MEDIAÇÃO FAMILIAR: UM MÉTODO ALTERNATIVO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

Ao amor da minha vida, o meu marido Rodrigo, saiba que nada disso teria sido possível, sem o seu total apoio. AGRADECIMENTOS A presente dissertação é o resultado de enriquecedor percurso que só foi possível pelo contributo de muitas pessoas que por mim passaram e às quais deixo, do fundo do coração, o meu agradecimento. Primeiramente a Deus, pela dádiva da vida, pelo Seu infinito amor por mim, pela Sua “mão estendida” permitindo-me realizar tantos sonhos, me sustentando e não me permitindo desistir, apesar dos erros. Enfim, gratidão pela vida. Ao meu orientador, Dr. Aos meus irmãos Alessandra e Alan, obrigada pelo apoio incondicional. Mesmo que a vida nos separe geograficamente, pra todo o sempre, caminharemos lado a lado. Aos meus pais Bitencourt e Selma, por serem minha maior inspiração a cada dia e por nunca terem medido esforços para proporcionar aos filhos sempre o melhor.

Mãe, obrigada por ser meu maior símbolo de força. Pai, obrigada por me fazer boa parte do que tu és e por tudo que me ensinou, em especial a importância e o gosto pelo estudo. A metodologia empregada foi à pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas e legislações que se dedicam ao estudo do tema em análise. Foi visto que os legisladores brasileiros e lusitanos já prevêem leis para solidificar os meios extrajudiciais, no entanto, não se pode desviar da verdadeira razão de ser da mediação, enquadrando-a apenas como uma forma de fazer acordos, pois eles nem sempre alcançam o cerne do problema. Ao final do estudo concluiu-se que é necessário o conhecimento real da mediação para que ela realmente possa ser respeitada e utilizada na sua real finalidade de modificar ou transformar uma situação dolorosa em feliz, proporcionando uma nova visão de vida e a conservação do lar, base emocional de todo o ser humano.

Palavras-chave: Conflitos familiares. Solução. Solution. Alternative means. Mediation. Systemic constellations SUMÁRIO Introdução 10 Capítulo 1 – O Acesso à Justiça 15 1. A origem dos conflitos 18 1. O Código Europeu de Conduta dos Mediadores 51 2. Princípios fundamentais da mediação familiar 53 2. Mediação Familiar no Brasil 58 2. A busca por novos mecanismos de resolução de conflitos 58 2. Evolução histórica da mediação no Brasil 59 2. Um dos modelos para expansão dessa nova forma de lidar com as lides (quando duas pessoas ou dois lados disputam uma causa ou bem) é a mediação1. Diante desse contexto, ressalta-se que o mérito da mediação parte do restabelecimento da comunicação que se perdeu, ou que está fragilizada, entre as partes, devolvendo, assim, a autonomia para conduzir os problemas pessoais e possibilitando a minimização dos conflitos.

A mediação diferencia-se das práticas de jurisdição tradicionalmente empregadas exatamente porque leva em consideração o pluralismo de valores, a presença de diversificados sistemas de vida alternativos e sua finalidade precípua consiste em reabrir os canais de comunicação que foram fechados e reconstruir laços sociais que, muitas vezes, estão vulneráveis. A proposta é pensar a mediação não somente como meio de acesso à justiça que aproxima o cidadão comum e “desafoga” o poder judiciário, mas também, desvincular-se do objetivo quantitativo do tratamento dos conflitos, chamando a atenção para a qualidade e eficácia nas resoluções destes. Pensando em algumas relações conflitivas que muitas famílias vivenciam, considera-se que a mediação pode ser uma alternativa de resolução de controvérsias nesse contexto.

Ocorre que a prestação de uma tutela jurisdicional por parte do Estado não está sendo oferecida de modo satisfatório, pois a demora nas resoluções, não corresponde ao respeito à preservação da dignidade da pessoa humana. A preocupação com a duração excessiva dos litígios não é algo recente, pois, desde 1950, com a Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, já se falava em “um prazo razoável”. E atualmente, admite-se, que o sistema judicial português perpassa por dificuldades pela incapacidade em responder de forma rápida e eficaz ao grande volume de litígios que lhe é apresentado. Tanto em Portugal como no Brasil, o compromisso com a solução das controvérsias tornou-se algo almejado pelo Estado Democrático de Direito.

Entretanto, percebe-se um intenso processo de expansão e adensamento do direito positivo na sociedade moderna, ou seja, há uma potencialização dos conflitos de toda ordem, tendendo a assumir a forma de um processo judicial e contribuindo para a crise no judiciário. Neste sentido, o estudo da Mediação como um método alternativo de resolução de conflitos extrajudicial no âmbito familiar é válido, pela necessidade de demonstrar aos envolvidos as vantagens que a sua aplicabilidade traz às partes ao fazer justiça em tempo hábil, antes de encontrarem como única alternativa a intervenção judicial. Visto que, em âmbito familiar, um conflito pode causar sérias consequências, emocionais e patrimoniais. Assim, evidencia-se juntamente com a mediação, a técnica da Constelação familiar sistêmica, utilizada no judiciário brasileiro, mas que está dando os primeiros passos em Portugal.

Por essa razão, o último capítulo dessa pesquisa, será dedicado as Constelações familiares, utilizando-se de uma visão mais ampla e interdisciplinar para a solução do conflito, considerando a técnica inovadora na resolução de conflitos, que pode-se dizer, é muito eficiente quando empregada na conciliação e na mediação. As partes quando conhecem o modelo sistêmico, passam a adotar uma postura pela busca de solução consensual, trazendo benefícios ás partes e aos profissionais do Direito. É necessário, portanto (neste processo de implementação da sociedade do consenso) a recuperação da dignidade do homem e da fraternidade social. A ideia de Adam Smith cita por Ury6 de que o homem “perseguindo seu próprio interesse frequentemente promove o bem social mais eficazmente do que se o quisesse fazer” dissolve a responsabilidade pela cooperação e fraternidade na massa de pessoas e em um todo sem rosto e sem alma.

Tal teoria vem inspirando governantes e particulares há décadas e ainda encontra-se no mundo injustiças irremediáveis e problemas a serem resolvidos. Tais teorias darão encaminhamento a ideia de vencedores e vencidos, uma cruel forma de inimizade que fomenta ainda mais o paradigma do conflito. É entendimento comum que a desconfiança, atualmente, corrói o relacionamento entre os homens. Por partilharem absolutamente os mesmos desejos, a previsibilidade e intuição seriam suficientes para o entendimento mútuo entre homens idênticos. O fato é que, mesmo diante de bilhões de representantes de sua espécie, o homem guarda em si questões que não são compreendidas imediatamente mesmo pelos seres biologicamente mais semelhantes a ele. É a diferença que faz necessária a comunicação do sentimento, do desejo, do valor, do pensamento singular e do conflito.

Aquilo que não se compartilha instintivamente precisa ser compartilhado no relacionamento humano. A unicidade e a capacidade criativa do homem fizeram com que o relacionamento e a comunicação se refinassem com o objetivo de tornarem-se ferramentas úteis para o compartilhamento de algo, ou como se verá, de alguém. Já o “desvio de personalidade” ocorre quando uma das partes ou ambas, por distúrbios psíquicos ou comportamentais, tomam posicionamentos ou praticam ações que tenham manifesto caráter de enriquecimento à custa do prejuízo da outra. Tais razões geradores de conflitos não foram arroladas exaustivamente, nem o poderiam ser, dada a complexidade das interações pessoais que dar causa a conflitos ou deles advir. O fato é que, independentemente do motivo, deve-se compreender o conflito como processo inevitável, cuja existência não se pode impedir, mas, sim, gerir, encaminhando-se a lida a uma solução menos danosa possível aos conflitantes.

Para a realização dessa tarefa, no entanto, é imprescindível o conhecimento pelas partes dos motivos do conflito, como ponto de partida do desenlace do litígio16. É certo que o conflito possui uma dimensão interdisciplinar e a “[. Na verdade, a finalidade para a qual tende a jurisdição é a tutela, o reconhecimento das situações fático-jurídicas de que são titulares determinados sujeitos em relação a outros e em relação a toda sociedade, mesmo quando estes interesses possuem a mais ampla expressão subjetiva22. No sentido judiciário, o ato de julgar23 é o resultado da deliberação, significa deslindar a controvérsia para por fim a incerteza, todavia, o percurso entre a finalidade de curto prazo (deslinde) e a finalidade em longo prazo do julgamento (paz pública) é sinuoso por conta das condições em que o processo se desenvolve, restringindo a necessidade social à finalidade de curto prazo.

O julgamento intervém na prática social no nível de um intercâmbio discursivo que Habermas associa à atividade comunicacional dentro do ambiente processual, seguindo um modelo de justiça ritual24. Dentro do espaço limitado do processo são recapitulados todos os significados do ato de julgar sintetizados por Paul Ricoeur25, caracterizado pela interrupção do jogo e contra jogo dos argumentos, com um ponto final, ainda que provisório, enquanto lhe restarem abertas as portas dos recursos, mas que chegará em algum momento, na última decisão. As finalidades do ato de julgar são visivelmente delimitadas pelo processo, que inobstante a necessidade de atendimento aos anseios sociais num curto prazo, almeja encerrar uma deliberação virtualmente indefinida, promover a interrupção das incertezas e a pacificação pública.

Após anos de lutas, conquistas e evolução de um estado liberal para social e democrático, o Estado desprendeu-se do mero formalismo, passando a zelar pela realização e efetivação de valores humanos. Assim, aquele primitivo direito de mero acesso aos tribunais ascendeu para um direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa, então inserida dentre as cláusulas pétreas da Constituição Cidadã Brasileira29. Embora o Estado tenha consagrado constitucionalmente o direito do acesso à justiça de modo indistinto a todos os cidadãos, existem obstáculos que dificultam seu pleno exercício e efetividade. Mauro Cappelletti e Bryant Garth30 advertem sobre a necessidade de identificá-los e superá-los. Segundo constatações destes juristas, os três principais problemas e barreiras para uma adequada prestação jurisdicional e consecução do acesso à Justiça, repousam em: i) custas judiciais; ii) possibilidades individuais dos litigantes para defesa de seus direitos em juízo; iii) problemas especiais da proteção dos direitos difusos31.

A efetividade do ordenamento jurídico processual brasileiro pode ser melhorada com as oportunidades de fazer uso de mais processos construtivos, ou melhor, métodos que conservam e fortalecem os vínculos sociais entre as partes36. Uma das formas de realizar processos construtivos seria através da autocomposição, que permite ir além dos direitos tutelados juridicamente, e pode lidar com os interesses e necessidades dos envolvidos na disputa e, com isso, reestruturar a relação entre elas. Já os processos judiciais, além de serem lentos e caros, só tratam de interesses juridicamente tutelados. A autocomposição e a solução dos conflitos No Brasil mesmo quando há a utilização dos mais tradicionais métodos autocompositivos (mediação, conciliação), a máquina judiciária é movimentada. A resolução do conflito, segundo Paumgartten37 costuma seguir o seguinte trajeto: 1.

Neste ponto um esclarecimento merece ser feito. O enquadramento de algumas figuras como métodos heterocompositivos ou autocompositivo não é consensual na doutrina. Há autores que consideram como métodos heterocompositivos apenas a jurisdição e a arbitragem; como autocompositivos a conciliação, negociação e a mediação. Outros autores posicionam a conciliação e a mediação no grupo dos métodos heterocompositivos, já que há a intervenção de um terceiro na resolução conflito, deixando apenas a negociação como método autocompositivo41. Até mesmo a arbitragem é considerada por alguns um método autocompositivo em vista da escolha do árbitro ser feita pelos envolvidos no conflito. Então, parece válida, do ponto de vista científico que o enquadramento seja baseado na intensidade da intervenção do terceiro, o que repercutirá no grau de gestão que os conflitantes detêm sobre o conflito para evitar as controvérsias lançadas, sobretudo, na autocomposição (Figura 1).

Figura 1 - Grau de intervenção do terceiro/substituição dos envolvidos Fonte: Paumgartten45 Quando examina-se o grau de autogestão do conflito pelos envolvidos, notamos que nos métodos autocompositivos há uma variação do grau de gerência do conflito pelos envolvidos (negociação → conciliação) ao nível zero atingido na heterocomposição, representados pela adjudicação e arbitragem46. A variação no nível de gestão do conflito pelos envolvidos varia na proporção inversa quando se trata da intervenção do terceiro conforme o procedimento escolhido. Métodos autocompositivos Os métodos heterocompositivos apresentam clara representação gráfica, seja na heterocomposição estatal (tutela jurisdicional) quanto na não estatal (arbitragem). A intervenção do terceiro é ativa e determinante para o alcance do resultado.

A solução não será construída pelo terceiro, mas sim pelos conflitantes que também deverão se empenhar para resolver o conflito. A existência do terceiro torna esses meios atípicos já que a etimologia da palavra autocomposição nos remete à auto (por si próprio) + composição (acordo, consenso). Ex. mediação e conciliação. Notadamente a crise de credibilidade no sistema de justiça tem propiciado importante expansão da atuação de Câmaras de Arbitragem e outros aparelhos paraestatais de resolução de conflitos, seja de característica hetero ou autocompositiva. no âmbito extrajudicial, com a utilização de serviço privado, através de profissionais contratados pelos interessados; b. no âmbito judicial, que poderá ocorrer em dois momentos: b. pré-processual, quando a tentativa conciliatória ocorre antes da propositura da ação, com o auxílio de conciliadores judiciais, e se exitosa, evitará a existência do processo judicial; b.

processual, quando é promovida durante o processo, a qualquer tempo (art. V, CPC), mesmo em segundo grau de jurisdição, com o auxílio de conciliadores (auxiliares da justiça) ou pelo próprio juiz51, ainda que de forma incidental, e se exitosa, evitará a continuidade da atividade jurisdicional. Athos Gusmão Carneiro invocando a doutrina de Giuseppe de Stefano e Carnelutti identifica a conciliação em um justo termo entre a autoconciliação e a heterocomposição. A dificuldade em determinar a sua natureza é a razão de uma doutrina dividida que por um lado, considera a conciliação um método autocompositivo e por outro, entende tratar-se de um método heterocompositivo. A principal distinção, segundo Athos Gusmão Carneiro56 é que o resultado não vem do Estado e sim das partes.

A representação da conciliação na doutrina de Athos Gusmão57 seria da seguinte forma: Figura 2 – Representação da conciliação na doutrina de Athos Gusmão Fonte: Paumgartten58 Desde as Ordenações Filipinas há notícias de uma tradição voltada para a tentativa conciliatória prévia à propositura da demanda, pois o êxito da causa é duvidoso59. A mesma ideia foi esposada na Constituição do Império (1824), que obrigava a diligência conciliatória preliminar, confiada aos juízes de paz (art. Em 1946 a Consolidação das Leis Trabalhistas passou a exigir do juiz trabalhista a proposta conciliatória nos dissídios individuais em dois momentos: como primeiro ato (salvo se houver medida de urgência a ser apreciada) após o ingresso da ação (art. CLT) na primeira audiência obrigatoriamente designada (art.

CLT) e renovada antes da prolação da sentença (art. CLT). O processo trabalhista segue a vertente conciliatória exigindo que os juízes empreguem seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução consensual dos conflitos, permitindo ainda que as partes celebrem acordo colocando fim ao processo mesmo após o encerramento do juízo conciliatório. A conciliação prévia no processo civil cedeu espaço à conciliação no curso do processo e assim se seguiu com a publicação das leis que regulamentam os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9. no âmbito Federal (Lei 10. e Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12. O foco ao incremento da prática conciliatória na resolução dos conflitos retorna a lume. A Resolução do CNJ (125/2010) e o Código de Processo Civil de 2015 revelam a índole conciliatória da reforma processual.

Na experiência italiana, a conciliazione e a mediazione são instrumentos indistintos. No Brasil a dificuldade se materializa em boa parte devido à falta de cultura quanto ao uso de mecanismos autocompositivos e porque se voltam os olhos normalmente à finalidade destes métodos, que é a composição negociada, consensual dos conflitos, em ambos os casos, facilitada com a intervenção de um terceiro imparcial, que diferentemente da solução adjudicada ou arbitral, não impõe uma decisão aos contendedores62. O art. do CPC traz uma definição da atividade do conciliador e do mediador, sepultando qualquer unificação terminológica entre as práticas no processo brasileiro: Art. § 2º O conciliador que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

Fortemente desenvolvida no tratamento de assuntos familiares, a sociedade japonesa pensa que estes conflitos não devem ser abertos ao público e, portanto, não devem ser resolvidos através de um processo público. Acredita-se que uma decisão judicial não será capaz de resolver satisfatoriamente esse tipo de questão dada a natureza contínua dos relacionamentos. Na União Europeia o uso da mediação vem se desenvolvendo por incentivo da Diretiva comunitária 2008/52/CE. Na América Latina a mediação ganha corpo conforme a política doméstica de cada país. Para melhor solucionar os conflitos, registramos ainda o incremento no uso da mediação em países do extremo oriente e em países asiáticos como a China64. Cada vez mais a prática é imposta como um modelo estruturado, movimento fortalecido por sua técnica, mas deve haver cuidado para que a sua institucionalização não processualize e desnature o mecanismo.

As vantagens da mediação são: i. confidencialidade; ii. o custo reduzido quando comparado com o processo judicial; iii. não se limita às pretensões objetivas, abrindo a possibilidade de resolver definitivamente o conflito sem a permanência de ruído sobressalente, já que se buscam as raízes do conflito, emergindo-as para que o impasse possa ser plenamente solucionado (resolvendo a chamada lide sociológica e não somente a lide jurídica); iv. Os agentes que se dispõem a tratar o conflito devem estar preparados para acessar a complexidade que se mostra evidente na conflituosidade que desponta a cada dia e que muitas vezes, não tem como ser simplesmente eliminada. O mediador deve ter a capacidade ativa de percepção e competência para lidar com uma situação caótica e em desequilíbrio, assim como os protagonistas do conflito precisam se despir do medo e das incertezas que os levam a espera de alguém que lhes apresente uma solução.

A mediação é conhecida por contar com a interferência de um terceiro menos ativo do que na conciliação, facilitador das possibilidades de um acordo, voluntária e mutuamente aceito pelas partes em relação às questões em disputa, que desejaram substituir a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal73. Caracteriza-se por uma grande liberdade que, no entanto, não é total. Os programas de mediação partem de um protocolo, ou seja, um processo (aqui também há um ritual) onde o sucesso será alcançado se as partes desejarem participar da mediação, comprometendo-se a respeitar os procedimentos antes de se engajarem no diálogo. CAPÍTULO 2 – MEDIAÇÃO FAMILIAR EM PORTUGAL E NO BRASIL 2. MEDIAÇÃO FAMILIAR EM PORTUGAL Portugal estabeleceu os princípios gerais aplicáveis à mediação civil e comercial, seu regime jurídico, dos mediadores e da mediação pública na Lei 29 publicada em 19 de abril de 2013.

Optando claramente pela voluntariedade do procedimento, garantida como um dos princípios da mediação, o direito português expressamente preceitua que é necessário obter o consentimento esclarecido e informado das partes para a realização da mediação, cabendo-lhes a responsabilidade sobre as decisões tomadas no decurso do procedimento. Além da voluntariedade, a lei portuguesa elenca como princípios da mediação: a confidencialidade, igualdade, imparcialidade, competência, responsabilidade, independência e executoriedade77. Prevê ainda a possibilidade das partes convencionarem contratualmente que os litígios emergentes dessa relação jurídica sejam submetidos à mediação. Seu objetivo é a revitalização da mediação familiar. No mesmo ano, no mês de maio foi celebrado um protocolo de colaboração entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, que criou o projeto “Conflito Parental de Mediação Familiar”, com o objetivo principal de implementar um serviço de mediação familiar no campo da regulamentação do exercício do poder parental, experimentalmente, territorialmente limitada à região de Lisboa, fundada por equipes técnicas interdisciplinares e articulada com os tribunais e acessível a casamentos em situação de ruptura80.

Como resultado do acordo anterior, o projeto mencionado determina a criação na dependência do Ministério da Justiça, de um escritório destinado a garantir a prestação de um serviço público de mediação familiar, para situações de divórcio e separação81. O Gabinete de Mediação Familiar (GMF) trata de situações de conflito parental no que diz respeito à regulamentação do exercício do poder parental e violações do regime do exercício do poder parental pelo qual a região de Lisboa é competente82. Como ressalta Lucas Rios, essa valorização da mediação deve ser enquadrada na tendência que, no Direito português, existe atualmente para desjudicializar questões familiares e conceder uma preferência legal por soluções consensuais para conflitos83.

A Mediação Familiar deverá ser empregada como instrumento de resolução e prevenção de conflitos familiares utilizados pelos próprios interessados de forma consensual, com diálogo e cooperação entre as partes envolvidas. É por intermédio dela que se entende ser possível conquistar formas de resolução de litígios mais eficazes e eficientes do que as decisões judiciais, proporcionando, desta forma, a redução de ações em tribunais e contribuindo para a melhoria do funcionamento do sistema jurídico94. Nesse sentido, a Mediação Familiar apresenta alguns objetivos essenciais estabelecidos em 1978 em Bristol95: a) Auxiliar o casal, independentemente se o convívio entre pais e filhos foi cessado por quaisquer motivos, incentivando sempre o contato parental na forma da lei. Desta forma, o intuito é precaver as consequências familiares futuras levando em consideração o provável esgotamento da vida familiar.

b) Auxiliar os pais em situação de ruptura a qualquer tempo durante o processo de separação ou divórcio de forma que se encontre uma solução alternativa para o litigio no que tange a competição pelos filhos. b) Preparar, em conjunto com a família, um plano para o futuro adequado às necessidades de cada um de forma que aceitem e executem de maneira facilitada. c) Preparar as partes para que aceitem e concordem com as consequências advindas de suas decisões de forma que haja consciência e racionalização das ações. d) Reduzir a ansiedade familiar por intermédio de uma resolução consensual. Assim sendo, os mediadores empregam estratégias adequadas de forma que se obtenha a negociação entre as divergências, proporcionando acordos aceitáveis e factíveis, permitindo alcançar um conjunto de objetivos a curto e longo prazo.

Nesse sentido, aponta-se como objetivos em curto prazo: a concretização dos objetivos, a satisfação com o acordo assinado, o apoio prestado, a agilidade no processo. Ainda nesta fase, deve-se avaliar se as partes e o objeto do conflito são mediáveis e se existem mais algum obstáculo de qualquer outra natureza que inviabilize a mediação. Caso ocorra interesse das partes em seguir essa forma alternativa de resolução de conflitos, será agendada uma primeira sessão de mediação. Nesse sentido, ressalta-se que o mediador da fase de pré-mediação não poderá vir a atuar na fase seguinte da mediação. De forma oposta, se as partes resolverem não prosseguir ou se o mediador perceber que a questão não possui viabilidade prática pelo processo de mediação encerra-se o processo de mediação, ficando precluída a possibilidade das partes recorrerem à Mediação Familiar.

b) Segunda Fase: mediação propriamente dita Esta fase inicia-se com uma breve exposição do mediador com o objetivo de conhecer as partes bem como de conquistar as suas confianças. Durante este processo, nada poderá ser imposto e o acordo deverá obedecer às regras de respeito aos interesses mútuos. Todo o restante transcorrerá conforme a criatividade e imaginação do mediador para que o objetivo seja alcançado. d) Quarta Fase: obtenção do acordo ou insucesso da mediação Caso a mediação obtenha um resultado favorável, será elaborado um acordo de mediação por escrito, devendo estar expresso todos os compromissos assumidos pelas partes envolvidas bem como as suas assinaturas, podendo ser homologado posteriormente pelo juiz, possuindo um valor de sentença de tribunal de 1ª instância.

Caso não necessite de uma homologação posterior, este documento valerá como um acordo de vontades, sendo avaliado meramente como um contrato. Caso a mediação não obtenha um resultado favorável, ou seja, as partes não entraram em um acordo, o processo estará terminado, pois não será mais possível qualquer tipo de evolução entre as partes. Caso seja verificado pelo mediador que no caso exista algum conflito de interesses que possa afetar a sua imparcialidade ou independência, este deverá declarar-se impedido de iniciar ou prosseguir a frente da mediação. Normalmente, estas circunstâncias incluem uma relação pessoal ou profissional com uma das partes; um interesse financeiro, direto ou indireto, no resultado da mediação; o mediador ter prestado serviços diferentes da mediação a uma das partes.

Desta forma, o mediador deverá agir com total imparcialidade, prestando o seu serviço de modo mais equitativo possível durante toda a mediação. Durante o processo de mediação, o mediador deverá assegurar-se de que as partes conhecem bem as características do processo, bem como a sua intervenção junto à resolução do litígio. Desta forma, deve ser certificado que as partes compreenderam e aceitaram os termos e condições na qual será intermediada a resolução, sabendo que deverão ser respeitadas as cláusulas de confidencialidade por todos os envolvidos. Referente à boa-fé e a confidencialidade, a lealdade e a disponibilidade para a mediação é de extrema importância, pois a via consensual se desenvolve de maneira eficaz, bem como quando as partes estão dispostas a agir com boa-fé.

John W. Cooley ensina há tempos que as “negociações de má-fé geralmente ocorrem quando as partes estão emocionalmente instáveis, quando a ira se transformou em ódio e quando uma das partes deseja punir à outra”101. Entretanto, o tempo pode modificar o pensamento e a postura das pessoas. Logo após uma demanda, normalmente se encontram situações de negação, desrespeito e ira. A imparcialidade do mediador deve ocorrer durante todo o procedimento, prezando pela sua principal função que é estabelecer a comunicação entre as partes para que alcancem um resultado satisfatório e útil. Em seguida, no artigo 7 está o Princípio da Independência. Referente à independência, tem-se que a mediação se desenvolve com o diálogo entre as partes através da colaboração do terceiro, mediador.

Acredita-se que é um ponto positivo do direito português estabelecer que o mediador no seu trabalho deva agir independentemente dos seus interesses e valores pessoais ou influências externas. Essa ação também estabelece a responsabilidade por suas ações, além da ausência de subordinação técnica ou deontológica a qualquer outro órgão, exceto a situação em que a mediação for pública, caso em que estaria sob a competência das entidades de gestão dos sistemas sob cujos auspícios a mediação foi realizada. Nesse panorama, a mediação desponta como um ambiente democrático, afinal o mediador não se posiciona em ponto mais elevado às partes, mas sim entre elas; contribuindo com um espaço interativo voltado para a edificação do bom senso, ou seja, ter o comprometimento de fomentar circunstâncias que propiciem momentos de colaboração durante sua atuação109.

Outro viés da mediação é a consensualidade, a cooperação. Os envolvidos devem cooperar para que o processo de mediação tenha resultados positivos com objetivos alcançados. O mediador deve proporcionar condições de comunicação entre as partes envolvidas no conflito, elucidando pontos necessários para a construção de um diálogo, independente da feitura de um acordo, conduzindo a sessão de maneira profícua110. Nesse sentido, é necessário entender que o êxito na mediação não está relacionado diretamente à feitura de um acordo, mas sim no conjunto de todas as questões envolvidas, notadamente as circunstâncias éticas, bem como à satisfação das partes111. A busca por novos mecanismos de resolução de conflitos O acesso à justiça precisa ser aperfeiçoado, proporcionando aos cidadãos maior segurança nas demandas para as quais precisam chegar a uma solução.

A utilização dos meios consensuais de resolução de conflitos como a mediação, se torna meio eficaz de efetivar o acesso à justiça e a paz social115. Assim, a mediação é uma via de acesso à justiça, além de ser propulsora da democracia, pois a inclusão do instituto da mediação no novo CPC e a própria Lei da Mediação deve promover várias melhorias e vantagens que podem ser atingidas pelo referido instituto, tais como: a) menor desgaste emocional e custo financeiro; b) Adoção de soluções adequadas às reais demandas e probabilidades das partes; c) Maior satisfação dos envolvidos; d) maior celeridade na solução de conflitos pessoais, familiares ou referente aos negócios; e) Desburocratização na solução de conflitos, uma vez que impera a informalidade nas sessões; f) Possibilidade de ter o litígio solucionado por profissional sugerido pelos litigantes, consoante à natureza da questão, g) Além da garantia de privacidade e sigilo116.

A par disso, Fernanda Tartuce117 explica que no processo democrático, o acesso à justiça se torna um exercício de cidadania. Assim, o ponto fundamental do acesso à justiça não é propiciar que todos cheguem à corte, mas sim que a justiça possa ser feita no contexto em que as partes estão inseridas, salvaguardando a imparcialidade da decisão e a igualdade das partes118. Neste contexto, cabe pontuar que a mediação pode se dar tanto pela via judicial como extrajudicialmente. Esta última já existia no sistema jurídico, ainda que não regulamentada, baseando-se, sobretudo, na autonomia das partes. Contudo, em 2015, sobreveio a Lei de Mediação (Lei 13. que trouxe regramentos atinentes à mediação extrajudicial, e também institucionalizou a judicial. Além disso, possibilitou ainda a auto-composição de conflitos que envolvam a Administração Pública Federal Direta, ou suas autarquias e fundações, via “transação por adesão”, administrativamente, conforme artigo 35 e seguintes da referida lei122.

Infelizmente, o ser humano ainda está hoje fortemente contaminado pelo que Morais126 chama de “laços de aço”, fruto de uma herança da modernidade que coisificou o homem, despojando-o de sua subjetividade. Este, por sua vez, encontra sérias dificuldades de voltar seu olhar a si próprio, o que dificulta ainda mais considerar o outro, dado que foi, de maneira geral, educado para o conflito. Portanto, é de se pontuar que a mediação, apesar das críticas aqui empreendidas, tem um potencial transformador da realidade social a longo prazo. É importante fomentar-se a cultura do diálogo, da paz, com vistas à remodelagem da sociedade atual, ainda bastante alicerçada no litígio. Mediação familiar: origem, natureza e objetivos A mediação vem com o intuito de restabelecer o diálogo e a convivência perdida entre as partes envolvidas, caracterizando uma maneira eficaz de resolver as questões envolvidas no conflito, viabilizando a conservação do relacionamento.

Beatriz Helena Braganholo135 ensinou que o Estado deve proteger e gerir as regras para preservar a família, por meio de Leis que possam garantir a paz social. Nesse sentido, o novo CPC obteve avanços significativos. Contudo, trouxe também um desafio, pois para que sejam realmente eficazes as alterações quanto à possibilidade das próprias partes chegarem a um acordo sobre a melhor forma de resolverem a contenda, é necessário o advento da cultura do consenso. Nesse trilhar, a mediação é inserida como sendo a melhor maneira de resolução de conflitos familiares, afinal se propõe a resolver problemas emocionais, proteger a relação entre os envolvidos, por meio da intervenção do mediador, na busca dos objetivos. A participação de todos os envolvidos nesse processo de mediação deve ser garantida de maneira isonômica.

Porém, o risco é de que o mediador acabe forçando o acordo, com a intenção de ajudar as partes, o que funciona como uma tentativa de livrar-se da ansiedade (desejo de eficiência e sucesso, ou sensação de fracasso e incompetência), suscitada pelo próprio sofrimento dos mediandos, que o mediador não consegue identificar e assimila com seu. Para Muszkat140, quando o mediador é um profissional de alguma área científica (Psicologia, Direito, Serviço Social, ou outra), não é incomum que este se sinta inclinado a supor que sabe mais que o “leigo” quais as melhores soluções para ele, o que pode produzir intervenções inadequadas, com desrespeito ao universo sociocultural das pessoas. Esse desrespeito faz com que, quando as pessoas não se enquadram na “lógica” do profissional, este pode julgá-la “errada” nos seus valores, escolhas, desejos.

Ocorre, então, uma invasão no seu universo de representações, prejudicando a autonomia do indivíduo. Battaglia descreve a autêntica atuação do mediador, conforme o pensamento de Carl R. Para a Cezar-Ferreira147, o mediador vai ajudar os litigantes a definir o problema, a encontrar o conteúdo comum, arrolar pontos de concórdia e usar a conotação positiva para que percebam que existem aspectos que podem chegar a um consenso benéfico a ambos. O mediador não é um juiz, que decide, não é um advogado, que orienta, e não é um terapeuta, que trata. Ele promove a aproximação das partes, trabalha em favor da flexibilidade e da criatividade dos mediandos e facilita o diálogo como forma de realização do acordo. No caso da mediação familiar, o mediador precisa atuar em conflitos relacionais familiares, porque após a separação o casal precisa continuar tendo um bom relacionamento enquanto pais – e a função parental transcende a quaisquer outras questões, como as financeiras, por exemplo, que envolvem mais do que aspectos materiais: envolvem crenças valores, mitos, histórias da família, ângulos de visão e perspectivas de vida (planejar ou viver o dia a dia sem planejamento).

Então, quando o casal traz questões de pensão aos filhos, o mediador deve estar atento para entender os motivos que mantêm os pais em suas posições e como ajudá-los a sair do impasse para a decisão148. Tavares e Rosa153 complementam que o mediador deve ter uma excelente capacidade de escuta, que é um dos pontos-chaves. Quando o conflito está instalado, as partes deixam de se ouvir, e o mediador precisa desenvolver um novo elo entre elas. Inclusive porque é comum que o motivo da ação na justiça perpetrada por uma das partes não aparecer na mediação, porque o entrelaçamento dos problemas geradores da ação de forma consciente não é o real motivo das discussões. Os referidos autores concluem que quando um magistrado julga um determinado processo, a sensação que fica é que uma parte perdeu e a outro venceu e nestes casos, normalmente as partes continuam “brigando” na justiça em busca dos direitos que acreditam que possuem e que não forem reconhecidos em uma determinada instância.

As crianças e adolescentes se tornam objeto de barganha. Da mesma forma, em relação aos filhos, o mediador pode conscientizar os mediandos que, enquanto pais, podem repensar suas atitudes, sem impor-lhes culpa ou apontar o “certo/errado”, evitando que os pais coloquem os filhos com o centro de suas preocupações ou como alicerce único da relação: o mediador deve apontar que os aspectos positivos e negativos fazem parte da dinâmica familiar, mas que a ênfase nos aspectos negativos, como a competição, a ira, as doenças, mal administradas não trarão benefícios à família. Segundo Mazzoliu160, o mediador, como terceiro imparcial, independente e autônomo, não tem interesse na disputa e não decide nada, tampouco manifesta sua opinião sobre os fatos narrados confidencialmente pelas partes.

Cachapuz161 acrescenta que o trabalho de mediação deve ser sigilosa (qualquer divulgação ou publicidade prejudicará aos mediandos e aos filhos – e ao próprio mediador – causará mais transtornos) e onerosa, no sentido de que há um custo previamente estabelecido, antes mesmo de adentrar no mérito da questão, sendo que cada instituição estipula o valor dos honorários do mediador, assim as partes não são surpreendidas com um valor extorsivo e/ou com honorários diferentes do acordado, e o mediador não permite que o fator financeiro interfira na condução e/ou solução da mediação, pois ele já terá seu honorário garantido. Segundo Rosa162, o mediador não é um mero assistente passivo, mas sim alguém que utiliza técnicas especiais para atingir determinados objetivos, escuta as partes, questiona-as, e cria opções para facilitar o diálogo, sem propor (ou impor) “soluções” para o conflito.

A mediação é um processo não vinculante, o que significa que qualquer das partes pode desligar-se do processo, sem que se lhe imponha alguma sanção ou restrição aos seus interesses, caracterizando-se, apenas, a desconstituição da mediação. A mediação, tida como um método alternativo de resolução de conflitos é de extremo destaque após uma ruptura familiar, pois as partes seguem muitas vezes ligadas por um determinado vínculo, na maioria dos casos, os filhos167. A consciência de que mediante uma separação, a convivência pacífica e respeitosa pode e deve existir entre as partes, é suficiente para que uma ruptura não desencadeie mágoas e frustrações, situações estas, que quando ocorrem, faz com que todos, inclusive terceiros, fiquem sujeitos a sofrimento, uma vez que, a ruptura afeta não só as partes que decidem pela separação, mas, também, pessoas que estavam ligadas ao cotidiano e à vida dos ex-companheiros.

Ademais, outras intercorrências de grande magnitude podem se instalar, a exemplo da alienação parental e o abandono afetivo. Quando os conflitos familiares fogem ao controle dos integrantes da família, não mais é possível poupar os filhos menores de presenciarem discussões, que vêm muitas vezes acompanhadas por ofensas, gritarias e decisões precipitadas. Esses conflitos geralmente fogem da compreensão das crianças e adolescentes, sendo provável que os impactos psicológicos causados a eles sejam de grande seriedade, podendo, inclusive interferir em sua formação e crescimento. Levando em conta essas disposições, Mendonça171 considera importante mudar o menos possível a rotina que a criança tinha antes da separação. Muitos homens, mesmo quando casados, são “pais de finais de semana” e, após a separação, começam a lutar por igualdade de convívio.

Nesses casos é muito provável que a criança, principalmente se for pequena, não queira ficar com ele. Portanto, pode-se concluir que por mais que o conflito possa existir, e a ruptura se concretize, o relacionamento de pais e filhos pode e deve seguir de maneira saudável, em virtude do respeito e harmonia de todos, porém, os interesses do menor devem ser tratados como prioridade no contexto social e jurídico. CAPÍTULO 3 – DIREITO SISTÊMICO: MEDIAÇÃO E CONSTELAÇÕES SISTÊMICAS COMO MÉTODOS INTEGRATIVOS NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIREITO DE FAMÍLIA 3. Para a ciência sistêmica, qualquer organismo é uma totalidade integrada; portanto, um sistema vivo é uma totalidade, cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependência de suas partes.

Os sistemas só podem ser compreendidos dentro de um contexto do todo maior, são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores, enfatizando-se os princípios básicos de organização. Para a Concepção Sistêmica da Vida, só podemos entender os fenômenos dentro de um contexto relacional e dentro de um todo maior176. O pensamento sistêmico trouxe um marco tão determinante na mudança do pensamento científico que os paradigmas vigentes não mais se bastavam. Assim, esse novo pensamento, em sua compreensão, alcança uma nova concepção para se perceber a ciência e a vida na ciência: a Concepção Sistêmica da vida177. Outro critério chave do pensamento sistêmico é a sua capacidade de deslocar a própria atenção de um lado para outro entre níveis sistêmicos, os quais representam diferentes níveis de complexidade.

Em cada nível, os fenômenos observados exibem propriedades que não existem em níveis inferiores, ao que alguns autores denominam de hierarquia dos sistemas185. São diferentes níveis suprassistêmicos e intrassistêmicos, em diferentes níveis de complexidade, sendo todos igualmente importantes para a manutenção da coerência. Nas palavras de Werner Heisenberg, um dos fundadores da teoria quântica: “o mundo aparece assim como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo”186. Todos os elementos sistêmicos fazem parte de uma complexa teia de relações interativas, auto-organizadoras, interdependentes e em constante movimento. Esta visão dá importância aos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos, já que um fenômeno não é guiado pela lógica, raciocínio ou vontade.

A fenomenologia pede por uma experiência sensorial imediata. Vivenciar o fenômeno representa a sua essência, a sua “significação”192. As Constelações Familiares não são e não podem ser definidas como um método, pois se utilizam do método fenomenológico, um método que considera comunicante o que acontece a cada segundo com toda a sua subjetividade. Todas as informações observáveis pelo observador que se mostram num campo de inúmeras possibilidades são consideradas. As Ordens do Amor instituem as leis para os relacionamentos humanos e se baseiam nos princípios de ordem, vínculo e equilíbrio, princípios norteadores para o funcionamento relacional de qualquer grupo e também, incorporam os princípios da Concepção Sistêmica da Vida, da multigeracionalidade e das lealdades em sua configuração197.

Embora a prática das Constelações Familiares aporte diferenças quanto aos modelos psicoterapêuticos clássicos da Psicologia, observamos aportes importantes em comum com a Terapia Familiar Sistêmica. Acredita-se que estes aportes, ou pontos em comum, possam enriquecer a compreensão das Constelações Familiares e, na mesma medida, a abordagem da Hellinger Sciencia® pode fortalecer o arcabouço teórico-prático da Terapia Familiar Sistêmica. Embasados nesta premissa serão apresentadas as similitudes e afinidades teóricas entre algumas abordagens de terapias sistêmicas e humanistas traçando alguns paralelos com as Constelações Familiares. Nas similitudes, podem-se citar algumas questões da teoria psicanalítica, da Gestalt-terapia, da terapia familiar sistêmica, da teoria do apego, do psicodrama e da análise de script, entre outras198 e, de modo geral, é possível afirmar que a terapia das Constelações Familiares agrega uma nova prática sobre os relacionamentos humanos junto às diversas teorias fenomenológicas199.

Do arcabouço teórico-prático clássico da Terapia Familiar Sistêmica aponta-se a teoria das Lealdades Invisíveis, estabelecidas nos grupos multipessoais, uma contribuição de Boszormenyi-Nagy e Spark204 e os conceitos de Salvador Minuchin205 sobre a Estrutura, Hierarquia Familiar e o Filho Parental que também se mostram presentes nas similitudes dos aportes das Constelações Familiares. Observa-se que a visão relacional sistêmica de Maurizio Andolfi sobre Mitos, Rituais e Regras, contribui pra a compreensão da intergeracionalidade e por último, porém não menos importante, os conceitos de Multigeracionalidade, Diferenciação do self, Parentificação e Triangulação de Murray Bowen206 se mostram estruturantes nesta reflexão. Além dos autores citados, foram buscadas outras afinidades teóricas compatíveis com os aportes filosóficos da Hellinger Sciencia® tais como a Gestalt-terapia de Fritz Pearls207 e a Teoria do Apego de John Bowlby208.

Inicia-se explorando os conceitos desenvolvidos por Boszormenyi-Nagy e Spark209, estudiosos de base psicanalítica que investigaram as conexões multigeracionais nas relações humanas. Seus trabalhos versam sobre a importância dos direitos e responsabilidades nos relacionamentos interpessoais, o equilíbrio entre o que se faz e o que se recebe num grupo multipessoal (seja um sistema familiar, organizacional ou social). Minuchin criou a Escola de Terapia Estrutural, na qual a organização e o contexto social da família estruturam e garantem o desenvolvimento, proteção e a aprendizagem de padrões de interação humana218, validando as experiências individuais intrapsíquicas a todos os seus membros. Uma similitude apontada entre as abordagens da Terapia Estrutural e Constelações Familiares é que ambas convergem em sua visão sobre a família como sendo um sistema governado por regras estruturais e hierárquicas.

Entretanto, são claramente observáveis as diferenças nas posturas terapêuticas interventivas e métodos entre Minuchin e Hellinger. Enquanto Hellinger se baseia numa postura e método fenomenológico219, Minuchin e Fishman são diretivos e propõem um cuidadoso planejamento de ação terapêutica220. Para Minuchin e Simon221, a hierarquia confere e estabelece à ordem, papéis e funções que atuam nas fronteiras relacionais, comportamentos e tarefas essenciais que definem o pertencimento do indivíduo no grupo. Um mapa familiar apresenta uma realidade parcial e transitória das relações familiares, podendo ser utilizado em vários momentos ao longo do processo terapêutico. O mapa familiar pode ainda ser construído em conjunto com a família ou cliente individual, possibilitando a representação de uma imagem interna da família e cada um de seus membros sobre suas relações.

No trabalho das Constelações Familiares, Hellinger227 ampliou a possibilidade de representação espacial dos membros da família. Neste trabalho, a imagem interna relacional do cliente com seus significantes – sejam estes pessoas, situações, sintomas ou emoções – é projetada em um “campo vibracional” e materializada através de representantes. Estes representantes em grupo terapêutico são as pessoas participantes do mesmo. Para a Hellinger Sciencia® a ausência dos mortos na estrutura familiar altera toda a sua conjuntura, derivando assim dinâmicas e emaranhamentos na vida dos membros pertencentes ao sistema236. A alteração da ordem nas funções ou papéis dos membros familiares tem suas dinâmicas de consequências fatidicamente impostas nas vidas dos envolvidos. Estas alterações na estrutura por exclusão de um membro do grupo por morte, por exemplo, são nocivas em suas consequências237.

A exclusão de membros falecidos numa família advém de seus próprios mitos e regras acerca da concepção cultural sobre a morte, ótica desenvolvida pela escola de Terapia Relacional Sistêmica, onde o pertencimento do indivíduo ao grupo familiar é contemplado pelo prisma das regras, rituais e mitos criados e mantidos entre as gerações. Seu fundador, Maurizio Andolfi238, afirma que cada membro do grupo carrega internamente as regras, rituais e mitos familiares, e desta forma, a história de cada indivíduo se passa dentro do contexto da sua história familiar. Também se estendem ao modo de como os membros da família se relacionam com o mundo exterior e a vida profissional245, repercutindo ambiguidade afetiva das relações, no desejo do amor, no pertencimento e no medo de perdê-lo.

A transmissão multigeracional de regras, rituais, mitos e outros padrões relacionais como forma de transmissão cultural e desenvolvimento humano são considerados na Escola de Terapia Familiar Boweniana246. Seu autor, Murray Bowen247 baseou seus estudos na relação inicial, na díade mãe-filho, partindo da noção da família como uma unidade emocional que se projeta no sistema e em todas as suas partes. Assim, a ação de mudança de um membro do sistema familiar pode atingir este sistema como um todo. Esta é uma noção determinante na Abordagem Sistêmica da Hellinger Sciencia®. Nas Ordens do Amor, Hellinger253 aponta a ordem no grupo familiar não apenas como hierarquia entre as gerações, pais sobre os filhos, mas também, a existência da hierarquia na ordem de nascimento entre irmãos.

Nesta ordem deve-se considerar o pertencimento de todos, inclusive mortes precoces, abortos espontâneos ou provocados e crianças natimortas. Hellinger254 ainda propõe certas funções de acordo com a posição do filho em seu núcleo familiar, como por exemplo, os filhos caçulas recebem mais de todos os irmãos e em troca, cuidarão dos pais na velhice. De acordo com o autor, os mais novos são os mais enredados nos emaranhamentos sistêmicos familiares, porque chegaram por último ao sistema. Nesta discussão, observa-se que parte do arcabouço comum entre as proposições teórico/práticas de Boszormenyi-Nagy255, Bowen256 e Hellinger257 coincide na visão de que o conflito entre duas pessoas seja frequentemente desviado para uma terceira, geralmente da geração posterior.

Assinalam-se as contribuições da organização do Genograma familiar que foi amplamente desenvolvido nos fundamentos da terapia familiar por diversos autores, contudo, foram Monica McGoldrick, Randy Gerson e Sueli Petry265 os organizadores de uma teoria e prática para esta técnica, firmando inclusive o uso de símbolos e seus significados. O Genograma266 permite o mapeamento e uma representação de pelo menos três gerações da família, narrando sua história, especificidades e crises de ciclo vital. Esta técnica integra inúmeros aspectos da visão da Terapia Familiar Sistêmica, elucida claramente a estrutura e funcionamento familiar, suas fronteiras e padrões relacionais, seus mitos heroicos e regras, implícitas e explícitas, bem como, outras informações relevantes sobre este sistema. O Genograma multigeracional busca a inclusão de todos os membros da família, estejam estes vivos ou mortos, reunindo o máximo de informações possível sobre a ascendência familiar, condições e estilo de vida, aspectos culturais e étnicos, desenvolvimento profissional e acadêmico, histórias de vida e identificações267.

A possibilidade de acesso ou não à história dos ancestrais dá pistas sobre o funcionamento e padrão familiar, pois, mesmo ao indicar a falta de informações ou segredos, a construção do genograma induz o cliente a um movimento de inclusão e reconhecimento na narrativa de toda a sua origem. Além destes paralelos traçados em consonância com os aportes da Terapia Familiar Sistêmica, podemos refletir sobre algumas contribuições de Escolas Humanistas, reconhecidas pela Psicologia como escolas influentes em suas atuações. Da visão existencial-humanista, a Gestalt-terapia de Frederic Perls274, ressalta o conceito de campo de percepção do cliente. Um campo em que todo comportamento ocorre. Neste campo, se mostra toda a fonte de percepção sensorial, cinestésica, intelectual e emocional do sujeito sobre si mesmo e seu meio e, suas relações com este meio.

Assim como a Gestalt-terapia, considera e trabalha os fenômenos perceptivos, baseados na Psicologia da Percepção, as Constelações Familiares também se apropriam dos fenômenos perceptivos do cliente e do facilitador. Os comportamentos de vinculação e sistemas de regulação de segurança consistem em quaisquer ações direcionadas à redução do risco da criança experimentar situações ameaçadoras e desorganizadoras, aliviando a ansiedade e aumentando a segurança pessoal282. Todos os autores pesquisados confirmam que existe uma forte ligação entre as experiências de um indivíduo com seus pais e a sua capacidade posterior para estabelecer vínculos afetivos, a impossibilidade em uma, no movimento interrompido é fator gerador da impossibilidade em outra. A Terapia Familiar Sistêmica conta com muitos aportes de autores originalmente Psicanalistas, ou de outras áreas do conhecimento científico, que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do Enfoque Sistêmico terapêutico dos sistemas vivos.

Estas diversas contribuições teóricas caracterizaram a Terapia Familiar Sistêmica como uma abordagem agregadora e inclusiva, congruente com os princípios da Concepção Sistêmica da Vida283. Quando o sujeito utiliza pessoas para montar sua constelação familiar, em geral essas pessoas, mesmo desconhecidas e reunidas ali pela primeira (e talvez única) vez, costumam manifestar sentimentos semelhantes aos dos membros da família (alegria, proteção, medo, raiva, insegurança etc. Quando ela (ou alguém) é excluído(a) do sistema familiar, esse direito de pertinência é negado, e ela (ou esse indivíduo) perde também a posição de igualdade em relação aos outros membros da família. APLICAÇÃO DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES NO PODER JUDICIÁRIO EM CONTENDAS EM ÂMBITO FAMILIAR Desde o surgimento das civilizações, o ser humano busca criar formas de solucionar seus conflitos interpessoais, o mais conhecido e atualmente utilizado é o processo judicial.

Com a evolução dos procedimentos judiciais e a necessidade de adaptar novos mecanismos para resolver disputas, alguns sistemas legais criaram métodos alternativos para resolver conflitos. No Brasil, com o advento da Lei nº 13. de 16 de março de 2015, o novo Código de Processo Civil trouxe diversas mudanças, sendo um dos principais mecanismos para a resolução de conflitos alternativos: Conciliação, Mediação e Arbitragem. Em Outubro de 2018, foi organizado o I Encontro de Direito Sistêmico e Constelações Familiares, na Faculdade de Direito de Lisboa pela Revista Lusobrasileira de Alienação Parental, levando ao conhecimento do público português os principais pontos da filosofia hellingeriana. À época, foram realizadas exposições sobre as ordens do amor, as ordens da ajuda (Hellinger observou que existe uma modalidade de ajuda que fortalece e outra que enfraquece), sobre os benefícios do uso da filosofia sistêmica à Justiça, desde o lugar de cada um dos operadores, seja na fase extrajudicial ou na fase judicial.

Nesse Encontro também foi compartilhado que o uso das constelações familiares é uma realidade nos Tribunais de Portugal, sendo que o primeiro a implementar foi o Juízo de Família e Menores de Mafra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, através do Magistrado Dr. Joaquim Manuel Silva e da Psicóloga Dra. Leonor Monteiro, a primeira consteladora de Tribunal em Portugal. As relações sociais implicam o encontro de pessoas com interesses diferentes, o que pode ensejar, na maioria das situações, conflitos. Assim, a mediação familiar busca soluções desses conflitos por meio de ações judiciais e extrajudiciais. Também pode ser considerada um meio alternativo de resolução de conflitos que confere, muitas vezes, menos desgaste e maior nível de satisfação às partes, mais velocidade para o judiciário e menos custo ao Estado e, ao mesmo tempo, continua alcançando os objetivos constantes na legislação.

Quando se possibilita às partes superar a dicotomia culpado-inocente, ideia ultrapassada no que tange às verdades referentes ao relacionamento entre pessoas, o que se deseja é ir além das provas e alegações que constam no processo, evitando-se a escalada do litígio familiar: esse é o maior objetivo da prática da mediação. A mediação no âmbito familiar busca proporcionar a estabilidade e a segurança dos membros das famílias, principalmente dos filhos, por isso o trabalho do mediador é circunscrito e objetivo, definido a partir das realidades familiares apresentadas. Os legisladores brasileiros e lusitanos já prevêem leis para solidificar os meios extrajudiciais, no entanto, não se pode desviar da verdadeira razão de ser da mediação, enquadrando-a apenas como uma forma de fazer acordos, pois eles nem sempre alcançam o cerne do problema.

Do exposto conclui-se que é necessário o conhecimento real da mediação para que ela realmente possa ser respeitada e utilizada na sua real finalidade de modificar ou transformar uma situação dolorosa em feliz, proporcionando uma nova visão de vida e a conservação do lar, base emocional de todo o ser humano. REFERÊNCIAS Andolfi, M; Angelo, C; Nichilla, M. Dinicola, V. The myth of Athlas: families and the therapeutic story. ARSÊNIO, J. A Mediação como facilitador dos processos judiciais. In: SILVA, D. M. P. jus. br/files/ conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54. pdf. Acesso em: 22 nov. AZEVEDO, Gustavo Trancho. Rio de Janeiro: Saraiva, 2014. BAHAMONDE, Ruben. The structuring principles of Mediation in Portugal. GALILEU - Revista de Economia e Direito, v.

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