Reclamação Constitucional

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

Em primeiro lugar, foram adotadas técnicas de padronização decisória com o propósito de solucionar a litigiosidade repetitiva, os chamados contenciosos de massa indicados no art. do CPC2. Assim: a) Nos arts. a 987 foi criado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR); e b) Nos arts. a 1. A celeuma da presente dissertação gira em torno da superação dos precedentes judiciais fazendo uso da reclamação. Assim, a questão que norteou esta pesquisa foi: é possível utilizar a reclamação para superar precedentes judiciais? Neste contexto, o presente estudo objetiva verificar se a reclamação pode ser empregada com o objetivo de superar precedentes judiciais. Trata-se de questão que está longe de ser pacificada. Em outra oportunidade, deparou-se com críticas referentes à decisão do STJ que à época entendeu que, contra a decisão que afirma a inadmissibilidade de REsp ou de RE que adote tese contrária a algum precedente firmado por Corte Superior, caberia somente agravo interno endereçado ao próprio tribunal a quo7 e, se este recurso fosse improvido, para atacar a decisão final do tribunal de origem não seria possível apresentar diretamente nenhuma irresignação ao STJ.

Do exposto, o que esta decisão do STJ demonstra é que a decisão de tribunal local que coadune com precedente de tribunal superior não é passível de recurso, o que tornaria o precedente irrecorrível. Para o desenvolvimento desta pesquisa, optou-se pela pesquisa bibliográfica realizada a partir de ampla pesquisa doutrinária, análise das legislações e entendimentos jurisprudenciais sobre o tema abordado. DA RECLAMAÇÃO 1. Conceitos e breve desenvolvimento histórico A reclamação é um instrumento de defesa processual10. Acerca do conceito e localização legal do instituto da reclamação, Luís Gustavo Andrade Madeira afirma que: [. a reclamação é o expediente processual hábil a enfrentar desvios ou equívocos jurisdicionais praticados por juízos inferiores, que desrespeitem ou não observem as competências e/ou as decisões do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, fazendo com que tais atos sejam submetidos à apreciação destas Cortes, conforme o caso, junto aos seus órgãos colegiados e, procedentes o pedido, corrigidos11.

Ademais, há de se notar a proximidade da reclamação constitucional com a correição parcial, que na sua origem também foi influenciada pela supplicatio romana, pelo agravo de ordenação não guardada e pelo agravo por dano irreparável das Ordenações Filipinas, apesar de serem institutos jurídicos de naturezas distintas. A correição parcial tem caráter de medida administrativa disciplinar, implementada por órgãos administrativos do Poder Judiciário (v. g. Corregedorias de Justiça, Conselho Nacional de Justiça, Conselho da Justiça Federal etc. contra abusos e omissões praticados pelos magistrados no exercício da função pública. Felizmente nem sempre é assim porque os juízes (em sentido amplo), apesar de aparentar uma aversão natural pelas súmulas – que se afirma, bobamente, ser o túmulo do direito –, não se mostram, na prática, muito propensos a discordar delas, mesmo porque é mais simples decidir, invocando uma súmula ou acórdão de um tribunal superior, que já firmou tese jurídica sobre a questão, do que fazer uma análise do processo sub judice, em busca dos seus próprios argumentos para resolver a lide24.

Assim, a reclamação só se justifica pela indisciplina judiciária, imanente a muito juiz nacional (em sentido amplo, compreendendo juízes, desembargadores e ministros), de achar que a lei é aquilo que ele ache que ela é, e a justiça, aquilo que ele entenda que ela seja; indiferente ao que tenham decidido a respeito os tribunais hierarquicamente superiores. Se a lógica do sistema jurídico fosse observada, a reclamação seria uma medida dispensável, porque os juízes inferiores não decidiriam em rota de colisão com as decisões dos tribunais superiores, e ninguém precisaria reclamar contra ninguém, porque não haveria descumprimento de decisão judicial de órgão superior por órgão inferior. Destarte, se o STF decidiu que determinada lei é constitucional ou inconstitucional, nenhum juiz ou tribunal inferior tem o poder para decidir em contrário do que decidiu o tribunal competente; da mesma forma, se o STJ decidiu que determinada lei infraconstitucional é aplicável, nenhum tribunal ou juiz inferior tem o poder de decidir o contrário.

Como nem sempre é assim que os fatos transcorrem, torna-se necessário um instrumento para fazer com que todos os juízes nacionais tenham disciplina judiciária, relativamente às decisões dos tribunais superiores, e a esse fim destina-se a reclamação. A avocatória revelou-se um instrumento processual de interesse do governo ditatorial que governava o país à época, pois permitia que as decisões mais relevantes sobre casos concretos ficassem sob a batuta de um Tribunal politicamente constituído por julgadores indicados pelos militares27. A reclamação constitucional veio a ser efetivamente constitucionalizada pela Constituição de 1988, passando a constar do art. I, “l”, relativamente ao STF, e do art. I, “f”, relativamente ao STJ, com a finalidade de “preservar a competência” e “garantir a autoridade” das decisões desses tribunais.

Na mesma linha dos regimentos internos do STF e do STJ, os quais tratavam do procedimento das suas respectivas reclamações, a Lei 8. Questão interessante ocorreu no habeas corpus intentado por chefe de missão diplomática de caráter permanente em vista de lhe terem imputado a prática de crime ocorrido antes do exercício funcional. Alegava o impetrante que a competência originária seria do STF. A Corte julgadora reconheceu a sua competência, porém, antes, converteu o habeas corpus em reclamação, pois entendeu que a hipótese era de utilização desta ação, aplicando, assim, o princípio da fungibilidade31. Sobre o tema em tela, ainda resta ilustrar com a reclamação constitucional que foi julgada procedente contra ação rescisória intentada perante o Tribunal de Justiça de Estado-Membro sobre matéria que, muito embora não tivesse sido efetivamente julgada via recurso extraordinário, fora apreciada pelo STF32.

O STF também acolhe reclamação contra ato dos juizados especiais que nega seguimento a recurso extraordinário que discute a matéria constitucional julgada pelas turmas recursais33. Sepúlveda Pertence esclareceu que: “[. a ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configura hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade”37. Foi o que ocorreu no julgamento da Rcl. onde o STF acatou a pretensão do Procurador-Geral da República entendendo que a ação civil pública tinha como pedido único a inconstitucionalidade de lei estadual38. Em outras reclamações, que tomaram os números 600 e 602, foi discutida a proteção de interesses coletivos lato sensu, pois a ação civil pública proposta em juízo de primeiro grau visava à declaração apenas incidental de inconstitucionalidade de lei local, tendo como pedido principal a condenação do réu em obrigações de fazer.

Noutro passo, importa notar que o art. inciso I, alínea l43, da CF admite a reclamação para preservar decisões que tenham efeito erga omnes e vinculante. Importa, ainda, notar que o art. inciso I, alínea l, da CF não restringiu a reclamação constitucional às decisões pretorianas de efeito vinculante. E se a lei não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. X, da Constituição Federal. Sem que ocorra esta última formalidade, em princípio, a norma considerada inconstitucional permanecerá sendo aplicada por todos, com exceção das partes envolvidas no litígio. Assim, caberá reclamação mesmo em se tratando de decisões emanadas do STF em julgamento de casos concretos, isto é, não apenas de decisões derivadas do processo objetivo de controle abstrato48.

Contudo, importa frisar, no que tange à legitimidade ad causam para essa reclamação (que tenha por objeto a preservação de decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso), ela será limitada àqueles que foram parte na ação de índole subjetiva, isto é, na ação de controle concreto. Senão veja-se o teor da seguinte decisão: A reclamação constitucional prevista na alínea l, inciso l, do artigo 102 da Carta-cidadã se revela como importante ferramenta processual para o fim de preservar a competência desta colenda Corte e garantir a autoridade das suas decisões. É o que ocorreu, por exemplo, nas reclamações manejadas para assegurar a eficácia da decisão proferida no Habeas corpus 82. no qual o STF declarou inconstitucional a vedação de progressão de regime nos crimes hediondos, prevista no art.

º, § 1º, da Lei 8. Fredie Didier52 considera que foi atribuído efeito ex nunc, erga omnes e vinculante à decisão proferida nos autos do HC 82. razão pela qual teria ocorrido a chamada abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”54. Melhor seria se a Constituição Federal não tivesse feito tal previsão em seu texto, de modo que o STF pudesse, sozinho, conferir eficácia erga omnes às suas decisões plenárias que julgam casos concretos, analisando a questão em abstrato. Essa ideia privilegia o princípio da economia processual e confere mais força às decisões do principal guardião constitucional. Contudo, nota-se que a Constituição Federal não deixa dúvidas acerca da necessidade de ato expresso de competência privativa do Senado Federal para suspender execução de lei declarada inconstitucional pelo STF em decisão proferida no controle difuso.

Ignorar tal dispositivo seria incorrer em mutação constitucional, o que não tem guarida em nosso ordenamento jurídico. No mesmo sentido, manifestou-se o STF através do voto da Ministra Hellen Gracie Northfleet56: “Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões”. Em outro acórdão o Ministro Gilmar Mendes57 asseverou: “o caráter objetivo que a evolução legislativa vem emprestando ao recurso extraordinário, como medida racionalizadora de efetiva prestação jurisdicional”. Nesse ponto, o professor Fredie Didie Jr. apresenta alguns exemplos dessa evolução legislativa, no sentido da objetivação do recurso extraordinário e, por consequência, do controle difuso.

O primeiro deles, segundo o autor, é o procedimento do recurso extraordinário nos Juizados Especiais Federais, previsto no art. Até então, a reclamação em face de uma decisão de controle difuso só seria admitida se proposta pelas partes do processo, tendo em vista o seu efeito inter partes e não vinculante. Ao contrário das decisões de controle concentrado, que ensejam reclamação por qualquer jurisdicionado prejudicado. Contudo, a nova tendência da abstrativização subverte essa regra e passa a admitir a reclamação por qualquer pessoa, mesmo em caso de decisão em controle difuso59. Portanto, a prevalecer a teoria ora apresentada, e não se vê razão para que isto não ocorra, haja vista ser o STF o guardião maior da Constituição, será permitido o uso da reclamação por qualquer jurisdicionado que puder ser beneficiado por uma decisão de controle difuso noutro processo, trazendo os efeitos deste a seu favor.

Concorda-se com Geovany Cardoso Jeveaux e Elsa Ferreira Pepino quando afirmam: A precariedade da atuação do Senado afeta, de forma direta e pessoal, a esfera jurídica de indivíduos específicos que, para se livrarem dos efeitos da norma inconstitucional, são obrigados a recorrer ao Judiciário; onera toda a comunidade, quando nada faz para impedir a repetição de um número considerável de ações com iguais objetivos e finalidades, cujo custo final é arcado por toda a sociedade que por meio de tributos custeia a máquina estatal. Afora os casos já mencionados, entendemos que também caberá reclamação constitucional quando houver violação da chamada súmula impeditiva de recursos, introduzida no antigo CPC pela Lei 11. que conferiu a seguinte redação ao art.

IV, a, in verbis: “Art. Incumbe ao relator: [. IV – Negar provimento ao recurso que for contrário a: Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio Tribunal;”62. Comunga-se, pois, com a lição de Rodolfo de Camargo Mancuso quando faz a seguinte reflexão quanto às semelhanças existentes entre súmula impeditiva de recursos e súmula vinculante: Ambos enunciados representam extrato da jurisprudência dominante nos Tribunais da Federação, desempenham relevantes funções processuais, são obrigatórias, e destinam-se – embora em diversa dimensão – a prevenir ou corrigir controvérsia atual entre os órgãos judiciais ou entre estes e a administração pública, capaz de acarretar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica; ambas essas súmulas são, portanto, dissuasórias, e situam-se num grau acima daquelas apenas persuasivas64.

Contra essa hipótese, encontramos alguns doutrinadores65 que afastam a obrigatoriedade da norma contida no art. IV, a, do CPC/2015, por entenderem que se trata de faculdade do juiz, afastando assim o cabimento de reclamação. Também é cabível, por óbvio, a reclamação contra decisões de mérito em ADI, ADC e ADPF, haja vista os efeitos erga omnes e vinculantes que decorrem de tais ações66. Pouca utilidade prática tais efeitos teriam se não fosse assegurada a reclamação para garantir a sua obrigatoriedade perante os demais órgãos judiciários e perante o Poder Público nas esferas federal, estadual e municipal. Trata-se, isso sim, de um poder ínsito à própria competência do Tribunal de fiscalizar incidentalmente a constitucionalidade das leis e dos atos normativos.

E esse poder é realçado quando a Corte se depara com leis de teor idêntico àquelas já submetidas ao seu crivo no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade. Assim, em relação à lei de teor idêntico àquela que já foi objeto do controle de constitucionalidade no STF, poder-se-á, por meio da reclamação, impugnar a sua aplicação ou rejeição por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo-se a declaração incidental de sua inconstitucionalidade, ou de sua constitucionalidade, conforme o caso68. Gisele Góes69 lembra que também caberá reclamação quando o juiz ou tribunal violar não a parte dispositiva da decisão proferida no controle abstrato de constitucionalidade, mas os seus fundamentos determinantes, já que eles têm efeitos transcendentais. No que tange especificamente à súmula vinculante, cumpre dizer que a EC 45/04, introduziu o instituto da reclamação no art.

º da Lei 11. impede o manejo da reclamação sem prévio esgotamento das vias administrativas em face de omissão ou ato da Administração Pública. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina asseveram: Espera-se, com isso, evitar a necessidade de ajuizamento de reclamação, perante o STF, pois, se o reclamante não interpuser o recurso administrativo cabível – o qual, de acordo com o que estabelece o § 3° do art. da Lei 9. poderá tornar desnecessária a tutela jurisdicional –, faltar-lhe-á interesse processual, devendo a reclamação ser indeferida em razão da ausência desta condição da ação74. A da CF/1988 dispõe que do ato administrativo que contraditar súmula ou lhe aplicar de forma indevida, é cabível a reclamação.

Natureza Jurídica A natureza jurídica da reclamação durante um longo período foi um tema extremamente controvertido. No início da sua aplicação, quando ainda estava assentada exclusivamente no entendimento do STF, doutrina e jurisprudência procuravam esquivar-se para não dar uma definição ao instituto e, quando o faziam, utilizavam expressões vagas e que não refletiam qualquer sentido técnico, conforme leciona Marcelo Navarro Ribeiro Dantas: Em inúmeras oportunidades o assunto foi debatido, e vários acórdãos do Supremo Tribunal Federal, ao longo do tempo, revelam a multiplicidade de opiniões – tanto que houve um tempo em que, para fugir de contendas estéreis, os arestos timbravam em registrar a disputa, mas preferiam não tomar posição – encontradiça, igualmente, na doutrina.

Isso para não falar de pseudodefinições, que findam por quase nada especificar, como a utilização de expressões vazias de sentido técnico-processual, a exemplo de remédio incomum, medida extrema, providência heróica, (aliás, usadas e relação a inúmeros writs), ou tentativas de fugir de uma definição, como a conhecida manobra de talhar, para a reclamatória, a veste de expressão do direito constitucional de petição ou representação, que também incide em vagueza, uma vez que esse direito abrange não só o direito de dirigir-se administrativamente a qualquer órgão público, como o direito de ação76. Mesmo depois de introduzida no Regimento Interno do STF, em 1957, a reclamação continuou sendo vista como uma medida administrativa, pois era confundida com a correição parcial.

Ademais, realiza-se o controle mencionado via provocação da parte ou do Ministério Público (arts. do RISTF e 187 do RISTJ) o que, mais uma vez, reafirma o caráter jurisdicional da reclamação. Fosse esta um meio de controle meramente administrativo, não haveria a necessidade de condicioná-la à iniciativa de parte ou do MP. Destarte, conclui-se que os pressupostos e efeitos da reclamação são regidos pelas normas processuais, bem assim os critérios que determinam a sua admissibilidade78. Contudo, entender a reclamação como medida judicial não foi o suficiente para pacificar a discussão, posto que abria um leque de possibilidades no que se refere à natureza jurídica processual. A seu turno, Ada Pellegrini Grinover et al. e Humberto Theodoro Jr. entendem que a reclamação é um remédio processual de envergadura constitucional.

Cândido Rangel Dinamarco89 também classifica a reclamação como remédio processual, sendo um recurso para afastar a eficácia do ato judicial viciado, retificando-o ou adequando-o aos ditames da ordem jurídica, por meio da cassação, retificação ou convalidação do ato. No geral, o novo Código repete os preceitos sobre a reclamação, previstos na Lei 8. O fato de falar apenas em reclamação, não significa que não seja uma ação, porque, no sistema trabalhista, a pretensão de tutela jurídica deduzida em juízo é denominada simplesmente “reclamação” (reclamação trabalhista), e, nem por isso, deixa de ser uma “ação” em todo o seu alcance e extensão. Em sede doutrinária, Barros Leonel92 entende que a reclamação constitucional configura verdadeiro exercício do direito de ação, seguindo posição adotada tanto em manifestações mais antigas93, como, com mais amplitude de razões, em elaboração mais recente94.

A despeito dessas e outras orientações de peso na doutrina, a posição que predomina na doutrina é a de que a reclamação é uma ação. Nela instaura-se uma relação jurídica nova, com partes diferentes e condições da ação distintas em um novo processo, cujo objetivo é rever determinada decisão judicial ou administrativa, e que fará coisa julgada. Portanto, a preleção adotada com maior recorrência é a de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina95. º, inc. XXXIV da Constituição Federal. Como não existe um órgão acima do STF para dizer que ele está errado, a reclamação será assim considerada, como um “direito constitucional de petição”102, ainda que na realidade não o seja. Elementos Processuais e Pressupostos O primeiro pressuposto da reclamação constitucional se refere à causa de pedir, a qual deverá conter uma decisão judicial ou ato administrativo que atente contra a competência do STF ou contra a autoridade de suas decisões.

O segundo pressuposto se refere à legitimidade do reclamante. Os vários óbices à aceitação da reclamação em sede de controle concentrado já foram superados, estando agora o Supremo Tribunal Federal em condições de ampliar o uso desse importante e singular instrumento da jurisdição constitucional brasileira105. A amplitude da legitimação coletiva foi constatada também pelo STJ. Senão veja-se o seguinte julgado: As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Através dela, com apenas uma decisão, o poder judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Nesse mesmo sentido, Luís Gustavo Andrade Madeira111 sustenta que todo aquele que tenha interesse na causa, aí incluídas todas as formas de intervenção de terceiros, terão legitimidade para a reclamação juntamente com legitimados legais.

O art. da Lei 8. dispõe que é permitido que qualquer interessado impugne o pedido do reclamante. Nesse ponto, também entendemos que a impugnação pode ser intentada por qualquer dos entes legitimados coletivos em se tratando de interesse difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo. A interpretação extensiva desse dispositivo privilegia o princípio do acesso à Justiça, na medida em que permite um debate mais amplo acerca da decisão atacada, e a possibilidade de impugnação pelos entes coletivos, os quais têm, por presunção legal, representatividade adequada na perspectiva sociopolítica em relação ao grupo de pessoas que se lhes vinculam. Ainda que os membros de uma associação não tenham conferido autorização expressa para a propositura da impugnação de uma reclamação ou para impetrar uma reclamação coletiva, entende-se que há legitimidade.

Isso porque, em se tratando de ações coletivas, os tribunais brasileiros assentaram o entendimento de que “as entidades associativas – aí incluídos os sindicatos – têm legitimidade para propor ação ordinária em favor de seus filiados, sem a necessidade de expressa autorização de cada um deles”114. Quanto à legitimação ad causam, encontram-se julgados do SRF e do STJ que entendem que nas ações coletivas ocorre a chamada substituição processual115, ao argumento de que o ente coletivo (associações, sindicatos etc. age em nome próprio defendendo interesse alheio116. Portanto, em se tratando de legitimação ad causam para a propositura da reclamação coletiva, estar-se-á diante de uma legitimação processual coletiva123. Procedimento A petição da reclamação será dirigida ao Presidente do STF, será instruída com prova documental e, sempre que possível, deverá ser autuada e distribuída ao relator da causa principal124.

Nos termos do § 3º do art. do CPC, assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível. Igualmente, sempre que possível, o relator deverá ser o mesmo do processo principal, como tal entendido aquele onde foi proferida a decisão descumprida pelo juízo ou tribunal inferior, e que ensejou a reclamação para o tribunal que a proferiu; o que justifica a medida, porquanto este já terá julgado a causa, estando em melhores condições de avaliar se, realmente, houve o descumprimento da decisão que a reclamação objetiva a garantir. Apenas declarará a nulidade e ordenará que a autoridade reclamada profira nova decisão em consonância com a interpretação da Corte Constitucional. Outra forma de pedido ocorre quando se tratar de usurpação da competência do STF.

Nessa hipótese, o pedido será para que se determine medida adequada à preservação daquela competência, como, por exemplo, a subida dos autos àquela instância132. Reclamação no Novo CPC À semelhança do que acabamos de afirmar, com efeito, o CPC/2015, diversamente da opção silenciosa eleita pelo CPC de 1973, trouxe expressamente o cabimento da Reclamação (art. e seus incisos), valendo-se, basicamente, de dois verbos para indicar a intenção da medida: preservar e garantir. do CPC/2015. De certa maneira — e essa consequência é fruto dos valores presentes no CPC/2015 —, a Reclamação ganha foros de maior autonomia para que, justamente, ela constitua mecanismo efetivo de preservação do sistema, não só o recursal136, além de um expediente vocacionado a garantir que a prestação jurisdicional possa atingir certo grau de estabilidade, previsibilidade e valorização das teses jurídicas fixadas pelos Tribunais como uma das colunas do Estado Democrático de Direito137.

Reclamação Constitucional no STJ, STF e perante os demais Tribunais O que se pretende observar nesta oportunidade, ainda na linha de novidades trazidas pelo legislador no CPC/2015, tem estreita aproximação com a possibilidade de ser proposta a reclamação perante qualquer tribunal, segundo o § 1º, art. CPC/2015. Antes mesmo da edição do CPC/2015, especialmente por força da lei dos procedimentos de recursos nos tribunais superiores (Lei 8. Em termos direitos, o legislador andou em passos largos ao prever o cabimento da reclamação em qualquer Tribunal (Estadual ou Regional), até mesmo porque aplica-se subsidiariamente às normas processuais, dentre elas obviamente os arts. e seguintes, aos processos eleitorais, trabalhistas e administrativos, segundo o disposto no art. do CPC/2015, o que novamente corrobora a coerência da opção eleita pelo legislador de ampliar o cabimento da reclamação.

Casos Repetitivos e Reclamação Uma repercussão prática preocupante da súmula vinculante e da súmula impeditiva de recursos refere-se à possibilidade de aumento considerável do número de reclamações ao STF. Ao permitir que o interessado impugne tanto decisões judiciais quanto administrativas mediante reclamação, ainda que cabíveis outros meios e recursos, a EC 45/2004 permitiu que todos os cidadãos e pessoas jurídicas tenham acesso direto ao STF. Segundo Gilmar Mendes, as decisões administrativas dos órgãos públicos podem fazer com as Reclamações cheguem aos montes à corte. O ministro observa que a Lei 11. que institui a Súmula Vinculante, prevê que só se pode usar a via expressa para chegar ao STF quando todas as instâncias administrativas foram consultadas.

Mesmo assim, Gilmar Mendes aponta clara ameaça ao funcionamento do tribunal146. Uma alternativa não raramente utilizada é o julgamento em bloco das reclamações. Isto é grave para a democracia, haja vista que, em se tratando de ações individuais de controle concreto, não se pode dar efeitos vinculantes e erga omnes às decisões proferidas na reclamação individual, devendo o tribunal se ater a cada pedido individualmente considerado, não podendo estender os efeitos de uma decisão de um processo em outros processos, ou seja, não ocorre a transcendência dos motivos determinantes do julgamento da reclamação individual. ii) ademais, o tribunal pode, por via de interpretação, tentar afunilar a via da reclamação colocando uma série de exigências no que tange à sua admissibilidade.

Porém, essa solução atentaria contra a própria CF/1988, haja vista que os artigos 103-A e 102, I, garantem o uso da reclamação sem restrições aos cidadãos. Não há rol taxativo de legitimados, nem pressupostos específicos que limitem o acesso ao STF. Havendo usurpação de competência deste ou desrespeito às suas decisões de efeito vinculante, cabe reclamação por qualquer pessoa irrestritamente, já que a ameaça à autoridade do STF é de tal gravidade que coloca a própria democracia em posição vulnerável. Embora conservassem algumas características próprias dos direitos romano-germânicos, os direitos socialistas traziam diferenças significativas, em especial porque, no discurso, queriam os antigos dirigentes dos países socialistas fundar uma sociedade na qual não houvesse nem Estado nem direito.

A vontade do legislador, para eles, exprimiria a vontade do povo, guiado que este deve-ria ser pelo partido socialista. Não parece necessário detalhar, nesta dissertação, os direitos socialistas, porque o socialismo já não mais existe com a força vista quando da pesquisa empreendida por René David e porque, dessa família, não encontrei institutos processuais relacionados aos temas aqui enfrentados. Basta a lembrança de que, sem efetiva separação entre os Poderes, aos juízes da União Soviética era imposta a política do Partido Comunista, não podendo eles, por corolário, interpretar a lei de maneira criativa. As regras jurídicas eram as estabelecidas pelo Soviete e pelo Conselho de Ministros152. contribuiu imensamente para o fortalecimento do sistema jurídico romanesco, o qual veio a servir de base a boa parte dos sistemas jurídicos europeus, inclusive o português153.

No período da extraordinaria cognitio, surgiu a appellatio, recurso interposto ao imperador romano contra as decisões do juiz. Com o tempo, o imperador delegou tal função a funcionários de elevada categoria, cabendo, mais à frente, ao Senado desempenhar o papel de órgão jurisdicional de segundo grau. Os julgamentos não tinham valor vinculante, embora repercutissem nos casos futuros154. Quando o último imperador romano do Ocidente, Rômulo Augusto, foi deposto, em 476 d. No século X, ao mesmo tempo em que a exploração dos servos se intensificou, surgiram novas técnicas de cultivo e a produção agrícola aumentou bastante, o que permitiu a comercialização dos produtos excedentes. O comércio renasceu, a economia floresceu e muita gente voltou a viver nas cidades. Os reis organizaram as cruzadas e, por fim, conseguiram concentrar o poder militar e econômico.

Os costumes começaram a virar lei depois de receberem o respaldo real156. Tradição romanística Esse foi o momento quando o direito que se praticava no continente começou a se distinguir do direito adotado na Inglaterra, graças ao feudalismo bastante peculiar implementado naquele país, no qual o rei, desde muito cedo, exerceu forte influência junto aos nobres e seus servos. Os glosadores se debruçavam sobre os escritos romanos, em especial o Corpus Juris Civilis de Justiniano, procurando encontrar seu sentido e justificativa. Não se preocupavam eles, todavia, com a solução de casos concretos. Buscavam reencontrar o sentido das leis romanas no intuito de permitir que houvesse um meio seguro de se organizar a sociedade159. Por isso, diferentemente do que aconteceu na Inglaterra, no continente, o direito, visto como modelo de organização social, não se voltou ao contencioso ou ao processo.

Prestava-se, segundo o pensamento dominante na época, para proporcionar (o que se imaginava ser) justiça, muito mais do que resolver casos concretos. Entre os séculos XVII e XVIII, o direito natural se tornou triunfante. Nas sempre lembradas palavras de René David, a escola do direito natural, Afastando-se da ideia de uma ordem natural das coisas exigidas por Deus, ela pretende construir toda a ordem social sobre a consideração do homem; exalta os “direitos naturais” do indivíduo, derivados da própria personalidade de cada pessoa. A ideia do direito subjetivo vai, desde então, dominar o pensamento jurídico161. A escola do direito natural passou a repudiar a communis opinio doctorum e foi responsável pela separação dogmática entre direito privado e direito público. Do primeiro, se ocuparam os romanos, para os quais, entretanto, o segundo era completamente desconhecido.

Essas decisões, com o tempo, passaram a ser chamadas de assentos, dos quais extraía-se a interpretação preponderante164. O direito, finalmente, foi codificado. Abeberando-se de novo no escólio de René David, pode-se dizer que: A codificação é a técnica que vai permitir a realização da ambição da escola do direito natural, expondo de modo metódico, longe do caos das compilações de Justiniano, o direito que convém à sociedade moderna e que deve, por consequência, ser aplicado pelos tribunais165. A configuração hodierna do direito europeu continental, tendo por pilastras as relações entre particulares (civil law) e a legislação codificada, é, sem dúvida, fruto do direito francês pós-revolução, fortemente marcado pelo Iluminismo, pelo Código napoleônico de 1804 e pela desconfiança em relação aos magistrados do Ancien Régime166.

Inspirado em John Locke e seu “Segundo Tratado sobre o Governo”, de 1690167, Montesquieu construiu, em “Do espírito das leis”, divulgado pela primeira vez em 1748, a teoria segundo a qual a autoridade é fixada por meio e em razão da lei, para evitar violência e abuso de poder168. Não à toa, até hoje, a Constituição francesa confere ao Conselho Constitucional – um órgão alheio ao Poder Judiciário – a atribuição de exercer controle sobre a constitucionalidade das leis171. O juiz, na concepção de Montesquieu, nada mais poderia ser do que la bouche de la loi, ou seja, um mero reprodutor da lei, para cuja interpretação bastava reconhecer a vontade do legislador (exegese)172. Não havia, a seu tempo, confiança alguma no Judiciário, cujos cargos, comprados ou herdados, eram usufruídos como uma propriedade capaz de render frutos pessoais173.

Tornou-se, pois, imprescindível subordinar os juízes aos parlamentares, estes, sim, capazes de representar os interesses dos homens livres. A sociedade deveria ser governada pelas leis, e não pelos homens, razão pela qual o poder de criar o direito foi conferido apenas ao Legislativo. As decisões, porém, não eram vinculantes. Foi apenas com a Lei de 1837 que se passou a prever que, havendo dois pronunciamentos da Corte de Cassação sobre o mesmo assunto, a segunda cassação da mesma decisão anteriormente já cassada era obrigatória, impondo-se a conformação da instância inferior ao que decidido pela instância superior (art. Nessa quadra da história, havia desaparecido a “rivalidade” entre Legislativo e Judiciário. Os juízes se tornaram funcionários públicos e não havia mais a antiga resistência a eles179.

Na França de hoje, além da peculiar colegialidade como regra já na primeira instância180, assumem função preponderantemente recursal as Cortes de Apelação, às quais dirigidos os recursos de natureza cível181. Ademais, o controle de constitucionalidade não é realizado por órgão jurisdicional, diversamente do que acontece nos demais países do continente. Como se sabe, na Europa, prepondera o controle abstrato de constitucionalidade, do qual se encarrega um tribunal de competência para tanto específica e limitada. A concentração em um único tribunal tem por objetivo preponderante afastar o risco de dada lei ser tida por constitucional por alguns juízes e inconstitucional por outros185. Têm, por exemplo, efeito vinculante as decisões de inconstitucionalidade proferidas pelos tribunais constitucionais da Espanha, Portugal e Itália186.

A ideia surgiu na Áustria por inspiração de Hans Kelsen, segundo quem a jurisdição constitucional, enquanto controle de atos normativos, significa uma jurisdição administrativa especial, diferenciando-se da jurisdição administrativa geral porque controla exatamente a constitucionalidade do ato, e não sua simples conformidade com a lei. As decisões fazem coisa julgada formal e material, com eficácia erga omnes, vinculando os órgãos constitucionais da União e dos Estados, bem como todos os demais tribunais e autoridades190. Na Alemanha, além do Bundesverfassungsgericht, existe também o Bundesgerichtshof (BGH ou, em vernáculo, Tribunal Federal), a mais alta corte do sistema jurisdicional ordinário. Autoridade máxima em se tratando do direito federal infraconstitucional, as decisões do BGH só podem ser revistas pelo BVerfG se houver discussão sobre questão constitucional.

Não compete ao Tribunal Federal, via de regra, rever a justiça das decisões inferiores; sua competência restringe-se à revisão do direito federal objetivamente considerado, exceto quando o processo versar sobre nulidade de patente, hipótese na qual a Corte assume o papel de tribunal de apelação191. Com isso, posso terminar esta seção reafirmando o protagonismo que o direito legislado ainda tem na Europa continental e nos sistemas jurídicos por ela influenciados, inclusive no Brasil. A evolução histórica do direito inglês nos permite entender melhor tal particularidade192. Na Inglaterra, a concentração do poder nas mãos reais se deu, antes do verificado no continente europeu, graças à conquista normanda (1066). O poder, até então dividido entre os invasores bárbaros (anglos e saxões, principalmente), se concentrou no rei.

Naquela época, os senhores feudais, para proteger suas propriedades, não queriam se afastar do monarca, que, por sua vez, não permitia a formação de nenhum grande feudo. Foi esse feudalismo bastante particular que permitiu o desenvolvimento de um sistema jurídico bem diferente do implementado no resto da Europa medieval193. Nesse sistema, o direito surge depois que os fatos concretos são judicialmente apreciados. A opinião dos tribunais se torna, a partir daí, per legem terrae ou, no inglês, law of the land, capaz de limitar, até mesmo, o poderio real197. Não é desconhecido que, sob o governo despótico de João Sem-Terra, a este foi imposta, por um conselho de nobres, em 1213, a Magna Charta, cuja cláusula 39 assegurava aos “homens livres” – isto é, aos nobres proprietários de terra – vida, liberdade e, sobretudo, propriedade, direitos os quais só poderiam ser suprimidos através da “lei da terra”198.

É bem verdade, no entanto, que o acesso restritíssimo aos tribunais reais permitiu que o chanceler, em nome do rei, julgasse, com base na equidade (equity), as causas não submetidas àqueles pretórios. Imperava, então, a dualidade entre o common law e a equity199. Para eles, a verdadeira regra de direito somente existe vista através dos fatos de uma espécie concreta e reduzida à dimensão necessária à resolução de um litígio202. Assim desenhado o sistema, sobrelevam em importância os precedentes, reunidos, desde a segunda metade do século XVIII, nos English Reports. A compilação é importante, primeiro, por permitir o conhecimento generalizado do common law e, segundo, por dar condições para que, no julgamento dos casos posteriores, possam, advogados e magistrados, refletir sobre a incidência, ou não, de determinado precedente.

Insta, aqui, rememorar que os Judicature Acts do final do século XIX suprimiram os antigos tribunais reais, reunindo-os em um único tribunal superior, a Supreme Court of Judicature, formada pela High Court of Justice, Crown Court e Court of Appel. Esta última tem as funções de tribunal recursal (segundo grau de jurisdição) e contra suas decisões, excepcionalmente, admitia-se recurso ao Appellate Committee da House of Lords203. Devidamente estabelecida, nesses moldes, a autoridade dos precedentes da House of Lords e, depois do Reform Act de 2005, da Supreme Court of United Kindom (binding precedents), o stare decisis se constitui no principal elemento do moderno common law. Os conceitos não se confundem, mas um é indispensável ao outro208. Ao mesmo tempo, a constante evolução do direito inglês há de ser atribuída à técnica da distinção (distinguishing).

A aplicação do precedente depende, sobremaneira, da análise de suas premissas principais. Somente se iguais às do caso posterior é que se permite, ao juiz, a replicação da ratio estabelecida no caso anterior209. Também repercutiu sensivelmente nos Estados Unidos da América, onde, depois de certa resistência inicial, acabou prevalecendo, com nuances, o common law. O direito estadunidense, entretanto, é muito diferente do adotado na antiga metrópole214 em especial por duas razões. A primeira se relaciona com a Constituição. Os EUA, como é cediço, têm por escrito seu texto constitucional e a ele guardam enorme deferência. A Constituição é, assim, a fonte e o fundamento primordial do sistema jurídico estadunidense desde a Independência. Na base, estão os tribunais de distrito, contra cujas decisões cabe recurso às Courts of Appeals.

A última instância é a United States Supreme Court, formada por nove juízes, o Chief Justice e os associates justices, nomeados pelo Presidente dos EUA e aprovados pelo Senado. Somente as causas mais importantes é que chegam à Suprema Corte, que aceita, a cada ano, aproximadamente cem novos processos. Os pronunciamentos das cortes supremas dos Estados e da União são vinculantes, mas tão só para os níveis inferiores. Elas próprias não estão presas a seus veredictos. De qualquer forma, mesmo diante da atual prevalência do direito legislado sobre o direito judicial, o stare decisis e a deferência às decisões servem como limite à arbitrariedade e permitem às partes terem alguma certeza de como seus casos serão julgados221. Essa é a principal ideia que vem norteando a adoção dos precedentes judiciais vinculantes pelos países inicialmente filiados à tradição do civil law, preocupados que estão, de um lado, quanto à uniformização dos entendimentos a respeito do direito constitucional e federal, e, de outro, em relação à imperiosa necessidade de que casos iguais sejam julgados de maneira semelhante.

Os Reflexos no Direito Brasileiro Rememorar as origens e a evolução do direito legislado e do direito jurisprudencial é importante para entender as diferenças entre um e outro, mas, ao mesmo tempo, permite notar que as grandes famílias remanescentes na contemporaneidade – a do civil law e a do common law – apresentam, para os aspectos que aqui mais interessam, muitos pontos de contato. Arrisca-se a dizer que, no tocante à objetivação da jurisdição e ao papel que atribuem aos seus tribunais de cúpula, possuem mais similaridades do que diferenças. Malgrado tenham no passado reservado funções diversas aos juízes e discernido as fontes de seus direitos, hoje se percebe, em ambas as famílias, a possibilidade de se vincular as instâncias inferiores ao que decidido pelas instâncias superiores, a fim de privilegiar a unicidade do ordenamento jurídico, em prol da hierarquia jurisdicional, da segurança jurídica e, em especial, da isonomia substancial entre os cidadãos que litiguem sobre as mesmas questões, ainda que em processos distintos.

Mas, mesmo assim, há também o direito que é resultado da atuação dos juízes e tribunais223. Ademais, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra e nos Estados Unidos, hodiernamente, se outorga a tribunais de hierarquia superior a prerrogativa de dar a última palavra sobre a interpretação jurídica através de pronunciamentos vinculantes, a serem seguidos pelas instâncias inferiores. Ora se analisa o direito em abstrato, ora se analisa o direito tendo por pano de fundo a resolução de um conflito intersubjetivo. Mas, se o pronunciamento vem de corte localizada no ápice da estrutura judicial de cada um dos três países e versa sobre o direito a ser observado em todo o território nacional, passa a ser de obrigatória observância nos casos análogos que serão posteriormente julgados pelos tribunais locais e juízes de piso.

Essas decisões, por desvendarem a interpretação jurídica que há de prevalecer, são, pois, vinculantes – como vinculantes são as decisões das cortes superiores brasileiras224. E mais, se teria referido “precedente” efeito vinculante e observação obrigatória. Por regra, as decisões judiciais não possuem efeitos vinculantes228 para o julgamento de casos concretos futuros, a não ser para as partes integrantes da relação jurídica processual (inter partes). No entanto, verifica-se que em alguns e determinados casos a orientação adotada no julgado terá vinculação geral e, portanto, deverá ser de obrigatória adoção por parte dos julgadores. A estes julgados reconhece-se o chamado “efeito vinculante”, de ordem geral para o julgamento dos casos futuros o que se vê, seguramente, no controle de constitucionalidade abstrato.

Como demonstração deste entendimento, o art. § 11, do Covo CPC/2015). Em verdade, não se tem no Brasil um sistema puro de precedentes, mas, em verdade um sistema brasileiro de precedentes que, de fato, estrutura-se para a uniformização de posições jurisprudenciais. Têm-se assim duas saídas, uma a de afastar o sistema brasileiro de precedentes, pelo fato de realmente não se adequar teórica e tecnicamente ao que, de fato, é um precedente. A segunda saída é a de aproveitar aquilo que o CPC/2015 trouxe, visivelmente pretendendo reduzir o elevado número de processos e o caos “judiciário” que observa-se em dias hodiernos. Com essas premissas, prefere-se, em vez de afastar o sistema por eventuais inconstitucionalidades, aproveitá-lo para tentar tirar dele o melhor possível até pelo fato de que o art.

Justifica a conclusão a que se chega a subsunção dos “fatos” ao “direito”. A ratio decidendi, simplificando ao extremo, a fim de facilitar compreensão do instituto, pode ser tida como a premissa de direito sobre a qual incide a premissa fática e, então, se sustenta o veredicto237. Na Inglaterra, os juízes, a rigor, não estão obrigados a fundamentar suas decisões; basta-lhes dar o veredicto. No entanto, é comum, ao menos nos tribunais superiores, cujos precedentes são vinculantes, a exposição das razões que explicam as decisões. Os juízes tratam, nessa oportunidade, de regras e princípios do direito que, a par de servirem à solução do caso concreto, também ultrapassam o âmbito do processo, dada a sua generalidade.

º, LIV), princípio por força do qual hão de ser adequadamente fundamentadas as decisões proferidas pelo Estado-Juiz, sob pena de nulidade (CF/1988, art. IX). Decisão adequadamente fundamentada é aquela bem construída dos pontos de vista formal (presença dos elementos essenciais =CPC/2015, art. I a III) e substancial, tendo Nelson Nery Junior afirmado ser imprescindível ao magistrado “analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão”240. Fundamentar, como ensina Olavo de Oliveira Neto, [. Em outras palavras, é falha a prestação jurisdicional quando, a despeito da oposição dos embargos declaratórios, permanece não enfrentada questão imprescindível à adequada solução da lide. Tal falha, porque ofende norma de ordem pública, é causa de nulidade absoluta do processo.

Entretanto, o dever de fundamentar tem como reflexo a construção de longas sentenças e votos, especialmente nos casos mais delicados. Também não são incomuns nos julgamentos colegiados acórdãos cujos resultados decorrem de fundamentos diversos. Os julgadores até concordam com o desfecho a ser dado ao caso, mas discordam quanto à motivação e, então, cada qual apresenta razões diferentes para os seus respectivos votos. Por isso, a solução abraçada pela praxe forense brasileira foi a formalização textual nos acórdãos, notadamente dos tribunais de vértice, da “tese jurídica” (rule of law), assim entendida a proposição teórica, construída à luz do ordenamento jurídico (em seu sentido mais amplo) e também de elementos tirados do caso concreto então em julgamento, que serve de base à definição da questão constitucional ou infra-constitucional controvertida.

A tese jurídica, formalizada literalmente nos acórdãos, contribui para sintetizar e abstrair as pequenas divergências de fundamentação encontradas nos vários votos e entendimentos individualizados por cada julgador, a despeito de a maioria deles concordar com o desfecho a ser dado ao caso concreto244. Como, no Brasil, o acórdão é, quase sempre, o somatório de decisões singulares, o delineamento da tese jurídica permite que se tenha, como representativo da vontade final da corte, um enunciado que serve à solução do caso então em julgamento e, devendo este ser um precedente, aos demais casos análogos. É, pois, em razão da técnica de consolidar a tese jurídica através de um texto claro e abstrato, que os julgados dos tribunais superiores brasileiros podem servir de precedentes, no sentido que se dá a esse termo nos países de direito jurisprudencial (vinculação à ratio decidendi = stare decisis).

Nos julgados mais recentes, tanto do STF quanto do STJ, é possível encontrar, de maneira destacada, a tese jurídica para a posterior aplicação aos casos similares. Sua finalidade é se tornar um argumento persuasivo, de possível  (obrigatório) aproveitamento nos casos posteriores. Pode também indicar a possibilidade de futura mudança de entendimento ou, até, de superação da ratio247. Para elucidar, volte-se ao julgado acima referenciado acerca da paternidade socioafetiva, no qual não se pode ter como obter dicta as considerações do STF sobre o direito à felicidade, irredutibilidade dos arranjos familiares e ampliação da tutela normativa de todas as formas de parentalidade. Ainda que essas proposições não tenham sido incluídas na tese jurídica ao final fixada, são, todas elas, ratio decidendi, pois o resultado a que se chegou delas depende umbilicalmente.

De modo que referidas proposições hão de ser observadas como paradigma decisório obrigatório. Com a prévia definição da tese jurídica pelo tribunal de vértice, é mais fácil e rápido o seu emprego pelas instâncias inferiores. Estima-se que somente as teses fixadas no Recurso Especial 1. RS, mencionado no parágrafo anterior, poderão ser replicadas em mais de vinte e sete milhões de execuções fiscais250. De fato, o legislador de 2015 consagrou a técnica de textualização da tese jurídica preocupado que estava com a rápida solução dos processos massificados. É inegável o objetivo do novo código de proporcionar às partes um processo mais rápido (art. Em outros seis, a lei menciona “tese” (arts. II, 985, § 1º, 1.

§ único, I, 1. caput, e 1. III e IV). do CPC de 2015 e a necessidade de se explicitar as teses jurídicas. No entanto, tal como já havia acontecido com a razoável duração do processo (CF/1988, art. º, LXXVIII, inciso este acrescentado pela EC 45/2004, para tornar literal e, consequentemente, mais eficaz princípio há muito aceito como existente e válido), é tal o quadro endêmico de desrespeito às decisões anteriores e, por conseguinte, de fragilização da tutela da segurança jurídica no país, que se fez necessária, até para solapar eventuais dúvidas ainda remanescentes e aqueles que pudessem pensar de forma contrária, a previsão expressa no tocante à vinculação à tese jurídica fixada em precedente. A propósito, cumpre lembrar que a lei (em sentido amplo) é apenas texto.

A norma jurídica é, na verdade, o resultado interpretativo desse texto. Todavia, o legislador previu um antídoto para esse problema, pois, como visto acima, ao julgador não basta invocar precedente, súmula ou mesmo tese jurídica. Exige-se a identificação da verdadeira ratio decidendi e a demonstração pormenorizada de que a mesma se aplica ao caso em julgamento (CPC/2015, art. § 1º, V), tarefa para qual, claramente, é necessário analisar a fundo o precedente e as questões nele enfrentadas. A tese jurídica, bem pensadas as coisas, exprime – ou, ao menos, deveria exprimir – com clareza, a fim de evitar equívocos e permitir o rápido aproveitamento na solução dos casos análogos vindouros, a ratio decidendi. Sintetiza ela os principais motivos pelos quais o tribunal decide de um ou outro modo.

As súmulas, no Brasil, podem lhe ajudar nessa tarefa. Confirmada a similitude, a tese precedentemente fixada há de ser aproveitada. O aproveitamento da tese jurídica – que, em suma, se justifica e se legitima no respeito à isonomia e na busca da previsibilidade – exige estrita similitude entre o processo já decidido e aquele que se imagina possível julgar nos mesmos moldes. É preciso que tratem, o primeiro e o segundo caso, das mesmas questões fáticas e jurídicas. Exige-se, pois, unidade fático-normativa para a replicação da tese fixada precedentemente254. § 2º do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada. Figurou como recorrida nesse precedente a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre, contra a qual o recurso especial foi parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, determinando que fosse cancelada a inscrição do nome do recorrente sem que houvesse notificação prévia, sob o argumento de que “é ilegal e sempre deve ser cancelada a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito realizada sem a prévia notificação exigida pelo art.

§ 2º, do CDC”. Pois bem. Sabe-se que, entre outros, tais cadastros de inadimplentes são mantidos pela Serasa Experian e pela Boa Vista Serviços (Serviço de Proteção ao Crédito – SPC). A autora/recorrente, associação dita de defesa dos interesses dos consumidores, pretendia fosse reconhecido o percentual de 20% como o máximo aceitável para multa nos casos de desistência dos serviços contratados com a agência de turismo ré/recorrida, uma vez que a imposição de referida penalidade não poderia se afastar dos princípios da adequação e proporcionalidade. Vencido o Ministro Relator, Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, na esteira do voto divergente da lavra da Ministra Maria Isabel Galotti, o qual considerou possível a fixação de limites para as multas consideradas exorbitantes, devendo as circunstâncias serem avaliadas caso a caso.

Isabel Galotti afirmou, ainda, haver significativas diferenças entre os diversos contratos de turismo, não podendo ser estabelecido o mesmo critério para um cruzeiro internacional e a hospedagem em uma pequena pousada. Segundo ela, a desigualdade nas infinitas possibilidades de pacotes de turismo revela falta de homogeneidade, a impedir, por conseguinte, a fixação de um porcentual padrão de multa. Como não houve afetação nos moldes do art. Por distinguishing ou distinção, entende-se, pois, a operação pela qual a corte ou o juiz diferencia um caso do outro. Trata-se de encontrar uma diferença significativa no processo posterior que impede a aplicação do processo anterior. O precedente, para ser replicado, “deve guardar absoluta pertinência substancial com a ratio decidendi do caso sucessivo, ou seja, deve ser considerado um precedent in point”258.

O CPC de 2015, como visto acima, cuidou do tema no art. § 1º, incs. Pesquisa feita em novembro de 2018 em sua base de dados traz, como resultado, 59 acórdãos e 1. decisões monocráticas dos quais constam o termo distinguishing. Apenas para ficar em um único exemplo, transcreve-se a seguir parte da ementa de acórdão prolatado pela Corte Especial: Processual Civil. Embargos de Divergência. Embargos de Declaração. Com efeito, se vinculante o precedente e se confirmada a unidade fático-normativa, somente a demonstração da superação do entendimento é que permite, válida e legitimamente, a não replicação da ratio decidendi262. Não é desconhecido que a Suprema Corte dos Estados Unidos, ao julgar Brown v. Board of Education, superou o seu próprio entendimento anterior, fixado em Plessy v.

Ferguson263. Fez o que, por lá, é de nominado de overrule ou overruling, ou seja, o tribunal “derruba” (over-turn) o seu precedente, considerando que o mesmo já não mais representa o direito (law)264. Assim, a decisão anterior, agora substituída, não pode mais ser invocada como paradigma nos casos pretéritos ainda não solucionados. Excepcionalmente, porém, permite-se que a ratio decidendi substituída ainda seja empregada aos casos pretéritos não julgados, de modo que somente os processos posteriores à mudança de entendimento é que serão por esta tutelados268. Tudo isso para manter a confiabilidade e a previsibilidade do sistema, já que a retroatividade da decisão que substitui o precedente, que, até então, pautava e orientava a conduta dos jurisdicionados, pode ser tão nociva quanto a perpetuação do entendimento injusto269.

Nos Estados Unidos da América, é bastante comum a chamada superação preventiva (antecipatory overruling). Consiste, tal técnica, na não aplicação de um precedente da Suprema Corte por tribunal inferior, sob o argumento de que esse precedente, o qual não mais constitui good Law (Boa Lei), está em vias de ser revogado pelo tribunal superior270. PR, com repercussão geral reconhecida (Tema 643), j. em 04. Depois que o Supremo assentou a tese de que “Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio”274, o STJ passou a adotar tal solução, revendo seu posicionamento anterior, como expressamente restou consignado nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.

SC275. No repositório jurisprudencial do STJ, encontram-se também julgados nos quais a Corte superou o seu próprio entendimento anterior por considerá-lo defasado. Esta Corte Superior possui precedentes no sentido de que o juízo emitido pelo presidente do Tribunal no julgamento do pedido de suspensão de segurança é de natureza política, e não de legalidade, motivo pelo qual não seria cabível o recurso especial. Trata-se de entendimento que precisa ser superado, pois não há como conceber, na atual configuração do Estado Democrático de Direito brasileiro, que uma decisão de natureza administrativa ou política provoque a suspensão dos efeitos de um pronunciamento judicial. Portanto, deve-se identificar na atividade exercida no julgamento do pedido de suspensão de segurança a nítida feição judicial, e não política ou administrativa, em que pese o objeto envolver a análise de conceitos jurídicos indeterminados, como segurança, ordem, saúde e economia.

Desta forma é cabível o recurso especial276. É interessante notar que a possibilidade de overruling já justificou, no STJ, afetação como repetitivo de recurso especial versando sobre a fixação de honorários de defensor dativo em causa criminal, para que a possível ruptura com o entendimento jurisprudencial anterior não trouxesse surpresa aos jurisdicionados277. Pondera-se, nessa hipótese, as vantagens e desvantagens do overruling, podendo o tribunal optar pela aplicação do precedente, apenas sinalizando à comunidade jurídica a futura inaplicação do mesmo. É possível, aliás, até mesmo defender a obrigatoriedade da technique of signaling, em razão não só do respeito à previsibilidade e à segurança jurídica, mas, também, por força do princípio que veda as decisões surpresas, consagrado, entre outros, nos arts.

º, caput, 10, 485, § único, e 493, § único, do novo CPC. Nessa linha, cuidou o vigente CPC de prever a possibilidade de que eventual superação de entendimento seja precedida de “audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese” (art. A ideia por detrás dessa regra é a mesma de quando, para a formação da tese, também se estimula a ampliação do diálogo para além das partes diretamente interessadas (CPC/2015, arts. Mas o ideal é que ela opere suas consequências no futuro, não retroagindo para atingir os casos pretéritos ou aqueles contemporâneos à formação da orientação que agora se quer revogar (CF, art. º, XXXVI, e LINDB, arts. º e 23). O STJ, aliás, não vem se furtando de utilizar da técnica de modulação, como se pode perceber, a título de exemplo, no Recurso Especial nº 1.

RS, processo no qual a Segunda Seção, primeiro, assentou a tese de que, se concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, para, depois, modulando os efeitos do julgado, admitir, para as demandas ajuizadas na justiça comum até a data do julgamento, a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar (expressa ou implícita) e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso280.

Desta forma, o próprio art. conferiu a algumas decisões considerável carga ou eficácia normativa justamente por refletirem seus efeitos (pressupostos de fato e de direito) a outras decisões judiciais, no entanto, deixando de mencionar aquilo que seria mais relevante ao estudo dos precedentes, quais sejam, os fundamentos determinantes da decisão ou a ratio decidendi. Isto porque, analisando a dimensão objetiva dos precedentes, verifica-se que a única parte vinculante na decisão de um caso pretérito é, efetivamente, a sua ratio decidendi (ou holding282), assim entendida como as razões determinantes de questões jurídicas debatidas e decididas no processo, ainda que não sejam suficientes e necessárias para determinar a decisão283. Em contrapartida, realizando uma conceituação negativa, tudo aquilo que não constituir a ratio decidendi, será considerado como obter dictum284 e, portanto, de força não vinculante.

Assim, levando em consideração a importância, o alcance e a eficácia normativa dessas decisões judiciais, confirma-se tal linha de raciocínio pelas disposições constantes dos parágrafos do art. Isto porque, de fato, há uma independência constitucional pelas funções exercidas por cada um dos órgãos componentes da estrutura do Poder Judiciário, com autoridade e liberdade para o julgamento dos casos concretos. No entanto, “uma das consequências da teoria da interpretação é a indeterminabilidiade, menor ou maior, dos resultados extraíveis dos textos legais. Decore daí a conclusão de que, num sistema em que todos os juízes interpretam as leis e controlam a sua constitucionalidade, cabe às Cortes Supremas a função de definir o sentido da lei, assim como a sua validade.

Depois do pronunciamento da Corte Suprema, por consequência lógica, nenhum juiz ou tribunal, nem mesmo a própria Corte, poderá resolver caso ou decidir em desatenção a esse precedente”285, ressalvadas as decisões que permitam a revisão e a superação do procedente pela própria Corte. Na verdade, para garantir segurança e coerência ao próprio sistema, juízes, Tribunais Superiores e Cortes Supremas, muito embora tenham funções distintas, buscam unificar entendimentos para a racional solução de conflito, o que é indispensável para a segura estabilidade jurídica e social, já que viver sobre a incerteza e a vontade interior de cada julgador é algo que, realmente, já não se pode mais aceitar, muito menos o “decido conforme minha consciência”286. Não fosse assim, mesmo nos casos em que as decisões proferidas pelo STF fossem dotadas de efeito erga omnes, haveria a possibilidade dos magistrados de instâncias inferiores não respeitarem os dizeres da suprema corte brasileira, alçando o tribunal de cúpula do Poder Judiciário à condição de descrédito.

Desta forma, verifica-se que a finalidade da reclamação não é reformar uma decisão judicial, tampouco fomentar a rediscussão buscando a modificação de um posicionamento jurisprudencial, mas apenas e tão somente permitir que o mesmo órgão jurisdicional que firmou um precedente, possa tomar conhecimento da violação praticada por outra autoridade pública, administrativa ou judicial, permitindo-lhe agir visando garantir a efetividade da decisão outrora adotada. Embora o procedimento da reclamação já existisse no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal restringia sua utilização ao âmbito dos tribunais superiores. Tal situação foi alterada pelo CPC vigente, que ampliou o uso para todos os tribunais pátrios, supervalorizando a utilização do mencionado instituto, “[. que agora servirá não somente para preservar as decisões proferidas pelas cortes superiores, mas, também, para garantir o efeito vinculante das decisões prolatas por TRFs e TJs, eis que os incs.

Tanto é assim que o inc. II do §5º do art. dispõe sobre a hipótese de manejar Reclamação contra REs com repercussão geral e REsp e extraordinários repetitivos. Pelo teor do dispositivo legal citado, percebe-se que cabe Reclamação contra acórdão que fora proferido em REs com repercussão geral reconhecida em REsp ou REs repetitivos, desde que as instâncias ordinárias tenham sido esgotadas. Dito de outra forma, a Reclamação serve para atualizar precedentes qualificados, tornando possível que o tribunal proceda à sua retificação ou superação, evitando que as discussões que ainda pairem sobre o tema sejam encerradas definitivamente294. I, “a” e b” do CPC? Sob esta ótica, a Reclamação que iria servir, nos dizeres de João Eduardo de Nadal297 como meio para oxigenar o precedente qualificado, procurando demonstrar que para o caso concreto, o entendimento, seja em sede de repercussão geral ou em sede de recurso repetitivo, não se coaduna ao precedente aplicado, ficaria represado em razão da necessidade de aguardar decisão de agravo interno, nos termos do art.

do CPC. E mais, pressupondo-se que o agravo interno seja interposto adotando-se uma fundamentação específica, mas que tenha sido rejeitada devido a outra motivação, a questão alvo da superação do precedente qualificado não poderia em nenhuma hipótese chegar ao tribunal superior. Mais uma motivação que suscita o conflito é a ausência de previsão no CPC para recurso sobre a decisão que nega o agravo interno. Nesta possibilidade, a dúvida que se levanta é sobre qual o recurso que seria adequado para o acórdão que decide sobre o agravo interno. inc. III) e de acórdão que fora proferido quando do julgamento de IRDR ou de incidente de assunção de competência (art. inc. IV). Melhor dizendo, não existe respaldo para que a reclamação seja aplicada, com fundamento no §4° do art.

No Brasil, considerando-se o perfil do judiciário, os órgãos ordinários precisam se dedicar à solução de controvérsias, ao passo que os Tribunais Superiores devem zelar da uniformidade do sistema308. Assim, as funções dos tribunais são: solucionar controvérsias; e densificar o estoque de normas jurídicas309. Às primeiras instâncias caberia a prestação jurisdicional de maneira ágil, onde devem ser consideradas, questões de fato e de direito inerentes aos casos concretos que chegam ao Judiciário. Já nos órgãos superiores, a função possui outro viés tendo em vista que esta é a etapa que deve assegurar a aderência das decisões jurídicas à realidade cultural da sociedade, ou seja, o foco recai menos sobre as partes que integram o conflito e visa mais à sociedade310.

Essas Cortes Superiores são verdadeiros “sentinelas da lei”311, que a blindam do excesso de poderes do magistrado quando este usurpa do legislativo o direito de fixar padrão de conduta a ser seguido naquele caso específico e em outros que venham a surgir futuramente. Como expõe Frederick Schauer312, nenhum evento é igual ao outro e, por esta razão, para que uma decisão sirva como precedente de outra não é necessário que os fatos da ação anterior e os da subsequente sejam idênticos, pois, se assim o fosse, os precedentes não existiriam. Segundo Oliveira Jr. o CPC de 2015 não fez com que o Brasil migrasse para o sistema da commom law, nem estabeleceu em terras brasileiras um regime de recursos vinculantes. Apenas estatuiu um sistema de precedentes qualificados, em que algumas decisões exaradas do Judiciário passarão a ter caráter vinculante.

Ademais, há que se ressaltar que precedente é diferente de jurisprudência. É permitido, pois, que o juiz ou tribunal, afaste a aplicação do precedente indicando que foi revogado (overruling) ou indicando distinção (distinguishig). Este é o entendimento do art. §1º, combinado com o art. §1º, inc. VI, do novo CPC. II do CPC dispõe sobre o requerimento para prosseguir o feito no recurso repetitivo. Um ponto em comum observado em todos os dispositivos legais é que a decisão que não autorizar o RE ou REsp será enfrentada via agravo interno nos termos do art. do CPC. Como expõe Oliveira Jr. referente à competência dos tribunais de origem para avaliar se os REs com repercussão geral ou os REsp ou REs repetitivos são aplicáveis, fazendo uso dos precedentes de forma mecânica, a tendência é que seja afastada a possibilidade de o entendimento ser superado.

Tanto é que o novo CPC, em seu art. inc. IV319, trazia expressamente uma previsão que autorizava a Reclamação com o intuito de fazer valer decisão em RE e REsp repetitivos. A Lei 13. modificou a redação deste dispositivo legal, porém por interpretação a contrario sensu, autoriza seu manejo desde que estejam esgotadas todas as instâncias ordinárias320. do NCPC, confere racionalidade decisória capaz de resguardar os princípios da segurança jurídica, isonomia e razoável duração do processo. Evidente que não se afiguraria razoável cogitar que as teses jurídicas prejudiciais pudessem ser imunes a mudanças, aprimoramentos, ou total superação, sob pena de um inaceitável engessamento da jurisprudência brasileira. Nesse sentido, como visto nesta dissertação, o overruling é um método de revogação do precedente, eliminando e substituindo a ratio decidendi por outra.

É necessário, quando da superação, que seja o novo precedente mais apropriado, devendo o julgador extrair norma nova adequada ao melhor atendimento de proposições sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e/ou morais. Dentro dessa perspectiva, o overruling também é técnica do sistema de precedentes voltada a evitar o engessamento do Direito, pois, com fulcro no dever de integridade, assegura a readequação do entendimento jurisprudencial às exigências contextuais. Reclamação e correição parcial: recursos atípicos?. Jus Navigandi. Teresina, a. n. nov. v. ALVIM, Eduardo Arruda. Reclamação e ação direta de inconstitucionalidade. In: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; COSTA, Eduardo José da Fonseca (Coords. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. A Correição Parcial.

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Primeiras Impressões sobre a Repercussão Geral. A Justiça e as Instituições. Consulex, Brasília, a.

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