O porquê do voto obrigatório na democracia brasileira
Tipo de documento:Monografia
Área de estudo:Direito
José Ivaldo de Brito Ferreira. Paulo Afonso - BA 2019 Dedico este trabalho ao meu avô, Antônio José de Oliveira (in memoriam). Um bravo sertanejo, que apesar de ser analfabeto, tinha plena consciência do valor do voto como meio de exercício da cidadania; e o fez até seus mais de 80 anos. AGRADECIMENTOS À minha família, em especial a minha mãe que é parte essencial deste momento. Agradeço aos amigos, não vou nomear para não correr o risco de esquecer algum. Trata-se, aqui, da valorização do voto de qualidade. Além do mais é uma forma de resgatar a democracia, na qual o povo é livre para manifestar ou não sua vontade. Palavras-chave: Democracia. Sufrágio. Obrigatoriedade. Obligatoriness SUMÁRIO INTRODUÇÃO 7 1 DEMOCRACIA E LIBERDADES POLÍTICAS 9 1.
A importância da Democracia para as Liberdades Políticas 9 1. Posicionamentos contrários à Democracia 13 1. Oportunidades abarcadas pelo Regime Democrático 15 1. As teorias contemporâneas da Democracia 16 1. A atual Constituição Federal preservou o voto obrigatório que teve início com o Código Eleitoral de 1932. A facultatividade dos votos foi intensamente debatida durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e prevaleceu a ideia de que, sobre este aspecto, é o Estado quem deve tutelar a consciência das pessoas, impondo sua vontade em detrimento da vontade do cidadão até mesmo para coagi-lo a exercitar sua cidadania, mesmo estando consagrado na Constituição Federal, a soberania e a supremacia do povo brasileiro sobre o Estado, tendo em vista que é do povo que todo o poder emana e apenas o Povo é soberano.
O sufrágio significa a participação do indivíduo na vida do Estado, demonstrando não só o seu interesse pelos destinos da sociedade política a que pertence, como também a concretização do direito de se fazer ouvir, de influir no governo, de emitir opinião sobre assuntos que lhe concernem diretamente. Aceitando, como o único razoável, o princípio de que o poder político reside no povo ou na nação, o sufrágio é uma consequência lógica, e é o meio necessário para que este poder manifeste-se na organização e na direção do Estado. No entanto, cabe nesse estudo responder ao seguinte questionamento: se o voto é um direito, é legítimo que em uma democracia o voto seja obrigatório? Assim, o presente artigo objetiva discutir a obrigatoriedade do voto em regimes democráticos.
A falta de uma ou outra resulta no óbice do Estado Democrático de Direito existir em toda a sua completude. Dito isto, analisa-se neste capítulo a importância da democracia para as liberdades políticas, apresentando os posicionamentos contrários à democracia, as oportunidades abarcadas pelo regime democrático, o significado da participação política, os princípios do governo representativo, as mudanças nas democracias partidárias e a atuação dos partidos no Estado Constitucional. A importância da Democracia para as Liberdades Políticas Jean-Jacques Rousseau, filósofo que se destacou na França1, foi um dos mais envolventes e enigmáticos do século XVIII com uma teoria extraordinariamente complexa a respeito da natureza humana e da sociedade, utilizando-se de teses pouco comuns à época, repletas de frases chocantes e paradoxais.
Afirmara, em certo momento, que preferia ser um homem de paradoxos a ser homem de preconceitos. Uma das grandes contradições entre as teses de Rousseau é o fato de que, na obra “Discurso sobre a desigualdade” parece defender um individualismo radical, ao fazer da sociedade a fonte de todos os males, mas na obra “Do contrato social” parece defender um coletivismo, à medida que promove a excelência da pátria e do interesse coletivo sobre o interesse individual. Por outro lado, para ele, a liberdade dos antigos, com objeção a Atenas, república mais célebre de todas e bem similar aos moldes modernos, consistia em exercer coletivamente a soberania, deliberando em praça pública sobre a guerra e a paz, tratado de aliança, votar as leis, pronunciar julgamentos, examinar contas e atos dos magistrados, condená-los ou absolvê-los.
Ao mesmo tempo, porém, os antigos chamavam também de liberdade a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo. Todas as ações privadas estão sujeitas à acirrada vigilância. Nada se concede à independência individual, nem mesmo as questões religiosas. Mesmo nas coisas mais supérfluas, a autoridade do corpo social interferia e obstava a vontade dos indivíduos. O desenvolvimento das civilizações, o crescimento do comércio e a comunicação entre os povos multiplicaram as formas de felicidade individual. Os modernos, contudo, deveriam ser mais apegados à sua independência particular do que os antigos, pois estes últimos, quando abriam mão de sua independência aos direitos políticos, abriam mão de menos para obter mais; já os modernos dão mais para obter muito menos.
Por não terem sido capazes de perceber estas diferenças, homens com boas intenções (como Rousseau) foram responsáveis por grandes males que assolaram a sociedade, apesar de seus objetivos terem sido nobres, pois estava sob o julgo de governos arbitrários, que tinham como móbil o aviltamento da espécie humana. Dentre as liberdades prezadas por uma sociedade livre, a liberdade econômica ocupa uma posição de destaque. A liberdade econômica, além de possuir um fim em si própria, fundamenta a liberdade pessoal, política e a liberdade civil. Os habitantes da região, extremamente pobres, entram na floresta a procura de mel. Os tigres, como já mencionado, são protegidos por lei, e os habitantes não recebem nenhuma proteção, acabando dessa forma, tendo um destino fatal, em razão do ataque desses animais.
Com isso acredita-se que o ideal seria priorizar a satisfação das necessidades financeiras mesmo que isso comprometa as liberdades políticas, e nesse sentido, muitos defendem que priorizar a democracia e as liberdades políticas é algo similar a um luxo ao qual os países subdesenvolvidos não podem se dar. Sen (2000) apresenta um questionamento repetido com frequência nesta linha de análise: o que deve vir primeiro – erradicar a pobreza e a miséria ou assegurar liberdades políticas e civis, as quais possuem pouca serventia para os pobres? Segundo o autor, esta linha de pensamento apresenta uma forma completamente infundada de compreender a magnitude das necessidades econômicas ou a força das liberdades políticas. Na verdade é preciso observar as conexões existentes entre liberdades políticas e a satisfação de necessidades econômicas, já que estas conexões além de serem instrumentais, são também construtivas.
Realmente, diversos líderes de países em desenvolvimento menosprezam os direitos e liberdades políticas, no entanto, não se pode estender esta realidade à população, o que é possível atestar, por exemplo, pela existência de diversos movimentos populares em países mais pobres a favor das liberdades políticas. c) Ressaltam que o destaque para as liberdades políticas e para a democracia é um valor inerente às culturas ocidentais, não se aplicando à cultura asiática, que direciona-se prioritariamente à ordem e à disciplina. Não raro tem-se feito menção aos valores asiáticos para enaltecer os governos autoritários na região, no entanto, isto não é feito por historiadores, mas sim pelas próprias autoridades. Sen (2000) explica que a extensão territorial asiática, o número de pessoas que habitam a região e a diversidade cultural dificultam que se façam generalizações e, quando são feitas, são bastante grosseiras e, portanto, não podem ser levadas em consideração.
Com esses argumentos Sen (2000) mostra que o acesso aos direitos básicos torna mais crível que as necessidades econômicas encontrem por parte dos governantes uma resposta satisfatória. Mesmo apresentando limitações, as liberdades políticas e os direitos civis têm sido frequentemente utilizados de forma eficaz e sua incontestável eficiência na prevenção de infortúnios econômicos não raro tem sido verificada. Quando a força política e econômica de um país vai bem a ausência desta função da democracia não é sentida com tanta intensidade, no entanto, quando os acontecimentos não correm tão bem, ela é vigorosamente almejada, ou seja, é o momento em que os incentivos políticos proporcionados pelo governo democrático adquirem maior valor prático.
Então, assim como é importante ressaltar a necessidade da democracia, também é fundamental proteger as circunstâncias que assegurem a extensão e o alcance do processo democrático. Por mais valor que a democracia tenha como uma importante fonte de oportunidades sociais existe a necessidade de avaliar os caminhos e as maneiras para fazê-la atingir seu pleno potencial. A realização da justiça social não depende apenas de formas institucionais, mas principalmente da prática efetiva. Isto motivou diversos estudos sobre a justiça e a liberdade, em referidos países, como os propostos por Amartya Sen em seu Desenvolvimento como liberdade. Por isso, Moraes (2005, p. escreveu: “[. o neoliberalismo é absolutamente incapaz de encaminhar a solução de problemas tão complexos como os do Brasil, cumprindo, por via de consequência, que a ‘falácia neoliberal’ seja esconjurada”.
Held (2009) tratou da autonomia democrática e da ideia de liberdade e igualdade entre as pessoas nas democracias, o que demonstra que, além da democracia liberal não ser adequada a países com grandes desigualdades sociais, a participação popular deve ser efetiva. É necessária a efetivação social das previsões constitucionais, transformando o simbolismo constitucional em direitos efetivos. Deve-se reformar o que for preciso, nos textos da Constituição e mesmo nos documentos legais, mas ciente de que as mudanças não são meramente formais. Necessita-se modificar as estruturas sociais e as relações de poder; caso contrário, as mudanças serão fundamentalmente retóricas, pois, [. a constitucionalização simbólica, embora relevante no jogo político, não segue, principalmente na estrutura excludente da sociedade brasileira, ‘lealdade das massas’, que pressuporia um Estado de bem-estar eficiente (NEVES, 2007, p.
A importância da constitucionalização simbólica se dá tal qual a teoria e a prática, isto é, assim como a teoria induz à realização prática para alcançar o objetivo proposto pela teoria, confirmando-a, a constitucionalização simbólica permite a existência de grupos sociais que lutam por efetivar os objetivos constitucionais, com muitas vitórias (NEVES, 2007). A política partidária requer discussões. Nesse sentido, os partidos políticos contribuem para a “política da coletividade”, favorecem a deliberação e prestam um serviço público primordial: [. o de selecionar, recrutar e capacitar candidatos para que exerçam cargos públicos, mobilizar os eleitores, participar e depois ganhar ou perder as eleições, assim como formar governos. Em um modelo ideal, os partidos agregam interesses, desenvolvem alternativas de política e, em geral, constituem o principal elo entre a cidadania e o governo (ZOVATTO, 2005, p.
Dentre os muitos papéis atribuídos aos partidos políticos destaca-se o de promover o que Walzer (2003) denominou de auto-respeito dos indivíduos, ideia que remete ao domínio de faculdades morais mencionadas por John Rawls (1981). Por óbvio não existe garantia de que, após estabelecida esta forma de manifestação, os cidadãos irão utilizá-la e engajar-se na luta política, mas este canal precisa ser assegurado, posto que, quando destituído do sentimento de capacidade de deliberar junto a seus pares, o cidadão destitui-se da noção de si próprio. Walzer (2003, p. citando George Bernard Shaw afirma que “o poder corrompe, mas a falta de poder corrompe completamente”. Isso pode ser verificado em uma democracia onde se reconhece a noção de poder em potencial como uma forma de saúde moral.
Walzer (2003) também afirma que cidadãos que não possuem auto-respeito desejam uma vingança tirânica. Para Leitão (1989, p. a democracia seria um mecanismo que institucionalizaria o conflito ou, mais que isto, obteria “a busca de uma verdade relativa, em meio ao pluralismo da sociedade de massas, um elemento legitimador da vida pública, uma forma de convivência em liberdade”. O fato é que o termo “democracia” quer seja incompreendida ou não, tem uma conotação fortemente positiva. Até mesmo regimes autocráticos querem ser chamados de democrático. Se existem ditaduras, usa-se do pretexto de querer restaurar o mais rápido possível “a verdadeira” democracia (BOBBIO, 2000). O fato é que, contemporaneamente para o exercício e concretização da democracia ocidental, de forma racional e ordenada, sobressai-se imprescindível a atuação do partido político, o qual, conforme Bonavides: [.
deixou de pertencer ao povo como massa numérica na anárquica e duvidosa expressão de seu voto direto e plebiscitário para pertencer ao povo-organização, o povo-massa, cuja vontade se enraíza e canaliza, pois, através dos condutos partidários (BONAVIDES, 2017, p. Com efeito, o que há é uma conexão entre democracia e partido político, que fica mais estreita à medida que cresce a participação popular no exercício do poder, com seus clamores de melhoria e reforma social. A democracia contemporânea, então, para se tornar obrigatória, imperiosa que se faça no molde representativo por meio de partido político. À análise sob o ponto de vista da política democrática partidária é inegável que se proceda ao exame da terminologia representação, na medida em que, como se pontuará, o partido funcionará como instrumento intermediário entre o cidadão e o Estado na dinâmica democrática moderna.
Leitão (1989, p. comenta que para Hobbes, “[. a concepção de representação se vincula fundamentalmente ao conceito de autoridade, ou seja, se alguém age em nome de outra pessoa, deve tê-lo feito por comissão ou licença daquele a quem pertence o direito”. Autorização e delegação de poder, seguindo a explicação de Lima Jr. p. O homem, inserido em uma sociedade e sentindo-se parte de um corpo, deve abandonar a vontade individual em prol da vontade geral, que será perfectibilizada por meio da Lei, a qual devido ao seu caráter geral e abstrato nasce de todos e a todos se destina. Na perspectiva rousseauniana, a soberania não reside mais no monarca, mas no povo, razão na qual não pode ser representada.
Os parlamentares não são os representantes do povo, mas comissários. Para corroborar, válido expor o raciocínio do autor em exame: A soberania não pode ser representada pela mesma razão que não pode ser alienada. Ela consiste essencialmente na vontade geral e a vontade não se representa. O que fica patente em Hobbes e Rousseau é a característica da representação imperativa, isto é, a autorização ou o mandato conferido ao indivíduo, ou a um grupo de indivíduos, o torna vinculado ao anseio da sociedade outorgante, ou à parcela dela, já que poucos eram os que detinham direitos. Naquele caso, o assunto prioritário consistia na defesa da propriedade e da proteção dos territórios da Nação. O problema maior, todavia, do modelo consistia em que acabava por privilegiar políticas locais em detrimento da vontade de toda a nação, restringindo o embate político entre os representantes em conflitos entre regiões, e assim desmerecendo uma visão macro, direcionada ao interesse de toda a nação.
Burke e o mandato virtual Outra teorização sobre representatividade política reside em O Federalista, o qual se trata de uma coletânea de artigos publicados nos principais jornais de Nova York entre 1787 e 1788 por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, criados para dar sustentação à ratificação do novo instrumento jurídico-institucional que uniria as treze ex-colônias britânicas. Nessa obra, procede-se a uma análise do sistema representativo, dentro do qual o governo representativo, de uma só vez, era capaz de proporcionar a inclusão do povo, no momento de constituir a soberania, como também a excluí-lo, na perspectiva coletiva do compartilhamento do governo. Indivíduos de temperamento faccioso, com preconceitos locais ou propósitos maldosos, poderão, pela intriga, pela corrupção ou por outros meios, inicialmente conseguir os votos, depois trair os interesses do povo (MADISON, 1984, p.
Quanto à segunda diferença (maioria em número de eleitores e de área de abrangência), Madison alerta que os efeitos tendem a tornar menos temidas as facções desonestas e sem méritos, o que impedirá revoltas, desunião da população e insegurança nas propriedades. Nesse parâmetro, convém assinalar que a feitura dos artigos do O Federalista deu-se em momento da discussão da união ou não dos estados confederados americanos; portanto, era necessário encontrar uma solução para manter a população unida, o que em uma democracia, isso seria difícil, dado a multiplicidade de interesses e vontades. Assim explica Madison: Quanto menor a sociedade, mais raros provavelmente serão os partidos e interesses distintos; quanto mais reduzido for o número destes, mais frequentemente se constituirá uma maioria do mesmo partido; e à medida que diminuir o número de indivíduos para compor a maioria e o campo dentro do qual ela deve agir, mais facilmente serão elaborados e executados seus planos de opressão.
Alargando esse campo, teremos uma variedade maior de partidos e interesses, tornando menos provável a constituição de uma maioria no conjunto, alegando um motivo comum, para usurpar os direitos de outros cidadãos; ou, se tal motivo existe, será mais difícil, para todos que o perceberem, mobilizar suas próprias forças e agir em uníssono. Visualiza-se no momento da eleição a valorização pelos interesses locais. Burke, então, busca comungar os interesses dos eleitores e do candidato. Sendo assim, deverá coexistir uma efetiva correspondência de sentimentos e interesses do representado. É nesse sentido que Burke discursa: Certamente, cavalheiros, a felicidade e a glória de um representante devem consistir em viver na mais estreita união, na mais íntima correspondência e numa comunicação irrestrita com seus eleitores.
Seus desejos devem ter para ele grande peso, sua opinião o máximo respeito e seus assuntos uma atenção incessante. O que se demonstra então é que o mandato imperativo, outrora propagado por Hobbes e Rousseau, não encontra ressonância na compreensão burkeana de representação política, e isso é constatado com nitidez quando Burke assevera que: Dar opinião é direito de todos os homens. A opinião dos eleitores é uma opinião de peso e respeito que um representante deve sempre se alegrar por ouvir e sempre examinar com a máxima atenção. Mas as instruções imperativas, os mandatos que o deputado está obrigado, de maneira cega e implícita, a obedecer, votar e defender, ainda que sejam contrárias às convicções mais claras de seu juízo e de sua consciência, são coisas totalmente desconhecidas nas leis do país e surgem de uma interpretação fundamentalmente equivocada de toda a ordem e respeito à nossa Constituição (BURKE, 2004, p.
O que se depreende em Burke é a ambiguidade do conceito de representação que tanto pode ser virtual quanto real. A primeira, “possui caráter de nacionalização ou de “comunhão” de interesses diversos, sem a necessidade de eleições”, já a “representação real vincularia somente através de eleições a relação entre representantes e representados” (BURKE, 2004, p. Sendo assim, Burke (2004) introduz a teoria do mandato representativo livre, ou de interesse voltado para uma realidade objetiva, impessoal e desvinculada de motivações particularistas ou locais, e não o faz sem propósitos; na verdade, seu pensamento é voltado ao interesse maior do Estado no que tange ao crescimento econômico, quando se entendia que precisava fortalecê-lo a partir do desenvolvimento mercantil e agrícola e concorrer com outras Nações.
Percebe-se a partir de “O Federalista” e de Edmund Burke a criação de uma teoria fortemente elitista e aristocrática, que almeja tornar representante aquele que detivesse maiores conhecimentos e que uma vez eleito poderia exercitar o mandato conforme o livre arbítrio, desde que suas atitudes conotassem o atendimento ao interesse da Nação, que não necessariamente serviria para combater as desigualdades sociais e econômicas. Todavia, tal modelo de representação não vinculada à vontade do eleitor veio a criar impasse. Descobriu-se que o órgão representativo atendia tão-somente a sua própria vontade, desprovido de qualquer vínculo com a vontade dos representados. O obstáculo constante e crescente em verificar a utilidade e a relevância, para os representados, das ações dos representantes foi lentamente constituindo-se no problema central do modelo de representação liberal, sobretudo quando ausentes mecanismos jurídicos de controle ou prestação de contas dos representantes aos seus eleitores.
Em Kelsen (2000), a democracia só poderá existir se tiver a finalidade de dirigir a vontade geral para os seus fins políticos, de tal forma que, entre o indivíduo e o Estado, se insiram aquelas formações coletivas que, como partidos políticos, sintetizem as vontades iguais de cada um dos indivíduos, e mais do que isso, ao agrupar os homens de mesma opinião, lhes garanta influência efetiva sobre a gestão dos negócios públicos. Mas, para isso ser possível, necessário se fazia que o partido político, dentre outros postulados, nascesse de um processo sociopolítico a agrupar pessoas identificadas entre si ideologicamente e com projeto definido de ação de governo – transformando o Povo em responsável pela fixação das diretrizes governamentais e erradicando as oligarquias elitistas –, combatesse vícios internos e buscasse, continuamente, construir e manter a estrutura interna de forma democrática, com as bases escolhendo seus dirigentes, e livres de corrupção.
É na perspectiva da importância e inevitabilidade dos partidos políticos para a democracia representativa partidária que Kelsen assinala que: Portanto, a democracia só poderá existir se os indivíduos se agruparem segundo suas afinidades políticas, com o fim de dirigir a vontade geral para os seus fins políticos, de tal forma que, entre o indivíduo e o Estado, se insiram aquelas formações coletivas que, como partidos políticos, sintetizem as vontades iguais de cada um dos indivíduos (KELSEN, 2000, p. A evolução verificada na representação política, na qual a agremiação recebe um papel fundamental de intermediador entre o eleitor representado e o eleito representante acabou por despedaçar a relação direta entre eleitores e eleitos, o que fez surgir duas relações distintas: a primeira entre eleitores e partidos, e a segunda entre partidos e eleitos.
Em face disso, segundo Bobbio (2000), tem-se a seguinte consequência: o eleitor é apenas autor e o eleito, ator, enquanto o partido é ator em relação ao eleitor, é autor, ao eleito. Para detalhá-las, serão utilizados como referencial teórico Cláudia Sousa Leitão (1989) e Marcello Baquero (2000). Para Leitão (1989), há uma crise de legitimidade na medida em que se percebe a falta de acesso aos principais grupos sociais ao sistema político. Somado a isso, tem-se que o ordenamento jurídico do Estado sofre contínuo ajuste como forma de se adequar a uma sociedade de mudanças e de tentar solucionar tensões sociais. Isto resulta em uma “nova concepção do Estado, que passa a ser vista tanto como uma organização complexa que deve atender aos mais variados segmentos sociais, quanto como um aparelho de dominação” (LEITÃO, 1989, p.
Outro ponto levantado consiste na sofisticada aparelhagem estatal, a desenvolver um sistema tecnocrático moldado em um exacerbado legalismo que em não poucas circunstâncias encontra-se defasado. Somado a isso, há outro fato que depõe em favor da situação de crise dos partidos: perfaz-se na influência negativa que ocorre por conta dos meios de comunicação, que não disponibilizam de mecanismos capazes de permitir a construção de coletividade orgânica, o que estaria a formar cidadãos acríticos. Válido seu entendimento: O impacto dos meios de comunicação, em vez de gerar cidadãos mais conscientes, parece estar consolidando um mercado de consumidores acríticos e altamente individualistas. Esse processo não está propiciando os mecanismos capazes de permitir a construção de coletividades orgânicas de caráter político, ligadas por concepções claras de alternativas políticas.
Há um processo de esvaziamento do debate político, transportando essas questões para âmbitos restritos (família, grupos de amigos). O esvaziamento dos partidos políticos pode ser considerado normal nessas circunstâncias (BAQUERO, 2000, p. Consequentemente, os cidadãos não se sentem representados e grande parte da população gostaria de abter-se de votar. No entanto, o voto no Brasil é obrigatório e mesmo ante à vontade de não votar, o cidadão precisa comparecer às urnas. Nesse sentido, muitos são os doutrinadores que criticam a obrigatoriedade do foto. O próximo capítulo detalhará os argumentos dos doutrinadores que são contrário à obrigatoriedade do voto, contrapondo-os à corrente que é favorável. OBRIGATORIEDADE DO VOTO A Constituição de 1988 estabelece os mecanismos de participação direta no artigo 1º, parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos da Constituição” (BRASIL, 1988, s.
Em sentido mais amplo, no entanto, transcende direito de eleger e de ser eleito, alcançando também o direito de participação direta na elaboração das decisões governamentais, seja por meio de plebiscito, referendo ou iniciativa popular. O sufrágio, então, é algo além do direito de voto, como percebe Fayt (2009), que ensina que seu conteúdo não se esgota com a designação dos representantes políticos, mas compreende ainda os processos de participação governamental, próprios das formas semidiretas de democracia, que consagram a intervenção do corpo de cidadãos na formulação das decisões políticas, jurídicas e administrativas do poder no Estado. Vê-se, pois, que sufrágio e voto não se confundem. Enquanto o sufrágio constitui-se em direito, o voto traduz-se em conduta.
O voto, portanto, é exercício do direito de sufrágio, o sufrágio sendo exercido. De acordo com a Constituição Federal, o voto é obrigatório para todos os brasileiros, natos ou naturalizados, a partir dos 18 anos (art. § 1º, I). A obrigatoriedade, porém, não se estende aos maiores de 16 e menores de 18 anos, assim como aos maiores de 70 anos e aos analfabetos de qualquer idade (art. § 1º, II), para quem o voto é facultativo, nem a estrangeiros e conscritos, para quem o direito de voto é negado (art. § 2º) (Alvim, 2016). As primeiras eleições que sucederam a instituição do voto facultartivo, teve abstenção de quase 60% (STRUCK, 2013). A reforma realizada no Chile foi de natureza constitucional e, portanto, exigiu um acordo político significativo. O dilema foi o seguinte: do retorno à democracia estava ocorrendo um envelhecimento progressivo do registro de eleitores, produto da baixa proporção de jovens que se registravam para votar.
Assim, à medida que a população aumentava ano a ano, a proporção de cidadãos participantes nas eleições começou a diminuir drasticamente. Embora as eleições presidenciais de 1989 e 2005 tenham sido assistidas por pouco mais de 7 milhões de eleitores, a proporção de pessoas com mais de 18 anos que participaram em 1989 foi de 87%, enquanto em 2005 atingiu 64%. Sua defesa baseia-se no conceito de “igualdade”, que, juntamente com o da “liberdade”, constituem os valores supremos nas democracias liberais modernas. O autor argumenta que as evidências empíricas mostram que, quando o voto é voluntário, aqueles que não votam em grande proporção pertencem aos estratos socioeconômicos mais baixos. Precisamente, aqueles que têm maiores dificuldades de associar para defender seus interesses. Por outro lado, os governantes tendem a prestar mais atenção aos grupos de pressão organizados.
Portanto, aqueles que na escala social encontram-se em um estrato mais baixo, seriam aqueles que estariam em piores condições para influenciar decisões políticas. Os defensores do voto obrigatório aduzem que: (a) o voto é uma função pública (poder-dever) reservada ao cidadão; (b) o exercício do voto é uma forma de educação política; e (c) o constrangimento pela obrigatoriedade é mínimo (ALVIM, 2016). Há quem defenda que o ato de votar constitui um dever, e não apenas um direito. A essência desse dever encontra-se na idéia da responsabilidade que cada cidadão possui para com os demais cidadãos quando da escolha de seus mandatários. Segundo Sampaio (1981): [. o voto tem, primordialmente, o caráter de uma função pública. O voto, nestes casos, segundo Silva (2012), é um forte instrumento a fim de que esses excluídos possam manifestar sua vontade política.
Por fim, Alvim (2016) sustenta que os principais países latino-americanos, em termos de população e riqueza, especialmente os países da América do Sul, adotam a obrigatoriedade do voto desde que passaram a adotar o voto direto, secreto e universal, o que no Brasil, se deu a partir de 1932, sem que isso tenha trazido nenhum problema nem à democracia e nem aos cidadãos brasileiros. Por outro lado, os defensores do voto facultativo sustentam que: (a) o sufrágio é um direito, fruto da plena liberdade dos cidadãos; (b) países que adotam o modelo não demonstram enfraquecimento da democracia; (c) o voto obrigatório carrega o risco do desinteresse, abrindo espaço para a corrupção da vontade eleitoral; (d) o número de votos nulos demonstra preferência pela facultatividade; e (e) o cenário nacional é desfavorável à obrigatoriedade, pois o voto tem sido exercido sem a devida consciência política (RODRIGUES; JORGE, 2014).
Um dos argumentos mais fortes favoráveis à facultatividade do voto é que os países mais desenvolvidos e que praticam a democracia representativa não obrigam seus cidadãos a votarem e isto não enfraquece nem um pouco suas democracias, muito menos prejudica o comparecimento dos eleitores no dia das eleições. Segundo Alvim (2016), não existem países politicamente amadurecidos que participem da denominada vanguarda da civilização ocidental, que imponham a seus cidadãos o voto obrigatório. votaram em branco; e 8. anularam seus votos, ou seja, dos eleitores que compareceram em seus colégios eleitorais para cumprir o dever do voto, quase 10% anularam o voto ou votaram em branco. Além disso, nestas mesmas eleições, houve 31. abstenções (Globo. com, 2018) no que tange ao voto para presidência da república.
Em Minas Gerais, de 12. eleitores, houve 476. votos brancos, 1. votos nulos e 3. abstenções (Globo. com, 2018). Por fim, na Bahia, de 8. eleitores, 314. votaram em branco, 1. votaram nulo, além das 2. Já os impactos para a sociedade são: menor incidência corruptiva; altas taxas de produtividade, não somente daquele que detém um maior nível de instrução, mas também de seus colegas de trabalho; crescimento e desenvolvimento econômico. Como bem lembra Paulo Freire (2013), analisando as dinâmicas relacionais de poder e alteridade, comum é que o oprimido carregue o opressor dentro de si, o que faz necessário um trabalho de conscientização quanto a essa insuspeita hospedagem, o qual possibilite àquele – oprimido – acessar sua autonomia em relação a quem sempre o manteve subjugado na posição de outro radical, contraponto necessário à afirmação de uma superioridade.
Mas, em se tratando de Brasil, esse trabalho de conscientização não pode restringir-se apenas ao âmbito das relações sociais e individuais, ganhando também contornos políticos e jurídicos ao objetivar a redução das diferenças que isolam as elites dos indivíduos e grupos que, historicamente preservados à margem do poder, confirmam a condição favorecida de minorias que concentram para si o monopólio das decisões e privilégios. De um modo geral, pode-se afirmar que o próprio Brasil ainda não se emancipou da condição de colônia, na medida em que a pauta política, econômica e mesmo a produção de conhecimento sempre se ajustam em função daquilo que pensam e do Brasil esperam os ditos países desenvolvidos, tendo por referência as verdades lá proclamadas.
Fato é que, de acordo com Faoro (2001), em grande medida, o brasileiro ainda se porta como colonizados diante daqueles países que, por qualquer razão, projetou como superiores, os colonizadores, portanto, cujos costumes e valores são pelo povo do Brasil, prontamente absorvidos e adotados como verdades perfeitas, padrões a serem seguidos sem necessidade de reflexão. Noutros termos, o caminho ainda é longo até que população possa, mais amplamente, alcançar o que Holston (2013) denomina cidadania insurgente, que implica na apropriação e uso subversivos do Direito, de modo que, assim, se torne instrumento de consolidação de conquistas – e não de favores – e, principalmente, instrumento de acesso à igualdade. Acredita-se que uma possibilidade para formar cidadãos seja o trabalho com matérias propedêuticas no ensino fundamental e médio.
Recorde-se que as escolas públicas, nas décadas de 80 e 90 tinham em sua grade curricular as disciplinas Organização Social e Política Brasileira – OSPB e educação Moral e Cívica, matérias estas que pouco a pouco foram excluídas do currículo dando espaço a disciplinas que visam formar para o mercado de trabalho e para tornar o aluno competitivo o bastante para conseguir uma vaga na universidade. A escola deixou de investir na formação de cidadãos para formar indivíduos aptos a competir por uma vaga na universidade ou no mercado de trabalho. Prioriza-se o vestibular e as provas do Enem. Mas há na doutrina uma discussão se votar é um direito ou um dever. Da forma como é exercido hoje, pode-se afirmar que o voto no Brasil é um dever porque direito é ofertado e o cidadão decide se quer ou não usufrui-lo, mas, no caso do voto, ele é obrigatório e isso implica em um dever.
Alguns pontos da cidadania no Brasil foram dados, e não conquistados (por movimentos e intervenções sociais) como deveria ser. Não houve luta para a aquisição de alguns direitos. O voto universal, por exemplo, foi instituído, não houve luta para a sua aquisição. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. ALVES, Ricardo Luiz. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2016. BAQUERO, M. A vulnerabilidade dos partidos políticos e a crise da Democracia na América Latina. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2017. BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, EDUSC: 2004. COHEN, Joshua. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. ed. São Paulo: Globo, 2001. FAYT, Carlos S. Acesso em: 20 jun.
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