputada Zulaiê Cobra formatava em linhas gerais a definição de mediação e elencava algumas disposições a respeito. Aprovado na Câmara dos Deputados em 2002 pela Comissão de Conciliação e Justiça e enviado ao Senado Federal, recebeu o número PLC 94/2002. A matéria ficou sem movimentação desde então, e com o início das atividades de estudo para a elaboração de um novo Código de Processo Civil, incrementaram-se os debates sobre a necessidade do reconhecimento institucional de meios de resolução de conflitos alternativos à jurisdição para desafogar o Poder Judiciário, o que incentivou a criação de uma comissão especial para o exame do texto.

Mesmo quando o processo judicial consegue celebrar a conciliação, o acordo firmado nem sempre resulta da ideia de justiça que cada parte leva para o processo. Isso porque, devido ao risco da sucumbência, a decisão de aderir ao consenso, na maioria das vezes é motivada por um motivo estritamente instrumental. Assim, há que se construir, através da razão dialógica, um consenso acerca da justiça da solução, um consenso que auxilie na edificação da ética da alteridade. Os atores do conflito, quando interagem em um clima favorável, podem construir uma solução mais sensata, justa e fundada em bases satisfatórias em termos valorativos e materiais. Uma ferramenta que se mostra eficiente nesta nova abordagem é a mediação comunitária, processo voluntário onde um terceiro imparcial e sem poder decisório – o mediador – viabiliza a comunicação entre as pessoas envolvidas no conflito para que elas próprias decidam, conjuntamente, o melhor desfecho para o problema em pauta (SALES, 2007).

Confere-se maior importância à necessidade de fazer com que os cidadãos se conscientizem do seu poder para solucionarem os seus conflitos fazendo uso do diálogo produtivo, incentivando as relações cooperativas entre os integrantes da comunidade e abrindo espaço para uma transformação sócio-cultural. A mediação comunitária é realizada em bairros de periferia, com o objetivo de conscientizar a comunidade de seus direitos e deveres, além de resolver e prevenir. Essa mediação viabiliza a criação de laços entre os envolvidos, motivando a participação ativa dos integrantes daquela comunidade na vida social, levando-os a pensar de forma coletiva e não mais apenas individualmente. Segundo Schmidt (2006), a participação dos cidadãos é um processo aberto onde se leva a cabo uma política singular orientada à capacitação, ao “empowerment2” da cidadania e ao fortalecimento de sua função no desenvolvimento comunitário.

Geralmente, na mediação comunitária, os mediadores pertencem à própria comunidade, treinados para mediar conflitos e que de forma voluntária decidiram empregar parte de seu tempo para o bem-estar de toda a comunidade. Segundo Sales (2007), a mediação comunitária é democrática porque incentiva a participação ativa dos cidadãos na resolução de conflitos, viabiliza o acesso à justiça pelos hipossuficientes e propicia também a inclusão social quando permite que as próprias pessoas envolvidas solucionem os seus problemas. Desta feita, a mediação tem também o condão de educar, auxiliar na identificação das diferenças e permitir que decisões sejam tomadas sem que terceiros intervenham, que decidam pelo indivíduo, constituindo-se, portanto, em um instrumento facilitador do exercício da cidadania.

E, entendendo-se a cidadania como uma condição para viabilizar a inclusão social, a mediação comunitária demonstra ser uma iniciativa reinclusiva, por permitir o controle de suas próprias vidas aos cidadãos, humanizando-os e ajudando-os a vencer preconceitos. Sales (2010) afirma que todo o desenvolvimento realmente humano se concretiza não apenas por meio das capacidades singulares do indivíduo, mas também através do seu envolvimento na comunidade, por isto é que é este envolvimento que fará florescera sensação de pertencimento a um grupo social, e esta inserção no meio social é o que se denomina de inclusão social. No entanto, é preciso ter em mente que a participação não trará necessariamente a paz ou a ausência de conflitos. Ressalte-se que, segundo Sales (2007), além da neutralidade e imparcialidade, este terceiro deve ter outras características, como confidencialidade, credibilidade, responsabilidade, controle emocional, conhecimento da legislação, sensibilidade, autenticidade, capacidade de acolher o outro, coerência, criatividade, capacidade de escuta ativa, espírito cooperativo, persistência e perseverança, visando assegurar a igualdade de tratamento, o equilíbrio das negociações e, principalmente, a justiça.

Um bom mediador reúne estas diversas características, não bastando apresentar somente algumas das características mencionadas e desconsiderar as demais. Para tanto, a prática da mediação no dia a dia, bem como a vivência de valores éticos e conhecimento sobre os Direitos Humanos podem ser o melhor direcionamento. De acordo com Spengler (2012), o mediador deve ter plena capacidade para mediar a controvérsia existente de maneira efetiva, ou seja, precisa ser competente para induzir as partes a fazerem um acordo colocando fim ao litígio. Por isto, o mediador só deve aceitar a responsabilidade de mediar quando reunir as qualificações necessárias e que satisfaçam as expectativas das partes. Warat (2004) afirma que o mediador deve auxiliar as partes, fazendo com que olhem para si próprias e não para o conflito, demonstrando que o conflito é algo absolutamente exterior a elas.

Quando as pessoas interpretam, recolhem-se ou tentam dominar. Quando sentem sem interpretar, crescem. O autor dá uma lição de vida ensinando que sentimentos devem ser sentidos em silêncio lembrando que normalmente as pessoas evitam o silêncio, passando a esconder-se no escândalo das palavras. Transformam os sentimentos em um teatro, para não senti-los e o sentimento sentido verdadeiramente é sempre aristocrático e demanda elegância. Ou seja, um conflito não pode ser visto como uma disputa, o objetivo não é uma parte derrotar a outra e sim, pelo contrário, deve-se enxergá-lo como uma oportunidade de instituir um dialogo sincero e natural, onde as partes cheguem através de suas próprias convicções a uma solução que seja benéfica a ambos os lados.

Assim, pode-se afirmar que a mediação comunitária surge também com uma alternativa importante para o acesso a justiça, sendo que em sua aplicação resolve-se muito mais do que o conflito trazido à baila, mas torna possível uma convivência harmônica,fomentando a cultura da paz. Sales (2007) recomenda que o mediador seja imparcial e tenha empatia para conquistar a confiança dos envolvidos a fim de que todos se sintam à vontade para explanar sobre seus problemas, sentimentos, medos e expectativas. Por isto, é sine qua non que o mediador seja escolhido ou, caso não seja possível, que seja aceito pelas partes. A presença do mediador é importante porque, muitas vezes, desgastados por motivos alheios ao que se vai discutir no processo de mediação, os envolvidos não conseguem, sozinhos, estabelecer um diálogo.

O EMPODERAMENTO E A CULTURA DA PAZ  Em linhas gerais, na mediação, para que a sua aplicação seja realmente feita de forma correta, é necessário que seja levado em consideração, principalmente, tanto os conflitos, quanto o estado emocional dos conflitantes, de modo que ocorra a transformação dessa situação, ou seja, que esta transição seja feita a fim de efetivas modificações da visão dos conflitantes. O que quer dizer que, as partes devem ter sua ideia de conflito e até a pretensão que se buscava anteriormente, transformada e reduzida através do dialogo delas próprias a ponto de se conseguir chegar a um acordo satisfatório para ambas. É de opinião inequívoca, assim de forma já comprovada, que é mais vantajoso e confortável para as partes ter uma mediação que o peso de uma sentença que acaba sendo imposta e não raras vezes, esta desagrada a ambas as partes.

A busca é por uma nova cultura a ser idealizada na mente e concretizada na vida das pessoas que buscam resolver seus interesses. A ideia de empoderamento relaciona-se ao fato de que, na mediação comunitária, são as pessoas devem escolher livremente o caminho para solucionar seus conflitos (SPENGLER, 2012). Conforme Sales (2010), a mediação comunitária leva o indivíduo a participar de maneira ativa da vida política da comunidade, pois, toma para si a responsabilidade de solucionar e prevenir conflitos. Nesse sentido, a mediação comunitária permite que uma identidade política comum seja construída, ou, melhor dizendo, que se construa um senso de pertencimento físico e espiritual com relação à comunidade. Ao incentivar a capacidade para a autogerir os litígios, empodera a comunidade, afixando um poder comunitário que pode ser expresso no “poder com o outro”; na conquista compartilhada e na formação da consciência de que cada cidadão, em uma coletividade, é um ator social protagonista de destinos de muitos outros.

O padrão de organização em rede da mediação comunitária caracteriza-se pela diversidade dos elementos interligados de forma horizontal. As redes viabilizam aumentar as oportunidades para efetivar a participação de todos, para que sejam respeitadas as diferença e para a assistência mútua. Pode-se dizer, ainda, que trata-se de técnica empregada em prol da transformação das relações por meio do tratamento do conflito e que possa servir como um projeto emancipatório e não somente como simples forma de evitar que alguns conflitos cheguem ao Judiciário. Trata-se da mediação a serviço da fraternidade. Assim, evidencia-se que a mediação popular fundamenta-se no protagonismo social, através do qual mediadores comunitários são treinados para atuar, sob a égide de um modelo participativo, horizontal e democrático, como sujeitos de transformação de sua própria realidade social.

É a justiça operada pela comunidade (FOLEY, 2010). Não existem diferenças entre a mediação popular e a mediação comunitária. É nesse sentido que diversos municípios, bairros, instituições públicas e privadas têm feito uso da mediação de conflitos para auxiliar as populações carentes. A título de exemplificação, cita-se o caso do Juspopuli na Bahia. O Juspopuli, Escritório de Direitos Humanos foi fundado em 2001, na cidade de Salvador - BA com o intuito de colaborar com a  cultura de direitos humanos, democratizando as informações a respeito da cidadania e promovendo opções pacíficas para a resolução de conflitos. No intuito de cumprir sua finalidade, encontram-se listados em seu Estatuto, os objetivos que regem esta ONG: ministrar cursos, seminários e outros eventos direcionados à educação, versando sobre temas de direitos humanos, além de outros de interesse da coletividade; assessorar órgãos públicos, privados e entidades sociais que defendem os direitos humanos, difusos e coletivos; atuar promovendo e assessorando na implantação de serviços de cunho jurídico e social destinados a comunidades carentes, bem como acompanhar sua implementação e desenvolvimento; desenvolver pesquisas sobre direitos humanos, difusos e coletivos e buscar formas de fazer valer esses direitos; e apresentar resultados de estudos, além de outros documentos pertinentes em sua área de atuação (DH JUSPOPULI, 2016).

A educação direcionada à conscientização sobre direitos humanos e cidadania é o principal foco de atuação do Juspopuli que também mantém um conjunto de serviços no intuito de orientar sobre direitos e mediação de conflitos, que são os Escritórios Populares de Mediação e Orientação sobre Direitos. No que tange ao Juspopuli, é possível constatar também grandes semelhanças, devido à essência popular e comunitária inerentes a esse projeto, pois o Juspopuli, desde o seu nascimento se espelhou basicamente na concepção de mediação e a influência de experiências de mediação comunitária com certeza permearam sua doutrina e ideário,embora reúna, de um lado, a institucionalidade de uma política publica, e de outro, a essencialidade da participação da comunidade no cerne do Projeto, constituindo-se em um programa de justiça comunitária.

Discorrido sobre a mediação comunitária, suas características, bem como as características e papel do mediador, passa-se à análise de experiências em mediação comunitária no Brasil. EXPERIÊNCIAS EM MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA NO BRASIL  Estruturadas em projetos isolados, aos poucos as iniciativas de mediação comunitária foram adquirindo maior envergadura no Brasil e despontaram na lista das políticas públicas da segunda metade dos anos 90. Paulatinamente, assumem, de uma forma mais orgânica, a temática da participação local e da educação para os direitos humanos. Neste contexto, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, estas iniciativas foram compiladas em redes de colaboração, culminando por inserir estrategicamente a mediação popular e comunitária na agenda institucional dos Direitos Humanos.

Além do mais, a mediação como política pública, traduz-se em fonte de estímulo para que o indivíduo cumpra sua função de cidadão ativo nas decisões afetas à vida pública. Assim, passa a ser também peça fundamental para a transformação de sua comunidade. Cahali (2011) recorda que durante muito tempo recorrer ao judiciário era a única saída para solucionar um litígio. Essa ideia vem sendo transformada por meio da implantação das políticas públicas, que exercem influência direta na sociedade. Nesse sentido, a prática da mediação comunitária é muito importante para o bom funcionamento do tecido social, tendo em vista que pode transformar a mentalidade de que a única forma de se ter acesso à justiça é através da ação judicial para a cultura da mediação, que conduz à cultura da pacificação, fortalecendo desta forma os laços entre Estado e sociedade civil.

comparados à média da região, endossando a tese de que onde o Estado se faz ausente, a marginalidade de instala de uma forma exacerbada. Atualmente, os postos de atendimento dos CIC’s fornecem vários serviços públicos de competência estadual e municipal, além de terem firmado parcerias com segmentos da sociedade civil. Nestas unidades estão presentes a Defensoria Pública do Estado, o Juizado Especial Cível, Equipe de Mediação Comunitária de Conflitos, Polícia Militar e Civil, Acessa São Paulo, postos para atendimento ao trabalhador, postos de atendimento da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), PROCON, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), escolas de beleza e moda do Fundo Social de Solidariedade, diversas oficinas culturais e esportivas, além de outros serviços (ALMEIDA, 2012).

Importante ressaltar, que nos dias de hoje, o CIC não se destaca apenas por ofertar serviços integrados, mas também pelo grande trabalho desenvolvido na área de mediação comunitária, empoderamento local, educação para os direitos humanos e fomento à cidadania e cultura de paz. Desde 2001 na Bahia, a Juspopuli desempenha atividades educativas em direitos humanos e administra uma rede de “Escritórios Populares de Mediação de Conflitos e Orientação sobre Direitos”. O Foro Marítimo Itinerante navega pelo rio amazonas prestando assistência jurídica à população ribeirinha e promovendo a mediação. A este projeto, aliou-se outro denominado Justiça na Praça, onde, aos finais de semana, é montada uma barraca em uma praça qualquer de Macapá com o objetivo de prestar assistência jurídica, também com o intuito de empreender a mediação comunitária.

O evento conta, ainda,com espetáculos musicais e diversões para os cidadãos que buscam por esse serviço. No Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas, a partir de uma extensão da Universidade Federal de Pelotas, surgiu um grupo denominado Pretores da Cidadania, que, além de prestar assistência jurídica a pessoas carentes, ministravam cursos e intervinham nas comunidades em questões que envolviam direitos humanos. Também o poder público tem investido na implementação de iniciativas nessa área, que estimula a prática do diálogo em comunidades, por meio da política pública do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – Pronaci, vinculado ao Ministério da Justiça (VASCONCELOS, 2014). Por fim, independentemente da maneira que a mediação comunitária é praticada, ela não objetiva apenas o firmamento de acordo, mas que exista mais comunicação entre os integrantes de uma comunidade.

Programas de Mediação Comunitária de Minas Gerais Relata-se aqui uma experiência de mediação comunitária implementada no Aglomerado Santa Lúcia, que é um conjunto de favelas do município de Belo Horizonte – MG. É sabido que a ocupação desordenada em áreas de favela, seja pela ausência de espaço ou pelo aumento acelerado do número de moradores, faz com que fique impossível que as normas estabelecidas para a ocupação do solo urbano sejam obedecidas rigorosamente, como normalmente ocorre na cidade formal. Direitos de vizinhança, regulamentos para construção de moradias, loteamentos e até mesmo a legalidade dos terrenos são, na maioria das vezes, ignorados, dando espaço a novas normas criadas pelos próprios integrantes da comunidade, por entenderem ser mais adequadas e possuir melhor aplicabilidade à realidade que vivenciam.

Destaca-se que os conflitos que emergem dessas situações nas quais se observa a presença de pluralismo jurídico quase nunca podem ser efetivamente resolvidos pelas vias tradicionais de solução de conflitos, como as ações judiciais. Carvalho (2009) explica que em 2003, em decorrência das mudanças administrativas do novo governo do Estado, o Programa Casas de Mediação Comunitária vinculou-se à Secretaria da Justiça e Cidadania (SEJUS/Ce), onde permaneceu até maio de 2008. No entanto, o atual governo do Ceará, Cid Ferreira Gomes, levando em conta os resultados atingidos pelas quatro unidades do Programa “Núcleos de Mediação Comunitária” do Ministério Público do Ceará, encaminhou à Assembléia Legislativa a mensagem n. º 6971 repassando a administração das Casas de Mediação para a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Ceará.

Assim, as Casas de Mediação Comunitária (CMC) passaram a ter a denominação de Núcleos de Mediação Comunitária (NMC). Atualmente, no estado do Ceará existem 7 Núcleos de Mediação,na cidade de Fortaleza, existem duas unidades nas comunidades de Pirambu e Parangaba. Apesar das valiosas investigações realizadas, trazer a tona reflexões acerca da fraternidade significa retomar a concepção lançada na Declaração de Direitos do Homem para buscar as respostas que os pesquisadores procuram, no intuito de encontrar o verdadeiro sentido do senso fraterno que repousava até então, numa aparente fragilidade diante da falta de fundamentos que lhe pudessem conferir um tratamento adequado. O jurista italiano Eligio Resta é um dos teóricos que recente-mente trouxe a baila esta discussão sob o véu de um Direito Fraterno3, cujo pilar mais relevante é construído sobre o alicerce de uma sociedade humana, o que repercute também no tratamento do conflito de uma forma mais justa, pois retrata um direito não violento, em que se busca a inclusão e o mais importante, a ruptura do binômio amigo/inimigo, convenção arraigada no processo judicial adversarial tradicional.

A minimização da violência levaria também a uma jurisdição mínima, a um conciliar, a um mediar com pressupostos de igualdade na diferença, e não a simples entrega da controvérsia ao Estado para que este promova a cura, seguindo a tendência do circuito conflito – remédio (RESTA, 2011). Da mesma forma que as concepções sobre o Estado assumem significativa variedade, são igualmente plurais os meios de acesso à jurisdição que traduzem um direito experimentado na sua acepção mais ampla, libertária e emancipatória, conforme o padrão de um Estado democrático de Direito. As Constituições do século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial passaram a ser responsáveis por uma ordem integradora, onde se expressaram princípios e se depararam com a necessidade de reconhecer a igualdade, reestruturando o núcleo valorativo dominante que abandonava o culto ao princípio hierárquico, direcionando-o à proteção da dignidade humana.

No âmbito da justiça, a análise da participação ativista do cidadão realçava um novo paradigma no contexto do Poder Judiciário, ao qual foi atribuído um papel predominante na concretização da democracia e da cidadania, onde o juiz surgia como o recurso contra a incapacidade das sociedades democráticas de administrar a complexidade e a diversificação geradas por elas mesmas. A sociedade passou a se dirigir ao juiz devido à falta de outra autoridade estatal, passando a preencher a função de instituição unificadora, indicando assim, os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias modernas. A demanda da/por justiça vem em decorrência do desamparo da política, tornando o Direito a última moral comum em uma sociedade que não mais a possui (GARAPON, 2001).

Beneficiada pela dimensão simbólica que adquiriu na sociedade enquanto representante do justo, a justiça - e não a política - passou a ser o último recurso para resolver os conflitos sociais. O Judiciário foi empurrado para a linha de frente por instituições políticas em vias de decomposição, pressupondo-se que as formas de tutela de justiça teriam como função proporcionar o surgimento do novo que as demais instâncias estatais não estariam aptas a viabilizar (GARAPON, 2001). Percebe-se que os excluídos têm existência sem cidadania, e os esquecidos nem sequer têm o mínimo sentido da própria identidade. Enquanto os excluídos têm sentimentos de revolta contra a exclusão, gerando movimentos de resistência, os esquecidos, a seu turno, não têm consciência de que são esquecidos, motivo pelo qual sequer poder verbalizar para si mesmos sua condição de esquecidos, pois não existem nem sequer para si mesmos (Gimenez, 2018).

Segundo Gimenez (2018), diante do aniquilamento do sujeito, da submissão ao poder, a da criação do inimigo, do estrangeiro e do aumento dos excluídos, a melhor resposta é a cooperação. A classe de cooperação substituindo a noção de classe operária, o devir cooperativo encarregado de produzir estilos de vida. O devir cooperativo é um ator social ativo, uma multiplicidade que atua diretamente, por fora de toda a ideia de representação. Limites e Possibilidades dos Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e da Sustentabilidade Social Aliada à propagada ineficiência estatal, seja no plano jurisdicional, seja nos espaços sociais, abre-se espaço para a organização e aplicação de regras criadas pelo próprio cidadão para tratar os conflitos no ambiente comunitário e desafiar o monopólio da resolução de conflitos pelos Tribunais.

Foi visto que um destes modelos é a mediação comunitária. A mediação comunitária viabiliza maior autonomia nas comunidades, que sofrem com a falta de atenção estatal, para a resolução de seus conflitos internos, concretizando um modelo de justiça a margem do sistema jurídico estatal5. São programas audaciosos de resolução de disputas equipados por membros identificados e capacitados na comunidade para resolver as disputas oriundas em seu perímetro, criando um genuíno sistema paraestatal para resolver conflitos interpessoais. Caracterizam-se naturalmente pela ausência de custo para os participantes, desnecessidade de acompanhamento por advogados e a preocupação que os protocolos e regras de procedimento sejam inteligíveis e compreendidas por todos. É importante que o mediador seja integrante daquela comunidade e receba treinamento adequado para desenvolver a consciência de que não detém o poder de impor soluções, mas de facilitar, auxiliar as partes na construção consciente de uma solução.

A imprescindível manutenção dos vínculos na teia social exige capacitação adequada e constante do agente comunitário/mediador para explorar o diálogo, incrementar a comunicação, o que exige o conhecimento de particularidades locais, de hábitos específicos daquele grupo, e reforça ainda mais a ideia de que o mediador deve ser escolhido no ambiente em que a estrutura é erigida. A capacitação do agente escolhido para atuar como mediador nos escritórios populares ou centros comunitários de mediação exige o empenho para uma formação que conjugue a prática dos casos cotidianos com o estudo teórico dos princípios que orientam a mediação, dos direitos e deveres do mediador, todos estabelecidos na Lei da Mediação, cujos dispositivos referentes a esta questão servirão para nortear os trabalhos do mediador comunitário.

Por fim, tem-se que a simplificação dos processos aproxima a prática da vida cotidiana, eliminando protocolos em que os aspectos materiais são sacrificados em face dos aspectos formais, ou melhor, em que a solução socialmente evidente e justa é abandonada por razões formais (HESPANHA, 2005). O protocolo que a mediação deve seguir (por isso não é totalmente livre) consiste na necessidade da reunião de todos os sujeitos envolvidos, para que o importante contato pessoal aconteça e a comunicação sobre as pretensões antagônicas possa fluir sob os auspícios de um facilitador. REFERÊNCIAS AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã. Notícia do Direito Brasileiro, Nova série, Brasília, Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, n.

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