A TEORIA DA COCULPABILIDADE DO ESTADO E A SELETIVIDADE DO DIREITO PENAL
Tipo de documento:Dissertação de Mestrado
Área de estudo:Direito
Adotou-se o método de abordagem o descritivo-analítico e como método de procedimento para a elaboração deste trabalho utilizada a bibliográfica. Utiliza como referencial teórico Eugênio Raúl Zaffaroni, Rogério Greco, Cristiano Rodrigues, Julio Fabbrini Mirabete, Gulherme de Souza Nucci, entre outros concluindo pela co-culpabilidade do Estado no que tange à criminalidade e à necessidade de adotar-se no Brasil a culpabilidade por vulnerabilidade, tendo em vista que a grande maioria dos presos e condenados são negros e pobres, o que sugere a relação entre criminalidade e vulnerabilidade social. Defende-se aqui que aqueles que comprovadamente cometerem crimes motivados por sua condição social, tenham suas penas abrandadas ou, a depender do caso concreto, sua culpabilidade excluída. Ao contrário, repudia-se a chamada co-culpabilidade às avessas, entendendo ser este tipo de co-culpabilidade que cria um Direito Penal seletivo e de classes.
Palavras-chave: Seletividade. Co-culpability. Social vulnerability. Individualization of the Penalty. Human rights. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 6 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA 12 2. Escola técnico-Jurídica 31 3. Escola da defesa social 33 4 TEORIAS SOBRE O DIREITO DE PUNIR 35 4. Introdução 35 4. Teorias absolutas ou retributivas 35 4. Teorias relativas, utilitárias ou prevencionistas 38 4. Teorias de consenso 74 6. Teoria da anomia (ou estrutural – funcionalista) 74 6. Teoria ecológica 76 6. Escola de Chicago 77 6. Teoria espacial 77 6. Introdução 122 8. Princípio da Intervenção Mínima e Princípio da Adequação Social 124 8. Princípio da Isonomia 125 8. Princípio da Proporcionalidade 126 8. Princípio da Humanidade 129 8. Análise Crítica da Co-culpabilidade 158 10. Co-culpabilidade às Avessas 171 10. Instrumentalização da Co-culpabilidade no Direito Criminal e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico penal brasileiro 172 10. A Co-culpabilidade diante do processo 175 10. Jurisprudência 176 10. Direito Penal de Portugal 193 12 A TEORIA DA CULPABILIDADE POR VULNERABILIDADE 194 12.
Introdução 194 12. Origem e Conceito 195 12. Vulnerabilidade social 197 12. Estado de vulnerabilidade 198 12. A Teoria da Co-culpabilidade, também conhecida como Culpabilidade Social ou, ainda, Culpabilidade Compartilhada é um estudo inovador, em constante evolução de antigas ideias socialistas que vem garantindo respaldo no cenário jurídico, em virtude da associação de grandes nomes da ciência penal, todos em prol de um direito mais humano e isonômico, capaz de manter a ordem de maneira justa, garantindo e respeitando a individualidade de todos. A maior parte da população de brasileira, não sem razão, considera a criminalidade um dos problemas mais graves, situação essa que reflete as desigualdades econômicas, políticas e sociais presentes no país. Logo, o aumento da violência nos últimos anos vem incomodando a sociedade como um todo.
Entretanto, não é de hoje que temos notícias, nos milhares meios de comunicação, acerca de um roubo cometido com grande violência, um homicídio triplamente qualificado ou ainda de crimes que só agora vem tomando repercussão geral. Nesse sentindo, questiona-se: o que está acontecendo com a sociedade? Se falássemos em culpa, haveria realmente como especificar algum culpado, responsabilizando-o por todo esse “câncer” social? Desta forma, partindo da ideia sobre culpa, surgiram duas teorias modernas que vêm sendo desenvolvidas em muitos países, principalmente os situados na América Latina, onde o índice de pobreza e desigualdade social é bastante elevado. Logo, para que, efetivamente seja aplicada a justiça equitativa, o direito penal deve buscar a justiça social. É de conhecimento notório que o direito penal é aplicado de forma deveras severa, às camadas menos abastadas da sociedade.
Desta forma, com o presente trabalho, propõe-se uma reflexão sobre o direito penal na sociedade atual. Nesse contexto, insere-se a Teoria da Co-culpabilidade e a Teoria Culpabilidade por Vulnerabilidade, que defende um direito penal mais humano, justo, equitativo e menos elitista e seletivo, fundamentando-se em um direito penal mínimo. Assim sendo, a realidade dos fatos explanados nos parágrafos supras justificam a escolha do objeto de estudo que ora aqui apresentamos, uma vez que será uma pesquisa pioneira da qual sairão resultados que nortearão não somente as análises e interpretações acadêmicas desse estudo, mas, que servirão principalmente como pilar para a conscientização de todos os órgãos intrínsecos e hierárquicas responsáveis às questões de segurança pública e da jusitiça criminal.
Para a consecução dos objetivos propostos, esta pesquisa encontra-se dividida em doze capítulos. No primeiro capítulo foram esposadas as considerações iniciais desta pesquisa, juntamente com o problema de pesquisa, objetivos, justificativa e breve explanação sobre a metodologia utilizada na elaboração desta pesquisa. O segundo capítulo apresenta a evolução histórica da pena e das escolas penais. Assim apresenta o período da vingança privada, o período da vingança pública chegando até o período humanitário e o período científico. O terceiro capítulo aborda as escolas penais, a saber: escola penal clássica, escola positiva, escola correcionalista penal, escola técnico-jurídica e escola da defesa social. Neste capítulo demonstrou-se que a teoria da co-culpabilidade já é adotada em diversos países a exemplo da Argentina, México, Costa Rica, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador e Portugal.
Por fim, o último capítulo analisou a teoria da culpabilidade por vulnerabilidade, sua origem, conceito, a vulnerabilidade social, estado de vulnerabilidade, situação de vulnerabilidade, análise crítica da culpabilidade por vulnerabilidade e a culpabilidade por vulnerabilidade como critério corretor da seletividade do sistema penal. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA 2. Introdução A vivência humana se perfaz através de agrupamentos sociais e, em face do teor associativo, as necessidades, anseios, conquistas, enfim, a satisfação individual passara a encontrar amparo coletivo. Contudo, desde os primórdios da vivência social, o ser humano violara as regras de convivência, fazendo com que a aplicação de um castigo (sanção) se mostrasse necessária1. Desta forma, ao Estado incumbe o dever de criminalizar apenas a existência de condutas danosas, devendo em face destas, fixar a sanção adequada, sob pena de incorrer em excessos ou desvios8.
A consagração da ideia de Estado contratualista encontra amparo na punição, que passa a ser incumbência do Estado, mas, ao sancionar deverá o ente estatal se ater a todas as especificidades que circundam a expressão delitiva, de modo a fixar a sanção adequada ao mal causado, de modo a afastar a manifestação de uma pena desmedida. A pena consiste, pois, em definição intimamente ligada a construção do Estado, à medida em que observa-se que o desenvolvimento do ente estatal encontra ligação direta com ideia de pena. Verifica-se assim que a compreensão de sanção penal deve restar manifesta, trazendo ao lume o modelo socioeconômico e a forma de Estado apresentada, para assim ser possível detectar as especificidades do sistema sancionador9.
A expressão sancionatória passa, portanto, a apresentar as características ínsitas ao Estado ao qual se encontra inserta e, tal intento perfaz com que a ideia de pena no âmbito do Estado de Direito denote por característica basilar a preponderância da tutela dos direitos fundamentais, inclusive quando se pune. Contudo a pena na contemporaneidade não congrega em si apenas uma finalidade apta a retribuir o mal ocasionado à sociedade com a violação do bem jurídico, primando ainda pela prevenção, ou seja, a ideia de evitabilidade do delito. Resta ainda atrelada a ideia da finalidade da pena na contemporaneidade a concepção de ressocialização, que passa a ser compreendida como a possibilidade de, ao se punir viabilizar o retorno conscientizado do ex-detento ao convívio social e reintegrá-lo pós-sanção, congregando em si a devolução do mal que este ocasionara a sociedade com a imposição punitiva, mas, indo-se além, pois se busca reinseri-lo na mesma coletividade de violação da norma agora conscientizado do prejuízo existente quando da prática delitiva ao violador.
Contudo, para que a ideia da imposição sancionatória passasse a restar fixada no âmbito de um Estado de Direito como instrumento apto a punir, mais que ao mesmo tempo congregue em si a ideia de reabilitação social do violador da norma penal, observou-se o desenvolvimento de etapas sociais que contribuíram para a visualização da ideia de sanção penal conforme vislumbrada no atual contexto social. A expressão pena advém assim do latim poenae do grego poiné, correspondendo à ideia de imposição de castigos de natureza física ou moral que passam a ser fixadas aos transgressores dos regramentos normativos. Desse modo, a pena apresenta a existência de um sofrimento a ser percorrido pelo autor do delito, sendo este manifesto com a anuência social16.
A punição, segundo a vingança privada, perpassa pela tese suscitada na Lei do Talião, que tende a devolver o mal causado de modo equitativo ao dano ocasionado pelo autor do delito, demonstrando o avanço social punitivo, pois passava a trazer, ainda que de forma incipiente, uma concepção ainda inicial da ideia de equilíbrio ao se punir, ao apregoar a ideia de “olho por olho, dente por dente”, depreende-se que a retribuição do mal causado ao sancionar o criminoso deveria ser equivalente ao dano que este ocasionara23. Mais adiante, a ideia trazida pela Lei de Talião passou a consolidar a expressão da punição por composição, de modo que a infração delitiva já não implicava na fixação de um sofrimento pessoal ao infrator, mas no estabelecimento de um sancionamento de impacto material ao mesmo, fazendo com que em face do delito o violador da norma devesse vir a pagar o equivalente ao preço de um resgate como expressão punitiva a sua infração, através da entrega de bens ou pecúnia24.
Período da vingança divina Com a difusão da religião e sua influência perante os grupos sociais, observa-se o deslinde do denominado período da vingança divina, onde as normas denotavam natureza religiosa. Através da ideia de vingança divina ao agressor deveria ser imposta a sanção para abrandar a ira dos deuses e reconquistar a sua benevolência25. A ideia do divino que incidiria na fixação punitiva também encontrava amparo na manifestação probatória do estado de inocência ou de culpabilidade do suposto autor do crime, à medida em que a prova dos fatos era feita através das “provas de Deus”, onde fazia-se com que a pessoa acusada caminhasse sobre o fogo e, na eventualidade desta não vir a contrair queimaduras, seria considerada inocente das imputações que lhe acusavam, do contrário, seria considerada culpada26.
Afastam-se o período inquisitivo, aproximando a sociedade, de uma outra época, de cunho revolucionário, encabeçada por princípios iluministas, como será visto mais adiante. Ainda dentro da perspectiva da vingança pública, a cidade de Roma também teve seu papel fundamental na construção da justiça penal, neste período. O seu avanço em diferentes pontos (políticos, culturais, religiosos e econômicos) proporcionou uma grande evolução dos hábitos de cunho meramente vingativo, característica da política adotada por esta fase. Em Roma, o sucesso de seus comandantes e a expansão de suas terras ocasionaram uma necessidade de regulamentar as obrigações de seu povo, bem como de estabelecer deveres a serem cumpridos. Desta forma, devido à necessidade de organizar-se para manter o poder, o Direito Romano impulsionou uma grande evolução nos códigos utilizados naquele tempo, tornando-se referência para a construção de vários outros ordenamentos, inclusive de outras cidades e em outros tempos.
Assim, vários estudiosos foram proibidos de desenvolver seus trabalhos e de expor suas ideias em público, pois poderiam correr sérios riscos que podiam comprometer suas vidas e também de suas famílias. O período medieval foi realmente uma época de retrocesso, entretanto, serviu como meio de alertar sobre os perigos da concentração do poder na mão de um único órgão e os malefícios da intervenção da Igreja, dentro do corpo do Estado. Com o fim da Idade Medieval, o pensamento de “libertação” e a sede por igualdade brotaram na mente da sociedade. Com esse espírito de mudança, surgiu a escola do Iluminismo, caracterizado como o período humanitário do Direito Penal. Nele se refutavam inúmeras atitudes arbitrárias executadas pelas autoridades medievais.
Contudo, na fase da humanização, a pena continua contendo um caráter reprovador, mas esta deve se expressar sem desconsiderar o criminoso como sujeito de direitos35. A implementação da humanização na imposição da pena, cria para o Estado, responsabilidades no exercício de seu poder punitivo máximo, haja vista que se antes o Direito Penal submetia o indivíduo ao suplício extremo, o contrato social refaz as relações, a partir do que se estabelece um equilíbrio entre a capacidade de punir e o ônus de ser punido. Ao Estado, cabe impor sanções, na hipótese de violação de alguma de suas normas, enquanto, ao indivíduo, resta-lhe sujeitar-se às punições, desde que fixadas em consonâncias com as normas36. Segundo as diretrizes da humanização ao se punir, verifica-se que Estado e indivíduo passam a se submeter a um mastro comum, cujo leme fixa limites a ambos, de modo que de um lado, o Estado garante ao indivíduo limites mínimos que lhe protejam a dignidade, e de outro, a sociedade se sujeita às sanções, por meio de lei37.
Elencando a ideia de limitação ao exercício punitivo do Estado, verifica-se o fato de que cada cidadão possui deveres a cumprir ante a necessidade de respeito à sociedade e aos regramentos que a circunda, esta, igualmente, também detém obrigações a cumprir com respeito a cada cidadão38. As escolas que integram o período científico serão detalhadas a seguir. Escolas penais 3. Introdução Em virtude da legislação criminal que vigorava na Europa, que era arbitrária e lacunosa, surgiram movimentos visando à humanização das penas e a correção do criminoso. Desse modo, com o transcorrer do tempo, as escolas penais foram desenvolvidas para a análise da pena e do comportamento delituoso do agente, fornecendo embasamentos científicos mais detalhados sobre o Direito Penal.
Portanto, os aportes teóricos do período científico oriundos dos grandes doutrinadores das escolas do Direito Penal, foram úteis para responder as questões práticas envoltórias do fenômeno do crime e os fundamentos e objetos do sistema penal, consistentes na racional e previsível solução das questões concretas surgidas no meio social, fornecendo respostas previsíveis para os operadores jurídicos e para o restante da comunidade social. A defesa do direito, construção carrariana, afirma que a pena é também um meio para se alcançar fins práticos, ou seja, ela rejeita um sistema penal ineficaz na repressão à prática criminosa45. A Escola Clássica era, na verdade, uma denominação dada pelos positivistas ao conjunto de correntes doutrinárias, tais como as absolutas, as relativas ou as utilitárias e as mistas, que tinham por escopo pesquisar o fundamento da punição e os fins da pena, como afirma Noronha46 Essa Escola tinha por fundamento básico, como diz Bittencourt47, os postulados iluministas traduzidos, de certa forma, na obra de Beccaria Dos Delitos e das Penas.
Representou um processo de humanização das Ciências Penais. Ela simbolizou um momento em que “[. os filósofos, moralistas e juristas, dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade do homem”48. Há ainda as teorias mistas, que defendiam a retributividade da pena, mas que acrescentavam a esta o fim de reeducação do criminoso e o efeito de intimidação. Esta escola se dividia em duas fases: a. teórica ou filosófica; e b. jurídica ou prática. A primeira estabeleceu princípios orientadores da criação do direito penal moderno e que teve como precursor o próprio Cesare Beccaria. Veja-se previamente, de modo muito sintético, alguns pressupostos básicos desta corrente de pensamento.
O pensamento positivista se contrapõe ao do Iluminismo no sentido de pretender despojar este de seus aspectos crítico-negativos, do utópico, restando-lhe exclusivamente sua filosofia racional, científica e prática. Desta forma, assinalava Comte que não há “na filosofia política ordem e acordos possíveis, mas sustentando os fenômenos sociais, como todos os outros, às invariáveis leis naturais”54. Esta aplicação das leis da natureza às ciências sociais será uma das características do pensamento positivista. Também demonstrava Comte que “o positivo virá a ser definitivamente inseparável do relativo, como já é do orgânico, do preciso, do certo, do útil e do real”55. Garofalo (em Criminologia, 1905), por sua vez, ampliou a visão de Lombroso em seus aspectos psicológicos, e Ferri (em sua Sociologia Criminal, 1900), nos de caráter sociológico.
As causas do comportamento delitivo estavam assim determinadas: biológicas, psicológicas e sociológicas57. A influência do positivismo não se reduz só à criminologia, mas também, e em grande medida, ao direito penal. Como afirma Bustos Ramírez, em primeiro lugar essa influência se notou no chamado “positivismo jurídico-penal” (que, com Binding, o estudo do jurista ficou reservado à “norma”); em segundo lugar, a influência se percebe na denominada “nova escola penal” (que, com Von Liszt, deu início à sociologia criminal), escola que “pretendeu realizar uma síntese ou união, aspiração típica do positivismo, dos diferentes conhecimentos: sociológico, natural, normativo e psicológico”58. Com todos os antecedentes citados, pode-se entender que o Positivismo encontrará nas instituições de sequestro perfeitos laboratórios onde pôr à prova suas hipóteses.
Para essa escola, o bem jurídico consiste apenas no bem tutelado pela norma63. A contraposição de Binding veio por intermédio das lições de Von Liszt64, pois, segundo este, todos os bens jurídicos constituem interesses vitais, interesses do indivíduo ou da comunidade. Nessa concepção, os interesses avançam, transpondo o ordenamento jurídico e se consolidam na própria vida, ou seja, o direito apenas lhes oferece proteção mediante a criação de normas jurídicas, elevando-os à posição de bens jurídicos. A identificação e a localização dos bens jurídicos dependem da política criminal, pois, segundo Von Liszt65, o Direito não seria capaz de lhes determinar, tampouco oferecer a devida fundamentação. Os interesses, no entanto, surgem das relações dos indivíduos entre si e destes para com o Estado e a sociedade e vice-versa.
A ruptura de Birnbaum pode ser qualificada como uma revolução às escuras, uma vez que se deu em nível eminentemente político-criminal dogmático. A teoria de Liszt, ao ter-lhe conferido visão, eleva agora aquela categoria também a outro patamar, alçando o bem jurídico penal em relevante conteúdo de política criminal e consolidando esse instituto como critério legitimador da atividade legislativa do Estado68. Diferentemente das ideias de Binding, em cujo pensamento o bem jurídico é uma criação exclusiva do legislador, para von Liszt, essa exclusividade não existe, na medida em que o interesse transformado em bem jurídico se encontra presente na sociedade. O fim do direito consiste em proteger os interesses do homem. Assim, a norma não cria o bem jurídico, mas o encontra.
Resumidamente, para a escola correicionalista a pena ideal seria a privativa de liberdade e teria por propósito o tratamento e a cura do delinquente, que era um doente que necessitava ser curado pelo direito. A pena teria prazo indeterminado e perduraria até a recuperação do infrator. Escola técnico-Jurídica Não se tratou de uma escola penal propriamente dita, mas de corrente de inovação metodológica no estudo do direito penal. Os positivistas empregavam no direito penal o método positivo de investigação e de verificação da realidade, colocando o criminoso como o centro de sua atenção. Para o entendimento do delito e aplicação da sanção penal, misturavam elementos jurídicos com os de outras áreas do conhecimento, como a antropologia, a sociologia e a criminologia72.
O crime é um ente jurídico, mas também é um fato biológico e social. É ente jurídico porque é o direito que valora o fato e é a lei que o considera crime. Como o crime, além de ente jurídico, também é fato biológico e social, cabe ao direito e a outras ciências seu estudo, mas cada qual na sua área de atuação76. Não cabe ao direito penal buscar a origem ou a etiologia do delito. Isto é afeto a outras ciências. Assim, a lei e a justiça penais baseadas na responsabilidade moral não propiciam uma proteção eficaz na comunidade social. Mas o regime penitenciário clássico, inspirado pelas mesmas idéias, não a protege tampouco; o isolamento celular e a pretensa ação terapêutica da prisão tradicional faliram, bastando verificar em particular o aumento considerável do número de reincidências ocorrido no final do século XIX77.
Percebe-se, pois, que a preocupação inicial desse autor era, literalmente, a defesa da sociedade diante da prática de uma infração pelo criminoso. A tentativa de se punir o indivíduo com fulcro no ideal do livre-arbítrio, como era afirmado pela Escola Clássica, na visão de Prins, terminava por deixar a própria comunidade à mercê da atuação prejudicial do delinquente, que tinha sua pena abrandada e, após cumpri-la, retornava à sociedade e não raro voltava à prática de crimes. Nesse sentido, pugna pela responsabilização do indivíduo não com base em um critério relativo, qual seja, critério moral, mas um critério mais seguro, a periculosidade do infrator. Introdução Substancialmente, o ser humano é coexistência, pois interage por sua natureza e em companhia de outros indivíduos em sociedade.
E, para manter o equilíbrio de suas relações sociais, dependem as pessoas de normas jurídicas, sobretudo das normas penais81. Dessa forma, os fundamentos do Direito Penal são resultados de uma condensação de conflitos entre a lógica e os fins da punição ao transcorrer do tempo. Portanto, as sucessivas dissonâncias das diversas linhas de pensamento sempre propiciaram a progressiva evolução do Direito Penal82. Nessa esteira, explicita Jorge de Figueiredo Dias, que o problema dos fins da pena é tão antigo quanto o próprio Direito Penal, sendo o âmago de toda a problemática da teoria penal, posto estar no bojo à questão da legitimidade e as razões da intervenção penal do Estado. As formulações de cariz absoluto têm origem no idealismo alemão, merecendo ser destacada a teoria da retribuição ética ou moral de Kant, tendo em vista que a pena é derivada de um imperativo categórico, ou seja, um imperativo moral incondicional.
“As penas são, em um mundo regido por princípios morais (por Deus), categoricamente necessárias”86. As teorias absolutas têm como característica basilar “conceber a pena como um mal, um castigo, como retribuição ao mal causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como meio para fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fato passado”87. Fica claro que a finalidade da pena, segundo essa teoria, é exclusivamente punitiva. Retribuir o mal ocasionado com o delito praticado, com outro mal, que é a pena. Ainda, conforme os autores supracitados convém mencionar que Kant elaborou o célebre exemplo: Se os indivíduos membros de uma sociedade, domiciliados em uma ilha, resolvessem dissolvê-la, emigrando para outro lugar, deveriam, primeiro, verificar se havia alguém condenado a pena de morte; depois, teriam que executá-lo antes de esse corpo social ser dissolvido, por uma questão de justiça92.
Segundo Costa Jr. “na dialética hegeliana, como o delito é a negação do direito, a pena, enquanto negação de uma negação constitui a afirmação do direito”. Ademais, segundo Bitencourt94 a pena como retribuição do ato infracional praticado deve ter a mesma intensidade deste. Em síntese, é possível concluir que para as teorias absolutistas a pena é a retribuição do delito, pune-se pelo simples fato de ter delinquido, sem nenhum caráter utilitarista de prevenir a prática de futuros crimes. Teorias relativas, utilitárias ou prevencionistas As teorias relativas muito diferem das absolutas: enquanto que estas entendem a pena como um fim em si mesma, aquelas são notadamente finalistas, ou seja, compreendem a utilidade, a finalidade da pena. As teorias relativas atuam no âmbito preventivo, dirigindo-se tanto à coletividade (prevenção geral) quanto ao indivíduo delinquente (prevenção especial), neutralizando-o.
Em verdade, as teorias relativas são conhecidas como teorias utilitaristas, já que visam a atribuir à pena uma utilidade máxima. Sobre a prevenção geral e especial será melhor detalhado nas seções a seguir. Prevenção geral Sob a ótica de César Bitencourt99, as teorias da prevenção geral visam evitar a prática futura de crimes, agindo sobre os indivíduos que compõem a sociedade. As doutrinas intimidatórias existem desde a Antigüidade Clássica e continuam existindo, anos após, podendo ser observadas em trecho da obra O Príncipe, de Maquiavel: E os homens têm menos respeito aos que se fazem amar do que aos que se fazem temidos, porque o amor é conservado por um vínculo de obrigação, o qual se rompe por serem os homens maldosos, em todo o momento que se quiserem,ao passo que o temor é alimentado pelo medo do castigo, que nunca te abandona101.
Guimarães102 assevera ter predominado a intimidação, com base na teoria da prevenção geral negativa, durante os séculos XVI e XVII, quando fora alçada a forma absolutista de Estado, sendo de praxe, à época, o uso da pena capital, como meio de exemplar a sociedade. Prado103 entende que essa teoria ao dizer que a finalidade da pena consiste em prevenir a prática de infrações penais pela intimidação psicológica de seus destinatários, isto é, de todos os indivíduos que integram a sociedade. Já para Dias104, no que se refere à prevenção geral negativa, a pena é concebida por parte do Estado com a intenção de intimidar os membros da sociedade para que estes, ao verem o sofrimento daquele que delinquiu, se abstenham de práticas criminosas.
Segundo Gloeckner e Amaral105, a prevenção geral negativa é geral “porque se destina a toda população, e negativa porque atua em termos de coação psicológica”, entenda-se inibição da prática delituosa. vai além e soma à prevenção geral a especial ou individual que impõe repercussão no âmbito pessoal do agente causador do delito. Segundo o ponto de vista de Bitencourt108, pode-se observar que a pena assume uma postura pedagógica e comunicativa ao reafirmar o sistema normativo com o intuito de dar estabilidade ao ordenamento jurídico. A reafirmação desse sistema pretende mostrar aos cidadãos, integrantes da sociedade, que a violação da norma não abalará a confiança nela, pois ela permanecerá vigente, embora violada. Isso pelo fato de ela servir para orientar o modo de as pessoas procederem em suas relações intersubjetivas.
Prado109 não deixa de observar que: [. Todavia, o que melhor desenvolveu a teoria foi Von Liszt. Para esse autor, a finalidade da pena (e da medida de segurança) seria a prevenção de novos delitos, levando-se em consideração a personalidade de cada agente, evitando, assim, a reincidência. Um requisito, portanto, que irá mensurar a aplicação da pena será o grau de periculosidade do agente, sua personalidade, enfim, seus caracteres pessoais. Interessa, agora, a figura do delinquente em si, recaindo a punição sobre o autor do fato, e não sobre o fato. Para os infratores ocasionais, Von Liszt entendia que caberia a mera advertência (intimidação); para os que precisam de correção, deve haver a função ressocializadora, haja vista que através do trabalho o criminoso seria reeducado, podendo retornar à sociedade (função de restabelecimento).
Nela, a finalidade da pena é de ressocializar, reeducar, reinserir o criminoso na sociedade, para que ele não volte a delinqüir114. Ao se manifestar acerca da prevenção especial positiva, Klaus Günther115, argumenta que a “pena deve causar arrependimento e compreensão, ou seja, uma mudança da atitude que garanta pelo menos uma adaptação externa à ordem legal”. Mattos116 faz uma crítica a essa teoria ao aduzir que: [. se tentou legitimar a pena atribuindo-lhe uma função positiva de regenerar o condenado, sendo que para tanto imputam à pena a finalidade de ressocializar e reeducar os presos, visando uma melhor reinserção dos mesmos na sociedade. Outrossim, o que se verifica é que a recolocação do condenado tem sido conduzida de duas formas: a “educação” para ser criminoso e a “educação” para ser bom preso, sendo que esta última se caracteriza pelo fato de o aprisionado ser uma mão-de-obra braçal, que se deixa explorar, seguindo, “disciplinarmente”, as ordens que lhe são dadas, funcionando como mão-de-obra de reserva para o sistema de produção capitalista.
Seja neutralizando de maneira definitiva os infratores habituais e incuráveis através da prisão perpétua ou da pena de morte, seja desestimulando os criminosos excepcionais aplicando penas severas para que atemorizados não voltem a delinquir. Na concepção de Dias121, a prevenção especial negativa tenciona através da segregação do criminoso, neutralizar o perigo que este representa para a sociedade, ficando evidenciado que o único efeito almejado é a defesa social. A prevenção especial negativa não foca na ressocialização e por esta visão, apenas tirar o criminoso do convívio social seria suficiente para dar à sociedade a proteção almejada. No entanto, este não é o modelo ideal, especialmente no Brasil em que nenhum condenado pode ficar preso por mais de 30 anos e que o preso faz jus a muitos benefícios para a progressão de regime.
Assim, mesmo quando comete crimes hediondos, volta ao convívio social e volta a delinquir, o que demonstra que a proteção dada à sociedade é temporária, já que não se investe em políticas públicas para recuperar o apenado e inclui-lo na sociedade. Assim, segundo Bitencourt124, as teorias unitárias, mistas ou ecléticas tencionam reunir, em um único conceito os aspectos que entendem serem os mais relevantes das teorias retributivas, da prevenção geral e da prevenção especial, no entanto apresentam alguns defeitos. Sabe-se que as teorias mistas ou unificadas predominam na legislação, na jurisprudência e na doutrina no ocidente, a exemplo do Código Penal da Alemanha e do Brasil. Este último emprega as teorias unificadas ao determinar no art. do Código Penal, a aplicação da pena “conforme necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
A reprovação denota a ideia de retribuição da culpabilidade. Para essa teoria os fins das penas são unicamente preventivos, geral e especial, é despida de qualquer aspecto retributivo. Insta acentuar ser necessária aos operadores do Direito Penal a adoção de uma teoria que lhes sirva de sustentáculo para a aplicação da pena, pois não se pode legitimar a postura de um autômato que, sem qualquer critério, permita-se aplicar uma pena somente por estar em conformidade com o texto legal. É importante declinar que as penas restritivas de direitos, impostas no processo penal, embora sejam menos aflitivas do que a prisão, elas não deixam de ser penas e, por isso, necessitam de justificação. Daí a importância de um marco teórico que possa respaldar sua cominação legislativa e a consequente aplicação e execução pelo Poder Judiciário.
Entende-se que a Teoria Dialética Unificadora abriga a concepção mais racional e perfeita em relação aos fins da pena, no que tange à prevenção geral e especial, à limitação estatal em face da culpabilidade do agente e à proteção subsidiária de bens jurídicos. do Código Penal), estaria garantindo e tutelando o direito à vida, e assim, sucessivamente com os demais delitos previstos não somente no Código Penal, mas, também, na vasta gama de legislação especial existente. Porém, de forma oculta, o Direito Penal revela-se como um importante instrumento de controle social (enquadramento de pessoas, tendo por base mais a sua condição social do que, propriamente, eventuais condutas delitivas), com a concentração do poder controlador (polícia, por exemplo) nas mãos do executivo e a ingerência deste nos organismos institucionalizados de atuação do Direito Penal132.
O resultado de qualquer observação sobre as condições das prisões, no Brasil, indica que elas estão superpovoadas por pessoas pobres e negras, oriundas das classes sociais baixas. Essa é uma realidade inquestionável e demonstra que o Direito Penal exerce uma importante função, ou seja, a de selecionar pessoas, contra as quais suas consequências (evidentemente gravíssimas) são, amiúde, aplicadas: não só as penas legais, mas, também, detenções abusivas, castigos físicos, isolamento preventivo (prisão para averiguação) etc. pautando-se por exercitar o controle (oculto) da sociedade. As perturbações mais leves da ordem jurídicas devem ficar a cargo de outros ramos do direito. E isto porque o direito penal possui plenas condições de fornecer aos bens jurídicos tutela diferenciada, tanto civilmente, como administrativamente, devendo a tutela penal estar resguardada àquilo que, indubitavelmente, perturbe o convívio social e ponha em risco a segurança da sociedade.
É de se verificar que o estudo dos movimentos penais é importante, pois, demonstra a evolução na forma de ver as penas à medida que a sociedade evolui, ou melhor dizendo, à medida que a sociedade vai ficando mais complexa. O abolicionismo O direito penal tradicional se focou, durante muito tempo, nas teorias da pena, na tentativa vã de legitimar a utilização de sanções repressivas, com fundamento na ressocialização do condenado, na retribuição do mal causado, entre outras pretensas finalidades. Não obstante, diante do fracasso inegável da concretização de tais fins da pena, é mais que saudável travar um debate sério a partir de ideias que tomam como princípio a desnecessidade de punição estatal para os delitos, as quais foram reunidas em torno da denominação comum de abolicionismo penal.
Também em sua obra, critica a utilização do saber criminológico, como estratégia de legitimação do sistema punitivo. Nesse sentido, segundo Salo de Carvalho, destacou que “o papel da criminologia tradicional, ao longo da história do direito penal moderno, foi justificar as práticas punitivas sob a perspectiva do falso humanismo representado pelo discurso ressocializador”141. De outro lado, a partir do pensamento dos outros três criminólogos referidos, fica ainda mais nítido o delineamento de uma política criminal alternativa, consistente na abolição do sistema penal. Com relação aos ensinamentos de Thomas Mathiesen, considerado o estrategista dentre os abolicionistas142, temos uma utilização visivelmente marxista do abolicionismo, na qual se advoga a eliminação do sistema penal, entendido como um instrumento da repressão e de ocultação de conflitos sociais143.
Esse viés político torna a sua proposta um verdadeiro libelo contra qualquer estrutura repressiva da sociedade, indo além da abolição tão somente do sistema punitivo144. As ideias de Mathiesen foram determinantes para a criação da Organização Norueguesa Anti-carcerária (KROM), entidade que promovia a abolição da prisão, inclusive negando propostas de sanções alternativas que poderiam ser transformadas em estruturas punitivas com as mesmas funções do cárcere150. Também Nils Christie contribuiu de forma significativa para o aperfeiçoamento do ideal abolicionista. Enfatizou que o sistema penal insiste em ofuscar a dor e sofrimento que a estrutura punitiva provoca, inexoravelmente. O controle do crime, com isso, “se converteu em uma operação limpa e higiênica. A dor e o sofrimento desapareceram dos livros de direito penal, que trata do assunto como se tudo fora muito natural e asséptico”151.
Com certeza, este é um desenvolvimento muito promissor”158. Como será visto, essa argumentação se aproxima bastante do que entende-se por justiça restaurativa. No mais, também se assemelha bastante com o que ensinava Louk Hulsman, em sua proposta abolicionista. A aproximação entre as teorias de ambos os autores, Christie e Hulsman, já fora destacada por Eugênio Raul Zaffaroni, que afirmou que a diferença entre as propostas reside no fato de que “se pode considerar Christie mais inclinado a fundamentar seus argumentos sobre a experiência histórica e, inclusive, sobre os reduzidos modelos existentes de ensaios comunitários nórdicos”159. Optou-se neste texto por destacar a teoria desenvolvida por Louk Hulsman, entendendo ser a mais aproximada de um modelo restaurativo de justiça. Somente a partir de uma perspectiva nova, a respeito da justiça criminal, seria possível efetivar os valores que devem nortear um mecanismo de solução de problemas sociais.
Ainda, segundo Hulsman, tais valores poderiam ser resumidos em três mais importantes: o respeito pela diversidade; a necessidade de colocar as profissões e autoridades a serviço dos clientes; e por fim a validade de reconstrução de um evento problemático163. A heterogeneidade da sociedade é desrespeitada quando se adota um modelo que não respeita essas diferenças, que trata a todos de modo uniforme. As diferenças devem ser reconhecidas pelo discurso público, que as subestima. Deve haver solidariedade com essas diferenças164. Em outras palavras, a justiça criminal “tende a fornecer uma construção não realista do que aconteceu e, portanto, a fornecer também uma resposta não realista e ineficiente”167. Sem contar com o fato de que, em razão do reforço dos estereótipos, o sistema criminal cria de fato o delinquente, interiorizando no envolvido os estigmas por meio de um etiquetamento legal168.
Segundo Hulsman, a pena decorre de uma relação autoridade entre o punidor e o punido, bem como, em certos casos, de um reforço de elementos de sofrimento, justamente em razão dessa autoridade. Ora, por essas razões, “a verdadeira pena pressupõe a concordância das duas partes”. Em resumo, “não havendo uma relação entre aquele que pune e aquele que é punido, ou ausente o reconhecimento da autoridade, estaremos diante de situações em que se torna extremamente difícil falar de legitimidade da pena”169. E sem a participação das pessoas diretamente envolvidas nestas situações, é impossível resolvê-las de uma forma humana”175. A participação da vítima na solução do conflito é mais um elo entre o modelo abolicionista de Hulsman e a justiça restaurativa.
O penalista holandês preocupa-se bastante com o afastamento das vítimas da resolução desses problemas. Segundo Hulsman, a organização da justiça criminal garante um isolamento das vítimas, que se tornam fragilizadas, sem voz, diante do aparato punitivo176. A justiça criminal, que deveria procurar resolver o conflito, atendendo as necessidades da vítima, age de forma inversa, apenas preocupada em medir o pretenso dano provocado pelo crime, com base em critérios formais, e oferecer retribuição ao infrator. Primeiramente, é necessário fazer a sociedade compreender que o sistema punitivo tradicional não soluciona eficazmente os problemas. Por meio de uma movimentação social, uma nova racionalidade (não) punitiva seria estimulada. Mas, para isso, a academia também deve desempenhar um papel de destaque, pois caberia aos operadores do sistema de justiça criminal (e acadêmicos) legitimarem novos instrumentos de resolução de conflitos sociais, mais democráticos e efetivos, menos burocráticos e simbólicos.
Direito Penal Máximo e Movimento “Lei e Ordem” A política repressiva norte-americana estampa a maior população carcerária em âmbito mundial180. O marco inicial deste fenômeno simbólico e expansionista foi a Broken Windows Theory (Teoria das janelas quebradas), elaborada em 1982, por George Kelling e o grande criminólogo conservador norte-americano James Q. Ademais, ao ser alardeado que os afrodescendentes são a maioria encarcerada, o ciclo manifesto de discriminação é intensificado192. Cumpre ressaltar que, além de violar os direitos humanos, a manutenção da doutrina intolerante onerou em demasia os cofres públicos, haja vista que se apropriou de um expressivo montante das verbas que seriam destinadas aos programas sociais193. Desse modo, a imposição de metas foi a alternativa encontrada para justificar as despesas com o aparelhamento e o aumento do número de policiais, uma vez que constrangendo esses a efetuarem mais prisões194, superlotando os presídios de vulneráveis, a política daria a impressão de eficácia.
A política da tolerância zero estriba-se sobre duas falácias e faz apologia a uma solução mentirosa. A primeira falácia sobre a qual se estriba a política da tolerância zero é a falsa concepção cosmética do crime. Assim, ao romper com o acordado no pacto, perde a sua condição de cidadão, pois Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não ‘deve’ tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas199. As principais características do Direito Penal do inimigo seriam, segundo Jakobs: a) ampla antecipação da proteção penal, isto é, troca de perspectiva do fato passado para o fato futuro; b) ausência de redução depena em razão de tal antecipação, tornando-a desproporcionalmente alta; c) trânsito da legislação jurídico-penal à legislação de luta; d) relativização ou mesmo supressão de determinadas garantias processuais200.
O Direito Penal do inimigo guarda estreita relação com o que denomina Silva Sánchez201 de Direito Penal da “terceira velocidade”202, para o qual deveria concorrer uma ampla relativização de garantias político-criminais, regras de imputação e critérios processuais. Argumenta, porém − diferentemente do conceito de Direito Penal do inimigo de Jakobs, cuja característica é o abandono duradouro do Direito − que o Direito Penal da “terceira velocidade” só será legítimo por tempo limitado e em âmbitos excepcionais, e desde que se baseie em considerações de absoluta necessidade, subsidiariedade e eficácia, em um marco de emergência. É a destacada lesividade de determinados comportamentos, em suma, que explica que a sociedade esteja disposta a renunciar a certas cotas de liberdade em troca de reforço da segurança.
Só a pessoa é sujeito da imputação. E a qualidade de “pessoa” não é algo dado pela natureza, mas uma construção social que se pode “atribuir” ou não aos indivíduos. Em poucas palavras: o conceito de pessoa é uma “atribuição normativa”207. Questiona-se aqui se num Estado de Direito democrático é possível legitimar a excepcionalidade da existência de um “Direito de luta contra inimigos”, isto é, como complemento do “Direito Penal ordinário”, sem a consideração de seus destinatários como “pessoas”, de modo a permitir que sejam ultrapassados os limites que impõem o reconhecimento de tal condição. Há consenso na doutrina de que em um Estado de Direito democrático e respeitoso com a dignidade do ser humano ninguém pode ser definido como “não-pessoa”.
Mas o excesso contrário, consistente em relegar para a esfera civil a resposta à maioria das violações de direitos, também seria danoso. Primeiro, porque num país pouco habituado à cultura do respeito à lei, as leis menos severas têm menos chance de merecer obediência. Segundo, porque a criminalidade moderna, empresarial, difusa e de massa, requer instrumentos firmes e céleres, que o direito civil ou administrativo não fornece. Terceiro, porque os instrumentos para efetivação das leis não-penais são de funcionamento tão precário quanto o do aparelho de repressão criminal, de forma que relegar à esfera extrapenal a missão de reprimir a maioria das condutas anti-sociais pode resultar na liberação, por via oblíqua, das ditas condutas211. Não se discute que o direito penal hipertrofiado é uma aberração ineficaz e nociva, e este trabalho sugere um drástico “enxugamento” da matéria de proibição penal, e o regresso do direito criminal à sua condição natural de ultima ratio.
A atuação da justiça penal é altamente seletiva, e o processo de crescente criminalização atinge grande recrudescimento contra a clientela do sistema, ou seja, contra a população criminal. Assim, não deve ser descartada a hipótese deque a maximização do Direito Penal implique uma grande disfunção do sistema, reproduzindo a criminalidade que se pretendia combater. O princípio da mínima intervenção penal pode se materializar intrassistematicamente na limitação formal dos tipos (princípio da legalidade, da taxatividade, da irretroatividade e do primado da lei substancial), pelo princípio da limitação funcional (princípio da resposta não contingente, princípio de proporcionalidade abstrata, princípio de idoneidade e proporcionalidade concreta, princípio do primado da vítima) e pelo princípio delimitação da responsabilidade penal (imputação pessoal, princípio de responsabilidade e refutação do Direito Penal do autor, princípio da exigibilidade social do comportamento – conceito de culpabilidade213).
Garantismo Penal A teoria do garantismo penal teve seu desenvolvimento gestado com amparo na matriz iluminista. Não por outro motivo, o próprio Ferrajoli afirma que o pensamento iluminista significa o momento mais relevante da cultura penal, na medida em que se deve a ele a construção mais incisiva na maior parte das garantias penais e processuais em relação ao Estado Democrático de Direito214. De um lado, os princípios estruturais da legalidade (art. o, II) e igualdade (art. o, caput) implicam a consagração do Direito Penal e Processual penal iluministas. Além disso, a ênfase na proteção das garantias fundamentais e de dignidade da pessoa humana, consubstanciadas nos princípios do juiz e promotor naturais (art. °, XXXVII e LIII e art. Díéz Ripollés acentua, aliás, que: [.
el debate social y jurídico sobre la política criminal contemporánea no oscila entre los polos de más o menos garantismo, sino sobre los modelos más eficaces de prevención de la delincuencia. En ese sentido, la alternativa al modelo de la seguridad ciudadana no es el modelo garantista, sino un modelo penal bienestarista, que ante-ponga una aproximación social a una aproximación represiva hacia la delincuencia222. Essa dualidade tem, inegavelmente, propagado discussões ex-tremadas na jurisprudência nacional, tais como se deu com o poder investigatório do Ministério Público223; a limitação de prazo para as interceptações telefônicas e telemáticas224; a aplicação do princípio da insignificância para crimes tributários225; e a possibilidade de execução provisória de penas na pendência de recursos de natureza extraordinária226.
Escolas sociológicas do crime 6. Isso será útil para comprovar até que ponto posteriores versões funcionalistas pretenderiam designar (supostamente) novas funções das penas. A primeira das obras citadas por Garland é A divisão do trabalho social. Nesta obra começa a perfilar-se a ideia relativa a que o castigo representa uma autêntica “instituição social” no sentido de constituir um assunto de moralidade e solidariedade sociais. Ou o que é muito mais decisivo: a penalidade não pode continuar sendo entendida – como o discurso penal vinha fazendo – nos termos “mundanos” de servir ao controle do crime, ou ao cumprimento da legalidade ou à reclusão dos infratores. Para ir chegando a esta compreensão, Durkheim trata sobre a relação existente entre o delito e a consciência coletiva. Desta forma, como se verá mais adiante, sobretudo a partir da aproximação weberiana, ao lado de todo o caráter passional, emotivo, irracional etc.
que caracteriza e fundamenta a reação penal, característica central das sociedades avançadas será o (maior ou menor) grau de “institucionalização” nas respostas penais (através de sua organização em leis, burocracias, procedimentos, sistemas policiais, tribunalícios, penitenciários etc. Garland235 passa então à sua interpretação das duas leis da evolução penal na qual se sublinham os aspectos históricos que não estavam tão presentes na obra anterior. Tais aspectos servirão para demonstrar que as grandes transformações punitivas obedecem em grande medida às mudanças nas sensibilidades, consciências e moralidades da sociedade. Tais mudanças na história penal seriam de dois tipos (ou obedeceriam a duas leis): a) mudanças na intensidade do castigo, e; b) mudanças na qualidade do mesmo.
É por esta via, então, que as penas, as multas, a prisão, as restrições legais etc. constituem o autêntico “cenário”, o “arcabouço” onde se representa e se expressa a linguagem do castigo. Para concluir esta rápida olhada da aproximação punitiva de Durkheim, pode se dizer que ele não viu na pena as tradicionais funções que a doutrina penal lhe atribuiu e que não foram outras que as clássicas de ser, a) um meio de prevenir delitos; b) ou um instrumento para a correção dos infratores; ou c) um meio para conseguir que o direito se cumpra (funções “subalternas” ou “mundanas”, quando não abertamente falsas ou ideológicas). As autênticas funções do castigo “não são as penais” senão como instituição social que é, a) assegurar a coesão social, b) reforçar o sentido da autoridade, c) contribuir à reprodução moral da sociedade, e d) ser um eficaz meio de disciplina social240.
O trampolim epistemológico para a visualização do objeto da sociologia jurídica é a distinção entre comunidade e direito241: enquanto a comunidade é uma organização compreensiva da vida em comum, o direito é apenas parte dela. As teorias do consenso dividem-se em: teoria da anomia, também conhecida por teoria estrutural ou funcionalista; escola de Chicago; teoria ecológica; teoria espacial; teoria da associação diferencial. Na próxima seção será detalhada cada uma delas separadamente. Teoria da anomia (ou estrutural – funcionalista) A anomia é uma situação em que se observa ausência de coesão e ordem, principalmente, no que tange às normas e valores sociais. Essa escassez, segundo referida teoria, resulta em uma sociedade precária em razão da ausência de ordem, de forma que cada sujeito passa a seguir suas próprias normas individuais.
Durkheim e Merton são divisores de águas na historiografia das ciências criminais. Neste sentido, Durkheim não vê o delinquente como ser abjeto, antissocial, parasitário, mas sim como agente saneador da dinâmica social. Não se pode olvidar, por outro lado, que todo esse pensamento se insere num contexto de estruturalismo econômico, para o qual Durkheim dedicou especial atenção, deixando claro que o delito se relaciona com sistema socioeconômico. Merton, por seu turno, trabalha com a dicotomia dialética entre estrutura social e cultural, para explicar a origem do comportamento desviante. De um lado, a cultura inspira os anseios e as metas do indivíduo dentro da sociedade, dentro de um padrão de comportamento acalentado pelo sujeito. De outro lado, a estrutura social proporciona os meios legítimos para se alcançar essas metas e anseios almejados pelo indivíduo na sociedade.
As pessoas que vivem nessas áreas geralmente não têm senso de comunidade porque as instituições locais (por exemplo, escolas, famílias e igrejas) não são fortes o suficiente para fornecer educação e orientação para as crianças da área. A concentração de problemas humanos e sociais dentro dessas zonas não é o resultado inevitável “natural” de algumas leis abstratas da natureza, mas sim das ações de alguns dos grupos mais poderosos de uma cidade (planejadores urbanos, políticos, líderes empresariais ricos e em breve). Escola de Chicago A escola de Chicago tem como expoentes Robert Park e Ernest Burguess. Nesta Escola, a criminologia abandona a figura do delinquente nato e passa a defender a interferência do meio ambiente sobre as ações criminosas.
Com vistas a levantar estes dados fazia uso de inquéritos sociais, focando suas pesquisas nos problemas sociais, a partir da imersão do cientista social no meio urbano e na vida das comunidades. Ao longo de seu estudo, Newman concentrou-se em explicar suas idéias sobre controle social, prevenção do crime e saúde pública em relação ao design da comunidade253. Conforme definido no livro de Newman, Design Guidelines for Creating Defensible Space, o espaço defensável é “um ambiente residencial cujas características físicas - layout do edifício e plano do local - funcionam para permitir que os próprios habitantes se tornem agentes-chave para garantir sua segurança. Ele prossegue explicando que o desenvolvimento habitacional só é defensável se os residentes pretendem adotar esse papel, que é definido por um bom design.
O espaço defensável, portanto, é um fenômeno sociofísico. Tanto a sociedade quanto os elementos físicos são partes de um espaço defensável bem-sucedido254. O conceito de espaço defensável é controverso. Um experimento do Departamento de Justiça dos Estados Unidos em Hartford, Connecticut, fechou ruas e designou equipes policiais para certos bairros. Novos projetos de habitação pública foram realizados em torno de idéias de acesso limitado à cidade, mas Hartford não mostrou nenhuma queda substancial nos índices de criminalidade. No entanto, os locais privados têm um menor índice de crime do que nas ruas públicas. A razão parece ser que, em St. Esta teoria se inspira no processo de transmissão e construção cultural. Sutherland desenvolveu a ideia do “eu” como um constructo social, como quando a autoimagem de uma pessoa está sendo continuamente reconstruída, especialmente ao interagir com outras pessoas260.
A fenomenologia e a etnometodologia também encorajou as pessoas a debater a certeza do conhecimento e a compreender suas experiências cotidianas usando métodos de indexicalidade. As pessoas definem suas vidas por referência às suas experiências e, em seguida, generalizam essas definições para fornecer uma estrutura de referência para decidir sobre ações futuras. Do ponto de vista de um pesquisador, um sujeito verá o mundo de forma muito diferente se empregado em oposição a desempregado; se vive em uma família que a apoia ou em outra em que é abusado por pais ou pessoas que lhe são próximas. O comportamento criminoso é aprendido em interação com outras pessoas em um processo de comunicação. A parte principal da aprendizagem do comportamento criminoso ocorre dentro de grupos pessoais íntimos.
Quando o comportamento criminoso é aprendido, o aprendizado inclui (a) técnicas de cometer o crime, que às vezes são muito complicadas, às vezes simples; (b) a direção específica dos motivos, impulsos, racionalizações e atitudes. A direção específica dos motivos e impulsos é aprendida a partir das definições dos códigos legais como favoráveis ou desfavoráveis. Uma pessoa torna-se delinquente por causa de um excesso de definições favoráveis à violação da lei contrapondo-se às definições desfavoráveis à violação da lei. Destes dois trampolins teóricos emergem os postulados da teoria do conflito, desenvolvidos, essencialmente, nos Estados Unidos por Lewis Coser e Ralf Dahrendorf, ao se debruçarem sobre as teorias estrutural-funcionalistas. O contexto histórico263 no qual se insere o surgimento das teorias estrutural-funcionalistas serve como mote para justificar a ideia de uma concepção harmônica da sociedade: com o fim da II Guerra Mundial e a eclosão da Guerra do Vietnã, novos desafios criminológicos foram colocados em pauta e o instrumental teórico do passado restou defasado para dar contadas novas demandas264.
Teoria do Labelling Approach A teoria do etiquetamento ou labeling approach não é necessariamente uma teoria do comportamento delitivo, mas um enfoque265 que chama atenção da importância da reação social para o conceito de delito. A origem da nova perspectiva remonta aos Estados Unidos da América do Norte, quando Sutherland, mostrando uma visão diversa da criminalidade, antecipou a do labeling com a publicação do artigo “White Colar Crime” Crime? Andrade “[. com apoio de dados extraídos das estatísticas de vários órgãos americanos competentes em matéria de economia e comércio [. Enfim, todas estas abordagens partem do pressuposto da tese de etiquetamento ou rotulação, segundo a qual, Os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e aplicar ditas regras a certas pessoas em particular e qualificá-las de marginais (estranhos).
Desde esse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato cometido pela pessoa, senão uma conseqüência da aplicação que os outros fazem das regaras e sanções para um ‘ofensor’. O desviante é uma pessoa a quem se pode aplicar com êxito dita qualificação (etiqueta); a conduta desviante é assim a conduta chamada pela gente270. No entanto, apesar dessas conclusões terem trazido grande avanço à criminologia, hoje o futuro da teoria do etiquetamento é incerto por diversas críticas. Por exemplo, ignora os delitos de colarinho branco que não se veem submetidos a um processo de etiquetamento, reafirmando, com isso, o convencimento popular de que o delinquente é somente o pobre271, ou então apenas tecem críticas as outras teorias, sem propor diretrizes político-criminais.
É neste sentido que se pode afirmar que enquanto Marx elaborou a crítica econômica, a teoria crítica faz uma crítica ao sistema, como uma crítica de ideologia, se incumbido de “desmascarar todo tipo de legitimação ideológica, bem como exigir uma discussão racional de toda relação fática de poder”277. É importante ponderar que a incorporação do ponto de vista marxista na América Latina deve ser adaptado às próprias condições deste bolsão, a fim de também evitar verdades absolutas, uma compreensão que requisita a investigação dessa realidade. Entrementes, a grande dificuldade da expor a nova criminologia funda-se no fato de que seus teóricos não explicitaram seus postulados, apenas apresentado criticas às teorias criminológicas anteriores, entretanto isso não invalida seus apontamentos, cujo mister mais importante é diagnosticar que a criminalidade não é restrita a uma minoria, mas ao comportamento de todos os homens da sociedade que sofrem reações.
Os primeiros delineamentos de um novo paradigma criminológico – o da Reação Social – baseada no método dialético com aplicação de categorias do materialismo histórico, são do trabalho coletivo de Taylor, Walton e Young, em 1973: The New Criminology. O resultado dessas conquistas delineou a definitiva mudança de paradigma do conceito etiológico do crime para a averiguação de mecanismos de construção da realidade social, do desvio e do processo de criminalização, elementos que a Criminologia Crítica incorporou no seu bojo. Sob este ponto de vista tem estudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes”282. Portanto quando se entrelaçam a dimensão da definição e do poder para a investigação e crítica de um modelo, “estamos em presença do mais pequeno denominador comum de todo esse pensamento que podemos alinhar sob a denominação de criminologia crítica”283.
Nesse sentido é perceptível que a pesquisa criminológica da cultura desviante sob o aspecto crítico tem dois enfoques distintos, um voltado à dimensão da definição do comportamento desviante, como se dá a identificação e os efeitos do etiquetamento, e o outro da constituição do desvio como qualidade atribuída pelas reações das instâncias de controle, o que resulta da distribuição de poder284. Nesta seção, a preocupação é voltada ao processo de definição do que seja conduta criminosa (criminalização primária), investigando as variáveis deste processo, isto é, da criminalização primária, não se ocupando do processo estigmatizante da imputação criminosa que se realiza como forma de criminalização secundária, a qual demanda outras variáveis sociológicas que não tem relação com a Teoria dos bens jurídico-penais, objeto específico de investigação deste trabalho.
É que, ao denunciar que o Direito Penal igualitário, tão caro aos dogmas da defesa social e da segurança jurídica, é um mito, identificando que “a atual forma de definir e sancionar a criminalidade que não é mais que um reflexo das próprias injustiças sociais do sistema que produz e elabora a criminalidade como uma forma de controle e perpetuação das atuais estruturas sociais”285, a criminologia crítica questiona a legitimação da teoria dos bens jurídicos e, por via de consequência, a legitimação do sistema penal. A mesma criminologia liberal com as pesquisas sobre as cifras negras, sobre a criminalidade de colarinho branco e sobre a criminalidade política demonstra ao contrário, que o comportamento criminoso se distribui por todos os grupos sociais, que a nocividade social das formas de criminalidade próprias das classes dominantes e, portanto, amplamente imunes, é muito mais graves do que a de toda a criminalidade efetivamente perseguida293.
Outrossim, a confusão pode ser também porque a utilização do marxismo na nova criminologia norte-americana, denominada de novos realistas ou realistas de esquerda, sofreu, naturalmente, as críticas do determinismo econômico e da concepção instrumentalista e funcionalista do Direito. Mas essa foi seara dos novos criminólogos representados por Taylor-Walton-Young, e que, apesar de ser também crítica, não se confunde com a criminologia crítica desenvolvida por Baratta que denuncia a irracionalidade do sistema e proclama por uma alternativa política dessa irracionalidade que não necessariamente a superação de modelos. Aliás, à afirmativa de que uma sociedade mais justa seria a socialista, Lola Aniyar contrapõe-se com uma canção argentina: “pode ser que sim, pode ser que não. Seria preciso submetê-la à prova e ajustá-la se começar a produzir opressão e injustiças”294 Portanto, diferente do que indicado na crítica é exatamente pelo entrelace com a realidade que a teoria crítica se expõe à falseabilidade sem nenhuma imunização, tanto que propõe uma política alternativa de “máxima contração e, no limite, da superação do sistema penal”295, e não do capitalismo.
Todavia, a função oculta é manter a divisão de classes, proteger os interesses dos mais abastados e neutralizar o consumidor falho, isto é a função oculta é panóptica: observar ininterruptamente os subordinados sob os olhos do poder299 e assim perpetuar a exclusão social. Não é por acaso que 43,4% dos casos, os indivíduos são condenados por crimes contra o patrimônio300. São de várias ordens as ações conflitivas que se resolvem pela via punitiva institucionalizada, contudo, nem todos os agentes envolvidos no conflito criminal são submetidos a essa solução, restando dirigida a uma parcela bem reduzida da população, filtrada por um processo que elege a repressão de uns em detrimento dos demais. Quem é preso, processado e condenado desempenha o papel de criminoso, enquanto que os demais, não identificados como tal, apesar de o serem301, permanecem desempenhando o papel de cidadão, respeitador das leis.
A seletividade da atuação do sistema penal é verificada a partir de funções não declaradas pelo sistema penal, cujo reflexo se dá exatamente na sua atuação que não é regulada pelo princípio da igualdade. Como resultado, presenciam-se graves violações aos direitos humanos. A ordem jurídica funciona como uma das principais expressões reais de poder. O poder não se concentra somente na figura onipotente do Estado, uma vez que os interesses econômicos são assegurados por formas variadas e articuladas de poder. Antonio Carlos Wolkmer salienta que “o Direito tem representado, historicamente, a ideologia da conservação do status quo e da manutenção de um poder institucionalizado”304. Sua finalidade precípua consiste em manter a coerção, a violência e as desigualdades da sociedade; os privilégios de certos setores da sociedade precisam da conjugação dessa tríade.
Além disso, trata-se de mecanismo que se encontra em constantes patamares de acomodação periférica; ou seja: apesar das crises que o abalam periodicamente, o seu eixo permanece sem rupturas abruptas. Engels, em carta a H. Starkenburg, em 1894, pondera que “o desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico etc, toca o econômico. E todos eles reagem no nível econômico e uns sobre os outros”308. Ressalte-se que, apesar dos vínculos entre a economia, o direito e a política, não é prudente a afirmação no sentido de que o sistema jurídico funciona como mero apêndice das estruturas econômicas e políticas propriamente ditas; ele não se caracteriza como um simples instrumento ideológico de sujeição de classes.
Esta afirmação é a condição sine qua non que nos permite escapar ao positivismo (o direito é o direito) e ao idealismo (o direito é a expressão da justiça). A única via fecunda que permite explicar realmente o direito consiste, pois, em procurar noutro lado as razões da existência e do desenvolvimento do direito. Este outro lado, contrariamente ao que uma leitura superficial poderia fazer crer, não é por certo a economia: é a existência de um modo de produção, o que, veremos, é uma coisa completamente diferente. O modo de produção permite, com efeito, compreender ao mesmo tempo a organização social no seu conjunto e um dos seus elementos, o sistema jurídico313. Neste particular, a ordem jurídica se apresenta como uma das principais ferramentas reais de poder.
A criminalização secundária é realizada, em um primeiro momento, pelos órgãos responsáveis pelo policiamento ostensivo, ou seja, a polícia federal e as polícias militares. No contexto de desigualdades sociais, a seletividade punitiva é “a marca histórica e indissociável do sistema penal; o ius puniendi, longe de sua conformação contratual, tem sido exercido em função dos interesses de grupos dominantes ou de Estado (se é que ambos estão distantes)”316. Com efeito, “a violência policial, bem como toda atividade estruturada pelo modelo reativo de policiamento, é seletiva. Ela se faz presente quando as vítimas são pobres e humildes”317. As incursões das corporações militares nos morros e subúrbios, quase sempre sem mandados judiciais de busca e apreensão318, resultam muitas vezes em averiguações arbitrárias e detenções ilegais.
Esta ocorre quando o indivíduo é solto e não mais consegue se reinserir na sociedade por ser rotulado e discriminado. Nesse sentido, é importante destacar o direito ao esquecimento. Muitas vezes o criminoso cumpre sua pena, paga sua dívida para com a sociedade e continua rotulado, tendo seu crime lembrado, inclusive por programas de televisão, a exemplo do programa “Linha Direta” veiculado há alguns anos na TV globo. Este programa tinha como objetivo não somente procurar por criminosos considerados foragidos como rememorar crimes considerados hediondos que já ocorreram no Brasil, muitas vezes trazendo grande constrangimento e embaraço ao criminoso egresso, que já havia cumprido sua pena e mesmo assim tinha seu nome e foto divulgado em rede nacional de televisão e, consequentemente, na internet. Embora o ato de esquecer tenha sido uma constante na história da humanidade, permitindo o erro como sendo próprio da essência humana, não se pode descartar que, após a criação da memória digital perene e em escala global, a sociedade contemporânea “perdeu essa capacidade”, ao menos a partir da qualidade ímpar de armazenamento da Internet e da utilização generalizada das ferramentas digitais320.
Nessa perspectiva, o resultado da crítica consiste nas seguintes constatações: 1) o direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e, quando pune as ofensas aos bens essenciais, o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário; 2) a lei penal não é igual para todos, pois o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos; 3) o grau efetivo de tutela e a distribuição do status de criminoso é independente da danosidade social das ações e especialmente da gravidade das infrações da lei, no sentido de que estas não constituem a variável principal da reação criminalizante e da sua intensidade323. Nesse diapasão, segundo a teoria do labelling approach, aspectos como o desvio e a criminalidade não constituem entidades ontológicas preconcebidas e identificáveis por intermédio do controle exercido pelas diversificadas instâncias do sistema de persecução penal, mas sim uma qualidade atribuída a uma determinada classe de indivíduos por intermédio da utilização de instrumentos oficiais e não oficiais de definição e seleção324.
Desse modo, uma conduta não recebe a etiqueta criminal apenas em razão das características patológicas do seu autor, mas principalmente em razão do etiquetamento recebido pela conduta e pelo agressor, como desdobramento de um processo social de controle, definição e seleção325. De modo geral, a mencionada teoria conclui que o sistema punitivo, do modo como funciona, é expresso como mostrado inadequado para o cumprimento das funções sociais propostas por intermédio do discurso oficial do Estado e que, em razão do seu caráter extremamente seletivo, o direito penal, não obstante tenha se legitimado como reação contra os excessos de violência punitiva típicos do período medieval, atualmente está inserido num contexto de controle social que obedece a uma lógica de manutenção da ordem em benefício das classes mais favorecidas do ponto de vista econômico e social.
Assim, o princípio da legalidade e demais garantias penais e processuais, no sistema em vigor, são mecanismos de instrumentalização da defesa apenas para os indivíduos com maior capacidade financeira em detrimento da grande massa de encarcerados no sistema penitenciário. Sob esta concepção, Carl Schmitt sustenta que “inimigo é somente o inimigo público, pois tudo o que se refere a um conjunto semelhante de pessoas, especialmente a todo um povo, se torna, por isso, público. Inimigo é hostis, não inimicus em sentido amplo; polemios, não echtros”328. Neste particular, lecionam André Aymard e Jeannine Ayboyer: Encontramos na Roma republicana esse sentimento, tão freqüente e tão vivo na Grécia – para não sair da Antigüidade -, de que a segurança de um Estado se encontra em perigo pela simples presença, nas proximidades, de outro Estado cujas forças pareçam equilibrar-se com as suas ou pela possibilidade de uma coalizão da qual não participe; a preocupação de preservar sua própria independência convida-o a destruir a dos outros.
Então as guerras e, se essas trazem a vitória, as conquistas se entrosam uma nas outras, pois o aumento das possessões multiplica os deveres defensivos e as ocasiões de conflito; o imperialismo encontra em suas próprias aquisições motivos irresistíveis para estender, sem cessar e cada vez mais longe, os seus objetivos; ele não tem, afinal de contas, outros limites senão os da terra habitada - grifo nosso329. O inimigo, em sede de teoria da soberania, não é qualquer infrator; é o estrangeiro, o outro. Do ponto de vista histórico: Ao longo de todo o período das monarquias absolutas, aumentaram continuamente os crimina lesae maiestatis, que comportavam, geralmente, a pena capital; para estes, não havia nenhuma possibilidade de “correção”. Enquanto a rebelião se expressa numa simples inadaptação, mesmo que grave, às relações sociais dominantes, a domesticação, alcançada na base da pancada e do trabalho, pode ter alguma possibilidade de sucesso (vai depender da demanda existente de força de trabalho num determinado momento), porém, se a rebelião se dirige – ainda que sob formas mistificadas, não claras – contra as próprias relações sociais, contra a autoridade, é evidente que não há nada a fazer.
Quem se revoltou contra a própria disciplina, e não contra alguma aplicação particular dela, não é passível de correção: merece a morte334. O eixo ideológico do direito penal do inimigo, coloquialmente conhecido como direito penal de terceira velocidade, repousa na presunção de periculosidade e na ênfase da eliminação física. René Ariel Dotti adverte, com razão, que “um sistema jurídico próprio de um Estado Democrático de Direito rejeita a periculosidade como fundamento ou limite da pena”335. As agências de controle penal, agregando nestas o importante papel desempenhado pelos meios de comunicação, amparam e são amparadas pelas nascentes campanhas de Lei e Ordem, re(definindo) o inimigo interno a ser combatido340. Nas democracias burguesas, dos sufrágios universais e das pomposas normas jurídicas enaltecendo a igualdade e a legalidade, todo pobre é considerado um inimigo em potencial.
Embora o liberalismo, para Carl Schmitt, “não tenha radicalmente negado o Estado, tampouco encontrou, por outro lado, uma teoria positiva do Estado e uma reforma estatal própria; ao contrário, procurou apenas vincular o político a partir do ético e submetê-lo ao econômico”341. É exatamente no interior dos cárceres, genuínos “cemitério de vivos”342, o espaço no qual se pulveriza o véu universalizante do princípio da igualdade. Um dos critérios para se aferir o estágio de desenvolvimento de uma democracia consiste em averiguar o nível de degradação humana nos complexos penitenciários. º, inciso III), do princípio de reconhecimento dos direitos humanos nas relações internacionais (art. º, inciso II) e até mesmo da instituição de um Estado Democrático de Direito.
Foi a partir da CF que os tratados internacionais sobre direitos humanos passaram a ser ratificados pelo Estado brasileiro, como parte do processo de redemocratização. O marco inicial se deu com a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 1989. Daí em diante, diversos outros pactos internacionais foram incorporados ao ordenamento jurídico, tornando-o efetivamente mais humanizado347. Portanto, no Brasil, é possível defender a adoção de um Direito Penal Mínimo pela CF não só por meio da previsão abrangente de vários direitos e garantias fundamentais, mas também pelo reconhecimento, no caput, do art. º, da República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, e é justamente esse o entendimento, apesar de não unânime, que prevalece entre os doutrinadores nacionais353.
Estado de Direito significa Estado que se submete as suas próprias leis, tanto no sentido formal, quanto no sentido material. Não basta que os Poderes estatais atuem de acordo com a lei posta, é preciso que essa atuação considere também o conteúdo da norma, conforme a interpretação que lhe é dada. Democrático, por sua vez, é o significado de Estado que permite a participação do povo nas escolhas políticas, por meio da representação legislativa eleita pela maioria, porém, sempre subjugados ao dever de respeitar os direitos das minorias354. Orientado na perspectiva luhmanniana, Alexandre Pimenta Batista Pereira357, lembra que o direito estrutura “a sociedade por meio das expectativas vinculantes, de maneira tal que se possa confiar em um subsistema de decisão institucionalizado”. Considerando a orientação do próprio Luhmann358, a confiança seria uma forma de antecipar o futuro, ou de delinear aquilo que se espera relativamente a esse futuro.
Isso na tentativa de garantir-se um fluxo mais ou menos estável para o processo que se desenvolverá com a passagem do tempo. Consoante adverte Luhmann, o crescente incremento da complexidade na sociedade engendra não somente novas chances, mas também perigos até então desconhecidos359. De fato, além do já aludido aparecimento de novos riscos, verifica-se que o modus operandi dos delitos tem se tornado mais complexo com o desenvolvimento de inovadoras possibilidades de violação aos bens jurídico-penais. O discurso neoliberal, que tem pressionado os governos estatais a uma flexibilização de suas políticas públicas, rotulando de paternalistas os programas sociais, dá sustentação a outro modelo de Direito Penal, altamente discriminatório, e que serve como instrumento de promoção da segregação social dos excluídos do mercado e das atividades produtivas.
Essa opção pode, por algum tempo, segregar os excluídos da sociedade economicamente globalizada, encarcerando-os, mas até quando estará apta a fazê-lo? Até quando será possível a manutenção de uma sociedade dividida em cidadãos e não cidadãos? Quantas prisões deverão ser erguidas?364 O sistema penal exerce “seu poder militarizador e verticalizador-disciplinar, quer dizer, seu poder configurador, sobre os setores mais carentes da população e sobre alguns dissidentes (ou “diferentes”) mais incômodos ou significativos”365. Os pobres, em regra, são estereotipados como as classes perigosas, indivíduos capazes de comprometer a “ordem pública” e a “paz social” do Estado burguês-capitalista, assim como profanar os “bons costumes” das famílias “de bem”, dos homens e mulheres educados à margem do pecado e da cobiça.
Em relação à supervisão criminal sobre os pobres, verdadeira espada de Dâmocles, eis a lição de Alvino Augusto de Sá: Na falta de políticas públicas realmente humanas, justas, que implantem efetivamente (se não uma justa distribuição dos bens, mas, ao menos) medidas conjunturais concretas de assistência permanente às necessidades básicas (saúde, educação, alimento, habitação, trabalho decente e digno etc. os despossuídos tornam-se uma ameaça e, ao cometerem crimes, são imediatamente selecionados pelo sistema punitivo, exemplarmente punidos, segregados e transformados (pela ideologia) em inimigos da sociedade. No âmbito do garantismo penal, manifesta-se “inconciliável a idéia de uma democracia de direitos fragmentados: uns são mais cidadãos do que outros”368. Por outro lado, no cotidiano das periferias das grandes cidades e nos processos criminais que grassam nos suntuosos palácios da justiça, os incluídos marginalmente na sociedade circunscrita ao antagonismo de classes são considerados: Enemigos que, como bien se explica, no se agotan en aquellos cuyas conductas reprochables revisten gravedad, sino incluso y por sobre todo abarcan a quienes son tenidos por molestos e irrecuperables, a los marginados sociales (ladrones ocasionales y/o de poca monta, ebrios, mendigos, vagabundos, prostitutas, timadores, drogadictos, inmigrantes ilegales, “portadores de cara”, etc.
caracterizados desde mucho antes como clases peligrosas369. A expressão “classes perigosas” foi empregada pela primeira vez em 1840, na obra Des classes dangereuses de la population dans les grandes villes et des moyens de lês rendre meilleeures. Seu autor, Honore-Antoine Frégier (1789-1860), foi delegado de polícia na zona do Sena, Paris. Ao ensejo deste pensar, no Brasil, o sistema prisional é visto com preocupação, não apenas pelos especialistas e estudiosos do sistema prisional, mas por todos que lidam ou têm contato com esta realidade social, pois a falta de estrutura dos presídios tem gerado preocupantes efeitos sociais, que gradativamente têm se agravado. Assim, segundo Nucci, tem-se o seguinte impasse: de um lado, o Direito Penal só realiza suas finalidades precípuas por meio da coerção, ao limitar a liberdade de uns em prol da garantia dos direitos e liberdades da sociedade; de outro lado, certas liberdades e direitos são reconhecidos como intransponíveis, de forma que não se admitem limitações coercitivas por parte do Estado377.
Uma equipe composta por 11 peritos com a missão de realizar vistorias nas instalações de estabelecimentos prisionais brasileiros fez relatos preocupantes sobre esses locais que, a princípio, deveriam servir para recuperar e reinserir pessoas que infringiram as normas legais na sociedade. A psicóloga Catarina Pedroso, uma das integrantes da equipe do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura fez a seguinte revelação: “as peles são esverdeadas e o cheiro é de podridão”378. A perita continua listando as violações encontradas na vistoria: [. Entretanto, se notabiliza que os massacres de presos não sensibiliza em tão alto grau a sociedade, que aparenta caminhar para a naturalização do horror e da barbárie, manifesto reiteradamente no posicionamento da maior autoridade e representante do Estado brasileiro.
Ademais, o Brasil conta com a terceira maior população carcerária do mundo, e diferente dos países que se encontram nos dois primeiros lugares no ranking – que são os Estados Unidos e a China –, aqui não se vislumbra possibilidade de queda nem políticas públicas para enfrentar este problema. De 90 mil presos que foram contabilizados em 1990 chegou-se à marca de 726. no ano de 2016384, e o crescimento da quantidade de presos é superior à proporção de aumento da criminalidade385. São 306 detentos para cada 100 mil habitantes. Convém evidenciar, outrossim, que a população carcerária paraense cresceu 134% desde 2016, duas vezes mais que o número de vagas constantes no sistema penitenciário392. Cumpre examinar, neste passo, o perfil da população carcerária paraense que são 81,37% de negros e pardos, apenas 0,33% concluíram o ensino superior e 4,37% são analfabetos e o demonstrativo quantitativo da tipificação criminal entre homens nos crimes patrimoniais e de tráfico de drogas, totaliza, em média, 62,47% e entre mulheres 68,01%393.
A superlotação carcerária e as péssimas condições de encarceramento contribuem para as rebeliões, motins, fugas e tragédias comuns no estado. Nos últimos 3 anos foram registradas 646 fugas, um crescimento de 60% comparado a 2016, transcendendo em 2018, 47 rebeliões e 1. fugas, o equivalente a 6% do total de presos. Em que pese às razões espendidas, a visibilidade das condutas daqueles que não estão inseridos na sociedade capitalista, no mercado de consumo, de trabalho, etc. decorre do atestado da violação aos direitos fundamentais e o Estado para escamotear sua ineficiência, transfere-os para o sistema penal, como uma “[. continuada conversão de problemas sociais de complexa envergadura no código crime-pena, quando deveriam ser apreendidos e equacionados no espaço da cidadania”398. Interessante é observar que a expressão mais significativa do universo populacional de encarcerados reside na prática de crimes contra o patrimônio e que se relaciona com um alto perfil de baixa formação educacional, o que faria pressupor que existe uma relação vinculante entre baixo grau de escolaridade e prática de crimes contra o patrimônio, e ao contrário, que as pessoas de ensino superior, e mais, com instrução acima de ensino superior não praticam crimes, pois juntos não somam nem 1% do universo de presos.
Outrossim, a partir dos dados, questiona-se se os demais delitos existentes no ordenamento jurídico-penal não têm pena ou se são punidos com tão somente pena de multa, pois de duas uma, visto que não são referidos nos dados penitenciário disponibilizado pelo Ministério da Justiça. Enfim, considerando as notícias de práticas criminosas, mas a não condenação, pelo menos em sede de reclusão ou detenção, assim como os dados da pesquisa, percebe-se filtros significativos que se estabelecem conforme camadas sociais e tipos de crime, de modo a levar a crer que certas pessoas não praticam crimes. O filtro identificado na seletividade se dá por diversas razões e uma delas é o fato de que os que estão à margem de todo o sistema capitalista ameaçam a estrutura vertical da sociedade e põem em xeque a pretensa igualdade tão declarada.
Nesse sentido, o Direito Penal mantém as relações sociais de desigualdade, conservando o que Nils Christie intitulou de indústria do crime. Esta indústria fornece lucro e trabalho e, ao mesmo tempo, produz controle sobre os que de outra forma poderiam perturbar o processo social. Comparada com a maioria das outras indústrias, a do controle do crime, ocupa posição privilegiada. por ter ingressado em território nacional trazendo mercadorias de origem estrangeira, sem a documentação comprobatória de regularidade fiscal, alcançando os impostos devidos o montante de R$ 2. dois mil quinhentos e vinte e oito reais e vinte e quatro centavos). Asseverou-se que o art. da Lei 10. determina o arquivamento das execuções fiscais, sem cancelamento da distribuição, quando os débitos inscritos como dívida ativa da União forem iguais ou inferiores a R$ 10.
Nos crimes contra a ordem tributária, assim como apropriação indébita previdenciária, o pagamento do tributo devido ao fisco realizado em qualquer momento do processo, extingue a punibilidade, já que o dano foi reparado e o bem jurídico protegido não foi aviltado, sendo desnecessária a intervenção penal. Esse entendimento é esposado pelo Acórdão que se tornou paradigma: Ação Penal. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Todavia, quando foi o caso do furto de uma vaca avaliada em R$ 600,00, apesar de devolvida, o tratamento foi bem mais rigoroso, pois o pedido da defensoria pública, baseado na analogia in bonan partem, para aplicar a mesma extinção de punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, o argumento foi afastado409.
Outrossim, “o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta o prosseguimento da ação penal”, aduz a Súmula 554 do Supremo Tribunal Federal. Como se percebe, a exegese nos crimes de colarinho branco em geral é mais sutil, prevendo possibilidades do uso da reparação do dano como causa de extinção de punibilidade, o que não se repete nos crimes contra o patrimônio, quando a interpretação é bem mais repressiva, o que não se justifica, pois aqui, é o patrimônio individual, uma ou algumas vítimas são aviltadas, ao passo que ali é muito mais grave, pois macula todo um sistema de previdência social ou a ordem econômica e mesmo os cofres públicos, os quais irão subsidiar os serviços públicos, isto é, aflige a sociedade como um todo.
Assim sendo, indiretamente os efeitos malévolos são múltiplos, o que implicaria uma postura mais acintosa dos julgadores. Mas não é isso que acontece. Á vista disso, é importante destacar o esgrimir doutrinário no âmbito da hermenêutica jurídica, perante os diferentes métodos que discernem princípios de regras, como primorosamente explana Virgílio Afonso da Silva: Há autores que sustentam que entre regras e princípios há uma diferença de grau. A partir dessa idéia, há aqueles que sustentam que o que distingue ambos seria o grau de importância: princípios seriam as normas mais importantes de um ordenamento jurídico, enquanto as regras seriam aquelas normas que concretizariam esses princípios. Há também aqueles que distinguem ambos a partir do grau de abstração e generalidade: princípios seriam mais abstratos e mais gerais que as regras.
Outras classificações baseadas em algum tipo de gradação são possíveis 413. Dessa forma, se constata que os princípios jurídicos possuem conseqüências normativas e podem oportunamente ser discriminados pelo critério técnico-jurídico de aplicação, desinente de conexões axiológicas que são construídas pelo intérprete da lei. Neste capítulo serão apresentados os princípios fundamentais relativos à pena. Inicia-se com a abordagem sobre o princípio da intervenção mínima e o princípio da adequação social. Princípio da Intervenção Mínima e Princípio da Adequação Social O Direito Penal deve ser utilizado somente quando as demais formas de controle social frustrem-se, ou seja, como ultima ratio. Trata-se de um princípio cujo objetivo é o de liminar o arbítrio do legislador na criação de tipos penais.
Servindo o Direito Penal, como parte do ordenamento jurídico, também ao fim de uma convivência ordenada na sociedade submetida ao Estado, não representa, porém, o único ramo do direito que está dotado de recursos coativos, pois estes figuram em todos os âmbitos do ordenamento. Princípio da Isonomia O Princípio da Igualdade foi adotado pela Constituição Federal em seu art. º, caput, ao estabelecer a igualdade de aptidão, ou igualdade de possibilidades virtuais, que pode ser reconhecida pela expressão “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Esse aspecto formal da igualdade significa que todo cidadão tem direito a tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios estabelecidos pela ordem constitucional. Em seu art.
º, a Constituição trata dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e, dentre estes, podemos destacar a busca pela erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. Celso Antônio Bandeira de Mello designa os parâmetros para aferição do princípio da igualdade: a) o elemento tomado como fator de desigualação; b) reportar a correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados422. Já na tese desenvolvida pelo professor Humberto Ávila423, sobre o princípio da igualdade, o mesmo reconhece a estrutura do princípio, em tela, a partir dos seguintes elementos: (i) sujeitos; (ii) medida de comparação; (iii) elementos indicadores da medida de comparação; (iv) finalidade diferenciada.
Nesta esteira, esse princípio é basilar para uma correta e adequada individualização da pena, e, de modo conseqüente, é fundamental para a correta aplicação do instituto da Co-culpabilidade e da Culpabilidade por Vulnerabilidade. Sobre o princípio supracitado, o doutrinador Salo de Carvalho, citando Zaffaroni, aduz que: [. reprovar com a mesma intensidade pessoas que ocupam situações de privilégio e outras que se encontram em situações de extrema pobreza é uma clara violação do princípio da igualdade corretamente entendido, que não significa tratar todos igualmente, mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação424. A dificuldade reside em dosar, na eleição da pena, estes critérios objetivos e subjetivos de forma a obter a resposta menos aflitiva individualmente e mais efetiva social e juridicamente.
Desde Ihering427, constata-se que a tarifa das penalidades (quantidade) mede o valor dos bens sociais, a demonstrar que desde a criação do tipo penal, o legislador deve nortear-se por parâmetros de política social e criminal para, inicialmente identificar as condutas reprováveis que merecem o albergue do direito penal, e, após, animado por este mesmo propósito, criar em abstrato as respostas sancionatórias apropriadas para “punir” o fato reprovado. É a natureza e a gravidade do fato social que devem servir de parâmetro norteador ao legislador e ao juiz na fixação da qualidade e quantidade de pena (poena debet commensurari delicto): a genialidade de Beccaria428 ao asseverar que, [. se os cálculos exatos pudessem aplicar-se a todas as combinações obscuras que fazem os homens agir, seria mister procurar e fixar uma progressão de penas correspondente à progressão dos crimes.
O quadro dessas duas progressões seria a medida da liberdade ou da escravidão da humanidade ou da maldade de cada nação. caput, do Código Penal a culpabilidade novamente é citada como dado relevante para a fixação da pena base: Art. – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível433.
Como se vê, no Brasil o legislador optou por, ao estabelecer a sanctio iuris, fixar uma pena mínima e outra, máxima, abstratas, isto é, uma pena aplicável em tese a qualquer sujeito que cometer aquele delito descrito no preceptum iuris, só se concretizando, ou melhor, enquadrando-se às condições do crime e pessoais do criminoso quando da fixação da pena pelo Estado-Juiz. Não poderá, sob pena de malferir o princípio da proporcionalidade, o legislador, por exemplo, fixar em abstrato uma pena mais gravosa para o crime de furto do que para o crime de roubo. Ora, como o roubo é crime complexo que afeta no mínimo dois bens jurídicos da vítima (patrimônio, integridade física e psicológica), merece um tratamento mais severo do que o furto, que se constitui em mera subtração patrimonial sem qualquer afetação a outros direitos fundamentais da vítima.
Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmos, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador do reino dos fins. Por isso, a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade são as únicas coisas providas de dignidade. Noutras palavras, para Kant, a dignidade é uma qualidade daquilo que não tem preço e a sua atribuição ao ser humano deve se dar justamente porque não é instrumento, senão um fim em si mesmo. Neste contexto, se destaca igualmente pensamento de John Locke em relação à necessidade da defesa aos interesses individuais, sendo o precursor no reconhecimento de direitos naturais, universais inalienáveis do homem. Com a Revolução Francesa437, erguida pelos ideais iluministas, bem como inspirada na Revolução Americana de 1776438, se instituiu como marco dos Direitos Humanos, sendo constituída a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789439.
Assim, proteger o ser humano em sua totalidade era imperativo, irrevogável, uma vez que o valor da pessoa humana passou a saltar aos olhos da humanidade. Tanto é assim que a proteção concedida a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 tem caráter de permanência e inesgotabilidade, assegurados no fato de que faltando a proteção por parte dos organismos nacionais, os instrumentos internacionais de proteção devem ser acionados444. No que se refere à projeção da Declaração de 1948 no direito interno, Trindade445revela que este diploma “reflete e influência as Constituições dos Estados nacionais, servindo de modelo não apenas nas Cartas Magnas, mas, também, nas legislações internas, confirmando mais uma vez a transcendência de seus mandamentos”. Assim, em que pese às vitórias e as conquistas alcançadas no decorrer dos anos de aceitação da Declaração de 1948, ressalta-se que, ainda resta um longo caminho a ser percorrido no que tange à proteção e ao reconhecimento dos direitos do homem.
Salienta-se que, ainda existem países os quais mesmo ratificando os tratados de direitos humanos, não possuem uma consciência plena da natureza e do alcance das obrigações convencionais, que são contraídas em matéria de proteção de Direitos Humanos. Há grande intersecção entre os princípios constitucionais de humanidade e da dignidade da pessoa humana, e, nesse sentido, “o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados”448. Proíbe-se as penas de morte (salvo no caso de guerra declarada), prisão perpétua, trabalhos forçados e de banimento (CF, art. º, XLVII). Aos presos é assegurado o respeito à sua integridade corporal (CF, art. º, XLIX), devendo a lei punir qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (CF, art.
º, LVII), significa que “la pena criminal debe solo fundarse enla constatación de que puede reprocharse el hecho a su autor”451. Toda pena supõe culpabilidade, de modo que não pode ser castigado quem atua sem culpabilidade. Ao indivíduo não pode ser imposta pena por fatos não censuráveis juridicamente (culpabilidade pelo fato). Havendo culpabilidade, essa deve figurar como limite da aplicação da pena criminal452. Como decorrência do princípio, somente se aplica pena àqueles que sejam capazes de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se segundo a norma. Introdução O princípio da culpabilidade representa uma máxima dentro do Estado Democrático de Direito. A função reguladora deste princípio está presente em grande parte dos ordenamentos jurídicos como limitação da intervenção estatal na esfera do indivíduo.
A ideia de que só pode haver punição se existir culpabilidade foi uma conquista do direito penal liberal e, a partir deste postulado, tornou-se necessário demonstrar até que ponto é legítimo que o Estado exija, fazendo uso de seu aparato burocrático e criminal, um determinado comportamento individual456. Tal necessidade alcança uma concretude de realização com a delimitação do conceito de culpabilidade dentro da dogmática jurídico-penal. A tarefa que se impõe, neste horizonte, não é nada simples, já que a carga significativa do conceito de culpabilidade é muito densa e complexa457, revelando muito não só sobre o direito penal, mas sobre o próprio homem. Assim, ao analisar culpabilidade é necessário compreender que, dentro da dogmática jurídico-penal, a culpabilidade possui três vertentes diferentes, as quais serão averiguados abaixo: 1) Fundamento da pena: Concerne na possibilidade de aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídica, ou seja, proibido pela lei penal.
Em outras palavras, a culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre o autor do fato delituoso por ter agido contrariamente ao direito penal quando lhe era perfeitamente possível exigir um comportamento diverso. Em suma, é o juízo de responsabilidade e reprovabilidade penal que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente462. Culpabilidade como elemento da determinação ou mediação da pena: Refere-se ao fato da culpabilidade operar como limitador da pena, no qual o julgador encontra a pena correspondente à infração penal praticada, tendo sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador463. Culpabilidade como impedidor da responsabilidade penal objetiva: Isto é, a responsabilidade penal sem culpa. A responsabilidade penal é sempre subjetiva. Portanto, seria estranho para o direito penal responsabilizar objetivamente o indivíduo transgressor, tendo em vista que a análise da culpa do agente é requisito imprescindível para analisar o grau de reprovabilidade e consequentemente o quantum da pena a ser aplicada pelo magistrado da causa.
O princípio da culpabilidade tem como característica evitar punições injustas e desproporcionais, pois consegue trazer a pena aplicada pelo juiz ao caso concreto, dando a possibilidade de ser estabelecido um juízo de valor para cada conduta. Além disto, é também uma forma de garantir o princípio basilar da individualização da pena, dando respostas penais distintas a diferentes grupos e tipos de agentes. Outro ponto importante do principio em estudo, é a sua perfeita consonância com a estrutura finalista da ação adotada pelo direito penal brasileiro, que em poucas palavras, atribui uma conexão entre a pena (responsabilidade penal) e a conduta final da ação, variando proporcionalmente entre eles. Diversos fatores contribuíram para a evolução da ciência penal, levando o estudo da culpabilidade a um progresso, que se perpetuava durante as fases da história.
A aquilatação da Culpabilidade nos remete ao Direito Penal italiano da baixa Idade Média, aproximadamente aos séculos XVI e XVII, passando por uma vasta noção do Direito natural, do qual Puffendorf (1636-1694) é seu mais notório representante466. Dessa forma, houve uma primeira aproximação à teoria da culpabilidade, partindo da idéia de imputação, que corresponde á atribuição da responsabilidade penal da ação livre do seu autor467. Constata-se, que naquele período histórico havia uma necessidade de se punir, de maneira considerada justa, o transgressor de uma determinada norma consagrada no ordenamento jurídico. Apesar de ter sido uma época muito primitiva, foi no período medieval que aconteceram os primeiros passos e ideias oriundas da culpabilidade, tornando-se, inicialmente, matéria de reflexão e embasamento teórico para os estudiosos daquele tempo.
Com isso, distribuiu tipicidade, ilicitude e culpabilidade como elementos autônomos de sua dissecação científica da categoria jurídica crime474. A partir da delimitação científica dos elementos integrantes da estrutura analítica de crime, houve uma cisão entre o aspecto objetivo-exterior e o aspecto subjetivo-interior do delito. O espaço da análise objetiva se daria pelos elementos do ilícito e a análise subjetiva se apresentaria no espaço da culpabilidade475. Ligando o fato ao autor, a ação ao resultado do crime, dois vínculos se faziam surgir, um objetivo – a causalidade –, e um subjetivo – a culpabilidade. Na análise do ilícito, a ação causal se manifestaria apenas em sua dimensão objetiva de impulso da vontade. Ainda que não tivesse sido bem aceita, a teoria psicológica conseguiu trazer grandes avanços para o estudo da culpabilidade.
Assim, nela se destaca a chamada análise da capacidade de culpabilidade do agente. Nesta averiguação, procuravam constatar se o agente sabia da natureza dos seus atos e a possibilidade de entender a ilicitude que praticava481. Este tipo de estudo foi primordial para o avanço do conceito da imputabilidade do agente. Na teoria psicológica, a imputabilidade deveria ser afastada para aqueles que não possuíssem desenvolvimento mental completo, bem como aqueles que sofressem de distúrbios de natureza psicológica, devendo, em ato contínuo, ser afastada a sua culpabilidade. Com os diversos estudos voltados para essa teoria, os seus adeptos conseguiram chegar numa conceituação, embasados nos princípios, tanto psicológico como normativos. Assim, conceituaram culpabilidade como sendo um juízo de valor com base na reprovabilidade da conduta e não mais como mero liame psicológico entre autor e o fato.
Desta forma, pode-se constatar uma valorização maior na averiguação da conduta do agente e a sua capacidade de entender a ilicitude de sua ação, analisando, também, se o mesmo tinha condições suficientes de agir nos conformes esperados e impostos por lei, sendo este último instituto chamado de exigibilidade de conduta diversa485. Muito embora a teoria psicológica-normativa tenha adotado o instituto da exigibilidade de conduta diversa, a mesma não abandonou completamente os conceitos de dolo e culpa, que agora passaria de formas de culpabilidade para elementos próprios da culpabilidade. Desta feita, há uma adição dos elementos objetivos (normativos) com os subjetivos (psicológicos), um dependente do outro. Observe, novamente, Toledo489: Como exigir-se de um desses seres humanos às avessas que tenha exata ‘consciência atual da ilicitude’, quando jamais soube o que é ilícito? Mas, se a consciência da ilicitude é elemento constitutivo do dolo, a conclusão é que um tal tipo criminoso quando comete o crime age sem dolo.
Inexistindo dolo, não há culpabilidade, e sem esta não há possibilidade de se aplicar a pena criminal. Entretanto, Mezger ainda tentou emendar o sistema da teoria psicológica-normativa, desenvolvendo o sistema da “culpabilidade pela condução de vida”, que atribuiria culpa apenas aquele que agisse dolosamente, ainda que não tivesse tido consciência da ilicitude da conduta490. Louvável a atitude do penalista alemão, porém não surtiu grandes efeitos, pois restringindo a culpabilidade apenas ao autor poderia ocasionar, como de fato ocasionou no período da Alemanha nazista, um juízo de castigo, discriminação, perseguição e injustiça, punindo o autor pelo que ele é e não pelo que fez. Seria, certamente, algo perigoso gerador de consequências incalculáveis ao futuro da humanidade.
Nessa dupla relação, do não dever ser antijurídica com o poder ser lícita, consiste o caráter específico de reprovabilidade da culpabilidade. Nessa acepção, a teoria colocou o dolo e a culpa como sendo partes integrantes da conduta, o que retira do conceito de culpabilidade qualquer dado de caráter psicológico, características das teorias passadas Com essa nova roupagem aplicada, a culpabilidade passou a ter origem puramente normativa, sendo então um simples juízo de valor delimitado e apurado normativamente, averiguando em conjunto, aspectos de reprovação que incidem no autor de um fato típico e ilícito496. Segundo essa teoria, três elementos compõem a culpabilidade, são eles: a imputabilidade do agente, o potencial de consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
Veja-se separadamente cada um deles: a) Imputabilidade do agente: é definida como sendo a capacidade de imputar ao agente um fato ilícito e típico. É pela imputabilidade, que se torna capaz de responsabilizar um indivíduo por suas condutas, desta forma, quando não há imputabilidade, consequentemente não haverá como atribuir responsabilidades sobre o indivíduo, tornando-o inimputável497. No Brasil, esta teoria foi utilizada para dispor sobre os institutos da coação moral irresistível e a obediência hierárquica, ambos são formas de exclusão da culpabilidade, aplicando-se a eles a tese da inexigibilidade de conduta diversa, até então, característica central da teoria normativa. Devido à importância e a influência gerada pela teoria normativa, seu estudo deu origem a duas outras teorias, ambas trazendo em seu contexto aspectos e características da teoria normativa, sendo elas: teoria extremada da culpabilidade e a teoria limitada da culpabilidade.
Passa-se a tecer breves comentários sobre as duas: c. Teoria extremada da culpabilidade: esta teoria foi a primeira a ser derivada da teoria normativa pura. Teve como seus principais defensores, os renomados autores alemães finalistas, que curiosamente foram também, os mesmo críticos desta teoria. c. Teoria limitada da culpabilidade: A teoria limitada diferencia-se da teoria extremada, por não generalizar o erro da conduta como forma de afastar a culpabilidade e o juízo de reprovação daquele ato. Assim, ela pode ser seccionada em três grandes espécies de erro, são eles: erro de tipo incriminador, que seria o fato do agente não conhecer os elementos constitutivos de um crime, excluindo o dolo, previsto no artigo 20 do Código Penal502; o erro de proibição, referindo-se a consciência da ilicitude do fato, afetando o juízo da culpabilidade, previsto no artigo 21 do Código Penal503; e por fim, o chamado erro de tipo permissivo, atuando sobre os elementos constitutivos fáticos de uma norma penal, conhecida como excludente de ilicitude, neste caso, afasta-se apenas o dolo, porém poderá o agente ser responsabilizado na modalidade culposa, previsto no artigo 20, parágrafo 1º do Código Penal504.
Embora houvesse inúmeras críticas, por diversos autores, esta foi à teoria adotada pelo Código Penal, através da reforma de 1984, e hoje é utilizada e defendida em diversos livros doutrinários, bem como nos teores de jurisprudências e decisões dos mais diversos tribunais pátrios. Assevera Tavares505 (1985, p. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em conseqüência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade.
Costuma-se dizer que há, aqui, uma co-culpabilidade, com a qual a própria sociedade deve arcar. A teoria do determinismo é sem dúvida, o principal pilar onde a tese da co-culpabilidade se debruça. Nessa linha de raciocínio, Welzel dissecou o livre-arbítrio em três aspectos: antropológico, caracterológico e categorial512. Partindo de uma concepção de homem que é estratificada em diferentes níveis ou camadas513, no aspecto antropológico Welzel anuncia a superação de uma noção puramente naturalística de homem. Para o autor, o homem seria muito mais do que a última evolução biológica dos primatas. A possibilidade de o homem alinhar a vontade de seu espírito aos princípios da verdade, do valor e do sentido, apesar de sua constituição biológico-instintiva, tornaria o homem existencialmente diferenciado e livre, além de o tornar um ser passível de responsabilidade514.
No plano caracterológico, o autor trabalha com a ideia de que o homem possuiria a capacidade de direcionar os seus instintos. O autor propõe então um determinismo diferenciado, uma sobreposição de diferentes formas de determinação que transcendem a mera determinação causal, que tem a natureza de inviabilizar o juízo de responsabilidade. A determinação proposta pelo autor é a configuração dos nexos causais pela atividade final do sujeito, a possibilidade de o homem direcionar os seus impulsos anímicos de acordo com o sentido. Isto significa que, para Welzel, um evento fático não é um resultado cego das conexões causais anteriores. A execução de um ato é determinada pelo conteúdo de sentido proposto pelo autor que finalisticamente dirige sua ação.
Essa forma de determinação orienta os atos do conhecimento, de modo que o homem compreende a estrutura do objeto causal e o dirige em concordância com seus fins. Após a conclusão do que é culpabilidade, mostrando aspectos históricos e as diversas teorias elaboradas no intuito de conceituar, adequadamente este instituto, passa-se a falar sobre a temática da co-culpabilidade, oriunda dos aspectos revolucionários do direito social, trazendo outra visão sobre o juízo de reprovabilidade da conduta do agente, e apontando a culpa indiretamente para o Estado e para a sociedade, retirando do infrator a obrigação exclusiva pela conduta. A COCULPABILIDADE DO ESTADO 10. Introdução A co-culpabilidade é uma nova forma de analisar a temática da culpabilidade. Esta temática começou a ser desenvolvida pelos conceitos do médico francês Marat, adepto da corrente do direito social, contraposto ao pensamento kantiano.
O doutrinador francês tinha um pensamento bastante peculiar, defendendo que a pena talional seria a mais justa e apropriada das formas de pena, desde que houvesse uma sociedade igualmente justa e igualitária, apontando, já naquela época, que tal conquista era considerada como algo utópico. Argumenta que “o conceito de culpabilidade tem correlação com a prevenção geral, pois, antes que psicológico, seu fundamento é social”. De acordo com o penalista espanhol, a partir de um determinado desenvolvimento mental, biológico e cultural do indivíduo, espera-se que ele possa motivar-se pelos mandatos da norma. Contudo é a sociedade, ou melhor, a correlação de forças sociais existentes num momento histórico determinado, que define os limites entre culpável e não culpável. Por isso não há culpabilidade em si, mas culpabilidade com relação aos demais.
Culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social; não consubstancia-se em uma qualidade da ação, mas sim, revela-se uma característica atribuída à ação a fim de que se possa imputar alguém como seu autor, fazendo-o responder por ela. Assim, por ser “co-responsável” pela autodeterminação dos indivíduos desprovidos das mesmas condições e oportunidades, deve a sociedade também arcar comas conseqüências. “Em certa medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos mesmos réus, a sociedade que os produziu, como queria Ernst Bloch”523. Até porque reprovar com a mesma intensidade, pessoas que se encontram em situação de miserabilidade e outras que ocupam posição privilegiada, constitui clara violação ao princípio da igualdade. E como a “co-culpabilidade” faz parte de todo Estado Social de Direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, encontraria segundo alguns cabimento no Código Penal pátrio, na disposição genérica do art.
segundo a qual “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente na lei”. Também associadas a este entendimento surgiram os pensamentos marxistas que uniram o Direito, o Estado e a Religião, com vistas a colocar fim nas desigualdades que deram início às idéias capitalistas526. Assim, existem autores que entendem que os pensamentos que deram origem a co-culpabilidade antecedem a Marx, juntamente com as idéias iluministas do século XVIII, “entendemos que o princípio da co-culpabilidade está diretamente ligado ao surgimento do Estado Liberal, bem como às idéias iluministas consagradas no século XVIII, malgrado existir opinião diversa”527. Assim, consoante relata Moura, “as idéias deste princípio teriam surgido com os estados liberais, através dos quais surgiram, em virtude de um controle falho.
Referidas idéias que geraram um descontentamento e uma direcionalização do Direito para controlar as classes menos favorecidas”528. Estas idéias transpostas para o contexto do Estado Liberal podem consubstanciar-se também no entendimento de que a Intervenção do Estado está atrelada à todos os reflexos que se irradiam pela sociedade no que diz respeito à economia e aos reflexos sociais das condutas do Estado529. Esta minoritária corrente acredita que aplicar a tese da co-culpabilidade, seria banalizar demais o tratamento concedido aos criminosos, o que, por consequência, poderia gerar o resultado inverso, que seria o apoio e o incentivo a prática do crime. Outro ponto, bastante discutido pelos opositores, é que não há substancialmente, estudos capazes de comprovar o quanto aquele determinado meio de miséria contribuiu para a prática da conduta delituosa.
Defendendo esta corrente, Nucci, aduz que: Não nos parece correta essa visão. Ainda que se possa concluir que o Estado deixa de prestar a devida assistência à sociedade, não é por isso que nasce qualquer justificativa ou amparo para o cometimento de delitos, implicando em fator de atenuação da pena. Aliás, fosse assim, existiriam muitos outros “co-culpáveis” na rota do criminoso, como os pais que não cuidaram bem do filho ou o colega na escola que humilhou o companheiro de sala, tudo a fundamentar a aplicação da atenuante do art. Antes deste paradigma histórico, é sabido que a relação punitiva estabelecida pelo Estado e o indivíduo era marcada pela desproporcionalidade e pela antidemocracia dos tribunais medievais, com inspiração no modelo do direito canônico.
Já no século XX, com a primazia das teorias sociológicas das penas, passou-se a defender mais a aplicação da teoria da co-culpabilidade. Atualmente, a maioria doutrinária é defensora da co-culpabilidade e, consequentemente do princípio da individualização da pena, muito embora haja doutrinadores de peso como Guilherme de Souza Nucci, defendendo posicionamentos contrários à aplicação da co-culpabilidade. O autor é refratário a teoria da co-culpabilidade, acreditando que a sua adoção acarretaria uma vulgarização da atenuante do art. do Código Penal: Não nos parece correta essa visão. Sobre a tese da culpabilidade como forma de exclusão da conduta criminosa por ausência da culpabilidade, o professor Rogério Greco descreve um exemplo: Suponhamos que, durante uma ronda policial, um casal de mendigos, cuja “morada” é embaixo de um viaduto, seja surpreendido no momento em que praticava relação sexual.
Ali, embora seja um local público, é o único lugar onde esse casal conseguiu se estabelecer, em face da inexistência de oportunidades de trabalho, ou mesmo de programas destinados a retirar as pessoas miseráveis da rua a fim de colocá-las em lugar habitável e decente. Poderíamos, assim, atribuir a esse casal a prática do delito de ato obsceno, tipificado pelo art. do Código Penal? Entendemos que não, pois foi a própria sociedade que o marginalizou e o obrigou a criar um mundo próprio, uma sociedade paralela, sem as regras ditadas por essa sociedade formal, legalista e opressora. Não poderíamos, portanto, no exemplo fornecido, concluir que o casal atuou culpavelmente, quando a responsabilidade, na verdade, seria da sociedade que os obrigou a isso.
Grégore Moura, em seu trabalho sobre co-culpabilidade, trata a relação da igualdade com a teoria em estudo, perante a Constituição Federal, da seguinte forma: A co-culpabilidade, portanto, é o reconhecimento da parcela de responsabilidade que tem o Estado no cometimento dos delitos praticados por pessoas que têm menor poder de autodeterminação em virtude de suas condições sociais. Esta diminuição do poder de autodeterminação advém da ineficiência estatal em gerar oportunidades para essas pessoas, ou seja, decorrem da sua exclusão social e da desigualdade que ela gera. Logo, ao reconhecermos este direito ao acusado – a aplicação concreta do princípio da co-culpabilidade –, estaremos igualando os iguais e diferenciando os desiguais na medida de suas desigualdades, uma vez que trataremos, de maneira específica, daqueles que estão à margem das oportunidades oferecidas pelo Estado537.
Desta forma, pode-se aduzir que o princípio da co-culpabilidade, mantêm relação direta com o da igualdade, prevista no caput do artigo 5º da Constituição, possibilitando a proximidade do direito com a tal sonhada igualdade material, que seria aquela igualdade de oportunidades. O Estado tem o dever de garantir a todos dignidade e condições de se levar uma vida equilibrada com qualidade. Antes de conceituar os direitos humanos, é imperioso destacar os princípios gerais que os regem, segundo a doutrina. Segundo Comparato, os princípios gerais dos Direitos Humanos são: Liberdade, a igualdade e a fraternidade [. que formam uma categoria especial de normas jurídicas, que se distinguem das demais (as simples regras de direito) por um conjunto de características próprias, a saber: a) maior amplidão de seu campo de incidência; b) maior força jurídica; c) permanência em vigor em caso de conflito normativo539.
Deste modo, se pode inferir que os princípios que regem os Direitos Humanos no Estado Democrático têm força normativa muito maior do que a força encontrada nas regras mais comuns de Direito, isto porque não pode haver colisão entre elas, de sorte que uma não pode interferir na autonomia da outra, sendo que aos princípios cabe oferecer a unidade necessária ao sistema jurídico, vez que direcionam a interpretação e a aplicação das normas e geram novas regras, caso haja lacunas a serem preenchidas. Dito isto, os princípios gerais que regem a dinâmica dos Direitos Humanos remetem à essência dos Direitos do Homem, sobretudo, porque têm como objetivo a proteção do ser humano em face de todos os tipos de violações que firam sua dignidade.
Tanto é assim, que a Constituição Federal de 1988 reconhece e protege os direitos e garantias fundamentais, que por sua vez, foram subdivididos em cinco capítulos, quais sejam: os direitos individuais e coletivos; os direitos sociais; a nacionalidade; os direitos políticos e partidos políticos. Moraes conceitua esta classificação como: Direitos individuais e coletivos - correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como por exemplo: vida, dignidade, honra, liberdade. Basicamente, a Constituição de 1988 os prevê no art. º e serão detalhadamente estudados nos comentários aos incisos do citado artigo; direitos sociais – caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art.
º, IV. Portanto, considerando a problemática da distribuição equitativa de bens e riquezas na sociedade capitalista, é interessante salientar a questão da pobreza e desigualdade social, são uma das mais relevantes causas de ocorrência da criminalidade, que atinge negativamente o conjunto da população principalmente mais pobre é marginalizada. Assim, é que a teoria da co-culpabilidade pode servir como instrumento para efetivação da justiça e transformação social compatível com os ideais de um Estado Democrático de Direito e uma ferramenta capaz de auxiliar na redução dos abismos sociais encontrados na sociedade brasileira. Contudo, a justiça criminal brasileira, como se apresenta nos dias de hoje, é responsável pela promoção da seletividade e exclusão social, possuindo um caráter absolutamente desigual e discriminatório que está a serviço das classes sociais economicamente avantajadas.
Como consequência, é neste contexto de discussões que nascem correntes que buscam justificar o Direito Penal e a proteção que ele deve assegurar aos bens jurídicos. Neste diapasão, emerge o denominado Direito Penal Mínimo ou do Equilíbrio que se consubstancia como uma tese intermediária do Direito Penal Máximo ou de Lei e Ordem que por sua essência, autodenomina atenção à necessidade da constituição de um sistema judiciário e criminal muito mais severo, e o cognominado Abolicionismo Penal que preconiza a extinção do Direito Penal549. Neste sentido, se for lançado um olhar atento ao atual modelo de justiça criminal do Brasil será possível perceber o quão desrespeitoso ele é para com os princípios constitucionais dos indivíduos que vivem a margem da sociedade.
Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo constantemente ignorado e transgredido. O Estado, então, tem sido omisso ao não atender aos anseios da sociedade por meio políticas públicas direcionadas aos direitos básicos que consubstanciam o mínimo existencial como a educação, saúde, segurança pública, enfim, fatores que, indubitavelmente, alimentam a criminalidade. Diante deste quadro, enxerga-se campo fértil para proliferar os ideais do movimento Abolicionista, que segundo Greco: Surgiu após os horrores vividos na Segunda Guerra Mundial e que levaram a sociedade e, em especial os juristas a buscarem um sentido mais humanista para o Direito, inclusive o Penal, o que acabou por motivar a tese de que este deveria ser extinto posto que avesso às práticas humanistas que se queriam implantar para a Defesa Social552.
Segundo Calligari umas das principais ideias defendidas pelo movimento é a abolição das prisões, o que parece ser um desejo distante, sobretudo, porque elas ainda são a arma mais poderosa do arsenal punitivo do Estado, devido serem a materialização da força do Direito Penal e, conseqüentemente, das ações de segurança pública553. O que a teoria da co-culpabilidade defende não é que a situação de pobreza e vulnerabilidade do cidadão o isente de culpa, mas, tão-somente que sua pena seja reduzida, na medida de sua culpabilidade, tendo em vista ser o Estado co-culpado. Retomado o conceito de co-culpabilidade às avessas, pode-se dizer, segundo Grégore Moura556, que esta pode se manifestar sob dois enfoques: o primeiro deles se consubstancia no abrandamento da pena aplicada aos delitos praticados por pessoa de elevado poder aquisitivo e social, a exemplo dos crimes do colarinho branco, crimes contra a ordem econômica e tributária, dentre outros.
A título de exemplificação, cita-se a possibilidade de extinção da punibilidade após o pagamento da dívida advinda de crimes contra a ordem tributária. O segundo enfoque pode ser percebido na tipificação de condutas que normalmente são praticadas por pessoas que vivem à margem da sociedade, como acontece na contravenção de vadiagem (art. da Lei de Contravenções Penais – Decreto-Lei nº 3688/41). Muito embora o princípio da co-culpabilidade seja uma tese em constante crescimento em outros países, a sua aplicação concreta, dentro do ordenamento brasileiro, é algo ainda raro de se ver, ao contrário do que acontecem com outros países latino-americanos adeptos do princípio. O Brasil vem aplicando a co-culpabilidade de forma, ainda bem primitiva, entretanto, já é possível deparar com decisões de tribunais invocando este princípio em suas decisões, sem falar que há um projeto de lei do Senado558, de reforma da parte geral do código penal, mais precisamente no novo texto do artigo 59, destacando expressamente a co-culpabilidade.
Em virtude dessas importantes mudanças, na ciência penal brasileira, passa-se a analisar essas tendências inovadoras, que podem contribuir para a eficiência e concretização deste princípio no ordenamento pátrio. Atualmente, a maioria doutrinária é defensora do princípio em tela, muito embora haja doutrinadores de peso como Guilherme de Souza Nucci, defendendo posicionamentos contrários à aplicação da co-culpabilidade, conforme dito anteriormente. Assim, há um forte crescimento desta tendência na doutrina, buscando inovação e a concretização de princípios constitucionais, lutando para que se possa garanti a todos os cidadãos, os direitos que lhe devem ser assegurados. ” Possibilitando, portanto, a aplicação de atenuantes inominadas a critério do juiz no desígnio de tornar-se efetivo o princípio da individualização da pena.
Desta maneira, o posicionamento doutrinário clarifica, que enquanto não se vota sobre o novo texto de reforma do código penal, se atribui ao artigo 66 do CP (atenuantes genéricas) um dos únicos meios, onde se pode invocar a co-culpabilidade, conferindo ao juiz a liberdade de valoração da conduta social do delinquente, para valorar o quanto de pena a ser imposta. Neste sentindo, aduz a Súmula nº 231 do STJ: Embora reconheça a aplicação da atenuante genérica do artigo 66 do Código Penal pela coculpabilidade, no que diz respeito a Apelante Catiane Idelfonso Rodrigues, por ser primária e possuidora de bons antecedentes, não há como fazer incidir seus efeitos, tendo em vista a pena ter sido fixada no mínimo legal560. Assim, a Súmula nº 231 do STJ reconheceu a aplicação da teoria da co-culpabilidade, mas deixa de fazer incidir os efeitos da atenuante genérica do art.
do Código Penal pelo fato de a pena haver sido fixada no mínimo legal. Jurisprudência A função institucional do Poder Judiciário no Brasil remete ao Estado-juiz promover, predominantemente, a pacificação social, atribuindo ao Judiciário analisar cada caso concreto de forma aprimorada e aplicar o Direito aos fatos veiculados em uma lide. Assim, a função do Poder Judiciário na sociedade, atribui que a jurisdição deva ter como fundamento primário para suas decisões a Constituição da República de 1988. Nesse sentido, em face de um Estado Democrático de Direito assoma à teoria da coculpabilidade enquanto instrumento para efetivação da justiça diante da interpretação sistemática e o diálogo de fontes que devem ser realizados no Ordenamento Jurídico.
Dessa maneira, averiguando infindas decisões judiciais se constatou que dos tribunais que mais inovam no Brasil, é especialmente no Rio Grande do Sul, que se têm aplicado em suas decisões a teoria da co-culpabilidade, colaborando para que esta teoria se efetive no Brasil. Veja-se abaixo, quatro julgados que demonstram o exposto: Ementa: Furto em Residência. Instituto da co-culpabilidade. Redução da pena. Multa. Isenção de pagamento. Possibilidade. Embargos acolhidos por maioria564. Grifos nosso) Ementa: Roubo – Concurso – Corrupção de menores – Co-culpabilidade. Se a grave ameaça emerge unicamente em razão da superioridade numérica de agentes, não se sustenta a majorante do concurso, pena de bis in idem – Inepta e a inicial do delito de corrupção de menores (Lei 2. que não descreve o antecedente (menores não corrompidos) e o consequente (efetiva corrupção pela prática de delito), amparado em dados seguros coletados na fase inquisitorial.
O princípio da co-culpabilidade faz a sociedade também responder pelas possibilidades sonegadas ao cidadão – Réu. Art. § 4º, I, C/C Art. II, do Código Penal. Autoria e materialidade comprovadas. Dosimetria da pena. A prova da materialidade repousa no laudo pericial que repousa às fls. dando conta da destruição dos vidros da indigitada repartição federal. Hígida a sentença no tópico que reconhece a prática por parte do acusado do crime de tentativa de furto qualificado, não se logrado demonstrar que o real intento do acusado era, na verdade, a destruição do patrimônio. Apesar de na fase do inquérito policial ter confessado perante a Autoridade Policial que destruíra os vidros para poder adentrar no prédio e subtrair metais, como cobre ou alumínio, e vir depois a negar em juízo, afirmando que assim procedeu por ter sido vítima de tortura, o laudo pericial que repousa às fls.
faz cair por terra a alegação. Também não é cabível o reconhecimento da atenuante da co-culpabilidade, sob pena de desvirtuar o real reconhecimento das atenuantes genéricas previstas no art. do Código Penal. Senão vejam-se, a seguir, dois julgados que demonstram esta assertativa: Ementa: Apelação Penal. Roubo Majorado. Alegação Insuficiência de Provas da Autoria e Materialidade do Delito. A alegação de vulnerabilidade do agente em face das suas condições sociais e o apontamento de que há coculpabilidade estatal no delito praticado não pode ser vista como justificativa para o cometimento de crimes, a ponto de justificar o reconhecimento atenuante inominada do art. do Código Penal. Evidenciado que o réu participou efetivamente da abordagem da vítima possibilitando que está tivesse seus pertences subtraídos, incabível a aplicação da regra contida no § 1º do art.
do Código Penal. Recurso conhecido e Improvido567. Atenuante Genérica do Art. do Código Penal. Teoria da Co-Culpabilidade. Impossibilidade de Aplicação. Regime Inicial Fechado. A teoria da co-culpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida. Ora, a mencionada teoria, "no lugar de explicitar a responsabilidade moral, a reprovação da conduta ilícita e o louvor à honestidade, fornece uma justificativa àqueles que apresentam inclinação para a vida delituosa, estimulando-os a afastar da consciência, mesmo que em parte, a culpa por seus atos 3. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, ao réu reincidente condenado a pena inferior a quatro anos de reclusão aplica-se o regime prisional semiaberto, se consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais previstas no art.
do Código Penal. Na hipótese, embora a pena fixada não alcance quatro anos, reconheceu-se, além da reincidência, a existência de circunstância judicial desfavorável ao Paciente, o que afasta a incidência do enunciado da Súmula n. erige o ladrão de galinha [. em infrator maior do que aquele que atenta contra a ordem econômico-financeira e ambiental [. ” é de fácil constatação, haja vista a redação do art. º da Lei 10. de 2003 que prevê a extinção da punibilidade dos crimes de apropriação indébita previdenciária, de sonegação de contribuição previdenciária, bem como dos crimes praticados por particulares contra a ordem tributária574, “[. O sistema penal (re) age de forma seletiva em face da conflituosidade social577. Salienta-se que a aludida tonalidade crítica também é encontrada nas palavras de Nucci, cujas considerações a respeito do tratamento conferido pelo art.
º da Lei 10. aos crimes previstos no art. º da Lei 8. ‘la delincuencia de las corporaciones al igual que la de los ladrones profesionales, es persistente’: una gran proporción de los delincuentes son ‘reincidentes’. Entre las setenta mayores corporaciones industrialesy comerciales de los Estados Unidos, el 97,1 por ciento eran reincidentes, en el sentido de tener dos o más decisiones adversas. Ninguno de los procedimientos oficiales usados en los hombres de negocios por violaciones a la ley ha sido muy efectivo em rehabilitarlos o en prevenir que otros hombres de negocios adopten una conducta similar579. Outrossim, o discurso panfletista de igualdade é facilmente desmascarado pelo retrato da massa carcerária brasileira580, repleta de indivíduos advindos de estratos que vivem abaixo ou na linha da pobreza e que, em maior escala, sequer concluíram o ensino fundamental, conforme bem sinalizam os mais recentes dados do Depen já apresentados neste trabalho.
Atento a todas essas questões, Zaffaroni lança uma nova tonalidade ao princípio. há numeração das condições econômicas do agente; no Paraguai (art. vincula-se a conduta do indivíduo ao seu estado de miserabilidade584. Tais previsões reforçam o atraso do Código Penal brasileiro, cujo teor se restringe a explicitar a possibilidade de triplicação da pena de multa conforme a situação econômica do réu a fim de que surta efeito585. Mas. Como ficariam os condenados a outras espécies de pena? Em que pese o art. Nota-se então, a necessidade premente de uma redefinição expressa do instituto da reincidência no ordenamento pátrio a fim de coibir tanto o arbítrio inquisitorial punitivo como o juízo descompromissado com a igualdade substancial.
Neste sentido, segundo lição de Cirino dos Santos, somente a reincidência real deveria ser contemplada como circunstância legal de atenuação da pena, haja vista ser o espelho do “[. processo de deformação e embrutecimento pessoal do sistema penitenciário [. Quanto à reincidência ficta, ressalta que não haveria tal necessidade, pois ao ser “(. de fato, um ‘indiferente’ penal”596, não poderia atenuar e tampouco agravar a pena. A COCULPABILIDADE NO DIREITO COMPARADO 11. Introdução A co-culpabilidade pode ser vista em diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros, principalmente nos países da América Latina, onde os índices de desigualdade social e miséria são bastante elevados e potencializam a prática de crimes, demonstrando a omissão estatal no oferecimento do direito de mínimo existencial dos seus cidadãos, entretanto, não se trata de uma exclusividade desses países, pois a teoria da co-culpabilidade também é vista em países desenvolvidos, que apesar de todo seu desenvolvimento econômico, ainda enfrentam problemas com setores “difíceis de controlar” e “problemáticos da sociedade”, com políticas criminais de repreensão e o exercicio o poder de punir arbitrario que exclui socialmente os menos favorecidos, em profundo contrataste com a luta pelos direitos humanos contemporânea.
Neste pensar, Zaffaroni601 ressalta sobre a importância da dimensão internacional do princípio co-culpabilidade: O Princípio da Co-Culpabilidade vem desempenhar um papel protagônico na política criminal, particularmente, porque assume uma dimensão internacional. Dito em outros termos: o direito penal corre sempre o risco de converter-se num instrumento de dominação e repressão interna, consolidando situações injustas a nível individual e social. O momento em que o direito penal passa a ser um instrumento de dominação, sempre será difícil de estabelecer, no entanto, a Co-Culpabilidade é um princípio bastante efetivo contra este risco. En las penas divisibles por razón de tiempo o de cantidad, los tribunales fijarón la condenación de acuerdo con las circunstâncias atenuantes o agravantes particulares a cada caso y de conformidad a las regras del artículo siguinte603.
Artículo 41. A los efectos del artículo anterior, se tendrán en cuenta: [. La edad, la educación, los costumbres y la conducta precedente del sujeto, la calidad de los motivos que los determinaron a deliquir, especialmente la miseria o la dificultad de ganarse el sustento próprio necesario y el de los suyos (. Do exposto, analisados os artigos acima elencados, percebe-se que o Código Penal da Argentina adota expressamente a co-culpabilidade, utilizando-a para atenuar e também para elevar a reprovabilidade do delito praticado pelo agente. Na Costa Rica, a co-culpabilidade é vista como atenuante genérica, implicitamente colocada, quando interpreta-se o texto de seu art. tal qual no direito brasileiro607. Veja-se: Artículo. El Juez, em sentencia motivada, fijará la duracíon de la pena que debe imponerse de acuerdo con los límites señalados para cada delito, atendiendo a la gravedad del hecho y a la personalidad del partícipe.
Para apreciarlos se tomará en cuenta: [. Suplir las carências sociales que ha sufrido la persona condenada611 (grifo nosso). Assim, notamos que houve uma preocupação em se colocar expressamente tal princípio dentro de ordenamento penal, em virtude das necessidades e condições econômicas que vive a sociedade costarriquenha, buscando o ideal de isonomia e aplicação da humanização das condutas. Direito Norte-Americano Alguns autores acreditam ser uma incongruência aplicar o princípio da co-culpabilidade em um Estado, cujo índice de desenvolvimento é muito grande e o nível de miséria é mínimo. Entretanto, segundo o pesquisador Loic Wacquant, nos Estados Unidos, há um inchaço da população penitenciária, em virtude do incentivo de políticas punitivas, em detrimento das políticas educacionais e reformadoras.
Os Estados Unidos investem mais em seu aparato repressor do que em prevenção, adotando uma política de extrema seletividade, retirando da sociedade, aquilo que eles consideram ser um perigo para o bem estar social. Art. El que realice la conducta punible bajo la influencia de profundas situaciones de marginalidad, ignorância o pobreza extremas, en cuanto hayan influido directamente en la ejecución de la conducta punible y no tengan la entidad suficiente para excluir la responsabilidad, incurrirá em pena no mayor de la mitad del máximo, ni menor de la sexta parte Del mínimo de la señalada en la respectiva disposición613. Dito de outra forma, se a situação de vulnerabilidade social não bastar para excluir a culpabilidade, a pena será atenuada, o que leva à conclusão de que a co-culpabilidade no Código Penal da Colômbia foi alçada a causa legal de exclusão da culpabilidade.
Direito Penal do Peru O Peru também traz o princípio da co-culpabilidade em seu art. ao abordar os pressupostos que fundamentam e determinam a pena. Desta forma, o nível de miserabilidade daquela pessoa deverá ser levado em conta no momento de aplicação da pena. Vejam-se os artigos 38 e 40 do Código Penal Boliviano: Art. – CIRCUNSTANCIAS 1. Para apreciar la personalidad del autor, se tomará principalmente en cuenta: a) La edade, la educación, las costumbres y la conducta precedente y posterior del sujeito, los móviles que lo impulsaron a delinquir y su situación econômica e social. Art. d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;619 O diploma penal português é bem sucinto na abordagem da co-culpabilidade, mas não deixa dúvidas sobre a possibilidade de reduzir a pena do réu que comete um crime motivado por sua condição de vulnerabilidade social.
A TEORIA DA CULPABILIDADE POR VULNERABILIDADE 12. Introdução A individualização e graduação da sentença como resultado da afirmação da prática de um crime, sempre foi uma questão conflitante, embora menos doutrinariamente discutida em relação às categorias que compõem a teoria do crime. A dificuldade de encontrar critérios para isso deve-se, entre outras razões, a quão difícil é racionalizar discursivamente algo que tenha sido mais ligado à materialidade do poder do que a um instrumento produzido pelo consenso social. Nesta linha de idéias, toma-se como ponto de partida deste trabalho a posição detida por Zaffaroni, na medida em que ele postula uma posição agnóstica em relação à penalidade, à qual nenhum conteúdo conhecido é atribuído, ou pelo menos nenhum legitimado em um Estado de direito e, portanto, não sujeito a validação teórica pela doutrina jurídica.
Entendem a vulnerabilidade como o nível de esforço empreendido pelo indivíduo para atingir uma concreta posição frente ao poder punitivo. Porém, a omissão do Estado, ou seja, a co-culpabilidade é o que faz com que o agente fique mais vulnerável ao poder punitivo. Ademais, não é recomendável que o conceito de culpabilidade seja aplicado somente aos mais vulneráveis, posto que precisa ser considerado “como terceiro elemento do conceito analítico de crime seja para os mais vulneráveis ou para quem não se encontram nesta situação”620. O Direito Penal em uma definição agnóstica da pena pode edificar sua teoria do ilícito por caminhos parcialmente distintos dos empregados pelas teorias tradicionais, sem afastar-se abruptamente de seus elementos. Para tanto, acredita Zaffaroni que se deve preservar o conceito de culpabilidade sem deixar de lado a ética tradicional, pois seu abandono conduz ao risco de destruir o conceito de “pessoa”.
De um lado, o primeiro nível de discurso declara que a “culpa” equivale a uma “dívida” que é cobrada mediante a pena. Assim, a culpabilidade seria um juízo de valor feito sobre a base do injusto penal (conduta típica e antijurídica). De outro lado, o segundo nível de discurso constata, primeiro, que a pena não resolve conflito algum; segundo, que somente uma parcela de conflitos é que são selecionados ao sistema penal, e, terceiro, que existem certas pessoas que estão mais expostas ao risco de serem selecionadas do que outras. Assim, “é o grau de vulnerabilidade ao sistema penal que decide a seleção e não o cometimento do injusto, porque há muitíssimos mais injustos penais iguais e piores que deixam o sistema penal indiferente”623.
Quanto maior a invulnerabilidade do criminalizado maior deveria ser sua culpabilidade, haja vista sua facilidade de se desviar ou de evitar, definitivamente, a sua exportação para o rol dos vulneráveis624. No Brasil, a seletividade do sistema penal é também afirmada por muitos estudiosos. O saudoso Augusto Thompson, em seu clássico “Quem são os criminosos?”, mostra que a seletividade do sistema penal não é, de modo algum, aleatória, indicando que “quatro fatores preponderantes” determinam a seletivdade da criminalização secundária: a) maior visibilidade da infração; b) adequação do autor ao estereótipo do criminoso construído pela ideologia prevalente; c) incapacidade do agente quanto a beneficiar-se da corrupção ou prevaricação; d) vulnerabilidade do agente quanto a ser submetido a violências e arbitrariedades628.
A menção ao “estereótipo” mostra uma das portas de entrada do autoritarismo no sistema penal; Thompson define o estereótipo de criminoso no Brasil: é aquele que, [. pertencendo à classe inferior — o que é apurável através das indicações mais visíveis relativas à cor (preto ou mulato), aspecto físico (falhas de dentes, maõs e pés grandes, feições abrutalhadas, olhar oblíquo), baixa escolaridade (linguagem pobre, pejada de gírias), morador de favela, membro de família desorganizada ou sem família, sem emprego ou subempregado — apresenta registros policiais629. Em seu Direito Penal Brasileiro, Zaffaroni et al. A apuração da tortura policial e da corrupção policial enfrenta enormes obstáculos, pois dificilmente são reportadas; e, quando reportadas, essas infrações não são seriamente apuradas.
O relatório “São Paulo sob achaque”, já citado, mostra que enquanto a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa “esclareceu mais de 85% dos homicidio que investigou em que agentes públicos figuraram como vitima (12 de 14), o órgão só parcialmente elucidou a autoria de apenas 13% (4 de 34) dos homicídio com suspeita de participação de policiais)”638. Especialmente quando policiais, poucos perpetradores de execuções sumárias são processados e condenados639. Quanto a essas execuções sumárias (e por vezes também quanto à tortura policial), há, ainda, um fator adicional, que a Human Rights Watch indica com cirúrgica precisão: “no Brasil, como em muitos outros países, é uma comum má percepção de que direitos humanos e segurança pública são prioridades conflitantes.
Alguns acreditam que investigar e processar abusos policiais iria enfraquecer a imposição da mão da lei, e, com isso, fortalecer gangues criminosas”640. Fausto verifica que a média de processos criminais contra a população negra se mantém coerente com a média da população negra, o que, para ele, “torna patente como negros e mulatos menos do que criminosos eram ‘gente suspeita’, objeto de um controle social específico”648. Em interessante estudo dos autos de processos criminais do 1. º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro das três primeiras décadas do século XX (Cor e criminalidade: estudo e análise da justiça no Rio de Janeiro (1900-1930), 1995), Charles A. Ribeiro afirma que: [. a cor preta do acusado aumenta, mais do que qualquer outra característica, a probabilidade de condenação pelo Tribunal do Júri.
Na média, tornam-se pardos”: se a situação do réu vai melhorando, ele, vai sendo classificado, no momento de interrogatórios ou sentença, com um tom de pele mais claro; se sua situação vai piorando, ocorre precisamente o contrário655. Por tudo isto, Adorno conclui: “tudo parece indicar que a cor é um poderoso instrumento de discriminação na distribuição da justiça”656. Situação de vulnerabilidade Para aqueles mais afoitos que não suportarem a solução apontada por Zafanori, qual seja, elevar a pena dos mais favorecidos e reduzir a dos vulneráveis, alegando a ausência de regras e limites definidores de uma ou outra situação, pode-se, ancorando-se em Eugenio Zafaroni, valer-se da técnica da ampulheta, condicionada pela “posição ou estado de maior vulnerabilidade”657 e pelo conseqüente “baixo nível de culpabilidade pela vulnerabilidade”658, corretor, racionalizador e redutor da culpabilidade pelo injusto, como parâmetro divisor máximo (função limitadora), haja vista que: O nível de vulnerabilidade é fornecido pela proporção do risco de seleção, que corresponde à situação de vulnerabilidade em que se colocou o sujeito.
A vulnerabilidade (ou o risco de seleção), como todo perigo, reconhece graus, segundo a probabilidade de seleção, podendo estabelecer-se níveis, conforme a situação em que se tenha colocado a pessoa. Esta situação de vulnerabilidade é produzida pelos fatores de vulnerabilidade que podem ser classificados em dois grandes grupos: posição ou estado de vulnerabilidade e o esforço pessoal para a vulnerabilidade. logo derrotados em contendas hegemônicas com outro poder maior. A ajuda que estes prestam ao sistema penal é enorme, por reforçarem a falsa ilusão de igualdade perante a lei e de utilidade do sistema penal. A situação de vulnerabilidade se situa em um nível de risco, mas este, como todo perigo, requer maior probabilidade de seleção. O enorme vazio que a culpabilidade tradicional deixa - que nunca pôde ser bem formulada -, só pode ser preenchido conforme a responsabilidade da agência judicial, traduzida, segundo um controle seletivo de máxima instância, em uma culpabilidade pela vulnerabilidade que superaria e abarcaria a consagrada culpabilidade pelo injusto.
Partindo de diferentes ângulos de análise pode-se reconhecer uma capacidade ou condição criativa que a sociedade não pode eliminar, sob pena de paralisar seu dinamismo, que tampouco pode ser explicado sem essa constatação. Não importa, então, o que eles fizeram, mas sim o que eles são! O que eles fizeram é apenas uma desculpa, um facilitador para a criminalização da sua “onticidade ontologicidade!”662. Então, seja porque eles foram criminalizados - o que é muito menos uma decisão jurídica que uma decisão política e, sendo política, obedece a critérios de conveniência e oportunidade que mudam de tom, mas nunca cessam -, seja por conta da sua condição ontológico-ôntica (afrodescendente, pobre [ou melhor, desempregado, inempregável ou desfavorecido pela discrepância rentária], inapto ao trabalho etc.
passam eles, a partir de então, a ser considerados sempre “impunes” independentemente do que eles façam ou deixem de fazer, principalmente porque qualquer daquelas condições dificilmente vai deixar de acompanhá-los. É como se eles, só por existirem, a todo instante renovassem algum tipo de “culpa (culpa imprescritível)”, ficando sempre em débito com o sistema penal (impunidade impagável). Aqui, a permanência do discurso positivista apresenta-se sob outra indumentária, embora seus modos, aliás, sua deselegância insista em envergonhar um direito penal que deveria se pautar por fatos e não por comportamentos condutores, ou não, de um modo de vida “perigoso ao são sentimento do povo” (etiqueta penal663) que, em toda medida, acabam por convertê-los em “inimigos”664. De maneira que quanto maior foro esforço e a conseqüente contribuição da pessoa para o fortalecimento do sistema e para colocar-se em situação de vulnerabilidade perante ele, menor será o espaço de que dispõe a agência judicial para obstaculizar uma resposta criminalizante ou para diminuir a intensidade da resposta.
O limitado poder da agência judicial faz com que não lhe reste outro recurso senão “cobrar” ao autor seu esforço para alcançar situação de vulnerabilidade. E o nível de vulnerabilidade é fornecido pela proporção do risco de seleção. Existe, portanto, uma relação intrínseca entre vulnerabilidade e seletividade, devendo-se, pois, ampliar o espectro de verificação das situações de risco, as quais não podem ficar restritas às condições econômicas e culturais, como propõe a co-culpabilidade. A situação de vulnerabilidade é produzida por fatores de vulnerabilidade, os quais podem ser classificados em dois grandes grupos: a) posição ou estado de vulnerabilidade e b) esforço pessoal para a vulnerabilidade. Por isso é inerente à pessoa, o reconhecimento da possibilidade de autodeterminação, que não deve ser confundido com a idéia de livre-arbítrio.
Em suma, predominam nesses discursos a adoção da política criminal radical, isto é, o endurecimento de penas, o agravamento da execução e da tipificação inflacionária de novas condutas desviantes e fundamentalmente a redução de direitos e garantias fundamentais. Nunca é demasiado reforçar que o direcionamento dessas ações pressupõe a seletividade baseada nos critérios de gênero, etnia e de classe. Essa política criminal fundada na intolerância corresponde a uma perversa equação resultante das necessidades estruturais do capitalismo maduro. Trata-se de uma resposta às crises causadas pela desregulamentação econômica, aumento do desemprego estrutural, recuo do acesso aos direitos sociais e marginalização do montante populacional que não pode (nem deve) ser partícipe do “progresso econômico”. As teorias formuladas para justificar, nesses casos, o aumento de pena, com base no principio da culpa, eram, evidentemente, artificiais676.
Mas a maioria da doutrina e da jurisprudência nacionais resiste: Nucci, p. ex. diz que “a idéia, em nosso entendimento, peca pela simplicidade”; para ele, a individualização da pena exigiria esse aumento, pois o autor “demonstra persistência e rebeldia inaceitáveis para quem pretenda viver em sociedade”677. Esquece-se Nucci de considerar que a prisão estigmatiza e, assim, aumenta a vulnerabilidade do agente ao sistema penal, tornando-o alvo mais fácil para uma nova criminalização secundária, o que deveria, em verdade, diminuir a sua culpabilidade e, consequentemente, sua pena. Roxin684, no início dos anos 1970, partindo de que o livre arbítrio não seria uma realidade, mas uma ficção necessária,defende que a pena só se justificaria político-criminalmente, em função de necessidade preventiva; para ele, a medida da culpabilidade serviria apenas como limite máximo, e desnecessidades preventivas podem fazer com que a pena seja diminuída.
Ele considera que o conceito normativo de culpabilidade tem de caminhar para um conceito de responsabilidade, que engloba a culpabilidade e a necessidade preventiva. Já Jakobs, em linha com suas concepções sistêmicas, desenvolveu um conceito funcional de culpabilidade, que entende a culpabilidade como “atribuição preventivo geral”685. É o fim de prevenção-geral de exercício da fidelidade ao direito que dota de conteúdo o conceito de culpabilidade. O fim da culpabilidade é a estabilização da confiança na ordem perturbada pela conduta delitiva. A seletividade — diz Zaffaroni693 — é característica estrutural do sistema penal; não há sistema penal cuja regra geral não seja a criminalização secundária, em razão da vulnerabilidade do indivíduo. Baratta já dizia que “os processos de criminalização secundária acentuam o caráter seletivo do sistema penal abstrato”, e que são “os preconceitos e os estereótipos que guiam a ação tanto dos órgãos investigadores como dos órgãos judicantes, e que os levam [.
a procurar a verdadeira criminalidade principalmente naqueles estratos sociais do s quais é ‘normal’ esperá-la”694. Em outro ponto, citando Fritz Sack, diz Baratta que “a criminalidade, como realidade social, não é uma entidade pré-constituida em relação á atividade dos juízes, mas uma qualidade atribuída por estes últimos a determinados indivíduos”695; e esse processo de atribuição se faz seletivamente (e não igualitariamente). Somente o grau de seletividade é que pode diferir por questões conjunturais; a seletividade se acentua em sociedades mais estratificadas, com maior polarização de riqueza e escassas possibilidades de mobilidade secundária; de outro lado, a seletividade também se acentua em sociedades que, embora não tenham essa caracterização, sofram de arraigados preconceitos racistas ou os desenvolvem a partir de um fenômeno migratório696.
A magnitude e as modalidades do sistema penal subterrâneo dependem das características de cada sociedade e de cada sistema pena, mas ele existe em todos os sistemas penais698. De outro lado, a atenção discursiva centrada no sistema penal formal do estado deixa de lado uma enorme parte do poder punitivo, exercido por outras agências com funções manifestas muito diferentes, mas cuja função latente de controle social punitivo (desde a perspectiva das ciências sociais) não é diferente da penal. É uma complexa rede de poder punitivo, exercido por sistemas penais paralelos. Um exemplo claro está nos médicos, que exercem um poder de institucionalização manicomial que, quando não tem objetivo curativo imediato, se aproxima bastante ao de prisionização699. Na medida em que as agências judiciais do sistema penal somente podem impor pena pela via de um processo, e em que o processo só se justifica se há suspeita mínima de prática de crime, tornam-se patentes a importância do direito processual penal e sua recíproca dependência com o direito penal.
Entende-se que a teoria da culpabilidade por vulnerabilidade pode ser utilizada no processo penal e pelas agências judiciais brasileiras. No que diz respeito às possibilidades de inserção da co-culpabilidade no Código Penal, é possível incluí-la como uma circunstância judicial prevista no artigo 59, como uma atenuante genérica presente no artigo 65 do Código Penal, como causa de redução de pena prevista no Código Penal como um § do art. ou, ainda, como uma das causas legais de exclusão da culpabilidade. Este parece ser um objetivo ambicioso, ou mesmo impossível mas não existe outro caminho capaz de colocar fim à seletividade que contamina o sistema penal brasileiro. As aberturas para a infiltração de direito penal de autor constituem, sempre, brechas para manifestações de um poder punitivo autoritário.
No quarto capítulo, foram estudados os movimentos penais. Nesse contexto, o abolicionismo, o direito penal do inimigo, o direito penal mínimo e o garantismo penal foram explicados com o objetivo de mais à frente, tornar possível a compreensão da teoria da co-culpabilidade e co-culpabilidade por vulnerabilidade, objetivo principal desta pesquisa. Demonstrou-se que o endurecimento das penas não conseguiu reduzir a criminalidade, nem o aprisionamento, ganhando força um movimento que defende um direito penal que seja a ultima ratio. As escolas sociológicas do crime foram estudadas no capítulo cinco com o intuito de demonstrar que a penalidade não pode continuar servindo apenas ao controle do crime, ou ao cumprimento da legalidade ou à reclusão dos infratores. É preciso que a pena assegure a coesão social e seja um meio eficaz de disciplina social.
Mais especificamente, o estado do Pará, conta atualmente com cerca de 20. custodiados para 9. vagas, sendo que mais da metade da população carcerária é de presos provisórios (9. internos), normalmente crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas. Convém evidenciar, outrossim, que a população carcerária paraense cresceu 134% desde 2016, duas vezes mais que o número de vagas constantes no sistema penitenciário, o que deixa clara que o encarceramento em massa não está sendo eficiente para conter a criminalidade. A culpabilidade foi estudada no capítulo oito, sendo demonstrada sua evolução, vertentes e teorias que a fundamentam. Trata-se de capítulo relevante por permitir a melhor compreensão sobre a teoria da co-culpabilidade, estudada no capítulo seguinte e por deixar clara que a ideia de que só pode existir punição se existir culpabilidade foi uma conquista do direito penal liberal e que, a partir deste postulado, tornou-se necessário demonstrar até que ponto é legítima a exigência de um determinado comportamento individual por parte do Estado.
Na sequência, o capítulo nove explicou a co-culpabilidade estatal, demonstrando que o Estado é sim corresponsável por este elevado índice de criminalidade, quando deixa o cidadão carente largado à própria sorte; quando não lhe assegura meios para ter uma existência digna e essa vulnerabilidade social empurra tantos que sonharam um dia com um futuro brilhante, com um bom emprego, família e mesa farta, para o mundo do crime. Em virtude disto, seria injusto esperar dos desfavorecidos uma resposta coerente com o Estado Democrático de Direito, pois o sentimento de injustiça e revolta toma conta de suas existências, passando tal indignação, para as demais gerações, reiniciando o ciclo da violência e criminalidade. No entanto, o que se denota é que não há uma valorização da aplicação desta teoria, apesar do Brasil, como a maioria dos países latino-americanos, sofrer com a desigualdade social que aumenta na medida em que cresce a concentração de renda na mão de uns poucos em detrimento da maioria.
Basta que seja cumprido adequadamente. O décimo capítulo estudou a co-culpabilidade no direito comparado demonstrando que urge que a co-culpabilidade e a culpabilidade por vulnerabilidade sejam expressamente positivadas, assim como já ocorre em vários países, a exemplo da Bolívia, Perú, Colômbia, México, Argentina, Portugal e outros países estudados nesta dissertação. O estudo do direito comparado serviu para colher experiências positivas já adotadas em outros países com vistas a sugerir que o Brasil sigo a mesma trilha e se valha de exemplos que estão surtindo bons efeitos em outras nações Por fim o último capítulo defendeu a teoria da culpabilidade por vulnerabilidade como critério corretor da seletividade do sistema penal concluindo-se que a Teoria da Co-culpabilidade e a Teoria da Culpabilidade por Vulnerabilidade podem servir de instrumento de efetivação da justiça social perante o Direito Criminal brasileiro.
Em que pese às razões espendidas, consta-se que o Estado não oferece igualdade de oportunidades para todos. Grande parte da população, aqueles que vivem na extrema pobreza, são invisíveis aos olhos do Estado, o que coloca estas pessoas em um grau de vulnerabilidade tamanha que estas se sentem desobrigadas a agir conforme o Direito. Violência e racismo: discriminação no acesso à justiça penal. In: SCHWARCZ, L. M; QUEIROZ, R. D. Raça e Diversidade. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ALMEIDA, Cleomar. Rebelião deixa nove mortos e 14 feridos em presídio de Goiás. United Nations, 2010. ANCEL, Marc. A Nova Defesa Social. Rio de Janeiro: Forense, 1979. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
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