Convalidação da posse precária
Tipo de documento:Monografia
Área de estudo:Direito
Contudo o possuidor direto quebrou a confiança, e, na ocasião em que deveria restituir a coisa, deixou de fazê-lo. Nesse sentido, convalidar a posse precária é confirmar, validar, conceder a posse a terceiro pela quebra da confiança. A Posse Precária, no ordenamento jurídico brasileiro, tornou-se mais evidente quando da análise desenvolvida do artigo 1. do Código Civil que expressa: “não induzem a posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Como já se sabe, a posse é fato e, ao mesmo tempo, direito. A definição vem dos romanos, que conheciam as expressões vis, clam e precario para qualificar a posse contaminada por aquelas nódoas (MARQUESI, 2019, p.
Violenta é a posse obtida ou mantida com o emprego de força física ou moral, não contra a coisa, mas contra a pessoa. A violência está no fato de o possuidor saber que a coisa foi agredida, mas não conseguir retomá-la. Ou seja, a posse se mantém contra a sua vontade, diferentemente da posse clandestina, que é desconhecida por ele. Quando o proprietário tem a coisa esbulhada, é natural que queira recuperá-la. Quando a posse não se ressente de violência, diz-se ela mansa, pacífica ou tranquila, que é requisito para a usucapião. Veja-se, portanto, que pode haver posse violenta sem violência física. Se alguém, pacificamente, invade uma fazenda e nela se põe a morar e criar gado, vindo o dono a sabê-lo e ingressando com ação possessória, já se terá posse violenta.
É erro, assim, sempre associar a posse violenta à prática de agressão física contra o proprietário. O que caracteriza a violência é o fato de a posse ser mantida contra a vontade da pessoa esbulhada. Alguns anos depois, resolve fazê-lo e é surpreendido por posseiros que ali estão há muitos anos e querem usucapião. Será essa posse clandestina? Responde-se negativamente. Não ter o proprietário sabido da invasão é fato diferente de não ter se interessado por saber das condições em que estava a coisa. Ignorar por não ser possível conhecer é diferente de ignorar por não ter querido conhecer. Haverá usucapião, portanto. Não assim a posse precária, que, ao contrário daquelas, não convalesce. Como adverte Sílvio Rodrigues (2003, p.
a precariedade jamais cessa. Daí a não inclusão da posse precária na segunda parte do art. do Código, que reputa adquirida a posse somente quando cessarem a violência ou a clandestinidade. O código civil acaba por afastar qualquer viabilidade da ocorrência da convalidação da posse precária, levando em conta que o abuso de confiança em restituir coisa alheia é um ato imoral, pejorativo, não aceitável pela sociedade. Contudo, há a possibilidade da convalidação no momento em que uma mudança de comportamento do indivíduo que detém a coisa, fazendo com que ele adquira a posse justa pela conversão da posse injusta. Farias e Rosenvald (2019, p. xx), expressamente aduzem que “não há transmutação de posse injusta em justa, o que há, doutrinariamente é a incidência de duas situações da mutação da causa possessionis, quais sejam: fato de natureza jurídica e fato de natureza material”.
O fato de natureza jurídica se dá em razão do vício de origem possibilitando ao detentor da coisa viciada alterar o caráter da posse, de maneira que inicialmente injusta redireciona para justa em razão da concordância do que fora usurpado, ou seja, inicialmente a posse que era injusta pela precariedade se reveste de justiça por intermédio de ligação jurídica, pelo consenso bilateral. A orientação contemporânea é conferir função social à posse, nessa perspectiva, vê-se que não faz sentido, restringir de usucapião o possuidor que conserva sob sua autoridade e poderio, sem embargos e por determinado lapso temporal, em detrimento do proprietário que abandona o bem imóvel, conferindo destino econômico. É plausível compreender que o direito de propriedade assuma uma função social sendo um dever jurídico atuando em benefício coletivo, sobressaindo sobre o interesse comum.
Ou seja, a Constituição Federal quando expressa a função social da propriedade insere juntamente a isso ônus impulsionando o proprietário submeter o seu bem às finalidades comuns. A controvérsia da questão reside na modificação do caráter possessório, a partir de um desleixo progressivo em surgimento de um novo animus, uma vez que não há definição do lapso temporal, requisito imprescindível que leva a usucapião. Por consequente, os fatos objetivos caracterizam o alcance do animus domini, marcando o lapso temporal. Então, porque não dar um tratamento igual alavancando o princípio da isonomia, afastando o vício da precariedade pelo fato de em algum momento já ter mantido relação jurídica com o proprietário. Nessa mesma consideração, Farias e Rosenvald (2019, p.
xx) reforçam que: [. interpretar ao art. do Código Civil em sua literalidade sem a prevalência axiológica constitucional importa preservar um caráter absoluto à propriedade que não mais existe no sistema civil-constitucional. No momento em que o código é silente quanto à precariedade, indaga-se: essa atitude foi um mero deslize de esquecimento ou foi um silêncio eloquente do legislador? Para os que defendem que foi um silêncio intencional, a convalidação da posse precária é perfeitamente aceitável, pois no Direito brasileiro o que não é proibido, a princípio, é permitido. Por outro lado, os que defendem que foi um mero deslize do legislador nada mais justo e aceitável a convalidação da posse precária, acompanhando os argumentos da violência e clandestinidade, contudo surge nesse momento uma dificuldade na interpretação: qual o momento em que cessa a precariedade fazendo surgir um decurso de tempo para a possibilidade da usucapião? Noutro sentido, com o fundamento constitucional da função social da propriedade, enaltecendo o princípio da ordem econômica e direito fundamental, uma propriedade sem função social importa a não proteção pelo direito, revertendo em terra ocupável mediante posse e desdobrando na usucapião.
Se o indivíduo que teve sua posse violada e clandestina não a defendeu em tempo hábil, perde a proteção possessória e até mesmo a propriedade, porque o Direito não protege os que dormem ou, no latim, ius non sucurritdormientibus. Por esse ponto de vista, é perceptível a valorização da dignidade da pessoa humana e os valores sociais e concretização dos princípios constitucionais e da filtragem hermenêutica pelo operador do direito e pelo poder judiciário. Desse modo, verifica uma incerteza qual interpretação aplicar no caso concreto da convalidação da posse precária em bens imóveis, é juridicamente aceito ou não? A colisão de princípios válidos tem lugar para além da dimensão da validade, a dimensão do peso, contudo o conflito de regra resolve-se na dimensão da validade.
Vale lembrar que a posse violenta só decorre no início de sua aquisição. Assim, para uma posse que se iniciou sem vícios, não há de se falar em transmudação de caráter, se tornando injusta pela violência. Exemplificando: no momento em que o possuidor legítimo contrapõe a uma violência a posse legítima não a converterá em ilegítima. A conduta do legítimo proprietário é válida e tutelada legalmente na ocasião de atuação moderada. No entanto, a clandestinidade se evidencia nos atos ocultos, quer dizer sorrateiramente. Assim, por exemplo, o locatário aduz, desde que adquira a propriedade a um non dominus, ou que tenha repelido o proprietário, deixando de pagar-lhe os aluguéis e fazendo-lhe sentir inequivocamente a sua pretensão dominial, é fora de dúvida que passou a possuir como dono (GONÇALVES, 2017).
Nessa mesma consideração, Gonçalves (2017, p. reforça que “a modificação do caráter da posse não deriva da mudança de intenção do possuidor, mas da inversão do título, por um fundamento jurídico, quer parta de terceiro, quer decorra da modificação essencial do direito”. Já para Farias e Rosenvald (2018, p. “a dificuldade que surge se apresenta na caracterização da mudança do título da posse, quando esta decorre de uma negligência gradual e também de paulatina assunção de um novo animus, na medida em que não há um marco temporal do domínio”. As distinções no chamado convalescimento da posse precária e a transmudação da posse são visíveis: essa se refere à mudança do caráter de estado da posse, enquanto aquela funda-se no princípio da função social da propriedade.
Na doutrina predomina o entendimento de que o vício da precariedade não se convalesce. Porém, doutrinadores contemporâneos vêm exteriorizando fundamentos diversos. No entanto, é visível que a quebra da confiança é um vício grave repugnado e, devido a isso, ampara a doutrina ancestral. Diante do decurso de tempo ilimitado e da manifestação de atitudes que demonstram a modificação de animus, manifesta é a convalidação Assim que finda a violência, o possuidor indireto ciente do vício não mais resiste, há a transmudação da posse. Isso porque, como acima dito, enquanto persistirem os atos violentos e clandestinos, nem posse haverá, mas mera detenção (LOUREIRO, 2007, p. A seu turno, Tartuce (2017) entende que a análise da cessação dos vícios e possibilidade de convalidação ou não deve ser feita à luz da função social da posse, diante de cada caso.
Após apresentar esses suportes, vê-se que somente há convalescimento da posse para os que adotarem a linha do segundo entendimento, posto que para o primeiro e para o terceiro não existe convalescimento, já que aquele entende que o vício nunca existiu, e esse entende que não se transfigura, mantendo o vício que a originou. Jurisprudência e Julgados No sistema jurídico, a consistência, a estabilidade e a segurança jurídica provêm do fato de que os juízes devem observar os casos precedentes e tratar casos semelhantes que surgem de forma análoga. O legislador não pode prever todas as hipóteses de incidência da norma, não é possível prever todos os comportamentos humanos. Nesse sentido, quando da aplicação da hermenêutica verifica-se que a posse precária também autoriza a aquisição da posse, pois o legislador não a proibiu e assim permitido é.
A insegurança gira em torno de quando se inicia o prazo do lapso temporal para ensejar a usucapião, contudo, doutrinariamente, já há argumentos que esse prazo inicia a partir da substituição do animus do possuidor direito e da inércia do indireto. Por fim, não se pode esquecer que a aplicação fria da lei não é, e nem será, a resposta mais justa para todos os casos. Adquirida toda essa bagagem teórica, segue precedentes que ajudam a ilustrar o disposto acima no sentido da recusa da convalidação da posse precária: Usucapião extraordinária. Posse iniciada pelos pais do marido falecido da requerente e avós dos outros dois requerentes. Inventário. Pretensão de realização da partilha de quadro, criado por pintor renomado internacionalmente, após várias décadas da abertura da sucessão.
Extinção do processo com acolhimento da alegação de prescrição. Inadmissibilidade. Herdeiros que sustentam que o quadro teria sido confiado a co-herdeiro, filho de outro herdeiro já falecido, para fins de avaliação, havendo abuso da posse. TJSP; Apelação Cível 1019783-36. Relator (a): Enéas Costa Garcia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 3ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 11/09/2018; Data de Registro: 11/09/2018). Reintegração de posse – Sentença de procedência - Recurso do réu - Insurgência – Impossibilidade – Alegação de que não houve a comprovação do comodato, sendo o imóvel abandonado, fazendo jus a usucapião – Autora que adquiriu o imóvel por herança, assumindo a condição de proprietária e possuidora (CC, arts.
e 1. – Prova testemunhal que confirma que antes residiam no imóvel avós e após os tios do réu, sendo transmitida a posse ao réu por mera permissão - Alegação de usucapião – Atos de mera permissão ou tolerância que não induzem a usucapião, por caracterizar a posse precária, insuscetível de convalidação pelo decurso do tempo (CC, art. Não constituem posse porque lhes falta o animus domini. Os atos de mera permissão ou tolerância [. A precariedade, como é sabido, ocorre quando o detentor mantém a coisa em seu poder enquanto aprouver ao senhorio, revelando-se sempre quando os atos que constituem o exercício de alguns dos direitos inerentes ao domínio se exercitam por mera permissão ou tolerância do proprietário (SANTOS, 1934, p.
No entanto, embora as decisões neste sentido não sejam a regra, o STJ, ainda que timidamente, tem reconhecido a posse precária em alguns de seus julgados conforme se demonstra a seguir: Apelação Cível - Ação de reintegração de posse – Sentença que julga extinta a demanda, sem resolução do mérito, ausência de condição da ação – autor que nunca exerceu a posse do imóvel – Ação possessória não é o meio cabível - Confusão entre posse e propriedade – Erro grosseiro - Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade – Falta de interesse de agir configurado – Manutenção da sentença. Recurso desprovido (TJPR - 18ª C. Recusa que configura posse injusta, pelo vício de precariedade. Como notório, a ação de reintegração de posse é o remédio processual adequado para restituir a posse àquele que a tenha perdido, em razão de um esbulho praticado.
O pressuposto para ajuizamento da demanda é que o possuidor tenha sido privado indevidamente de seu poder fático sobre a coisa, sendo de rigor demonstrar a atualidade da posse, ao tempo do esbulho, exercida pelo demandante. No caso sub judice, embora os autores, ora apelantes, detivessem a posse direta do imóvel, certo é que tal posse era exercida precariamente, pois estavam cientes de que o terreno era de propriedade de terceiros. Com a transferência da propriedade do imóvel e a notificação dos então possuidores para desocupação, a posse direta tornou-se injusta. Revisão deste entendimento. Impossibilidade. Incidência da súmula nº 7/STJ. Agravo conhecido para não conhecer do Recurso Especial. A agravante informou os fundamentos da decisão agravada. Mas, apenas o transcurso do prazo não é o bastante para a caracterização da posse ad usucapionem.
Era mister, ainda, que a posse exercida não fosse contestada, aliada ao animus domini. Na hipótese, a posse respectiva sofreu contestações, por força de ações de notificações formuladas pelo titular de domínio. Demais disso, como bem colocado na sentença, ‘[. não é possível aplicar o parágrafo único do art. Daí porque, não prospera o inconformismo” (e-STJ Fls. gn). Assim, elidir as conclusões do aresto impugnado demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 07/STJ. Ante o exposto, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial (STJ - AREsp: 1203359 SP 2017/0291206-3, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 10/10/2018) Assim, em concordância com os posicionamentos expostos na jurisprudência citada concordante com a convalidação da posse precária, Santos (1934) corrobora com a ideia aqui defendida que é: diante de um lapso temporal desmedido e da exteriorização de atos que evidenciem a alteração do animus, mostra-se perfeitamente justificável a convalidação.
Por fim, com vistas a reforçar o entendimento da autora desta monografia sobre o tema, faz-se oportuno para finalizar este capítulo destacar a contribuição do Ministro Cezar Peluso: No que se refere à posse precária, é ela imprestável para usucapião não por ser injusta, mas por faltar ao possuidor animus domini, já que reconhece a supremacia do direito de terceiro sobre a coisa. REFERÊNCIAS RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.
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