Arte e filosofia
Tipo de documento:Monografia
Área de estudo:Filosofia
Cada um, como se verá mais à frente, dará maior ou menor importância, mas todos se detêm sobre o tema. Heidegger (1959), de quem Vergílio Ferreira foi contemporâneo, elevou a arte a um patamar especial ao considerá-la como forma de revelação da verdade, afirmando que “a obra de arte é a essência da verdade”. Vergílio Ferreira teve grande influência, em suas obras, sobretudo, de dois existencialistas, Jean Paul Sartre e André Malraux. E, em “Do Mundo Original”, obra na qual nos deteremos mais neste trabalho, é possível distinguir a sua fase mais voltada às questões filosóficas onde o existencialismo se faz mais presente. A cada capítulo o autor vai fundamentando suas ideias e apontando reflexões. E, por fim, o autor nos brinda com sua reflexão sobre as doutrinas políticas ou religiosas em relação ao artista e a importância da independência deste para que cheguemos a uma obra de arte autêntica, pura, livre, espontânea.
É esta arte que coloca o homem em face do seu destino. VERGÍLIO FERREIRA E SUA OBRA Vergílio Ferreira nasceu em 28 de janeiro de 1916, na pequena cidade de Melo, em Portugal e morreu em 1º de março de 1996, em Lisboa. Aos 12 anos foi para o seminário onde viveu por seis anos, experiência que descreve em ‘Manhã Submersa’. Formou-se em Filologia clássica na Faculdade de Letras de Coimbra. A ARTE NÃO É UM REFÚGIO Para começar a falar da obra de Vergílio Ferreira, far-se-á aqui uma referência a outro grande pensador que também tinha um grande apreço pela arte. Nietzsche escreveu O nascimento da tragédia em 1872 e, quatorze anos depois, acrescentou um prefácio ao qual denominou “Ensaio de autocrítica”.
Em sua revisão à primeira edição: “revela ter ousado pensar a arte na perspectiva da vida. A questão metafísica – “que é a arte?” – coincide com a questão existencial – “qual o sentido da vida?” (Nietzsche, 1886). O filósofo entendeu que a vida só se justificaria como fenômeno estético. Mas, é no sentir que está a essência da arte. Assim como Kierkegaard, aceita a arte como criação do sujeito único e irrepetível. Se, de um lado a Filosofia representa a claridade mental, do outro, a arte está próxima do mundo original, do visível emocional. “a arte é a comunhão do homem com o mundo original da vida” (Ibid, p, 223). O autor critica o que chama de ‘rigorismo mental’ do século XVIII que aprisiona ou esconde ao tentar definir e explicar o mistério.
Longe da vivência profunda, a arte não será original. Se numa ortodoxia não pode haver hoje uma grande obra de arte, é precisamente porque a arte é para o ortodoxo um conjunto de valores indiferente, de coisas. Pela mesma razão é que é possível ao mesmo ortodoxo ser um grande erudito, como o podemos imaginar até mesmo um criador de ‘ideias’. Mas jamais um grande artista – como aliás, a realidade histórica largamente confirma (Ibid, p. Vergílio aceita que, “sob certo aspecto, a Arte é um Absoluto” (Ibid, p. Mas desfeito o encontro o que nos fica é as telas e as tintas, mesmo as linhas e as cores, mesmo o acerto irrecusável do que as harmonizou (Ibid, p. Na compreensão de Dimas (2016) “aquilo que mais profundamente importa não se demonstra e de que a filosofia e a arte são irmãs gêmeas”.
A filosofia, na sua missão de sondar e questionar para poder explicar, precisa unir-se ao mais profundo do sentimento, “uma razão que contém forças que não são racionais”, como dirá Vergílio, são forças mistéricas. O autor consegue traduzir uma angústia humana que vem de sempre, do buscar explicação para o que considera mistério, que está no sagrado, que sabe-se estar ali mas não se vê e, que se revelado perde a força mistérica, portanto queremos saber mas ao mesmo tempo temos medo de desvendar. “O maior mistério está em nós e conhecê-lo seria destruí-lo” (Dimas, 2016). O espírito absoluto pode ser denominado, segundo Hegel, como a identidade eternamente em si, Uma vez que ele conhece por si mesmo.
Além disso, a substância infinita é una e universal, não enquanto particular e finita, sendo dividida por meio do juízo em si mesma, em um saber para o qual ela exista como tal. Quanto à religião, esta pode ser designada como algo que se parte do sujeito pertencente a ele o espírito absoluto, isto é, a subjetividade. Ferreira, 1957, p. Vergílio afirma que o absoluto final de Hegel é um limite ideal, mas inatingível: “mas, justamente a Arte tem a dimensão de uma presença e não bem de um conhecer, embora lhe seja implícito”. Ibid, p. O que há de específico na Arte não é o ser um ‘mistério’, mas sim uma sua via de acesso – decerto hoje a única, e sob certo aspecto sempre a única: por um lado, toda a vivência emotiva comparticipa do que há de específico na criação artística; por outro, se uma fé deu ao homem um acesso ao sagrado, essa mesma certeza da fé tendia de algum modo a tornar positivo, a materializar, a reduzir a objeto todo o mundo do divino; e a ‘religião’, naturalmente, confirmou-o: não basta nomear seja o que for, para que de algum modo vençamos, reduzamos ao nosso limite esse seja o que for? (Ibid, pp.
Vergílio sustenta o conceito de que o mistério e o sagrado, quando transmitidos ou revelados pela arte, assume um sentido mais original e menos contaminado como ocorre com a religião: “na medida que um Deus existe ele deixa de ser divino [. ” (Ibid, p. Não se pode definir, limitar ou enclausurar o sagrado em uma forma de ‘esclarecimento’: “o mistério raia a toda a comoção de raízes, à angústia como à alegria – e tanto mais categórico ou denso, quanto mais profunda vai essa alegria ou angústia, aos quais, aliás, nos limites do sangue, tendem a identificar-se”, assim contribui Jeanne Delhomme, para quem: “a arte não explica [. Ele fala na sensibilidade que suscita e provoca, extraindo do homem a verdadeira essência do que se sabe por que se sente.
Isto vale também para a liberdade, se não sinto que sou livre, de que me vale saber que o sou. Isto é, eu posso sentir-me livre e independente nos meus atos. Kant, prossegue Vergílio, entendeu este dilema, afirmando que se assim o fosse: “um conhecimento assaz profundo de modo a serem-nos conhecidos os seus móbeis como as circunstâncias exteriores que agem sobre eles [. poderia-se calcular-se os comportamentos futuros com muita certeza [. Este pensamento insere-se na figura traçada por Vergílio de que o homem é ‘anjo’ e ‘besta’. A besta é mais real nele, enquanto o anjo seria aquela projeção que não se realizará. E, nesta procura: “[. tal é o seu perpétuo existir ou o seu ser em tensão de transcendência” (Coutinho, 2007, p. É como se houvesse um bloqueio impedindo o homem de ir além de si mesmo.
Nesta esteira Hegel (1807), sobre a arte, afirmou: “a obra de arte é um constante convite à reflexão, ela nos interroga incessantemente, intima ao pensamento”. A INTEMPORALIDADE DA ARTE “A obra de arte tem sobre todas as formas de vivência uma característica específica que é a recriação dessa vivência para exprimi-la” (Ferreira, 1957, p. Vergílio não é favorável ao termo ‘jogo’ muito utilizado até então para tratar do tema da arte ou estética. Ele propõe a troca de ‘jogo’ por ‘forma’: “a teoria da forma é imensamente mais fértil, porque, para além do mais, acrescenta à equivoca ideia do ‘jogo’ precisamente a de uma certa necessidade. As formas não são caprichosas, mas incluem em si mesmas uma lógica de desenvolvimento de algum modo irredutível” (Ibid, p.
Ticiano não "reproduzia" espetáculos imaginários: arrancava Vênus à noite de Cadore. Vergílio Ferreira, de sua parte, sustenta que há um estilo em cada artista que chama de ‘santo e senha’, que poderíamos também traduzir por ‘marca’, aquilo que o torna conhecido e reconhecido por todos. Mas, enfatiza que “não se fala em obra de arte em função fundamental do que a manifesta, como não se fala de amor em função dos gestos que o transmitem. ” (Ferreira, 1957, p. Mas, os gestos são menos importantes que a qualidade manifestada pela obra. Vergílio assim concluirá com sua tese do que é preciso para o que chama de perfeita realização do nosso destino enquanto homens: “é a profunda união conosco próprios. E essa é a razão por que vemos na Arte o sinal mais fulgurante, a evidência primeira desse sonho” (Ferreira, 1957, p.
Esse caráter da arte que, através de suas formas, consegue revelar-se em diversos setores e, na atividade espiritual, leva o homem a uma profunda comunhão: “do homem que cria ou recebe”, e se vê no absoluto: O mundo original é, pois, não fechadamente o das realizações artísticas, mas antes a sua dimensão: uma obra de arte é o sinal sensível desse mundo, o meio privilegiado de a ele aceder, o eco, entre o mundo das coisas, da voz inicial da vida (Ibid, p. Neste sentido, Vergílio atribui à arte a condição de fazer com que o homem, em suas angústias diante dos dilemas e limites entre vida e morte ou liberdade e necessidade, entre outros, pelo mundo da emoção, experimente, de dentro para fora, a sua presença no mundo.
Em síntese, seria a “comunhão do homem com o absoluto vital de si, por via das suas realizações sensíveis (Ibid, p. Ele difere a arte religiosa da obra de arte cujo artista recebe a inspiração religiosa. Percebe aí a necessidade que tem o artista de se libertar de deuses e ritos que influenciam sua obra privando-lhe da liberdade criativa, espontaneidade e criatividade. A negação, no entanto a uma doutrina, não significa, necessariamente, a separação da mesma. “Não é por acaso que certos escritores, que negaram determinado credo, criam parte ou toda sua obra na órbita desse credo: condenando-o, afirmam-no, afirmam a sua presença” (Ibid, p. O que seria, como afirma Vergílio, dizer que o ato de liberdade que a arte implica é um pequeno triunfo sobre a morte? O autor retoma André Malraux que menciona o espírito nietzschiano que, em ‘Origem da Tragédia’, reconhece que a tragédia grega, mesmo sendo um rastro das fatalidades orientais, liberta-se delas: “vence o destino, pelo fato de o converter em matéria de arte” (Ibid, p.
Ele, assim como outros pensadores: Malraux ou Camus, considera um equívoco tal pensamento: Decerto, é na tragédia que a libertação mais pode pôr-se em evidência, pela razão de que é aí que se afirma o peso da fatalidade. Mas enquanto arte, o cósmico, por exemplo, separa-nos muito mais da vida, liberta-nos muito mais eficazmente”, (Ibid, P. E, diante desta problemática, Vergílio diz: “a arte não se separa da vida, retoma-a através de outros sinais, redescobre-se na sua essencialidade” (Ibid, p. Há, para ele, dois tipos de espectadores o medíocre e o mais elevado que, diante de uma obra de arte, têm reações diferentes, mas há algo que os une, que seria o ligar a arte à vida. “Sim, a arte liberta porque possui: recriar é violentar, submeter” (Ibid, p.
Nietzsche, Heidegger, Kierkegaard, Malraux, Sartre, são citados com frequência em sua obra como um todo, pois cada um, a seu modo e concepções, adotou a Arte como objeto especial de seus estudos. Vergílio, de sua parte, concordando com uns e discordando de outros, sintetizou e consolidou seu pensamento, de modo a tornar-se um dos pensadores mais influentes da atualidade e da literatura portuguesa. A Arte, segundo o autor, “tem a capacidade de elevar o homem ao ilimitado de si mesmo”, entendendo que a ‘vibração do sagrado’ é uma ‘vibração artística’, essência da religião. Esta sensação é também vivenciada pelo ateu que, não necessariamente reconhece o Deus de determinada religião. E, em Vergílio, pode-se dizer que a Arte é uma forma de substituir a religião.
Do Mundo Original. Lisboa, Quetzal, 1957 FERREIRA, Vergílio. Espaço do Indizível. Lisboa, Arcádia, 1965 FERREIRA, Vergílio. Invocação ao Meu Corpo. Fenomenologia do Espírito. Original, 1807. Edição no Brasil, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2003 HENRY, Michel. L’Essence de la manifestacion (A essência da manifestação). Paris, PUF, 2003 HUSSERL, E.
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