Análise Jurídica dos Direitos das Crianças com Deficiência Perspectiva Global e de Portugal

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

Tem-se como empecilhos os preconceitos, a inadequação à circulação e mobilidade, a falta de acesso às tecnologias disponíveis, a não alteração das práticas metodológicas e das legislações inadequadas e fora da realidade e a desorganização da escola. Esses óbices devem ser removidos, oportunizando as melhores condições à aprendizagem, desenvolvimento de habilidades e inclusão social. Tem-se a premissa de que todos os jovens e as crianças, com ou sem deficiência, têm na educação o direito fundamental social para crescerem como cidadãos capazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, na busca do desenvolvimento de habilidades, felicidade e da igualdade de oportunidades. Palavras-chave: Deficiência. Crianças. Children. Teens. Social inclusion. Public policy. ÍNDICE INTRODUÇÃO 4 Capítulo I – O Desenvolvimento dos Direitos das Crianças 7 1.

A Proteção conferida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 38 Capítulo III- Os Direitos das Crianças com Deficiência em Portugal 47 1. Quadro Jurídico Geral dos Direitos das Crianças com Deficiência 47 1. O princípio do Interesse Superior da Criança (artigo 3. ° da CDC; artigo 7. ° da CDPD) 47 1. ° da CDPD) 50 1. Direito à vida familiar (artigo 9. ° da CDC, artigo 23, n. º 3, da CDPD) 51 1. O direito a assistência (artigo 23. Documento DR Diário da República DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos ed. Edição et. al. E outros Infra ver abaixo N. º número ONU Organização das Nações Unidas OMS Organização Mundial de Saúde op. Ver vs. Versus § Parágrafo INTRODUÇÃO Estima-se que cerca de 150 milhões de crianças, no mundo inteiro, possuam algum tipo de deficiência1.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, as crianças com deficiência são um dos grupos minoritários mais marginalizados e excluídos de crianças, sofrendo violações generalizadas de seus direitos2. A desigualdade social é uma realidade mundial para este grupo, em que a falta de acessibilidade, oportunidades e educação são agravantes para o surgimento da descriminação, posto que essa minoria populacional é, por vezes, privado da convivência familiar, da vida escolar, do acesso ao trabalho futuro, a cultura, ao lazer e tantos outros direitos humanos e fundamentais pela falta de políticas públicas em esferas nacional e mundial que aborde o tema. Estas crianças não têm oportunidade de gozar, em sua plenitude, uma infância de felicidade e de liberdade como seria desejável, em vez disso são submetidas a falta de compreensão e conhecimento de suas causas e implicações, medo de diferença, medo de contágio ou contaminação, ou visões religiosas ou culturais negativas da deficiência.

O direito das crianças com deficiência é objeto recente da legislação e política pública portuguesa. O tema em questão só foi objeto de discussão a partir de 1974. No século XIX e XX as instituições públicas eram escassas e existiam assim um número pequeno de Organizações de caridade que assistia e amparava este grupo. No início do século XIX são criados em Portugal hospitais e instituições públicas destinadas a estas crianças3. Após 1974 surgiram cooperativas lideradas pelos responsáveis legais de crianças deficientes e Associações sem fins lucrativos, que estavam dispostos a fornecer ensino especial especializado para essas crianças, além de formação profissional4. Tais premissas apontam que em tempos remotos no passado, especialmente em Roma, as crianças nos séculos VI a VIII eram consideradas propriedades.

Os próprios genitores possuíam poderes perante elas para vendê-las ou para matá-las. Considerava-se, portanto, uma relação mais próxima de economia, por estes serem herdeiros que propriamente pela relação de afetividade familiar. Neste sentido JOSÉ DE FARIAS TAVARES considera que, ao ter o pai o jus vitae necis sobre a pessoa do seu filho não emancipado, podia ter sobre ele um poder, que não se relacionava com a paternidade e tampouco de uma relação parental e afetuosa de família8. Também é possível inferirque as crianças eramfrequentemente vítimas de práticas de infanticídioe abandono, especialmente quando envolvia as com deficiência. Essa vertente pode serconstatada no estudo de PHILIPPE ARIÈS, em seu livro L’enfantet la viefamiliale sou l’ancien regime publicada inicialmente em 1961.

Sua obra inaugurou um novo campo de investigação historiográfica: a história da infância. Essa obra foi alvo posteriormente de diversas críticas relativas a compreensão da diversidade histórica de experiências da infância, contudo, teve uma repercussão positiva ao instalar e mencionar discursos e práticas sobre a infância.   Posteriormente, entre os séculos XV e XVI, há uma mudança moral na sociedade e as relações privadas ganham visibilidadee passama ocupar o centro das preocupações sociais, onde existe a valorização das relações afetivas, bem como o descobrimento da infância. As crianças não eram caracterizadas como sujeitos de direitos, porém já nesse período era reconhecido a diferença entre a criança e o adulto14.

Ainda no século XX, nas décadas de 60 e 70 ocorreram movimentos cívicos promotores de direitos e que promoveram uma crescente critica ao capitalismo. As relações autoritárias entre crianças e adultos sofreram uma mudança significativa, notadamente quanto a exigência deuma ligação estreita entre o investimento socialna infância com a qualidade da sociedade futura. Inicia-se, assim, a construção de direitos para a infância e, põe-se em questão,o entendimento da infância como etapa de vida com necessidades e direitosespecíficos. As crianças estiveram presentes na história da humanidade, e inúmeras tentativas de conceitualização destas foram apresentadas, entretanto, o que definiu o conceito de criança ao longo do tempo foi o tratamento dispensado a elas e a visibilidade destas perante a sociedade20.

No âmbito internacional, embora, no início do século XX tenha surgido mecanismos, somente próximo do final do referido século, começaram a surgir os primeiros mecanismos internacionais de proteção a criança. No seu próprio dizer “Toda a comunidade internacional se encontra na condição de fornecer garantia para os direitos que foram apresentados, bem como aperfeiçoar o conteúdo da mesma”22. Pode-se dizer que a mencionada Declaração gerou outros documentos interpretativos, ou mesmo complementares, do documento inicial, como por exemplo, a Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n. º 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, e mais tarde a própria Convenção dos Direitos das Crianças e a Convenção dos direitos das Pessoas com Deficiência.

Por conseguinte, para maior compreensão de todo o contexto internacional exposto de evolução dos direitos das crianças, torna-se necessário uma abordagem pormenorizada,uma vez que, tais mecanismos internacionais deram origem as atuais legislações sobre a temática, sendo relevante compreender e conhecer tais institutos precursores. A Evolução da Proteção Internacional dos Direitos da Criança Após a Segunda Guerra Mundial é criado a Organização das Nações Unidas em 24 de Outubro de 1945, na Cidade de São Francisco- Califórnia- EUA. Assim, a declaração de 1959, sob a proteção da ONU, e com a precedentede Genebra de 1924, sob a proteção da Liga das Nações, tiveram como objetivoprimordial defender a ideia de proteção à criança, desvinculando essa proteção á premissa apenas dos direitos humanos27.

Em consenso com o raciocínio anterior, torna-se importante mencionar que a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 vigora 10 princípios básicos, sendo eles: Direito à igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade; Direito à especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social; Direito a um nome e a uma nacionalidade;  Direito à alimentação, moradia e assistência médica adequada para a criança e a mãe; Direito à educação e a cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente; Direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade; Direito à educação gratuita e ao lazer infantil;  Direito a ser socorrido em primeiro lugar, em caso de catástrofes; Direito a ser protegido contra o abandono e à exploração no trabalho e o Direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos28.

A própria Declaração, em seu primeiro princípio ressalta que toda criança gozará dos princípios presentes na mesma e estes direitos devem ser reconhecidos a todas as crianças, sem nenhum tipo de discriminação, independentemente da situação em que esteja. Estabelece do mesmo modo, no quinto princípio direitos inerentes a criança mental e fisicamente deficiente, ou que sofra de alguma forma de diminuição social, propondo o benefício de tratamento, educação e cuidados especiais, pela condição que se encontrar tal criança. Os princípios supramencionados, mesmo que de forma heterogénea apontou necessidades especificas inerentes a todas as crianças que necessitava de especial atenção, consagrando a primeira menção, em sua totalidade, dos direitos civis manifestado as crianças com deficiência.

Foi ratificada pela quase totalidade dos Estados-membros da ONU, com a exceção dos Estados Unidos da América33. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças foi ratificada por Portugal pelo Decreto do Presidente da República (DPR) n. º 49/90, de 12 de Setembro, publicado no Diário da República, I Serie, 1. º Suplemento, n. º211/90, entrando em vigor na ordem jurídica portuguesa no dia 21 de Outubro de 1990, logo após a abertura das assinaturas. °): Se refere ao direito de ampliar todos os potenciais das crianças, em todas as circunstâncias, em qualquer momento, e em qualquer parte do mundo,não devendo nenhuma criança ser vítima de discriminação. • Interesse Superior da Criança (artigo 3. °): Deve necessariamente consistir no apreço prioritário em todas as ações e decisões que lhe digam respeito, sempre que as autoridades de um Estado tomem decisões que afetem a criança.

Este princípio é aplicado às decisões dos tribunais, das autoridades administrativas, dos órgãos legislativos e das instituições públicas ou privadas de solidariedade social. • A sobrevivência, desenvolvimento e a vida (artigo 6. °), à proteção das crianças que requeiram o estatuto de refugiadas (artigo 22. °), ao seu direito de usufruir de tratamento digno e que respeite os seus direitos em situações em que criança tenha infringido a lei (artigo 40. °), à proteção contra qualquer forma de exploração e violência sexual (artigo 34. °), à determinação e organização de medidas para impedir o rapto, venda ou tráfico de crianças (artigo 35. °), e ainda à proteção contra a exploração económica (artigo 32. Deste modo nota-se que os principais objetivos da Convenção é proporcionar um conjunto de direitos em um único documento legal, que garanta sua aplicabilidade de maneira coercitiva, do mesmo modo que garanta também o gozo destes direitos por meio de todas as crianças, sem restrições42.

No que concerne as medidas estipuladas pela CDC, resumidamente podemos identificar da mesma forma os seguintes direitos e garantias essenciais estabelecidas em matéria de proteção às crianças: • Direito às crianças com deficiências a tratamento, educação e cuidados especiais; • Direito às crianças de um nome a uma nacionalidade, desde o nascimento; • Direito à vida e que os Estados devem garantir a sua sobrevivência e desenvolvimento, na medida das suas possibilidades; • Direito à proteção das crianças contra danos e negligência física ou mental, incluindo contra os abusos ou a exploração sexual; • Direito a colaboração para medida de reunificação de famílias, permitindo que as crianças e os seus pais abandonem e regressem ao seu país; • Direito ao interesse superior da criança que deve consistir numa consideração primordial.

A opinião das crianças deve ser tida em consideração; • Direito a não discriminação ou distinção; • Garantia que as penas de morte e de prisão perpétua não devem ser impostas por crimes cometidos antes da idade de 18 anos; • Direito a educação primária gratuita e obrigatória e que a disciplina escolar deve respeitar a dignidade da criança; • Garantia que as crianças de populações minoritárias ou indígenas devem gozar livremente a sua cultura, religião e língua. • Garantia que nenhuma criança abaixo dos 15 anos deverá participar em hostilidades e as crianças expostas a conflitos armados devem receber uma proteção especial. O conjunto de direitos inseridos na CDC possuem um leque de garantias de proteção à criança.

O Comitê dos Direitos da Criança Quando os mecanismos nacionais de proteção infantil forem ineficazes e ocorrer efetivamente violações específicas dos seus direitos, as crianças em nome individual ou em grupo podem apresentar queixas nos termos consagrados da CDC por meio de uma comunicação ao Comitê da ONU sobre os Direitos das Crianças. A maioria das comunicações são submetidas por meio de adultos que representam as crianças, isso devido a complexidade que existe para a comunicação e aceitação das denúncias46. As queixas apresentadas nos procedimentos de avaliação são analisadas perante um Comitê internacional instituído como Comitê dos Direitos das Crianças. O Comitê dos Direitos da Criança foi criado ao abrigo do disposto no art.

º da CDC, sendo formado por 10 especialistas de ilibada integridade moral e competência na área de Direito Internacional das Crianças47. Nos termos do artigo 45. º a) da Convenção, podem ser representadas organizações não governamentais, tais como: agências especializadas, a UNICEF e outros órgãos das Nações Unidas, quando for apreciada a aplicação de disposições da Convenção que se inscrevam no seu mandato53. O Comitê poderá da mesma forma convidar as agências especializadas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância e outros órgãos das Nações Unidas a fim de que submetam relatórios sobre a implementação da Convenção em áreas compreendidas no escopo de suas atividades. O Comitê dos Direitos da Criança realiza três sessões anuais, consistindo, portanto, de uma sessão planária de três semanas e um grupo organizado de uma pré sessão, onde geralmente ocorre o envio de visitantes ao país analisado antes da apresentação dos relatórios.

As sessões realizam-se em Janeiro, Maio/Junho e Setembro/Outubro e ocorre em Genebra. A principal dificuldade consistiu em reunir culturas, crenças e diversidades culturais do mundo em um único documento capaz de transformar a realidade de direitos das crianças nunca antes expostos e mencionados. Isso porque o valor moral e religioso impõe uma série de medidas para adequar esses direitos, inclusive com relação ao tratamento da deficiência nos diversos países, significando para os redatores da Convenção a consciência da dificuldade prática legal destas medidas59. Realizando uma análise da CDC, podemos verificar de forma mais detalhada seus respetivos artigos e princípios. Os quatro primeiros artigos da Convenção se referem a conceituação do termo criança, a não discriminação, interesse superior da criança e a realização desses direitos, comprometendo firmemente os Estados à adoção das medidas necessárias.

O Art. Podemos citar como exemplo a admissão de uma criança com deficiência em escolas “regulares”. Essa medida não resulta necessariamente em inclusão, que só será possível quando as escolas forem projetadas e administradas de maneira que todas as crianças possam, juntas, receber ensino de qualidade e ter momentos de lazer. Para tanto, será preciso assegurar aos estudantes com deficiência os recursos necessários, como acesso ao método Braille, linguagem de sinais e um currículo adaptado que lhes permita possibilidades iguais de ensino e interação63. O artigo 3° da CDC aborda um dos principais princípios relacionado aos direitos das crianças, qual seja, o princípio do Superior Interesse das Crianças. Esse princípio já seconsagrava na Declaração dos Direitos das Crianças e confere a estas o direito de ser avaliado e levada em consideração de maneira primordial, na esfera pública e privada de proteção social.

Os Artigos 19. ° e 37. ° da CDC levantam a questão de proteção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, abandono, tratamento negligente, maus tratos, exploração, incluindo a violência sexual, e garante igualmente a proteção contra tortura ou penas de tratamentos cruéis, desumanos, degradantes, a privação de liberdade de forma ilegal ou arbitrária. Neste sentido, um relatório realizado em 2013 pela Universidade John Moores, em Liverpool na Inglaterra, conjuntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), constatou que crianças com deficiência tem uma probabilidade três ou quatro vezes maior de serem vítimas de violência. Ao todo foram realizados 17 estudos em países de alta renda.

As meninas e mulheres jovens com deficiências correm maior risco de violência sexual quando estão fora da escola. A deficiência também aumenta o risco das jovens de serem traficadas para trabalho sexual ou outros trabalhos forçados, algo frequentemente atribuído à falta de inclusão social e estigma. Em muitos lugares, as jovens com deficiência são consideradas “indesejáveis” e podem até ser submetidas ao tráfico por suas próprias famílias, além disto em muitos países são obrigadas a se submeter a esterilização forçada ou aborto70. Esses procedimentos são defendidos como medidas preventivas para evitar a gravidez indesejada, ou até mesmo atribuídos a uma noção errônea de “proteção à criança”, dada a indefensibilidade desproporcional de meninas com deficiência a abuso sexual e estupro71.

É dentro dessa perspetiva de relação legal dos artigos da CDC á deficiência que podemos analisar mais atentamenteo artigo 23° da CDC, um dos mais importantes referentes ao nosso estudo. O artigo 23. ° n. º 4 por sua vez, menciona a cooperação internacional, afirmando que os Estados-Partes devem promover a troca de informações, a difusão e acesso de dados que dizem respeito a cuidados preventivos de saúde e tratamento médico, aos métodos de reabilitação, serviços de formação profissional, com o objetivo de proporcionar o benefício internacional de suas capacidades e qualificações e para relatar suas experiências nos domínios, atendendo assim da melhor forma a necessidade de cada país, inclusive os que estão em desenvolvimento74. Segundo GERISON LANSDOWN, é notório que o artigo 23.

° n. Contudo nota-se uma necessidade de avanço legislativo em matéria de legislação complementar e dados informativos a respeito das crianças deficientes, que permanecem invisíveis na sociedade e negligenciadas em seus direitos de forma implícita. Concordamos com o posicionamento de VITAL MOREIRA E CARLA GOMES80 de que o aumento do número de normas, instrumentos e instituições, importa novos desafios para a monitorização da aplicação de medidas normativas, requerendo uma coordenação mais próxima entre todos os agentes envolvidos, tanto a nível internacional, como nacional,mais contígua a todas entidades abrangidas. Ademais a nível de estrutura, a criação de uma perspetiva baseada nos direitos da criança, em todos os níveis legislativos e de governo, ainda consiste um obstáculo significativo.

Por fim, entendemos que os movimentos de reivindicação para os direitos das crianças, incluindo as crianças com deficiência, são conduzidos por adultos, sustentando a ideia de dependência, portanto, têm de ser exploradas novas formas de apoio a iniciativas lideradas por crianças, afim de fortalecer os direitos da criança nas leis internacionais e procedimentos internos. Além da indispensabilidade de atender as necessidades coletivas das crianças com deficiência e não apenas as individualizadas, voltando a atenção para a integração social por meio de uma menção significativa aos direitos existentes na CDC, que são de forma igualitária impostos também as crianças com deficiência e a necessidade de medidas praticas efetivas e coercitivas por parte dos Estados-Parte para a garantia dos direitos da CDC na perspetiva das crianças com deficiência81.

Podemos referenciar três etapas essenciais de evolução legislativa ao que tange a proteção europeia dos Direitos da criança. A primeira etapa consiste na adoção da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia84. A Carta foi proclamada solenemente pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão, no ano de 2000, em Nice. Possuía como objetivo principal conceder uma maior visibilidade e clareza aos direitos fundamentais e criar segurança jurídica na UE. Foi considerada um instrumento inovador de várias formas, nomeadamente porque inclui, entre outros aspetos, a deficiência, a idade e a orientação sexual como motivos de discriminação proibidos. A segunda etapa consiste no Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 200986. A justificação de sua importância dá-se ao facto de que esse instrumento alterou consideravelmente disposições constitucionais, institucionais e de procedimento, alargando a capacidade da UE de adotar medidas especificas para proteção desses direitos, levando a elaboração de diretivas destinadas a combater a violação dos direitos da criança87.

A terceira etapa consiste na adoção das Orientações da UE em matéria de promoção e proteção dos direitos da criançae a adoção por meio da Comissão Europeia a Comunicação “Um lugar especial para as crianças na ação externa da EU” para integrar os direitos da criança em todas as atividades da UE com Estados que não são seus membros88. São ainda exemplos que influenciam a evolução dos direitos da criança: a Convenção sobre os direitos da criança de 1989; o Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados de 2002; o Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantil de 2002; Convenção Europeia sobre o exercício do Direito da criança; Convenção de Lazarote de 2010; Recomendação CM/Rec (2009) – Diretrizes do Conselho da Europa sobre as estratégias nacionais integradas de proteção das crianças contra a violência; Recomendação 1778 sobre crianças vitimas: erradicar todas as formas de violência, exploração e abuso; Recomendação de 1666 sobre a proibição de castigos corporais ás crianças na Europa; Convenção do Conselho da Europa sobre à proteção das crianças contra a exploração e abuso sexual; Comentário Geral número 12: O direitos da criança a ser ouvida; Recomendação CM/Rec (2012) do Comité dos Ministros aos Estados Membros acerca da participação das crianças e jovens com menos de 18 anos de idade e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo a instituição sobre um procedimento de comunicação.

Podemos concluir, por intermédio da lista acima mencionada, que ocorreu uma evolução simbólica em que as crianças figuram em um ponto de destaque, que até poucos séculos atrás, não seria possível. Já a Estratégia da Europa 202094 pretende reafirmar o forte empenho de todas as instituições da UE e de todos os Estados-Membros em promover, proteger e respeitar plenamente os direitos da criança em todas as suas políticas, procurando obter resultados concretos95. Em síntese, os esforços da UE de proteção dos direitos da criança são, de facto, um objetivo de política interna e externa, reforçando nesse contexto que a UE tem, por força dos Tratados, competências para tornar os direitos da criança uma realidade, através da sua legislação.

A Proteção conferida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CPCD) foi adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, foi aprovada por Portugal pela Resolução da Assembleia da República n. º 56/2009, de 30 de julho, e foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n. º 71/2009, de 30 de julho. Desse modo incluindo, para além da deficiência intelectual, a doença mental e a doença neurológica construindo um novo paradigma jurídico e social. Deste modo o termo “criança mental e fisicamente deficiente” deve possuir uma reinterpretação conforme o artigo 1. ° com a conotação “crianças com deficiência”99. Portanto, podemos levar em consideração que são legítimos usuários dos direitos das pessoas com deficiência aqueles que cumprem os critérios definidos na Convenção, independente de programas ou políticas públicas inseridas pelos Estados-Partes, sob pena da regulamentação restringir direitos.

Um exemplo claro dessa situação, é o direito à não-discriminação, que não depende de avaliação formal do tipo de deficiência, consiste em um direito individual e apresentatipificação penal mediante o impedimento de uma das naturezas - física, mental, intelectual ou sensorial – e na interação com uma ou mais barreiras, que tenha impedido sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas100. As duas Convenções mencionadas se complementam na interpretação dos artigos inseridos, como podemos observar nas alíneas r) e d) do preâmbulo da CDPD, na qual relembra as obrigações contidas na CDC e reconhece que as crianças com deficiência devem gozar de todos os direitos humanos, liberdades fundamentais em igual condição com as outras crianças105.

A Convenção reforça ainda todos os direitos e garantias já postuladas na CDC referente as crianças com deficiência, em especial em alguns tópico, como por exemplo, na elaboração e implementação de legislação e políticas para execução da CDPD e em outros processos de tomada de decisão, onde deverão ser consultadas as pessoas com deficiência, inovando a Convenção quando se refere inclusive às crianças com deficiência, que por intermédio de suas organizações representativas passam ativamente a tomar parte nas deliberações que se relacionam às suas vidas, conforme o art. ° da CDPD. Da mesma forma, reforça a Convenção a adoção de legislações e políticas efetivas centradas em mulheres e crianças, relativamente a prevenção contra a tortura ou os tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, garantindo que as situações de exploração, violência e abuso contra as pessoas com deficiência e ainda contra as crianças, sejam investigadas de forma rigorosa e julgadas conforme o caso concreto.

Outrossim, o artigo 18. n. °1 da CDC deve ser interpretado de forma a assegurar, por meio de medidas efetivas dos Estados-Partes, o cumprimento legal para garantia da sua devida inclusão na sociedade, com apoio para sua participação109. Deve ainda a criança com deficiência, ter direito a sua dignidade, de modo a possuir uma vida plena e decente, favorecendo sua autonomia110. A jurisprudência do Comitê da ONU sobre os Direitos das Crianças interpreta igualmente o artigo 23. ° n. °2 complementado pelo artigo 23. ° n. º 2 e 4) e ainda pelo artigo 3. ° n. º 1 da CDC114. ° da CDPD, no qual para aplicação do Interesse Superior da criança, considera-se o conceito triplo, sendo apontado como um direito substantivo, considerado nas diversas normas que envolvem os direitos das crianças com deficiência119. Desse modo, reconhece- se a necessidadede uma avaliação para a garantia do direito no caso concreto, mesmo que seja considerado uma norma de efeito jurídico de aplicabilidade imediata e de obrigação intrínseca do Estado-Parte120.

Segundo MIGUEL CILLERO BRUÑOL, diversos autores consideram que o Interesse Superior da Criança é uma diretriz sujeita a múltiplas interpretações, vago e indeterminado, tanto para efeito jurídico, como psicossocial, colocando em questão que o carater indeterminado que este princípio possui, impede uma interpretação uniforme ocasionando soluções baseadas apenas na segurança jurídica. Contudo, a aplicação no sistema jurídico do Interesse Superior da Criança em sua conceção, deve considerar a analise dos direitos que estão em questão e os direitos que poderão ser atingidos devido a decisão121. Na sequência, a CDPD adota o Interesse Superior da Criança com deficiência, como um princípio Geral da Convenção, assim como na CDC (artigo 3.

A aplicação das disposições previstas na CDC E CDPD refletem-se no quadro jurídico nacional como veremos a seguir. Quadro Jurídico Geral dos Direitos das Crianças com Deficiência 1. O princípio do Interesse Superior da Criança (artigo 3. ° da CDC; artigo 7. ° da CDPD) A legislação que se refere o princípio do Superior Interesse da Criança não faz menção explicita as crianças com deficiência, muito embora presume-se que as regras são de aplicabilidade igualitária para todas as crianças. Princípio da Não Discriminação (artigo 2. ° da CDC; artigos 3. ° e 5. ° da CDPD) O artigo 13. ° da Constituição Portuguesa consagra para todos os cidadãos que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

A lei estabelece como uma das prioridades do Governo português a aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social. Além disto, os princípios enunciados no Artigo 3. ° nomeadamente o da educabilidade universal e o principio da equidade garante implicitamente a não discriminação das crianças com deficiência. O Direito da Criança ser ouvida e da sua participação (artigo 12. ° da CDC; artigos 30. º 112/09 de Violência Doméstica e Assistência a vítimas em seus artigos 9. ° e 10. ° No que se refere ao direito de participação das crianças com deficiência, a lei n.

º 38/2004 de 18 de Agosto (Lei que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência) em seu artigo 9. ° (Princípio da participação) aborda o direito da pessoa com deficiência participar no planejamento, desenvolvimento e acompanhamento da politica de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, muito embora, não aborde especificamente sobre as crianças com deficiência134. Direito à vida familiar (artigo 9. ° da CDC, artigo 23, n. º 3, da CDPD) O artigo 36. ° n. º 6, da Constituição da República Portuguesa consagra do direito geral a vida familiar, dispõe que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando os filhos não cumpram seus deveres para com eles e sempre mediante decisão judicial.

O direito a assistência (artigo 23. ° da CDC; artigos 23. °, n. º 5, e 28. ° da CDPD) O artigo 71. Quanto antes forem acionadas as intervenções e as políticas que afetam o crescimento e o desenvolvimento das capacidades humanas, mais capazes se tornam as pessoas de participar de forma livre na vida social e mais longe se pode ir no aprimoramento das limitações funcionais de origem140. Desinstitucionalização das Crianças e Jovens com Deficiência 2. O Direito de viver em Comunidade: Direito Fundamental de todas as crianças com deficiência O artigo 23° da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança torna claro que as crianças com deficiência, independente do tipo ou grau de deficiência tem direito a vida em comunidade. Do mesmo modo, a CDPD reconhece e destaca a importância de garantir que crianças com deficiências tenham capacidade de exercer seus direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com outras crianças (artigo 7), bem como reconhece o direito igual de todas as pessoas com deficiência de viver na comunidade (Artigo 19).

Por este motivo necessita-se abordar o tema de institucionalização de forma a promover a integração familiar e comunitária acerca do direito da vida em sociedade. A pobreza pode levar ao risco daquela criança ou jovem a situações que comprometem seu desenvolvimento e saúde, pois ocorre a falta de proteção movido pelo meio em que vive146. As situações de perigo não decorrem sempre de uma situação de risco anterior, pode, desta forma, ocorrer casos em que a situação de perigo é gerada instantaneamente e casos em que ocorre apenas uma situação de risco sem envolver uma situação de perigo necessariamente. A decisão de acolhimento em instituição é de competência exclusiva das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em perigo e dos tribunais.

A intervenção das Comissões ocorre no momento em que o perigo é iminente aquela criança ou jovem, retirando-a dessa situação com uma medida de proteção e agindo para que não ocorra novamente e até reparando os danos causados naquela situação, com a garantia de recuperação física e psicológica quando a criança é vítima de qualquer forma de exploração ou abuso. A competência das comissões se dá a partir do momento que as entidades de intervenção em matéria de infância e juventude (Artigo 7° e 10° Lei de Proteção das Crianças e Jovens) não podem atuar para resolver a situação ou que não sabem como agir147. Deste modo, as recomendações adotadas pelo Comité visam, essencialmente, as seguintes condições: a colocação das instituições de acolhimento como último recurso, caso seja absolutamente necessário e conforme o Superior Interesse da Criança; o impedimento da colocação em instituição de acolhimento com o objetivo de limitar a liberdade da criança; a transformação das instituições já existentes, dando preferência aos pequenos centros de residência organizados em torno dos direitos e das necessidades das crianças; a criação de normas nacionais direcionadas as instituições; e a criação de um órgão para supervisão e garantia da aplicação das normas criadas.

Da mesma forma, o Conselho da Europa emitiu um conjunto de recomendações no sentido de os Estados adotarem medidas concretas para que ocorra uma mudança e intensificação das respostas para a promoção da desinstitucionalização das crianças, e a adoção de estratégias para apoio as famílias, de forma a garantir os cuidados e atenção necessária a estas150. Outras preocupações constantes nas observações realizadas pelo Conselho da Europa, incluem os seguintes propósitos: promover a integração familiar na família das crianças institucionalizadas; proceder a reconvenção das instituições existentes e dos profissionais; promover a criação de serviços alternativos dentro do seio comunitário para apoio as crianças e família; evitar o prolongamento da estadia da criança inicialmente de curta duração, para que não ocorra o institucionalização de longa duração e por fim, o cessamento da admissão de novas crianças em instituições.

Levando-se em consideração os aspetos acima mencionados, ambas recomendações apresentadas assinalam o consenso unânime acerca da necessidade de assegurar às crianças que são retiradas das suas famílias a possibilidade de viverem num ambiente familiar capaz de satisfazer as suas necessidades de desenvolvimento, sendo este um direito legal da criança, o que se tem traduzido numa tendência comum da redução do recurso ao acolhimento residencial em prol da utilização do acolhimento familiar. No tocante a institucionalização das crianças com deficiência, em um estudo realizado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação em 2010, foi apresentada quatro linhas de acção na qual apresentaremos a seguir151. ° da Constituição da República Portuguesa, reconhece o direito a educação e determina igualmente a obrigação do Estado a promover e apoiar o acesso dos cidadãos com deficiência ao ensino153.

Em contrapartida o art. º, estabelece no ponto 1 que “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. E no art. º, dispõe que o Estado se obriga a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes155. º, como objetivo da educação especial, a recuperação e integração socioeducativa dos indivíduos com necessidades educativas especiais. E o artigo 18. º integra a Educação Especial no sistema de ensino regular ao definir modalidades diversificadas de integração em estabelecimentos de ensino regular, com o apoio de educadores especializados158. Desde 2008 Portugal tem implementado legislações que se adequem ao artigo 24. ° da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, prevendo assim o fornecimento a todos, sem exceção ao direito a educação159.

Um dos principais objetivos da educação inclusiva é a participação ativa e efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre [§ 1°, “c”; § 3° artigo 24. Para que ocorra a construção desse tipo de educação é necessário a construção de escolas capazes de garantir o desenvolvimento integral de todos os alunos, sem exceção. A escola deve passar por um processo de modificação para a garantia da inclusão e adoção de medidas concretas de acessibilidade [§ 2°, “d” e “e”; § 4° artigo 24. Além disso os principais sujeitos que devem adotar estas medidas são os professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários, a comunidade escolar em geral, autoridades, entre outros163. Neste sentido DAVID RODRIGUES menciona a educação inclusiva como meio de efetivação ao Direito fundamental da educação das pessoas com deficiência, desta forma o conceito de educação está ligado diretamente a não exclusão de nenhum aluno da comunidade escolar.

º 54/18 estabelece os princípios e as normas que garantem a inclusão, enquanto processo que visa responder à diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos (Artigo 1º n° 1). Dá-se enfase a uma continuidade de ações, estratégias e medidas organizadas em três níveis de intervenção: Medidas Universais, Medidas Seletivas e Medidas Adicionais. Abandona-se, desta forma, a categorização dos alunos, anteriormente designados «com necessidades educativas especiais» e coloca-se a tónica nas respostas educativas diferenciadas. Consequentemente, o Decreto-Lei impõe que a rede de apoio para todos os alunos seja estabelecida, administrada e provida de salas de aula em escolas regulares com equipes multidisciplinares locais responsáveis por determinar o apoio necessário para a garantia de todos os alunos ao acesso e aos meios para participar efetivamente da educação, com vistas a plena inclusão social.

Desta forma o decreto pretende abandonar os sistemas de categorização de alunos e intervir afastando o modelo de legislação para alunos especiais e adotando uma abordagem integrada e contínua no trajeto de educação de cada aluno. Dessa forma, a autora comenta que o respeito à dignidade está em função das necessidades humanas, não somente invocando a produtividade como um fim na vida social. Afirma, também, que todas as capacidades são direitos fundamentais dos cidadãos, sendo necessárias para uma vida decente e digna, como forma de justificar a inclusão de qualquer capacidade na lista a ser praticada, pois “todos os cidadãos têm direito, baseado na justiça, a todas as capacidades, até um nível mínimo adequado. Se as pessoas estão abaixo desse mínimo em qualquer das capacidades, isso é uma falha de justiça básica, não importa quão avançadas estejam as outras”170.

A autora também comenta que o remodelamento do espaço público é responsabilidade do poder público, com a utilização correta dos recursos, por meio de um planejamento adequado, proporcionando dignidade e respeito às pessoas com deficiência. O cuidado envolve todos os campos da vida que englobam as capacidades humanas a serem assistidas, permitindo amplo desenvolvimento das necessidades primárias dos cidadãos171. A acessibilidade física, a sinalização pertinente, a circulação no ambiente urbano e a segurança proporcionada por esses meios podem demonstrar uma realidade fática para as pessoas com deficiência, se as regras estabelecidas forem praticadas e cumpridas. A falta de organização da escola, em todos os níveis, seja na esfera administrativa ou na atividade fim propriamente dita, pode constituir empecilhos e barreiras para o aluno com deficiência.

Não se deve confundir essas barreiras com o empenho e trabalho que os alunos precisam para se dedicarem à aprendizagem. Remover as barreiras à aprendizagem significa que devem ser afastados ou minimizados do processo de aprendizagem os óbices que podem afetá-la, para proporcionar o melhor sucesso na aprendizagem e desenvolvimento de habilidades dos alunos. Conforme o professor Sassaki174 cita em suas obras, existem cada vez mais pessoas interessadas e que desejam conhecer e aplicar a filosofia e a metodologia da inclusão escolar, desmistificando essa barreira invisível de preconceito e discriminação, que historicamente envolvem o tema. Essa nova tecnologia promove e proporciona o conforto, a segurança e a flexibilidade, auxiliando no desenvolvimento de produtos, ambientes e serviços que procurem atender as necessidades e expectativas de seus usuários.

Outro conceito bastante importante e essencial para o trato com as pessoas com deficiência é o de Tecnologia Assistiva, a qual envolve pesquisa, fabricação, uso de equipamentos, recursos ou estratégias utilizadas para potencializar as habilidades funcionais e de acordo com as necessidades individuais, interagindo para restaurar a função humana. É um conceito mais amplo e abrange diversas áreas do conhecimento que vão desde as tarefas de autocuidado ao desempenho profissional, tornando-se um elemento chave para a promoção dos Direitos Humanos, pelo qual as pessoas com deficiência têm a oportunidade de alcançarem sua autonomia em inúmeros aspectos de suas vidas184. O foco dessa área do conhecimento é ampliar ou desenvolver uma habilidade na realização da atividade pretendida e de participação social das pessoas com deficiência, por meio de soluções tecnológicas que valorizem o ganho de conhecimento do usuário e de suas demandas inseridas no contexto em que será aplicada, para que se aproprie e usufrua de uma tecnologia que atenda à sua necessidade e expectativa.

Segundo Sassaki185, a acessibilidade arquitetônica proporciona a utilização do ambiente sem barreiras ambientais físicas em todos os recintos internos e externos da escola e nos transportes coletivos. Não obstante prevê, também, “a liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha”. Por ser um documento de amplo espectro, a Convenção proíbe qualquer dificuldade de acesso à informação e à comunicação tanto no espaço físico quanto no espaço digital, trazendo uma abordagem jurídica de vanguarda, na questão dos Direitos Humanos e de Direitos Fundamentais. Com a utilização dos meios de tecnologia assistiva no apoio à busca da informação e da comunicação, e da língua de sinais, proporciona a livre disseminação da informação e das ideias às pessoas com deficiência, respeitando-se o direito de cada indivíduo escolher com autonomia o método de comunicação desejado, assegurando-lhe o desenvolvimento das habilidades e capacidades para uma vida independente e com cidadania.

Na sociedade dos dias atuais, a realidade imposta pela rápida evolução das tecnologias, a simples alfabetização não basta; é necessário acompanhar, utilizar e usufruir das possibilidades e variabilidades que as formas de comunicação se apresentam contextualmente nas diferentes situações, e saber utilizar adequadamente a informação que está disponível, de forma a alcançar compreensão e espírito crítico. A sociedade globalizada exige sujeitos capazes de navegar pelos diferentes meios e possibilidades da cultura comunicacional, exigência que tem suscitado mudanças na educação e na própria concepção de alfabetização. Decorrente das próprias limitações, a pessoa com deficiência já traz consigo uma barreira a ser vencida para o aprendizado. Muitas das vezes, ao chegar na escola, enfrenta outras situações que podem dificultar ainda mais a sua interação com o ambiente escolar.

Desenvolver recursos de acessibilidade é uma forma concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência e inserir esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem, para o desenvolvimento das suas potenciais habilidades193. A inclusão é favorecida com a participação do profissional especializado que contribui para o aprendizado da pessoa com deficiência, auxiliando o professor na condução dos trabalhos curriculares. Esse profissional pode realizar a interpretação na forma predominante de comunicação ou também auxiliar na intermediação das informações com o professor, sendo elemento chave para o sucesso da aprendizagem e inclusão. Não se pode esquecer que a família é o primeiro e mais importante espaço social da criança, no qual ela constrói referências e valores. Assim, a participação da família e da comunidade traz para a escola importantes informações que ajudarão a despertar habilidades, apresentar necessidades e indicar quais os melhores rumos a serem seguidos.

Rosita Edler Carvalho196 entende que o principal desafio está nas salas de aula com o desenvolvimento e planejamento de práticas pedagógicas, para que o processo ensinoaprendizagem ocorra de forma sistemática e programada. Assim, busca-se valorizar o trabalho na diversidade que deve ser valorizado nas escolas regulares. Outra questão que ela coloca, diz respeito à avaliação, seja sob a ótica clínica ou pedagógica. Além dos recursos materiais que auxiliam na metodologia da aprendizagem estão os profissionais de apoio para propiciar a acessibilidade e atender às necessidades específicas dos alunos relativas aos cuidados pessoais relacionados à alimentação, higiene e locomoção. Nessa seara estão inseridos os profissionais que desempenham as funções de tradutor e intérprete de língua de sinais e de guia intérprete para estudantes surdo cegos, em articulação com o ensino comum.

Também estão enquadrados nesse nicho os profissionais de suporte às atividades de locomoção, higiene, alimentação, que prestam ajuda individualizada aos alunos que não conseguem realizar as citadas atividades de maneira autônoma. Cabe assinalar que esse suporte ocorre conforme as necessidades apresentadas pelo estudante. A demanda de um profissional de apoio somente se justifica quando não for possível atender, no contexto geral, os cuidados disponibilizados aos demais estudantes, seja na educação infantil, nas atividades realizadas no pátio, na segurança, alimentação, dentre outras. Ao se comprometer internacionalmente, o país assumiu o compromisso de garantir um sistema educacional inclusivo em todos os seus níveis, adotando como premissa básica a não exclusão do sistema geral de educação, a realização de medidas que garantam o pleno acesso em ambientes com acessibilidade adequada, e que favoreçam o desenvolvimento acadêmico e social.

Esse movimento mundial inclusivo é político, cultural, social e pedagógico com o objetivo de combater todo e qualquer tipo de discriminação, evidenciando a igualdade e a diferença como valores inseparáveis em uma sociedade contemporânea em que todos possam ter suas especificidades atendidas. O principal desafio que se coloca é a quebra das barreiras atitudinais ainda remanescentes em nossa cultura histórica de discriminação e segregação, para que o país possa ser mais justo e democrático e que suas desigualdades sociais sejam reduzidas e garantida uma melhor qualidade de vida de seus cidadãos, e que todos possam usufruir do direito fundamental social à educação nos diversos níveis de aprendizagem. Conforme a classificação estabelecida por Sassaki, a acessibilidade atitudinal se processa por meio de práticas de sensibilização e de conscientização de toda a comunidade, resultando em quebra de preconceitos e toda e qualquer forma de discriminação.

Esse esforço concentrado deriva da aplicação de inúmeras teorias que ampliam as formas de aprendizagem dos alunos e de ensino dos professores, bem como as formas de amizade, relacionamento e estudo entre comunidade, escola, pais, filhos e entre alunos. Fávero209 entende que a principal barreira que deve ser derrubada a fim de que as pessoas com deficiência tenham amplo acesso ao lazer e à informação é a atitudinal. Nela, as pessoas não são vistas como titulares dos mesmos direitos que qualquer pessoa, apesar de todos terem o direito de acesso pleno a todos os tipos de programação. Na própria Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 24, traz a ideia de que a quebra da barreira atitudinal parte do princípio de sensibilização e conscientização, as quais devem ser promovidas interna e externamente à escola.

Esse entendimento procura eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, proporcionando a interação dos alunos que possuam ou não diferentes necessidades, para que todos evitem comportamentos discriminatórios no ambiente escolar, familiar e comunitário. Com isso, busca-se desenvolver a autoestima desses alunos, contribuindo para um aprendizado mais harmônico e de forma cooperativa, tendo como premissa que a igualdade de oportunidades e a plena participação das pessoas com deficiência é um processo em evolução e interação com as barreiras atitudinais e ambientais como um todo. Barroso comenta que a dignidade humana é dotada de um conteúdo minimalista composta pelo valor intrínseco de todos os seres humanos, limitada por algumas restrições em nome dos valores sociais e pela autonomia individual: A autonomia é, no plano filosófico, o elemento ético da dignidade, ligado à razão e ao exercício da vontade em conformidade com determinadas normas.

A dignidade como autonomia envolve a capacidade de autodeterminação do indivíduo, de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente a sua personalidade212. Significa também o poder de realizar valorações morais e escolhas relevantes à sua existência sem imposições externas inadequadas. Decisões referentes à religião, afeto, trabalho e outros assuntos de natureza personalíssima não podem ser retiradas do indivíduo sem que sua dignidade seja violada. Na esfera jurídica, a autonomia possui uma dimensão privada, uma pública e possui, ainda, como pressuposto fundamental, a satisfação do mínimo existencial, levando-se em conta: a) autonomia privada213; b) autonomia pública214; e c) mínimo existencial215 216. Ter maior ou menor autonomia significa que a pessoa com deficiência tem maior ou menor controle nos vários ambientes físicos e sociais que ela queira e/ou necessite frequentar para atingir os seus objetivos220.

Daí advém as definições de autonomia física e social. O grau de autonomia advém da relação entre o nível de prontidão físico-social do indivíduo com deficiência e a realidade de um certo ambiente físico-social. A título de exemplificação, uma pessoa com deficiência pode possuir autonomia para entrar ou descer de um ônibus, atravessar uma rua ou circular por um edifício para zelar de seus negócios, sem necessitar da ajuda de ninguém. Outra pessoa com deficiência pode não ter o mesmo nível de autonomia e, por esta razão, pode precisar de ajuda para superar algum obstáculo existente no ambiente físico. Nesse sentido, Nussbaum considera que o cuidado com os deficientes envolve todos os campos da vida que englobam as capacidades humanas a serem assistidas, permitindo o amplo desenvolvimento das necessidades primárias dos cidadãos.

Corroborando com esse pensamento, Bianchetti e Correia223 apelam para que a sociedade tenha a capacidade de enxergar todos os seres humanos na sua totalidade, como seres de direitos iguais que se complementam, mesmo na diversidade e nos atributos físicos, pois, atualmente, diversos recursos científicos e tecnológicos estão disponíveis, embora não ao alcance de todos. A busca da igualdade de direitos deve ser incansável e, a melhor forma de resgatar essa dívida histórica com as pessoas com deficiência é a oferta de uma educação digna e de qualidade, possibilitando o que eles chamam de “ressignificar o olhar”224. Segundo Paulo França Santos et al. a exclusão de pessoas com deficiência está ligada a significados que constroem identidades negativas, relacionadas à morte precoce, a doenças recorrentes e à impossibilidade de aprendizagem e mudança, situações decorrentes da história da humanidade permeada por crenças e valores.

Assim, a autonomia é indispensável a todo ser humano e implica uma perspectiva que exige não só as condições ambientes compatíveis à sua necessidade, mas também diz respeito à valorização intelectual e emocional, seja no campo pessoal ou profissional. Dessa forma, são necessárias transformações que demandem ações correspondentes ao seu modo de vida, proporcionando um ambiente favorável à sua condição, de forma que ela possa exercer suas atividades dentro de suas limitações com maior ou menor eficácia no seu desempenho. CONCLUSÃO Consagrada na Constituição Portuguesa como direito fundamental social, a educação é a porta de entrada para diferentes espaços e momentos da vida do cidadão. Nesse contexto, a Educação Inclusiva cumpre destacado papel no processo formativo das pessoas com deficiência, ao garantir em todos os níveis ao longo de toda a vida, a promoção de condições de igualdade para o exercício dos direitos e liberdades, visando a sua inclusão social, autonomia e cidadania.

A perspectiva da Inclusão e da participação na sociedade são formas necessárias e essenciais à promoção da dignidade humana, ao gozo e exercício dos direitos humanos e à relevância dos direitos fundamentais para a sociedade portuguesa, como uma tentativa de incluir todas as pessoas em igualdade de oportunidades, oferecendo condições de pleno desenvolvimento e preparo para a cidadania; com isso, ao serem inseridas em um contexto de convivência na diversidade, procura-se garantir a educação por meio de uma acessibilidade plena aos recursos e técnicas disponíveis, na busca constante da autonomia às pessoas com deficiência. Foram apresentadas as dimensões arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal, cada qual com a sua finalidade para possibilitar o acesso ao ambiente escolar e todas fundamentadas em duas áreas do conhecimento essenciais para o seu exercício: o Desenho Universal e a Tecnologia Assistiva.

Por meio do Desenho Universal é oferecido um design que não necessariamente seja pensado apenas para pessoas com deficiência/necessidades especiais ou para idosos, mas para atender a todos sem distinção, proporcionando conforto, segurança e flexibilidade. Seu fundamento possibilita a articulação de ações que promovam a participação de todos os alunos nos processos de aprendizagem pelo formato acessível. Dessa forma, geram-se ambientes, serviços, produtos e tecnologias utilizáveis sob as mais diversas possibilidades, oferecendo segurança e autonomia ao maior número de pessoas possível, sem a necessidade de adaptação ou readaptação. Tão importante quanto o planejamento do ambiente escolar também é o urbano, que é essencial para que todos tenham uma qualidade de vida mais acolhedora e se sintam mais confortáveis para usufruir de todos os ambientes sem restrição de mobilidade nas vias e espaços públicos, com ruas sem obstáculos, proporcionando vizinhanças seguras e com mobiliários urbanos corretamente dispostos no Desenho Universal, proporcionando independência e autonomia.

A sociedade e os profissionais envolvidos têm que internalizar a acessibilidade em todos os níveis, pois a educação formal é essencial para a busca da autonomia como cidadãos de direitos. A eliminação de preconceitos, a adequação à circulação e mobilidade, o acesso às tecnologias disponíveis, a alteração das práticas metodológicas e das legislações adequadas e realistas e a falta de organização da escola, constituem empecilhos e barreiras para o aluno com deficiência. Esses óbices devem ser removidos, oportunizando as melhores condições à aprendizagem e proporcionando o sucesso na aprendizagem e desenvolvimento de habilidades dos alunos. Tem-se a premissa de que todos os jovens e as crianças, com ou sem deficiência, têm na educação o direito fundamental social para crescerem como cidadãos capazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, na busca do desenvolvimento de habilidades, felicidade e da igualdade de oportunidades.

REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto (2013). Rio de Janeiro: Editora WVA. FERNANDES, Natália. Infância e direitos: participação das crianças nos contextos de vida: representações, práticas e poderes, Braga, BUM- Universidade do Minho, 2005, Tese de Doutoramento, p. GLAT, Rosana. Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Fronteiras da Justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Trad. Susana Castro. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. PEREIRA, Cléia Demétrio; MENDES, Geovana Mendonça Lunardi; PACHECO, José Augusto Brito. p. SANTOS, Paulo França; SOUZA, Maria de Amparo de; BARBATO, Silviane Bonaccorsi. A inclusão escolar e social de sujeitos com deficiência motora na fala de jovens adultos. In: BRANCO, Ângela; Maria Cláudia de OLIVEIRA (Org. Diversidade e cultura da paz na escola: Contribuições da perspectiva sociocultural.

Pessoas com deficiência e os desafios da inclusão. Revista Nacional de Reabilitação. Jul. Ago. SASSAKI, Romeu Kazumi. THE PRINCIPLES OF UNIVERSAL DESIGN. The National Institute on Disability and Rehabilitation Research, U. S. Department of Education. Compiled by advocates of universal design, listed in alphabetical order: Bettye Rose Connell, Mike Jones, Ron Mace, Jim Mueller, Abir Mullick, Elaine Ostroff, Jon Sanford, Ed Steinfeld, Molly Story, and Gregg Vanderheiden. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de janeiro: WVA.

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