AS INOVAÇÕES DA LEI 13.465/2017 NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA E SEUS REFLEXOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

que trouxe a simplificação do procedimento de registro e os registros em massa da propriedade. Como metodologia, foi empregada a pesquisa bibliográfica, a partir da revisão das ideias e pensamentos de doutrinadores, além das legislações que se debruçam sobre o tema em análise, permitindo concluir que a regularização fundiária só pode ser considerada plena se a regularização jurídica vier acompanhada também de regularização urbanística, ambiental e da disponibilização dos equipamentos coletivos urbanos e infraestrutura. Diante disso, afirma-se o entendimento de que a regularização fundiária não pode ser vista apenas como um recurso para suprimir o status fundiário ilegal que algumas áreas da cidade assumem, mas, principalmente como um meio para que seja assegurada a inclusão socioespacial de populações que vivem em comunidades carentes no tecido urbano.

No entanto, percebeu-se que a nova lógica trazida pela Lei nº 13. prevê a possibilidade de se promover o registro do direito de propriedade em massa em favor dos ocupantes de assentamentos informais, pela inobservância das demais dimensões da regularização fundiária urbana como a sustentabilidade ambiental, a implantação de infraestrutura e serviços públicos, a implementação de processos participativos e de gestão democrática e a demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) que visa instituir a permanência da vocação de habitação de interesse social nas áreas regularizadas. However, it was realized that the new logic brought by Law No. provides for the possibility of promoting the registration of the mass property right in favor of the occupants of informal settlements, due to the non-observance of the other dimensions of urban land regularization such as environmental sustainability, the implantation of infrastructure and public services, the implementation of participative and democratic management processes and the demarcation of the Special Zones of Social Interest (ZEIS), which aims to establish the permanence of social interest housing in regularized areas.

The absence of all these dimensions that structure the instrument of urban land regularization of social interest can contribute to a reverse effect of regularization, leading to the return of the areas entitled to legal informality, considering the dynamics of transmissions in certain locations and the high costs they cover the maintenance of formality, such as transactions in real estate registries and the payment of high taxes incompatible with the low-income population. Thus, it is understood that the non-observance of the transdisciplinary aspects proper to urban land regularization can lead to the violation of fundamental principles, such as the social function of property and the social function of the city, as well as ignored guidelines, such as guaranteeing the right to city ​​and adequate housing, causing the maintenance of unequal cities, unjust in a direction contrary to the precepts of urban reform.

Keywords: Right to housing. Conceito de propriedade 16 2. Propriedade nas Constituições Brasileiras 19 2. A Função Social da Propriedade 21 2. Da essencialidade do Direito à Moradia 24 2. Os Direitos Reais Limitados no Direito de moradia 29 2. ANÁLISE DOS DADOS 55 CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 56 4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 56 4. Explicar o novo procedimento da regularização fundiária trazido pela Lei Federal nº 13. A simplificação do procedimento de registro 59 4. A Lei Federal nº 13. Assim, a atuação positiva estatal não deve se restringir a mera provisão de habitações, devendo promover o direito à moradia adequada, que assegure, igualmente, qualidade de vida. Neste trilhar, a questão que norteou esta pesquisa foi: a regularização fundiária no estado de São Paulo, Brasil tem sido suficiente para satisfazer o direito à moradia em toda a sua plenitude? 1.

JUSTIFICATIVA A condução política do Estado brasileiro, de uma forma geral, sempre pautou suas decisões de modo a atender interesses econômicos, ainda naqueles momentos em que, aparentemente, se buscava atender a determinados clamores sociais. No entanto, busca-se demonstrar que, segundo o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais2, a adequação da moradia é determinada por fatores sociais, econômicos, culturais, climáticos e ecológicos, devendo, portanto, oferecer aos seus ocupantes: segurança da posse; disponibilidade de serviços de infraestrutura, como água potável, saneamento básico, iluminação e coleta de lixo; custo adequado, de forma a não comprometer outros direitos humanos; segurança física e estrutural, com proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, e outras ameaças à saúde; localização não isolada oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas, creches e outras instalações sociais; respeito à expressão cultural nas edificações sem que se olvide do emprego de facilidades tecnológicas modernas.

Essa árdua tarefa de concretização do direito à moradia adequada foi igualmente abordada no presente em que se defendeu que os instrumentos de planejamento da atuação estatal somente serão verdadeiramente importantes na medida em que tenham a sua operacionalização, regulamentação e implementação influenciadas e monitoradas pelos cidadãos. Assim, considerando a recente publicação da Lei 13. proveniente da conversão da MP 759/16 e que alterou o procedimento de regularização fundiária, serão realizadas algumas considerações acerca do novo procedimento de regularização fundiária e seus reflexos no estado de São Paulo, tendo em vista a carência de pesquisas abordando esta temática. A abordagem utilizada nesta dissertação parte de uma perspectiva transdisciplinar (FERNANDES, 2006) ao Direito, que se vale de elementos sociais e políticos para o estudo proposto, bem como propõe uma análise do ponto de vista do direito urbanístico, com relação à questão urbana, ao ordenamento jurídico fundiário e aos direitos e garantias a este atrelados.

O recorte explorado sobre a Lei nº 13. consiste na elaboração de uma teoria que reconhece uma priorização do registro imobiliário das áreas informais, identificada pela leitura de dispositivos específicos da lei. Em cenário de dependência subsistente da cidade em relação ao campo, nos núcleos urbanos figuravam a miséria e a dificuldade do escoamento produtivo, além de sua administração ficar a jugo do poder local e dos homens privilegiados (MOURA, 2016). A despeito da mudança no ciclo econômico, em meados do século XVIII, ainda durante período colonial, com ascensão da exploração aurífera e expansão da atividade pecuária, mediante a redução da atividade açucareira, e o consequente surgimento de novas vilas e cidades pequenas, as mazelas urbanas mencionadas acima não foram superadas.

O cenário de desigualdade urbana prevaleceu mesmo quando da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, no princípio do século XIX, momento no qual se percebeu maior urbanização, embora tardia. Nesse tempo, apesar da minoração da taxa de desocupação da cidade, com a instalação da Corte nas melhores edificações, e a existência de construções e serviços nas regiões centrais, outra parte convivia com ausência de políticas públicas garantidoras de moradias adequadas ou de acesso a serviços públicos essenciais (MOURA, 2016). A urbanização brasileira foi, comumente, dotada de caráter excludente e desigual, e o Direito teve papel influenciador nisso, desde a época colonial. Sabendo-se que a moradia é essencial às pessoas, analisa-se neste capítulo, o direito fundamental à moradia e suas implicações.

O Direito Social à Moradia A moradia é essencial às pessoas. É um Direito social. Está regulamentado por normas que têm por escopo sua efetividade. Traz em si, portanto, a finalidade de reduzir as desigualdades sociais na promoção do bem para todos, sem preconceitos relacionados à origem, raça, sexo, cor, idade ou outras formas de discriminação, na acepção dos objetivos fundamentais postos na Constituição Federal vigente (Art. A regulamentação dos Direitos concernentes à organização das cidades brasileiras têm por base aspectos da sociedade e da ordem jurídica em prol de atender problemas sociais e jurídicos, uma vez que muitos Direitos são corolários imediatos das necessidades sociais primárias. No caso sob exame, por exemplo, para a moradia como necessidade humana fundamental, exsurge um Direito a ela invariavelmente ligado (BONIZZATO, 2015).

Assim, nasce a normatização como um aspecto relevante na solução de problemas relacionados à moradia, por meio da edição de normas em vistas à efetivação de medidas que beneficiem a sociedade respectiva. Na inexistência de um lugar propício para proteger a si próprio e os familiares, contra as intempéries, um lugar para usufruir de sua intimidade e privacidade, isto é, carente de um “espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem-estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, a depender das circunstâncias, por vezes não terá sequer assegurado o Direito à própria existência física, e, portanto, o seu Direito à vida” (SARLET, 2008, p. É preciso que o ordenamento jurídico proporcione meios que possibilitem que a pessoa tenha uma moradia ideal, estabelecendo-se num local apropriado ao desenvolvimento familiar, para evitar uma sociedade com característica não inclusiva, livrando-a de situações degradantes e comprometedoras à vida saudável.

Quando a aquisição imobiliária é originada por meio de contrato, tem-se que a relação jurídica pode ser de Direito obrigacional ou de Direito real, conforme tenha ou não o ato de registro translativo. Adiante serão apresentados os requisitos entre obrigacional e real, situações essas com repercussão na regularização fundiária. Tal procedimento é importante para proteger o adquirente na realização do negócio jurídico contratual. A moradia, para efeitos de Direito Privado, guarda conexão primeira com o conceito de propriedade, Direito que permite à pessoa usar, gozar e dispor de um bem que comumente serve a tal função. Importa a esse estudo compreender como o próprio Direito de propriedade sofreu mudança em razão da necessidade de moradia, impactando na própria legislação civil.

Quanto à aquisição da propriedade por meio de contrato, em termos de efeitos translativos, destaca-se que o CC/2002, aos estabelecer os pressupostos normativos, não admite que um negócio jurídico contratual possa transferir a propriedade. Se a propriedade for móvel, dar-se-á pela efetiva entrega da coisa, ou seja, pela tradição – Art. e se propriedade imóvel mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis – Art. Ou seja, não é suficiente o contrato em si mesmo para a obtenção da propriedade. Dos dispositivos postos, para que ocorra a aquisição da propriedade, infere-se que na propriedade imobiliária o contrato deve ser levado para registro em cartório, pois enquanto não ocorrer tal ato jurídico o adquirente não será dono, já na propriedade mobiliária a entrega da coisa é suficiente à transferência da propriedade.

Como forma de aquisição da propriedade imóvel enumerou a transcrição do título de transferência no registro do imóvel, a acessão, a usucapião e transmissão hereditária (Art. O Código Civil/2002 traz o conceito de propriedade e esta encontra-se taxativamente classificada como um Direito real em seu Art. I, combinado com o Art. caput, e § 1°, esse que apresenta requisitos para a função social da propriedade: Art. São Direitos reais: I - a propriedade; [. Por fim, em sentido estritíssimo, a propriedade é “domínio”, situação na qual o titular reúne os poderes de usar, gozar e dispor de um bem, sem qualquer ressalva ou redução de poderes. O segundo, referindo-se ao sentido amplo, é o que corresponde aos Arts.

a 530, do Código Civil de 1916, por exemplo, o Art. continha os seguintes termos: a lei garante ao proprietário o Direito de usar, gozar e dispor de seus bens, bem como de reavê-los daquele que a possuir injustamente (MIRANDA, 2001). Propriedade nas Constituições Brasileiras A Constituição Política do Império do Brazil, com reflexo no Código Civil de Beviláqua, dispôs no Título 8°, “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros”, em seu Art. Ao contrário disso, a Constituição de 1937 não trouxe referência à função social da propriedade, concedendo autonomia ao legislador infraconstitucional quanto à definição de seu conteúdo e os limites (Art. item 14). Em 1946 a Constituição manteve a propriedade na relação dos Direitos e Garantias Individuais, inclusive condicionando ao bem-estar social, com promoção justa na distribuição e igualdade de oportunidade para todos – Art.

no Título da Ordem Econômica e Social. Ou seja, a própria norma constitucional apontou limites à propriedade diferentemente da Constituição de 1937. Expõe-se que, na ordem constitucional brasileira, a propriedade representa um direito real possuidor do status de direito fundamental. De início, afirma-se em concordância com Siqueira (2018), que a propriedade seria a relação com a coisa e as relações interpessoais advindas da primeira relação, sendo interessante asseverar que o conceito de propriedade não se confunde com o seu conteúdo que seriam as faculdades ajustadas às restrições sociais, econômicas, legais e contratuais. A propriedade é garantida pela ordem jurídica brasileira, passando a sua proteção a ser um direito, embora o alcance dessa proteção deva ser interpretado conforme a ordem constitucional vigente, que traz importantes aspectos, como a função social, ambiental e econômica da propriedade, a serem considerados pelo Estado, ao desempenhar sua função executiva e legislativa, e pelas pessoas nas suas relações privadas.

Siqueira (2018) explica que ao longo do tempo e das civilizações, os limites à propriedade, que ensejam restrições às suas faculdades derivadas, e, consequentemente, ao direito de construir, são bastante elásticas, dependendo dos fatores sociais, políticos e econômicos. Essas limitações podem ser originadas pela ordem natural, lei ou vontade humana. Assim, a função social é uma qualidade da propriedade, uma qualidade indeclinável de servir ao titular da coisa, que poderá ter seu uso, gozo e fruição, mas observando o direito da coletividade de ter estes mesmos direitos, em caso de seu titular não proporcionar uma adequada utilidade ao bem, em que representa destinatário inicial. Desta forma, a função social da propriedade é destacada, ou seja, certo é que a Constituição consagrou a inviolabilidade da propriedade, mas somente se ela atender a sua função social.

Assinale-se que a função social da propriedade não está regulada apenas por um conjunto de normas, mas, principalmente, por meio de um sistema jurídico complexo, ao consagrar a propriedade privada e sua necessidade de atender à função social, pertencente a uma ordem econômica, ambiental e urbanística, visando proporcionar o equilíbrio do convívio social da coletividade, superando a mera esfera do particular (CARVALHO, 2007). Vale observar que o instituto da função social da propriedade é distinto do direito subjetivo da propriedade e que surge como um dos dispositivos que compõem o direito de propriedade. Silva (2018, p. No caso, os interesses públicos a prevalecerem são os caracterizados como primários, ou seja, os pertencentes à coletividade, e, conforme esse intuito, faz-se necessário que o planejamento urbano, de responsabilidade da Administração Pública, promova o direito à cidade (MASTRODI; ISAAC, 2016).

O planejamento urbano voltado quase que exclusivamente aos interesses capitalistas, ou desígnios da urbanização corporativa, fere o princípio administrativo ínsito à ideia trazida pelo Estatuto da Cidade. Este visa garantir o direito à cidade a todos os que habitam o meio urbano e, para isso, limita o direito de propriedade pela necessidade de consecução de sua função social, conforme os ditames já estabelecidos na Constituição Federal (doravante CRFB/1988). O Município, unidade federativa à qual cabe o planejamento urbano por excelência, deve ter seu Plano Diretor limitado e conforme os dispositivos do Estatuto da Cidade, de modo a cumprir as determinações expostas nele, para lograr equânime distribuição, em face da urbanização, dos benefícios e ônus que dela decorrem (PORTO, 2012). Respeitadas essas questões, salvaguarda-se o direito à cidade à coletividade.

Assim, corroborando Souza (2013), pode-se reputar a moradia como elemento essencial do ser humano, conceituando-a como um bem da personalidade e, portanto, impassível de renúncia pelo individuo, indisponível e indissociável da sua vontade. É que o bem da moradia independe de objeto físico para a sua existência e proteção jurídica, além de existir independentemente de lei, por ter substrato no direito natural. Stefaniak (2010) menciona que o direito humano e fundamental à moradia é indissociável do princípio da dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, relaciona-se à moradia digna. Esta, por sua vez, teve suas características definidas no ordenamento internacional, e que são elencadas, sobretudo, na Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos e Agenda Habitat. O direito à moradia, segundo as disposições do artigo XIV da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, abrange, dentre variados pontos: a adoção de medidas, pelas cidades, para garantir que as despesas com moradia sejam acessíveis, por manterem proporcionalidade em relação aos rendimentos do estrato social considerado; a moradia em condições de vida e localização adequadas; a adequação da moradia às características étnico-culturais do grupo de pessoas considerado; acesso às facilidades urbanas; atuação estatal na promoção de melhorias em vizinhanças precárias e nos assentamentos informais; segurança na posse da moradia; e reconhecimento, como interlocutores, de movimentos e organizações sociais defensores do direito à moradia (WORLD SOCIAL FORUM, 2005).

Como o direito social à moradia é constituído pela conjunção da habitação digna e de um necessário planejamento habitacional, já que se insere em ambiente com acesso à infraestrutura básica, a serviços como o transporte público e a equipamentos públicos, não há de se falar, na linha do exposto acima, em concretização desse direito por demanda judicial satisfativa, ao contrário do que costuma ocorrer com outros direitos sociais. Isso porque os fatores que formam o direito à moradia impedem a existência de disponibilidade de unidades em estoque, impossibilitando a satisfação do direito por intervenção judicial na discricionariedade administrativa. Incidem, por conseguinte, como fatores impeditivos dessa imediata satisfação por via judicial, a reserva do possível e a ineficácia imediata do direito estabelecido pela norma constitucional (MASTRODI; ROSMANINHO, 2013).

Há de reconhecer-se, entretanto, que há possibilidade de posicionamento divergente quanto ao tema, e que, portanto, depreenda que os direitos sociais podem constituir direitos subjetivos, baseado na redação do §1º do Art. º da CRFB/1988, que determina a aplicação imediata das normas sobre direitos e garantias fundamentais. Não obstante essa última posição, pautada na literalidade da redação do §1º do Art. º da CRFB/1988, a qual estipula a imediata aplicação dos direitos fundamentais, o direito à moradia, como normalmente ocorre com os direitos sociais prestacionais, não reclama aplicação imediata, principalmente quando sua concretização demanda atuação estatal positiva como quando da construção de moradias populares voltadas à população de mais baixa renda, porquanto sua concretização depende de previsão orçamentária determinada nas leis orçamentárias, no que encontra sua limitação.

Por fim, tem-se que a efetividade na consecução do direito à cidade é condição necessária para atingimento do direito à moradia urbana adequada. A moradia urbana adequada, por sua vez, não se trata somente de uma habitação no interior da qual se vive, mas deve abranger cidade, acesso ao uso do espaço urbano e participação no planejamento, tudo isso relacionado à efetiva realização do direito à cidade (MASTRODI; CONCEIÇÃO, 2016). Segundo a abordagem tratada nesse ponto, a correlação existente entre direito à moradia adequada, no meio urbano, e direito à cidade evidencia que os princípios constitutivos do compreendido por cidade saudável estão presentes na noção de moradia adequada, mas igualmente no que resulta em uma cidade democrática, como conformado na Carta Mundial pelo Direito à Cidade (VASCONCELOS FILHO, 2015), que, conforme já determinado, se relaciona ao acesso aos benefícios da cidade, bem como aos serviços públicos e, dentre outros aspectos, à gestão urbana democrática.

José de Santa Maria (1993, p. entende que o Direito real limitado “estabelece transitoriamente entre uma pessoa natural ou jurídica e um bem móvel ou imóvel de certo titular, que para tanto confere a sua aquiescência, opondo-se o Direito assim constituído, contra todos enquanto perdurar o respectivo vínculo (eficácia erga omnes)”. Há de se frisar que a propriedade possui, dentre suas características, a exclusividade no domínio, sendo vedado o estabelecimento, como uma limitação, de um Direito real onde já esteja presente outro da mesma natureza. Assim, o titular do Direito de propriedade e de outros Direitos reais tem a exclusividade do exercício dominial, com unicidade e indivisibilidade, sem possibilidade de duas ou mais pessoas usarem, fruírem e disporem de um bem em concorrência (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p.

Com o Direito de vizinhança, o poder de polícia e os Direitos reais sobre coisas alheias, tornou-se inviável falar em Direito de propriedade absoluto3 (NEVES; SANTOS; SEPULVEDA, 2017). As pessoas são dignificadas quando vivem em ambiente saudável. O Art. do CC/2002, foi alterado para inclusão da liberdade econômica no sentido de aplicação do princípio da intervenção mínima do Estado (parágrafo único), com manutenção da limitação na função social do contrato: “Art. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Portanto, onde a propriedade pela coisa mão é concebida inapropriável ou porque a pessoa não tem capacidade para ser sujeito desse Direito, não é admissível a posse.

Porém onde a propriedade é possível, a posse também o é (BEVILÁQUA, 2003). O autor faz uma conexão que a propriedade deriva da posse, porém a recíproca não procede porque é possível que se tenha a posse sem ter a propriedade; nessa esteira, o locatário tem a posse direta com os seus poderes e limites, porém não possui a propriedade, esta é do locador/proprietário aliada à posse indireta. As limitações atingem o complexo imobiliário mediante a instituição de balizas ao exercício de Direitos, na extensão que o legislador entende adequada suficiente e em razão do interesse social, em algumas vezes com sacrifício individual como o uso público de bem particular e a concessão da superfície (BITAR, 1991).

Pode-se listar como limites a função social, a preservação do meio ambiente, os Direitos de vizinhança (segurança, saúde e sossego), o interesse público (coletividade), a desapropriação e suas modalidades, a requisição administrativa na hipótese de iminente perigo público, além daqueles postos pelas partes (convencional) no ato da concessão. As negociações privadas podem ter natureza de Direito obrigacional que produzem efeitos entre as partes, também chamado de Direitos pessoais, como na compra e venda, troca, locação e comodato, ou de natureza de Direito real, como na propriedade, superfície, habitação, a depender do interesse e autonomia da vontade das partes. Na obrigacional, as partes possuem mais liberdade do que nas relações de Direitos reais. Para Emilio Betti (2006), nessa diferenciação, o ponto central na obrigação é o vínculo do devedor com a premissa do Direito do credor; já no Direito real, diversamente, a limitação do sujeito passivo é a consequência do Direito do titular.

Desse modo, o autor deixa inequívoco que na obrigacional a relação jurídica vincula diretamente as partes, mas no Direito real há uma limitação e Direitos em prol do titular contra demais sujeitos passivos - em outras palavras, efeitos contra todos. As crescentes limitações da liberdade contratual se originam por força das intervenções administrativas, onde órgãos da administração pública, os quais contêm o poder de definir no caso concreto [poder discricionário], sem incidir diretamente no conteúdo do contrato, mas subordina a sua eficácia a uma aprovação ou autorização preventiva (ROPPO, 2009). Pode-se citar como limitações reais de gozo a superfície, a servidão, o usufruto, o uso e a habitação, com fundamento precípuo no CC/2002 e convergem para a função social.

Cada instituto jurídico possui as suas peculiaridades e respectivas limitações, porém nenhum com a característica de plenitude existente no Direito de propriedade, conforme o Art. do CC/2002. Destaca-se que a propriedade não é a única forma pela qual se expressam relações jurídicas dos Direitos reais, sem exclusividade da função social ao Direito de propriedade. Qualquer Direito real limitado (a servidão e o usufruto) contém o germe da função social (FARIAS; ROSENVALD, 2015). Segundo Orlando Gomes (2010, p. é o “Direito de desfrutar um bem alheio como se dele fosse proprietário, com a obrigação, porém, de lhe conservar a substância”. De acordo com o autor é a definição do Art. do Código Civil francês. No que toca ao uso, confere ao seu titular a faculdade de fruir a utilidade da coisa, temporariamente.

O mínimo existencial serve para propiciar às pessoas uma vida condizente com a existência humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos assinala o mínimo existencial, que alberga o Direito em um nível de vida suficiente para assegurar a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, em consonância com o seu Art. Desse modo, a moradia constitui um Direito mínimo a ser conquistado e preservado. Nesse aspecto de mínimo existencial, tem-se no Direito o amparo suficiente; resta colocar em prática ações concretas. O Direito à moradia engloba diversas áreas jurídicas, destacando-se o Direito Administrativo, o Direito Tributário e o Direito Financeiro, este já salientado quanto à necessidade de disponibilidade orçamentária, e, sobretudo, o Direito Civil.

O segundo segmento reflete problemas na qualidade de vida dos moradores, sem relação com o dimensionamento do estoque das habitações, mas com suas especificidades internas, como a melhoria dos domicílios5 (FJP; DIREI, 2018, p. A pesquisa registra números alarmantes, expressivos e preocupantes para um déficit de mais de 6 milhões de domicílios, sendo maior na região Sudeste seguida da região Nordeste, conforme segue: Em 2015, o déficit habitacional estimado corresponde a 6,355 milhões de domicílios, dos quais 5,572 milhões, ou 87,7%, estão localizados nas áreas urbanas e 783 mil unidades encontram-se na área rural (tab. Em relação ao estoque de domicílios particulares permanentes e improvisados do país, o déficit habitacional corresponde a 9,3%. Do total do déficit habitacional em 2015, 39% localizam-se na região Sudeste, o que corresponde a 2,482 milhões de unidades.

Em seguida vem a região Nordeste, com 1,971 milhões de moradias estimadas como déficit, o que corresponde a 31% do total. Quanto ao problema da moradia com relação às pessoas consideradas excluídas, Alba Zaluar e Marcos Alvito (1999, p. fazem a seguinte recomendação: [. se é verdade que no terreno da cultura política os conjuntos habitacionais não se distinguem das favelas, cabe pensar que políticas públicas voltadas para esse segmento dos excluídos também sejam imprescindíveis para a concretização da promessa de uma cidade verdadeiramente democrática. Como política implementadora, a Lei n° 11. criou o PMCMV, tendo por finalidade conceber mecanismos para incentivar a produção e a aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de moradias rurais destinadas a famílias cuja renda mensal não ultrapasse a R$ 4.

Segundo esta, as terras eram retiradas daqueles que deixassem de cultivá-las, para, mediante foro ou pensão, serem transferidas a quem quisesse aproveitá-las (SILVA, 1996). Instalou-se a prática de dar as terras para serem lavradas, sob certa penalidade, e destinadas ao bem comum. Ainda, vinculavam-se os herdeiros dos lavradores a ter o mesmo ofício dos seus ascendentes. Não só os descendentes dos lavradores, mas os vadios, mendigos e ociosos eram compelidos a lavrar as terras de Portugal (Havrenne, 2018). A ideia era a de que, se toda a terra fosse cultivada, não faltaria alimento para o povo. Nas Ordenações Manuelinas e Filipinas, manteve-se o sentido das sesmarias, qual seja, o de conferir as terras pouco utilizadas às pessoas que quisessem ocupá-las. Havia também que se pagar os encargos tributários.

O enfoque passou a ser o repovoamento. A agricultura era a condição imposta ao repovoamento, sendo ao mesmo tempo a sua conseqüência (Havrenne, 2018). Constata-se, nas Ordenações, que a condição resolutiva imposta aos proprietários era o dever de cultivá-las. Dom João III, em 1532, concedeu a Martim Afonso de Souza 100 (cem) léguas de terras, que naquela época mediam algo em torno de 660 quilômetros (“km”), sendo talvez a origem do latifúndio no país. No entanto, algumas diferenças em relação a Portugal já eram passíveis de ser constatadas: a) aqui as terras eram virgens, sem que antes tivessem sido lavradas e/ou aproveitadas (não se aplicando tal característica às terras utilizadas pelos índios), como ocorreu lá; b) no Brasil, o regime das sesmarias tinha uma feição mais parecida com a enfiteuse, transferindo-se o domínio útil, ao passo que em Portugal tal regime assemelhava-se a um confisco (MARQUES, 2009).

A adoção deste instituto provavelmente ocorreu pela inexistência de outro em Portugal, e visava principalmente a ocupação por aqui, com o temor de invasões estrangeiras (MARQUES, 2009). Com base na carta régia, Martim Afonso concedeu uma sesmaria a João Ramalho, na ilha de Guaibe, em 1531, e outra a Braz Cubas, em Piratininga, em 1532 (LIMA, 1991). Em 1532, Dom João III resolveu dividir o litoral brasileiro, de Pernambuco ao Rio da Prata, formando capitanias de 50 léguas da costa, prometendo 100 léguas a Martim Afonso e 50 léguas a Pero Lopes. Ainda, o Regimento de 1548 estipulava as regras para as sesmarias destinadas aos engenhos de açúcar. Os proprietários dos engenhos deveriam moer a cana dos lavradores vizinhos. Também, era necessário que protegessem os engenhos, com a quantidade de armamento sugerida pelo regimento (SILVA, 1996).

Importante registrar que o modo de distribuição da população no Brasil não se deu por um plano de distribuição geográfica, mas sim em virtude do arbítrio e conveniência individual. Ainda, os colonizadores preferiam apossar-se de um pedaço de terra do que ir ao rei pedir uma concessão de sesmaria. O sistema de sesmarias trouxe dificuldades àqueles que desejavam cultivar, de forma independente, as terras. Gerou um sistema de apossamento de terras pelos colonos, com a migração dos mais corajosos para terras remotas. Ademais, mesmo ao senhor não valia a pena requerer a sesmaria (LIMA, 2000). Agrava-se isto na medida em que a legislação portuguesa não reconhecia a figura do posseiro, dando invariavelmente ganho de causa ao sesmeiro. Houve, em 1795, a elaboração de um Alvará, que foi uma tentativa de reconhecimento do posseiro.

O período que vai de 1822 a 1850 é conhecido como a “fase áurea do posseiro”, já que a posse tornou-se a única forma de aquisição de domínio, ainda que seja somente uma posse “de fato” (SMITH, 2008). A ocupação aqui realizada tinha um sentido diferente da “occupatio” romana. Lá, bastava o apossamento para que se justificasse a aquisição do domínio. Aqui, a ocupação deveria acompanhar a cultura do terreno. Não obstante, o espírito latifundiário passou a impregnar o sistema de posses, que foi fomentado e difundido pela anterior legislação sobre as sesmarias. A solução à modificação do papel do escravo passou a recair sobre o imigrante. A organização territorial do país era importante porque o capital antes investido no tráfico passaria, em parte, a recair sobre a terra.

Além disto, o financiamento à imigração poderia se dar com a venda de propriedades da Coroa. A regularização da propriedade passou a ser um imperativo (SILVA, 1996). Neste contexto, nota-se que a Lei de Terras (18. Eles tinham o direito de pedir a indenização pelas benfeitorias realizadas, bem como o de requerer a legitimação de posses, desde que respeitadas algumas condições, como possuir a área por cinco anos (Havrenne, 2018). Com efeito, era necessária a legitimação/regularização das posses dos ocupantes, o que deveria ser incentivado pelo aproveitamento das terras. Tem-se, assim, o berço da regularização fundiária no país. Diga-se, ainda, que a Lei de Terras não voltava os seus olhos unicamente ao passado, mas também ao futuro. Nesse diapasão, proibiu as aquisições de terras devolutas por outro mecanismo que não a compra.

Este tinha por base os seguintes postulados: a) abundância de mão de obra; b) possibilidade de importação de trabalhadores das metrópoles, para trabalharem nas colônias, por, pelo menos, 2 ou 3 anos; c) impossibilidade de os imigrantes se tornarem proprietários, motivo pelo qual as terras deveriam ser vendidas a preços elevados; d) incorporação do produto total das vendas a um fundo de imigração, destinado a custear a vinda deles; e) determinação para que o preço das terras fosse uniforme e fixo, levando em consideração unicamente a sua extensão (Havrenne, 2018). Destes cinco postulados, três foram efetivamente incorporados pela Lei de Terras de 1850, quais sejam: a) importação de trabalhadores, realizada pelo governo, para trabalhar por um período certo de tempo; b) venda fora de hasta pública de terras por preços elevados; c) criação de um fundo de imigração, destinado a custear a vinda do maior número possível de imigrantes para o Brasil (Havrenne, 2018).

Por fim, é importante dizer que dois elementos formais essenciais integram a concessão de terras no império: um contrato e um título. O mero contrato não aperfeiçoava a concessão, exigindo-se a presença do título. Tratava-se de formalidade essencial à transferência de terras, que foi até mesmo incorporada no Código Civil de 1916, por Clóvis Bevilacqua. o suporte legislativo que regulamenta os artigos 182 e 183 da CRFB/1988 e, portanto, serve de norte aos processos de planejamento urbano. Segundo Fernandes (2002), o referido diploma legal veio consolidar a nova ordem constitucional quanto ao controle jurídico do desenvolvimento urbano, e reorientar a ação do poder público, do mercado imobiliário e da sociedade, com base em novos critérios econômicos, sociais e ambientais. Nesse intento, o de promover e criar meios aptos a garantir o direito à moradia, o estatuto elenca as diretrizes de que se valer o administrador público, sobretudo o municipal, para ordenar das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

A regularização fundiária é uma política de Estado, que consiste no conjunto de medidas que visam à titulação dos ocupantes de áreas irregulares, de modo a garantir o mínimo vital de dignidade às pessoas. Numa acepção mais ampla, a regularização fundiária envolve todos os atos necessários à arrecadação de terras para o domínio público, para posterior destinação às pessoas aptas a conferir um uso racional delas (Havrenne, 2018). Ao revés, o fundamento da posse ou a propriedade que irá ser exercida está vinculada à manutenção da dignidade da pessoa humana (Havrenne, 2018). Assim, a regularização fundiária insere-se no escopo maior de promoção da dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil. CAPÍTULO III – MARCO METODOLÓGICO 3. TIPO DE PESQUISA Inicialmente, importa dizer que independentemente do método utilizado em uma pesquisa, sua atenção será sempre direcionada para determinados aspectos dos fenômenos que parecem importantes para o pesquisador.

Segundo Goldenberg (2011, p. Esse trabalho começa na identificação e localização e vai até a obtenção da bibliografia referente ao assunto pesquisado. O segundo sentido, mais restrito, mas não oposto ao primeiro, explica que a pesquisa bibliográfica é um conjunto de procedimentos que objetiva analisar informações bibliográficas, selecionar documentos relativos ao tema estudado e “proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico” (STUMPF, 2006, p. Segundo Medeiros e Tomasi (2008, p. “além de auxiliar na definição dos objetivos da pesquisa científica, a revisão bibliográfica também contribui nas construções teóricas, nas comparações e na validação de resultados de trabalhos de conclusão de curso e de artigos científicos”.

Assim, a pesquisa bibliográfica é vital para um trabalho de pesquisa, independente do seu formato, seja ele dissertação, trabalho de conclusão de curso, artigo para periódicos etc. Nesse sentido, a racionalidade abre espaço para a subjetividade (GOLDEMBERG, 2011). Na pesquisa qualitativa a compreensão de um fenômeno se dá de forma mais efetiva no contexto em que acontece e do qual faz parte. As pesquisas qualitativas são aquelas que priorizam os dados qualitativos, ou seja, as informações apuradas pelo pesquisador não são indicadas em números, ou se existem dados numéricos, eles e as conclusões neles fundamentadas possuem uma importância menor na análise (GOLDEMBERG, 2011). Seguindo esta mesma concepção, Marconi e Lakatos (2010, p. apontam que “a metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano.

A falta de uma moradia adequada, como expõe Augusto (2013) afeta substancialmente a dignidade da pessoa humana, sendo, assim, uma das prioridades a ser adicionada ao plano de governo. A regularização fundiária visa reverter essa situação. A regularização fundiária é um dos meios de promoção da dignidade humana, que tem de ser incentivada pelo Estado. Consiste, especificamente, em um instrumento de reordenação da estrutura fundiária, pela concessão de um título de posse ou de propriedade às pessoas que almejam uma moradia ou produzir no campo. Um dos problemas enfrentados atualmente é a questão dos loteamentos clandestinos que, devido à grande demanda por imóveis de baixo custo, proliferaram no país e se limitavam à mera demarcação de lotes em grandes centros urbanos e rurais, muitas vezes com a promessa por parte do empreendedor de que no futuro as ligações de água e luz seriam realizadas (AMADEI; AMADEI, 2014).

tratava apenas da urbana. A Lei 13. também faz menção a dois tipos de regularização fundiária urbana: a Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – modalidade de regularização fundiária que pode ser aplicada aos núcleos urbanos informais normalmente ocupados por pessoas de baixa renda; e a Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – modalidade de regularização fundiária que se aplica aos núcleos urbanos informais ocupados por pessoas não citadas na hipótese anterior. Referida lei foi objeto de duas ações declaratórias de inconstitucionalidade. A ADI 5771, ingressada pelo Procurador-Geral da República em 31. da Lei 10. Código Civil); a arrecadação de bem vago, tal como consta no Art. da Lei 10. Código Civil); o consórcio imobiliário, regulamentado pelo Art. da Lei 10.

da Lei 10. Código Civil); a intervenção do poder público em caso de parcelamento irregular, consoante Art. da Lei 6. a venda de imóvel pela administração pública direto a seu detentor, nos termos da alínea f do inc. I do Art. A simplificação do procedimento de registro O registro imobiliário integra a dimensão jurídica do procedimento de regularização fundiária, entendida por um conjunto de medidas de ordem urbana, social, ambiental e jurídica. Sem a dimensão jurídica – que se consagra com o registro do título de garantia da posse ou da propriedade junto ao imóvel ocupado, objeto da regularização –, a regularização fundiária não estaria completa, uma vez que estaria desprovida de segurança jurídica, segundo os preceitos do ordenamento legal brasileiro.

Acerca do registro de imóveis, no âmbito do procedimento de regularização fundiária, o Juiz de Direito Luis Paulo Aliende Ribeiro esclarece que: A necessidade de que toda inscrição no registro de imóveis deva recair sobre um objeto precisamente individuado é o norte para qualquer conjunto de medidas (jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais) destinado à regularização de assentamentos irregulares que tenha por objetivo sério a titulação de seus ocupantes [. e, para que isso ocorra, ou seja, que se obtenha êxito em um projeto de regularização fundiária é imprescindível a prévia identificação da área atingida por tal conjunto de medidas, com o exato conhecimento de seu perímetro, confrontações e titularidades, o que deverá ser observado em todas as fases do empreendimento (RIBEIRO, 2014, p.

O título jurídico de reconhecimento da posse ou propriedade para fins de moradia adequada possui sua importância como uma segurança jurídica aos ocupantes, a fim de protegê-los contra remoções, reintegrações, despejos e desapropriações injustas. A Lei nº 13. traz ao ordenamento a previsão de um sistema registral próprio para a regularização fundiária urbana, posto que os novos dispositivos tornam mais simples as fases do registro imobiliário, desburocratizando o procedimento e dispensando a rigidez documental, típica dos serviços registrais regidos pela Lei nº 6. no intuito de viabilizar que as áreas informais passem à formalidade jurídica, viabilizando a atribuição dos direitos reais15 aos ocupantes da área objeto da regularização. Essas inovações normativas para a regularização fundiária, no sentido de simplificar e tornar menos burocrático o registro imobiliário, segundo Salles (2012, p.

“ocorrem à guisa de que a verdade dos fatos e consolidação das ocupações sobre a terra prevaleça sobre a extrema formalidade usualmente característica dos atos cartorários de praxe” e acompanham os princípio da primazia da realidade e o princípio da eficácia da vontade, princípios operacionais que regem o sistema registral. Ambos os princípios refletem a incorporação do verdadeiro objetivo da regularização fundiária em sua dimensão jurídica do registro imobiliário, tornando mais simples o registro do reconhecimento jurídico do direito à moradia adequada. No mesmo sentido o registrador Melo (2014) discorre acerca da qualificação registral17, no âmbito da regularização fundiária, aduzindo que esta merece um tratamento diferenciado por parte do oficial de registro de imóveis que preside o procedimento: Os princípios urbanísticos aplicados são diferenciados e justificam um cuidado maior para que o direito à moradia prevaleça no caso.

O Estatuto da Cidade traz a diretriz da simplificação da legislação (art. º, inciso XV), que deve reger toda a regularização fundiária. O caráter excepcional do procedimento deve ser considerado porque foi a opção política e legislativa da regularização fundiária (MELO, 2014, p. no que tange ao registro do projeto de regularização fundiária, contudo a mencionada desburocratização e a simplificação do procedimento de registro imobiliário com fins de registro da regularização fundiária urbana não foram inovações exclusivas da Lei nº 13. Na esfera estadual, no ano de 2012, na vigência da Lei nº 11. a Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo editou o Provimento nº 18/2012, que modificou o Capítulo XX das Normas, no sentido de torná-las adequadas e atualizá-las com vistas às efetiva regularização dos assentamentos irregulares.

O expediente inaugurado com o objetivo de promover pesquisas e atualizar as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça, com vistas a regulamentar, administrativamente, as profundas inovações trazidas pela Lei nº 11. alterada pela Lei nº 12. no tocante à possibilidade de a regularização fundiária ocorrer sobre área rural, com destinação urbana, dispensando a exigência de que a regularização urbana só possa ocorrer sobre área assim definida no plano diretor ou lei específica. Pela análise do conteúdo dos itens contidos nas normas da Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo, o intuito de simplificar a dimensão registral da regularização fundiária urbana se faz presente. Todavia o registro imobiliário para tornar formal o direito de posse ou de propriedade compreende apenas um dos elementos do direito à moradia adequada, assim como apenas uma dimensão da regularização fundiária, considerada em sua integralidade de aspectos.

A inteira dimensão da regularização como um instrumento de planejamento urbano engloba diversas outras dimensões que não só a jurídica. A efetivação do registro imobiliário deve estar atrelada às ações integrais (sejam elas urbanas, sociais ou ambientais) a fim de que a desburocratização do sistema registral, no âmbito da regularização fundiária, reflita de fato a efetivação das garantias e direitos atrelados à regularização urbana. verifica-se esse aspecto reducional da estrutura da regularização, ao passo que se identifica a simplificação de um complexo procedimento para engendrar a dinamização de uma possível política de titulação em massa, pelas razões que serão demonstradas ao longo da análise. Na mesma seara dos provimentos que alteraram as normas da Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo e desburocratizaram o procedimento de registro da regularização no estado, a Lei nº 13.

previu, no Capítulo IV, um procedimento mais simples que visa dar celeridade e maior simplicidade para a efetivação dos atos registrais no tocante ao projeto de regularização. Além desse capítulo dedicado ao procedimento de registro, outros dispositivos específicos, que tratam de instrumentos novos, da documentação necessária e de determinados processos corroboram o entendimento da dinamização. A Lei nº 13. Nesse sentido, o ato único engloba o registro da CRF, que é o documento que comprova a aprovação urbanística e ambiental da Reurb, o registro da planta do perímetro e com o parcelamento de quadras e lotes, até a abertura de matrículas para cada parcela resultante do projeto, com vistas a se efetivar a atribuição de direitos reais, anteriormente efetivada através do procedimento de titulação individual ou coletiva.

A lei traz, ainda, a obrigatoriedade da recusa oficial de cartório no processamento da Reurb ter que ser devidamente motivada, não podendo o registrador abster-se, desmotivadamente, de dar prosseguimento à regularização, tendo, para tanto, um prazo de 60 dias para finalizar o registro. Quanto às custas e aos emolumentos, os atos registrais que tem relação com a Reurb-S ficaram isentos, tendo em vista que o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social ficou habilitado para direcionar recursos para a compensação, seja total ou parcial, dos custos que se referem aos atos registrais, que viabilizarão a referida gratuidade. A Reurb da Lei nº 13. nem sempre terá como beneficiários a população de baixa renda, Reurb–S (interesse social), portanto, sob pena de ferir o princípio da Isonomia, os atores envolvidos no procedimento precisam atentar a este aspecto da classificação da regularização fundiária, posto que o intuito de desburocratizar e tornar gratuita a etapa registral baseia-se exclusivamente no relevante interesse público social da regularização fundiária destinado às pessoas de baixa renda.

Referente à demarcação urbanística, instrumento previsto na Lei nº 11. a Lei nº 13. a tornou dispensável, uma vez que a nova redação dispõe que, apresentado em cartório o projeto urbanístico de regularização, o oficial poderá praticar todos os atos para o seu registro. Esses atos incluem a abertura de matrícula para a área ocupada que será regularizada, efetuando os destaques na matrícula de origem referente ao imóvel, levando à unificação de áreas e/ou sua retificação, adotando o memorial descritivo elaborado como o documento que promoverá a especialização das parcelas de terra objeto de regularização, dispensando, ainda, a apuração de remanescente. Esses atos específicos que viabilizam o registro do projeto de regularização, antes da edição da nova lei, só eram possíveis pela utilização do instrumento da demarcação urbanística.

inc. IX) permite que um cronograma das obras avaliadas como indispensáveis possa ser anexado ao projeto de regularização sobre o qual deverá ser assinado um termo de compromisso pelos responsáveis pelo cumprimento da obra. Esse artigo demonstra que a efetivação da dimensão urbanística da regularização fundiária não é fator que condiciona o registro da Reurb, podendo ocorrer independentemente de a área ser dotada de infraestrutura mínima e condições ambientais salubres e sustentáveis. Tal fato evidencia a dimensão do registro para a atribuição de direitos reais, em detrimento do acesso democrático à terra urbanizada, elemento integrante do direito à moradia adequada. Nesse sentido, a lei permite que, qualquer área possa ser registrada através do reconhecimento do direito de propriedade, ainda que sem os elementos de infraestrutura essenciais ao parcelamento do solo urbano.

A legitimação fundiária pode ser aplicada tanto na Reurb –S quanto na Reurb –E, sendo que as condicionantes para o preenchimento dos requisitos específicos para a concessão do instrumento existem apenas para a modalidade de interesse social, que pode ser titulada apenas uma vez por este direito real. Não existem condicionantes específicas para a aplicação da legitimação fundiária no âmbito da Reurb-E com a ressalva de que o beneficiário que não for de baixa renda pode adquirir número irrestrito de imóveis dessa forma. A Lei nº 13. por meio da legitimação fundiária, criou a possibilidade de a propriedade ser registrada sobre qualquer área ocupada, independentemente de estarem presentes índices urbanísticos mínimos, sobre as áreas privadas ou públicas municipais, estaduais ou da União.

Nesse sentido, existem muitos questionamentos sobre o instituto, sobretudo pelo fato de a lei dispensar projeto de regularização para o registro da legitimação, bem como a ausência de uma regulamentação do processo de alienação de terras públicas na hipótese de legitimação fundiária. A Lei nº 13. no caso do direito de laje, induz a dinamização do registro imobiliário, não mais prevendo dispositivos que exijam que, para que seja aberta matrícula específica da laje, a base dominial da terra sobre qual foi erguida a construção esteja regularizada. A mesma omissão referente às dimensões integrais da regularização fundiária, relacionadas ao direito de laje e à legitimação fundiária, se processa com relação aos dispositivos da lei que regulamentam os condomínios.

O condomínio de lotes, cuja Lei nº 13. incluiu redação no Código Civil (Art. Acompanhando a cronologia legislativa, primeiramente a Lei nº 11. previu que o SREI fosse instituído. Posteriormente, em 2015, o Provimento nº 47 do CNJ regulamentou e estabeleceu diretrizes para esse sistema, prevendo o SREI. O SREI tem o escopo de integrar as informações dos registros de imóveis de todo o país, no intuito de formar base de dados nacional que facilite o acesso, pelo Poder Público e particulares, às informações constantes nos serviços de registro imobiliários, além de simplificar o compartilhamento de informações entre os titulares de serventias de registro imobiliário e permitir a recepção e o envio de títulos no formato eletrônico (art.

º do Provimento 47/2015). Isso pode acarretar, segundo Tavares (2017), manipulação de informações públicas na guarda de outros órgãos públicos que não o Judiciário nem os serviços delegatários de registro de imóveis. Outro ponto crítico que Tavares (2017) expõe é que o SREI já havia sido regulamentado pelo Judiciário através do Provimento nº 47 do CNJ, consignando que o controle e a implementação seriam feitos pelos próprios oficiais de registro. O que o decreto na realidade cria é um outro sistema, análogo ao sistema de registro eletrônicos de imóveis, que visa compor um banco de dados integrados com informações sobre o registro de imóveis e os cadastros fiscais, a ser administrado pela Receita Federal que, inclusive, recebe poderes pelo decreto para coordenar as atividades dos registradores.

Além do SINTER, a criação de outro órgão, o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), também permeia as inseguranças com relação à Lei nº 13. O ONR também tem gerado questionamentos acerca da sua constitucionalidade pelo fato de que a Lei nº 13. A dimensão registral da regularização fundiária não se confunde com o próprio instrumento em si, ainda que as diretrizes que ressaltam o registro da propriedade possam estar pautadas em uma ordem de nível internacional, ditadas por órgãos e outras instituições como o Banco Mundial. Essa simplificação do procedimento deve estar atrelada ao cumprimento das demais dimensões da regularização fundiária urbana, sob o risco de implementação de uma política de titulação em massa, que descumpra os preceitos da garantia à moradia adequada e do direito à cidade.

E esse é um dos grandes riscos que a aplicação da Lei nº 13. pode ocasionar. A exposição de motivos da MP nº 759/2016, que originou a Lei nº 13. Desta forma, ainda que os elementos que compõem a dimensão integral da regularização estejam previstos nos dispositivos da Lei nº 13. a efetiva aplicação da norma aos fatos reais autoriza que toda e qualquer terra com infraestrutura mínima ou não, com condições adequadas à moradia ou ainda que ausentes, seja levada ao cartório com vistas à obtenção do registro do direito de propriedade e desta maneira viabilize que o imóvel regularizado possa ser convertido em ativos financeiros comercializáveis no mercado. Em outras palavras, ainda que a Lei nº 13. disponha sobre instrumentos de planejamento urbano, princípios e diretrizes constitucionais em sua redação, a observância desses elementos não é prioridade na Lei, e sua inobservância não configura óbice ao registro da propriedade no âmbito da Reurb, uma vez que a estrutura de seus artigos permite a indução da titulação em massa dos sujeitos de direito que ocupam áreas informais.

Problematizar a atual política de regularização fundiária urbana realizada no Brasil A Lei Federal nº 13. A Lei nº 13. também não se propõe a desenvolver ferramentas que visem garantir a eficiência da experiência de regularização fundiária de interesse social em certos locais, com a criação de planos locais específicos, com a previsão de tributos e serviços públicos valorados compativelmente com a capacidade de renda dos moradores de baixa renda, de modo que estes consigam custear as despesas da área regularizada. Diante do exposto, o estudo trazido nesta seção se propõe a demonstrar um panorama no sentido de que uma nova ordem jurídica fundiária está sendo implementada no país, a partir destas mudanças normativas que se distanciam da ordem de garantia de direitos constitucionais.

Essa nova ordem, semelhante às ordens já difundidas em outros países, por meio de programas desenvolvidos pelo Banco Mundial, ou outras entidades internacionais, tem como estrutura a fundamentação no registro do direito de propriedade privada em detrimento à segurança jurídica da posse para fins de moradia ou para fins de política distributiva de terras, no caso de áreas rurais. Para essa teoria, a propriedade registrada impulsiona a economia, possibilitando o investimento financeiro sobre as terras regularizadas, oferecendo-as como garantia de crédito. A verdadeira inovação da propriedade é que radicalmente melhorou o fluxo de comunicação sobre ativos e seus potenciais. Também enfatizou o status de seus donos, que se tornaram agentes econômicos capazes de transformar ativos dentro de uma rede mais ampla (DE SOTO, 2001, p.

Apesar da teoria de De Soto (2001) ter se difundido mundo a fora a partir da década dos anos 90, fato que o tornou um dos economistas mais influentes da época, sobretudo no círculo Washington e Londres (ROLNIK, 2015), muitos estudos, pesquisas, acadêmicos e profissionais têm desmistificado suas máximas, colocando por terra várias de suas conclusões a respeito da propriedade registrada como ativo de capital. O primeiro ponto desmistificado acerca da teoria de De Soto (2001) tem relação com o fato de que nas áreas classificadas como informais já se estruturam relações de mercado, ainda que informais, que movimentam a economia que gira em torno das relações compreendidas entre as classes sociais com renda baixa, portanto, não teria por que se falar em capital morto dentro dessas redes ou grupos que não acessam a formalidade da propriedade.

Calderón (2014) aponta para a desconstrução das idéias de De Soto (2001) e conta parte da história da regularização fundiária ocorrida no Peru, sob o viés estrito da formalização da propriedade, e que depois foi replicado em vários países com base na ideologia do economista e com o apoio do Banco Mundial: La política de formalizacion de la propriedade fue considerada um êxito em el Peru. Sobre o pagamento dos impostos devidos nas áreas que foram objeto de regularização registral da propriedade, Calderón (2014) explica, ainda, que outro efeito, contrário ao que se promovia nos estudos de De Soto (2001), diz respeito ao fato de que os moradores não estão pagando seus impostos, como o IPTU, por exemplo, fato este que inverte a razão da formalização da propriedade, pois, segundo ele, quando se tem a posse, os impostos são pagos para comprová-la, e quando se tem a propriedade, deixa-se de pagar.

Esse fato promove um questionamento acerca da dimensão do “dever de cidadão” citado por De Soto, que afirmava que o registro unificado promovia obrigações mais claras, portanto, difíceis de serem inadimplidas, dada a publicidade e o controle fornecidos pelo sistema de registro. Outra questão colocada acerca da regularização, promovida apenas sob o aspecto do registro da propriedade, relaciona-se com as próximas transmissões realizadas que acarretam “desregularização” da regularidade jurídica alcançada, quando os moradores realizam as segundas transações (aquisição de uma propriedade, herança, divórcio, entre outros) e não acessam o sistema de registro imobiliário, geralmente por uma relação de custo/benefício, uma vez que os mais pobres não têm o costume de registrar suas transações, bem como não suportam os altos custos diante dos baixos benefícios esperados (Calderón, 2014).

As conclusões de Calderón (2014) trouxeram importantes dados acerca das políticas de regularização fundiária, com base na experiência do programa de registro da propriedade em massa ocorrida no Peru na década de 90. O autor demonstra que os argumentos que embutem sucesso sobre políticas de titulação em massa confundidas como regularização fundiária estão fundados em aquecimento do mercado imobiliário, financeiro e da economia, contudo não estão baseados na segurança jurídica da posse, e nos ditamos de reforma urbana e agrária. essa onda que imprimiu simplicidade à regularização fundiária, levando em conta somente o aspecto registrário, já vinha sendo aplicada em determinadas áreas do país, em alguns municípios do estado de São Paulo, Santa Catarina e Espírito Santo (IPPUR, 2015).

Experiências estas que desvirtuaram os dispositivos antes vigentes, que concebiam a regularização fundiária como um conjunto de medidas multidimensionais e não apenas como medidas jurídicas de registro do direito de propriedade individual. No estado de São Paulo, por exemplo, mesmo antes da edição da Lei Federal nº 13. essa orientação de promover o registro das áreas já vinha sendo praticada pelo Programa Cidade Legal22, que dispensava a execução de obras de infraestrutura, sendo esta ação suprida com a entrega de um cronograma de obras elaborado pelo poder público. Na cidade do Rio de Janeiro, a favela do Cantagalo passou por uma experiência de regularização mediante titulação da propriedade em massa, apesar de já ter sido anteriormente objeto de inúmeras obras de urbanização23.

Referidos programas consideram que o “remédio” para a pobreza e a falta de moradia seria o acesso ao crédito em bancos, desconsiderando as máculas estruturais na sociedade brasileira, a qual, desde a sua constituição é atravessada por rígidas desigualdades de classe, raça, gênero. Essas desigualdades no tocante ao acesso à terra, foram legitimadas pelo próprio Estado através das leis e mecanismos fundiários que impulsionaram a concentração de terras. Nesse sentido, a reforma agrária e urbana seriam medidas urgentes, de modo a estancar este processo desigual difundido deste a formação do país e que romperiam com as estruturas arcaicas através de uma justiça distributiva. Esta justiça distributiva, nem de longe, seria alcançada por programas de distribuição em massa de títulos de propriedade.

No caso das terras brasileiras, muitos interesses externos reforçam a aplicação de políticas de regularização registral da propriedade em massa em meio à política de governo neoliberal, que pretende aprovar o projeto de Lei nº 4. Malerba entende que a reestruturação do mercado de terras parece ocupar o centro das motivações que tem tornado ainda mais céleres os retrocessos que já estavam em curso, e aponta que: A Lei nº 13. evidencia isso. Ela altera os regimes jurídicos relacionados à regularização rural e urbana, à regularização fundiária no âmbito da Amazônia legal, e as regras de alienação dos imóveis da União. A Lei cria mecanismos que facilitam os critérios de titulação e a antecipação da emancipação dos assentamentos para que os lotes estejam disponíveis para serem transacionados no mercado de terras.

Também facilita a regularização fundiária de terras públicas e devolutas, possibilitando inclusive a legalização da grilagem uma vez que amplia para 2. E, programas impulsionados por bancos, intitulados de “regularização fundiária” difundidos em terras nacionais, sobretudo pautados na titulação em massa na propriedade privada, contrariam os mandamentos constitucionais previstos para a garantia dos direitos dos povos tradicionais. Ações como essas causam grave impacto sobre a estrutura social no país, pois contribuem para fortalecer ainda mais a concentração fundiária, incentivando mais conflitos no campo e nas cidades pelo aceso à terra e à moradia adequada. Em razão desses e de muitos outros motivos que poderão ocasionar graves prejuízos sociais pela aplicação da Lei nº 13. a Procuradoria-Geral da República ingressou com a ADI26 nº 5.

em 30 de agosto de 2017, com o objetivo de impugnar a totalidade da lei, aduzindo a afronta a múltiplos princípios e regras constitucionais. Gráfico 1 – Quantidade de regularizações antes Lei nº 13. Fonte: Central Registradores de Imóveis (2020) Gráfico 2 – Quantidade de regularizações posterior à Lei nº 13. Fonte: Central Registradores de Imóveis (2020) Observa-se que no que tange ao número de regularizações realizadas antes e após a Lei nº 13. não houve alterações significativas. Os gráficos 3 e 4 referem-se ao total de unidades regularizadas antes e após a nova lei. registros antes da Lei nº 13. a 21. registros após referida legislação. Assim, a análise dos gráficos permite afirmar que no estado de São Paulo, a Lei nº 13. não levou ao aumento das unidades regularizadas, embora tenha levado ao aumento das unidades registradas.

I da Lei 10. Programas de titulação em massa podem gerar uma lógica reversa da regularização fundiária. Podem contribuir para espoliar os ativos territoriais dos mais pobres, capturando uma reserva de terra para a expansão das fronteiras do capital, contribuindo para que os moradores dessas áreas vendam as suas propriedades e sejam “expulsos” para as periferias precárias e, em muitos casos, invadindo novas áreas, nas quais o mesmo processo de ilegalidade começa novamente (ROLNIK, 2015). Nesse sentido, leciona Correa (2015) que a regularização fundiária não deve funcionar como um vetor que impulsione a venda das propriedades regularizadas ao mercado empreendedor imobiliário, indicando que: Por fim, adverte-se que é recomendável evitar que a titulação da posse ou da propriedade, frutos da regularização fundiária de interesse social, sejam cedidas ou transferidas, respectivamente, ao especulador imobiliário, sob pena de o pedaço de chão aguerridamente obtido pela população de baixa renda ser apropriado pelos que esperaram em berço esplêndido pela volta sub-reptícia da cidade desigual por uma fictícia legitimação, temporária, de uma cidade mais justa.

É por isso que lutou o Professor Ricardo Lira a vida inteira e para quem, certamente, a regularização fundiária verdadeira das favelas do Rio de Janeiro – e, de resto, de todo o Brasil - faria toda essa luta e exemplo de vida valer a pena (CORRÊA, 2015, p. Não basta aumentar o volume de recursos do Estado, mas também promover a justiça social. A regularização fundiária tem justamente esta preocupação. Neste estudo foi visto que o objetivo da regularização fundiária é retirar moradias irregulares da informalidade, assegurando todas as suas vantagens, a exemplo das sociais, jurídicas e econômicas. Trata-se de um procedimento cujo norte deverá ser necessariamente a inclusão dos ocupantes. Assim, qualquer conteúdo que se mostre excludente viola seu fim, direcionado ao amplo alcance do direito à moradia, mesmo que como se sabe, as políticas públicas sejam indispensáveis.

A nova ordem pode contribuir, ainda, para um efeito reverso da regularização, acarretando o retorno das áreas tituladas à informalidade jurídica, considerando a dinâmica de transmissões em determinados locais e os altos custos que abrangem a manutenção da formalidade, como transações nos cartórios de registro de imóveis e o pagamento de altos impostos incompatíveis com a população de baixa renda. RECOMENDAÇÃO Os resultados que se almeja obter em termos de regularização fundiária a fim de que os resultados deste instituto sejam atingidos em toda sua plenitude, podem ser obtidos com a aplicação da nova lei, uma vez que os processos possíveis previstos em seus dispositivos podem viabilizar que os direitos fundamentais não sejam assegurados à população.

A inobservância dos aspectos transdisciplinares próprios à regularização fundiária urbana pode restar em princípios violados, como a função social da propriedade e o da função social da cidade, bem como em diretrizes ignoradas, como a garantia do direito à cidade e à moradia adequada, ocasionando a manutenção de cidades desiguais, injustas em direção contrária aos preceitos da reforma urbana. REFERÊNCIAS ABREU, Capistrano de. Capítulos da história colonial. A Lei 13. visão panorâmica e reflexão pontual no trato do loteamento fechado e do condomínio de lotes. Disponível em: http://iregistradores. org. br/a-lei-13-4652017-visao-panoramica-e-reflexao-pontual-no-trato-do-loteamento-fechado-e-do-condominio-de-lotes/. São Paulo: Atlas, 2014. AZEVEDO, Philadelpho. Registro de Imóveis (Valor da Transcrição). Rio de Janeiro: Jacinto Editora, 1942. BANCO MUNDIAL. A Propriedade e os Direitos Reais na Constituição de 1988.

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