ESTUPRO DE VULNERÁVEL E FALSAS MEMÓRIAS: os riscos das condenações injustas em razão da primazia à palavra da vítima
Tipo de documento:Monografia
Área de estudo:Direito
Dr. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso Orientador ______________________________________________________________ Prof. Dr. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX – UNEMAT ______________________________________________________________ Prof. Dr. ABSTRACT This monograph analyzes the consequences that a false accusation of the practice of rape of the vulnerable can generate to those involved in criminal proceedings, as well as alerting to the need for caution in the case of condemnation based only on the testimony of the child or adolescent allegedly victimized by sexual abuse. To this end, it addresses the evidence in the crime of rape of the vulnerable, discussing the search for real truth and the importance of the victim's word; explains the practice of parental alienation, the process of implementing false memories in the child and the evidence of parental alienation in cases involving rape of the vulnerable; and discusses the consequences of the false accusation of vulnerable rape for the victim of parental alienation, for the accused and for the alienating agent, as well as the risk of retrogression and return to the tariff evidence system.
The methodology used consisted of bibliographic research, operationalized in the reading, file and analysis of bibliographic and documentary material on the subject in question, notably scientific articles and monographs that deal with the theme, existing in the electronic search (internet) sites, laws, jurisprudence and doctrines allowing to conclude the need for caution, because, despite the Brazilian legal system having an adequate response to punish the reprehensible conduct of implanting false memories in children in order to remove them from the other consort, it is necessary to pay attention to the existing mechanisms to identify whether the the victim's testimony is true or not, since the practice has shown the unpreparedness of psychologists and psychiatrists to deal with this situation, which requires greater mobilization in order to prevent injustices from being committed.
Keywords: Rape of the vulnerable. False Memories. As consequências sociais e psicológicas ao menor, vítima de alienação parental 35 3. As consequências sociais e jurídicas ao acusado pelo crime de estupro de vulnerável 37 3. As consequências jurídicas ao agente alienador 39 3. Do sistema de provas tarifadas 41 CONCLUSÃO 46 REFERÊNCIAS 49 INTRODUÇÃO O estupro de vulnerável está descrito no artigo 217-A, o qual foi adicionado ao Código Penal por meio da Lei 12. sendo que a palavra da vítima nesse tipo de delito é suficiente para ensejar uma sentença condenatória, especialmente quando não existem outras provas no bojo probatório. Deste modo, se faz pertinente a presente pesquisa, pois a prova na condição de elemento de reconstrução dos fatos investigados requer notoriedade, sem exagero, mesmo delimitando à possibilidade de criminalizar por estupro de vulnerável baseado somente na declaração da vítima, uma vez que se destina a projetar o futuro do inocente, ou antagonicamente do transgressor.
A metodologia empregada consistiu na pesquisa bibliográfica, operacionalizada na leitura, fichamento e análise de material bibliográfico e documental sobre a temática em apreço, notadamente artigos científicos e monografias que versam sobre o tema, existentes nos sites de busca eletrônica (internet), obras de Direito e de Psicologia disponíveis em bibliotecas de faculdades e universidades. A análise do material coletado serviu para elencar elementos que possam auxiliar o magistrado na identificação da prática de alienação parental ao longo do processo criminal, a relacionar os modos usados e objetivos do alienante quando se presta a implantar falsas memórias de estupro no menor, bem como registrar as consequências jurídicas, sociais e psicológicas que afetam o acusado, o menor alienado e o agente alienador.
Para a consecução do objetivo geral proposto, esta pesquisa encontra-se dividida em três capítulos. O primeiro capítulo abordou as provas no crime de estupro de vulnerável, discutindo a busca pela verdade real e a importância da palavra da vítima. Desta forma, o estupro de vulnerável pode ser compreendido como o fato de o agente manter conjunção carnal ou incorrer na prática de qualquer outro ato libidinoso com indivíduos menores de 14 anos, estando prevista uma pena de reclusão que pode ir de 8 a 15 anos. Esta conduta deixou de ser uma mera modalidade do tipo penal comum de estupro, passando a assumir uma categoria de tipo penal com autonomia tipológica e de denominação, não mais se limitando a mudança a um simples deslocamento do espaço normativo, mas, sim, integrando ao sistema um novo tipo, uma nova infração penal, estupro de vulnerável.
A aludida presunção sempre foi defendida pela maioria doutrinária como sendo de natureza absoluta, pois, não existe dado mais objetivo do que a idade. Assim, nos dias de hoje, não é possível interpretar a vulnerabilidade com base nos mesmos critérios que subsidiaram a concepção da presunção absoluta, mas, sim com fundamento naqueles que priorizam a adoção da presunção relativa. Portanto, atualmente de acordo com a Lei nº 12. Segundo o entendimento doutrinário de Guilherme de Souza Nucci, é relevante demonstrar a diferença conceitual entre as classificações. Quanto à enfermidade ou deficiência mental: Quanto à enfermidade ou deficiência mental, pode-se sustentar o mesmo. Deve-se avaliar a falta de discernimento (caráter absoluto) ou o discernimento incompleto, mas existente (caráter relativo), aplicando-se, conforme a situação, o artigo 215 ou o artigo 217-A, § 1º.
Em outros termos, se a vulnerabilidade é absoluta ou relativa. Ademais, na lei anterior (artigo 224, b, Código Penal), mencionava-se unicamente ser a vítima “alienada ou débil mental”, sem lhe atribuir qualquer aspecto de discernimento, tal como se fosse presunção absoluta (NUCCI, 2019, p. De acordo com Nucci (2019, online): “o direito penal possui a função de atuar, no cenário jurídico, quando se chega à última opção (ultima ratio), vale dizer, nenhum outro ramo do direito conseguiu resolver determinado problema ou certa lesão a bem jurídico tutelado. ” Complementarmente, Ferreira et al. no seguinte trecho, demonstram, de maneira sucinta, o aspecto histórico do abuso sexual no ambiente familiar: Esse tema tem gerado polêmica, discussão e reflexão entre aqueles que buscam evidenciar suas causas, características e consequências, principalmente por ser um tipo de violências muitas vezes camuflada e imperceptível, uma vez que ocorre onde menos se esperaria – no próprio lar.
Além disso, o abuso sexual intrafamiliar é um fenômeno que acontece em escala mundial e sempre se fez presente na história da humanidade, atingindo todas as classe sociais. A história social da infância revela que, no Brasil, por exemplo, desde o período colonial, crianças não eram consideradas sujeitos de direitos, e, por isso, eram vítimas formas de violência (FERREIRA et al. Consoante explica Santos (2011), a lei nova revogou a ideia da presunção de violência nos crimes de natureza sexual, descritos no revogado art. do CP, nas hipóteses de crimes praticados contra menores de 14 anos, incapazes ou pessoas que por algum motivo não estavam em condições de oferecer resistência. Agora, ao invés de serem combinados dois dispositivos (art.
e art. a nova legislação estabeleceu um novo tipo que incrimina a prática do ato sexual com menor de 14 anos, incapaz ou com pessoa impossibilitada de resistir, sob o nomem iuris de “estupro de vulnerável”, tipificado no art. Acerca do ato libidinoso, segundo Jaime Ramos: [. é o ato voluptuoso, lascivo, que tem por finalidade satisfazer o prazer sexual, consumando-se por várias formas, como o coito anal, o tribadismo ou safismo (ato sexual lésbico aplaudido pela poetisa Safo), o coito interfemora (entre as pernas), o sexo oral, como a fellatio in ore e a irrumatio inore, a introdução de dedo ou objeto na vagina ou no ânus, a apalpação lasciva violenta nas partes pudendas, inclusive seios, o beijo voluptuoso com longa e intensa carga de libido, a masturbação e inúmeras outras maneiras libidinosas que a imaginação do casto não consegue apreender, mas não escapam ao devasso (RAMOS, 2012, s.
p). Já o estupro de vulnerável, antes da citada alteração, o delito de estupro quando a vítima era menor de 14 anos era tipificado no mesmo art. em seu § único. A busca da verdade real Sem dúvida, a prova é a alma do processo e é por ela que as partes tentam provar em Juízo a ocorrência de determinado fato, ou, excepcionalmente, o direito, quando invocado direito estadual ou municipal, consuetudinário ou estrangeiro. Enquanto a prova de um fato é direcionada à percepção do magistrado, com o objetivo de constituir sua convicção, a prova do direito é encaminhada à inteligência do Julgador, com o objetivo de que o direito correspondente seja aplicado (LIMA, 2016). A palavra “prova” tem origem no latim probatio, tendo por significado verificação, ensaio, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação, confirmação, e derivando do verbo probare, que significa provar, ensaiar, constatar, examinar, reconhecer pela experiência, aprovar, estar satisfeito com alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa e demonstrar (NUCCI, 1997).
Na preciosa lição de Gomes Filho: Na terminologia processual, o termo prova é empregado com variadas significações: indica, de forma mais ampla, o conjunto de atividades realizadas pelo Juiz e pelas partes na reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão; também pode aludir aos instrumentos pelos quais as informações sobre os fatos são introduzidas no processo (meios de prova); e, ainda, dá o nome ao resultado dessas atividades (GOMES FILHO, 1997, p. Verifica-se, pois, que as provas ajudam a esclarecer sobre os fatos que deram origem ao processo e ajudam o Juiz a formar seu convencimento. São, desta forma, exemplos de meios de prova: depoimentos, perícias, reconhecimentos e interrogatórios. A lei enumera os meios de prova que podem ser empregados no processo.
Porém, isso não implica que as hipóteses discriminadas pelo diploma legal seja taxativo, posto que o legislador não conseguiria pensar em todos os meios possíveis. Assim, todos os meios de prova estão aptos a demonstrar que algum fato ocorreu, desde que sejam legais e morais. Dito isto, passa-se à análise sobre a importância da palavra da vítima, tendo em vista ser um meio de prova que pode dar margens a julgamentos injustos e condenações indevidas, especialmente quando a vítima é criança. Por si só, a palavra da vítima não leva a uma sentença absolutória, devendo o magistrado considerar as demais provas colhidas, tendo em vista que nem a confissão de crime pode ser levada a efeito se não condizer com os demais elementos probatórios.
Ademais, frisa-se que este pode ser contaminado pela prática de alienação parental, realizada por um dos genitores. A respeito deste tema, Maria Berenice Dias aponta os motivos e formas que podem gerar uma falsa acusação de estupro, especialmente, de vulnerável: A criança é induzida a afastar-se de quem a ama e que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado. Na maioria dos casos, as vítimas foram submetidas a algumas intervenções terapêuticas, várias delas com elevado grau de sugestividade. Após intenso debate entre os pesquisadores que acreditavam que as memórias de abuso sexual padecidos na infância e recuperadas quando se chegava à idade adulta seriam falsas memórias, a exemplo de Loftus (2003), e aqueles que entendiam que parte dessas memórias seriam reais, foi organizado um grupo de trabalho supervisionado pela American Psychological Association (APA).
Habigzang et al. explicam que o relatório que resultou desse grupo de pesquisa apontou como consenso que: o abuso sexual é um evento complexo e intrusivo; a maioria das crianças abusadas sexualmente lembra-se total ou parcialmente dessa experiência; é possível que alguém se esqueça de informações referentes a um acontecimento por muito tempo e, posteriormente, volte a recordar; é possível a construção de pseudo-memórias para acontecimentos que na verdade nunca aconteceram. Neste mesmo relatório foi salientada que existem pontos de discordância e que poderiam ser alvo da realização de pesquisas posteriores: a natureza construtiva da memória; os mecanismos inerentes à lembrança retardada; a precisão das memórias com o passar do tempo; a importância dos estudos sobre os processos fundamentais do desenvolvimento da memória; a frequência com que são criadas as pseudo-memórias; e mecanismos para distinguir memórias verdadeiras de pseudo-memórias.
Especificamente no campo processual penal, independente da questão atinente aos recursos físicos e humanos, importa buscar por um procedimento formal específico à inquirição das vítimas de violência sexual2, que viabilize de fato a minimização dos danos decorrentes da vitimização secundária, advindos dos repetidos depoimentos frente ao sistema de justiça. Não há uma “única regra que trata de forma diferenciada a inquirição dos adultos, das crianças/adolescentes” (BITENCOURT, 2009, p. Disso, se percebe que a discussão em torno das garantias constitucionais defensivas detêm significativa parcela no impasse acerca do implemento de procedimento processual específico à tomada de depoimentos de vítimas vulneráveis. Em que pese o referido cenário, o Depoimento sem Dano consubstancia-se em um avanço prático.
Métodos semelhantes de inquirição já vinham sendo adotados em países europeus, tal como analisado detidamente na abordagem quanto à experiência de Bruxelas. posiciona-se frontalmente contrário à forma de inquirição projetada no Depoimento Especial, justificando seu posicionamento na existência de mitos e na desresponsabilização e sofisticação do poder, uma recusa democrática. A ideia de que a criança sempre diz a verdade por ser considerada um ser puro, sem desejo, e que seria incapaz de relatar tudo o que aconteceu, sem que seu inconsciente e suas fantasias atravessem o simbólico, ou seja, sem a “confusão dos registros”, são paradigmas equivocados. Além disso, há um discurso sancionador violento por parte de alguns diante de qualquer ato violento contra crianças e adolescentes, pronto a recriminar o adulto, considerado previamente culpado.
Segundo Rosa (2011), a violência sexual contra vítimas infanto-juvenis é interpretada de maneira setorizada pelo direito e por quem cuida da saúde mental. Isso pode favorecer a criação de falsas memórias de abusos ocorridos ou não ocorridos, bem como memórias distorcidas. Para tanto, explica quais condutas são praticadas pelo genitor alienante; aborda como esses atos podem ser geradores de falsas memórias nas crianças; por fim, discute os indícios da referida prática em um processo criminal, envolvendo a acusação de estupro de vulnerável. A prática de alienação parental O seio familiar influencia na formação da prole e, por conseguinte, o quanto a dissolução desse seio por si só já caracteriza um evento traumático, ainda que seja certo que essa ruptura possa se mostrar benéfica em certos aspectos e principalmente quando observado pelo enfoque do emocional de quem as compõem.
A nova estrutura familiar, baseada no afeto, e não mais como compromisso patrimonial, facilita essa dissolução, ao pressupor que seus componentes são unidos agora pelos laços da afetividade e não mais do compromisso patrimonial. Ocorre que, normalmente, o rompimento de um relacionamento conjugal extrapola os limites dos interesses pessoais dos cônjuges: atingem os filhos que, em reflexo, vivenciam a materialização dos efeitos desse rompimento, seja pela adequação da ausência da convivência com um dos cônjuges ou com a adaptação com a nova rotina de acordo com o modelo de guarda adotado ou até mesmo quando são transformados em instrumentos de vingança. Indubitavelmente, a exposição dos filhos aos problemas do ex–casal se avulta quando, mediante a manipulação por um dos genitores, tenta-se destruir a imagem do outro.
As primeiras pesquisas sobre a Alienação Parental surgiram em 1987 nos EUA e na Europa, em 2001. O Brasil foi um país pioneiro em positivar o instituto da alienação parental. Em muitos países, como a Itália, a alienação fica restrita a estudos acadêmicos e quando há questões judiciais, até porque falta de previsão expressa no ordenamento jurídico, não são realizadas tomando como base a alienação, trazendo, indubitavelmente, consequências drásticas na vida da criança que vivencia (MADALENO; MADALENO, 2013) Segundo Dias (2013), em 05. tivemos o primeiro simpósio que abordava o tema da alienação parental e depois de discussões acadêmicas, jurídicas e científicas que levaram o Brasil, em 2010, através da Lei 12. positivar o instituto.
A Lei nº 12. em seus arts. º e 5º, dispõe sobre a possibilidade do magistrado declarar a requerimento ou mesmo de ofício, a existência de indícios de atos de alienação parental, em qualquer momento processual, seja em ação autônoma ou incidentalmente, que tramitará com prioridade, sendo ouvido o Parquet para que as medidas necessárias sejam tomadas, a fim de evitar danos psicológicos ao menor, assegurar seu convívio com o genitor ou tornar possível que estes se reaproximem, se for o caso. Surge, assim, uma alternativa ao juiz criminal, que poderá valer-se desta medida judicial antes de proferir uma sentença, podendo, inclusive, determinar que seja realizada perícia psicológica ou biopsicossocial por equipe multidisciplinar, composta por assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras, naquele incidente ou ação autônoma, que constatará, ou não, atos de alienação parental que tornaram viável uma acusação que versa sobre estupro.
Por outro lado, diversas críticas surgiram em face da Lei nº 12. º, VI, da Lei nº 8. Para aquele que foi indevidamente acusado, resta a angústia, o constrangimento e o preconceito que é estar sendo investigado ou processador por isso. Levando-se em consideração uma possível condenação, as consequências são ainda maiores a quem sofre essa falsa acusação. Neste sentido, entende Andrade: As vítimas de falsa acusação de estupro, na maioria das vezes, são homens sem antecedentes criminais. Quando não é descoberta a mentira por trás da falsa acusação, esses homens são condenados à prisão e estão sujeitos e submetidos lá dentro, por outros presos, a estupros brutais, violência física de todos os tipos, ameaças, e muitas vezes, até à morte.
Poderá o alienador ainda ser investigado e processado criminalmente pela prática de denunciação caluniosa ou comunicação falsa de crime, podendo ser submetido à pena de reclusão, de 2 a 8 anos, e multa ou à pena de detenção, de 1 a 6 meses, e multa, respectivamente, consoante arts. e 340 do CPB. À vítima de alienação parental resta conviver com a SAP e os traumas que dela decorrem, preponderantemente, quando houver falsas memórias de abusos sexuais, relatados com detalhes e insistentemente pelo alienador. Tal fato implanta-se no subconsciente da criança ou do adolescente, que, sem saber diferenciar o que aconteceu e o que é mentira, passa a ter dificuldades de se relacionar com outras pessoas, principalmente, com o acusado da prática delituosa. Inegável, portanto, a influência que as falsas memórias implantadas pelo alienador na criança ou no adolescente na persecução penal, conforme assevera Juliana Nascimento: Com influência em todo o processo, podendo mudar completamente o resultado do mesmo, a constatação de existência de falsas memórias durante alguma fase do processo, principalmente nos depoimentos testemunhais ou da própria vítima, tem estrita ligação com o resultado processual, podendo inocentar um culpado ou mesmo julgar culpado um inocente (NASCIMENTO, 2018, s.
Por esse motivo, as falsas memórias são entendidas como “lembranças” de momentos e/ou elementos que na verdade nunca aconteceram, ou que não aconteceram naquela situação em análise, ou seja, é possível que os fatos tenham sido constatados, mas que tenham acontecido em outro contexto, envolvendo outras pessoas, ou até mesmo em filmes, mas que começaram a ser utilizados pela criança para preencher os vazios existentes em sua memória (Margraf; Margraf, 2018). As falsas memórias são fatos e/ou elementos que são incorporados à uma situação vivida pelo interlocutor. Porém, nem sempre aquilo que é narrado aconteceu, ou as informações podem até ser verídicas, mas vivenciadas em outra ocasião. Pode ocorrer, ainda, de serem informações falsas assimiladas por outros meios, levando ao surgimento de duas modalidades de falsas memórias: as espontâneas e as sugeridas (Margraf; Margraf, 2018).
Um exemplo cuja ocorrência é bastante comum no Brasil ocorre quando os pais estão se separando e começam a usar os filhos para atingir o outro genitor. Por esse motivo são indispensáveis os laudos psicológicos e psiquiátricos nos processos que analisam essas ilicitudes. Os indícios de alienação parental nos casos envolvendo estupro de vulnerável O entendimento prévio sobre as falsas memórias é muito importante para que seja possível constatar, em um processo judicial, se foram ou não aplicadas. O juiz, quando ao analisar os documentos e informações que se encontram nos autos do processo, não dispõe de informações complementares referentes à produção das provas extrajudiciais, a exemplo das prestadas em delegacia na fase de inquérito.
Consoante o ordenamento jurídico pátrio, tem-se que o julgador não pode se ater apenas aos elementos que constam do Inquérito Policial, devendo as provas serem reproduzidas em juízo, exceto aquelas que não são passíveis de repetição e as cautelares. No entanto, sabe-se que, em alguns casos, os depoimentos prestados em delegacia não contêm informações tão completas como aqueles que são prestados em juízo e que requerem maiores cautelas em suas análises. IX da CRFB/1988, mas nada obsta que ele seja levado a erro pelos elementos que são frutos da fantasia do narrador. Neste trilhar, as falsas memórias do depoente precisam ser analisadas pelo juiz a fim de que possa segregar os elementos de memória daqueles introduzidos no ou pela vítima (as falsas memórias sugeridas e também as memórias espontâneas, respectivamente) (Margraf; Margraf, 2018).
Importantes avanços têm sido observados no TJRS no que diz respeito ao sugestionamento de falsas memórias em supostas vítimas de abuso sexual, sendo aplicados técnicas afetas à Psicologia para a análise das declarações prestadas, com vistas a identificar possíveis irregularidades, sendo a principal delas, a análise das falsas memórias fazendo uso da técnica do Depoimento Sem Dano. A decisão que fora proferida no juízo de origem foi confirmada pelo próprio Tribunal na Apelação Crime 70057063984, 7ª Câmara Criminal, cujo julgamento ocorreu em 15. ocasião em que o relator José Conrado Kurtz de Souza, não deixou dúvidas sobre a necessidade de cautela ao se produzir provas em processos que envolvem crianças e adolescentes supostamente vitimados por abusos sexuais, especialmente referente à necessidade de verificar se a alegação de abuso não advém de sugestionamentos externos4.
Danos estes que atingem tanto a vítima como o investigado. Segundo Moura (2016), em relação à primeira, evita-se a perpetuação do abuso emocional por um dos genitores, com a degeneração e ruptura da relação afetiva, reduzindo-se o trauma advindo de uma falsa memória de abuso, que poderá representar dano psíquico tão intenso quanto o real. Em relação ao investigado, impede-se a formação do estigma que sobre si recai, bem como abalo e até mesmo a completa e permanente ruptura da relação afetiva. Nesse contexto, segundo Calçada (2008), ainda se está distante da utilização de técnicas que sejam capazes de eficazmente classificar determinados tipos de memória como confiáveis ou não, mas este é o papel dos tribunais. E razão assiste a Goetz (2017), posicionando-se pela imperatividade de que, no atual estágio de conhecimento da humanidade, os agentes atuantes no sistema judiciário devem deter conhecimentos acerca do funcionamento da memória, pois muitas técnicas existentes são confiáveis e podem identificar a prevalência de fatores que interferem na formação das falsas memórias.
As consequências sociais e psicológicas ao menor, vítima de alienação parental A partir da vivência diária com seus genitores é que os filhos adquirem personalidade, valores e vão se desenvolvendo como pessoa. Decerto que para a vida da criança, a assistência material é importante, entretanto, não há dúvida de que somente ela é insuficiente para suprir o cuidar. Segundo Campos (2019), a falsa acusação de estupro decorrente de alienação parental traz graves consequências para os envolvidos, sobretudo para a criança. Sua prática interfere na formação da criança, nos seus sentimentos a cerca do seu genitor alienado e também a afasta do convívio com ele. Para a criança, os efeitos da alienação são ainda piores, pois ela fica exposta a uma intensa interferência psicológica do consorte alienador, sem, no entanto, possuir capacidade de discernir o que é fato do que foi inventado.
Este cuidado, contudo, deve ser considerado inadequado, porque não considera o intenso sofrimento que essa prática traz ao filho. Em sua vida, a tristeza e o sofrimento devido à ausência desse pai estará, então, associado não somente ao afastamento em si, mas, principalmente, ao abandono que fantasia ter sofrido (Goetz, 2017). José Manoel Aguilar Cuenca (2005) relaciona alguns desses fatores elencados acima e explica que as consequências da alienação irão variar de acordo com as medidas adotadas pelo alienador em sua campanha de alienação da criança. A criança, vítima da alienação, pode apresentar essas mudanças citadas por Rosa (2008), variando de acordo com suas próprias características ou do tipo de relação exercida com seus pais. Mas é importante perceber que as consequências da alienação também podem estar relacionadas à ação do alienador.
Sua relação se torna fria, perde-se a intimidade de pai e filho, em muitos casos essa relação é perdida para sempre. O alienado sofre uma perda irreparável, o tempo longe daquele que ama não voltará e sua intimidade com seu filho não será mais a mesma. O fato de ser injustamente acusado faz com que o acusado se sinta inseguro e desestruturado emocional e também profissionalmente, demonstrando falta de concentração e, consequentemente, baixo rendimento pela perda do direito de visitar o filho, tendo-o, portanto, afastado de sua convivência (Buosi, 2012). Quando as visitas não são suspensas, como bem coloca Buosi (2012), em meio a insultos e sentindo-se injustiçado, não raro, o genitor alienado começa a fazer uso dos encontros com o filho para tentar defender-se das acusações feitas pelo alienador, passando a cometer injúrias e ofensas a ele para a criança, não percebendo que este é também um grande erro no qual incorre, já que assim agindo estará caindo cada vez mais na armadilha armada pelo alienador.
Outro comportamento observado entre os genitores alienados citado por Buosi (2012) é diante das tentativas frustradas de tentar ver o filho, acabar desistindo ou reduzindo ao máximo estas visitas, tendo em vista que estas, quando ocorrem, são desconfortáveis e aversivas. Nas ações em que se pleiteia a reparação de danos em razão de Alienação Parental, é importante que as vítimas façam prova em juízo de que o resultado danoso foi buscado pelo consorte alienador de forma deliberada. E, em caso de alienação, as consequências são claras: “[. formação de vínculos patológicos, existência de vivências contraditórias da relação entre pai e mãe [. e distorção das figuras paterna e materna, gerando um olhar destruidor sobre as relações intrafamiliares” (SOARES, 2015, p.
Em casos mais graves, a implantação de falsas memórias leva a criança a acreditar que realmente sofreu abuso. – Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa” (BRASIL, 1940, s. p. Desta forma, a prática de impedir ou dificultar a visita do outro genitor caracterizaria o crime de desobediência e punível com (colocar a pena do crime). Nessa dimensão: REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. CONDIÇÕES IMPOSTAS AO PAI. No depoimento de uma só testemunha, por mais idônea e verdadeira, haveria apenas prova semiplena, enquanto que nos de duas testemunhas, concordes e legalmente idôneas, ainda que absurdos os fatos narrados, resultaria prova plena e, pois, certeza legal (SANTOS, 2014, p. Esse sistema esteve presente em Roma, mas o seu apogeu foi o período da Baixa Idade Média, principalmente após a instituição do processo de modelo inquisitorial, pois neste modelo foi adotado o sistema de avaliação baseado na prova legal, figurando a confissão como a “rainha das provas”, aceitando-se que para alcançar essa prova maior era possível utilizar-se inclusive da tortura6, o que serviu para disseminar essa nefasta cultura da violência contra a dignidade da pessoa investigada ao longo dos séculos seguintes, na perspectiva maléfica e equivocada de que “os fins justificam os meios”.
Ainda hoje o sistema da prova legal está presente em vários ordenamentos, embora de forma eventual, sendo exemplo dele na legislação processual penal (CPP, art. a exigência de exame de corpo de delito para fazer prova de infrações penais que deixam vestígios (delicta facta permamentis), podendo o exame ser direto – realizado sobre o próprio vestígio, não podendo supri-lo a confissão do acusado – ou indireto – produzido sobre outros elementos, uma vez desaparecidos os vestígios (fichas médicas, fotografias) ou ser substituído por testemunhas (CPP, arts. e 168). Na verdade, a presunção é de que as suas declarações são idôneas, haja vista que não haveria aparentes motivos para ela imputar o crime a um desconhecido inocente. A jurisprudência7 pátria é extensa quando o assunto é a palavra da vítima em crimes sexuais, em crimes patrimoniais e naqueles cometidos no contexto da Lei Maria da Penha.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco aprovou a Súmula 88, que enuncia: “Nos crimes de natureza patrimonial, a palavra da vítima, quando ajustada ao contexto probatório, há de prevalecer à negativa do acusado”. Há uma questão delicada a ser enfrentada: o depoimento da vítima criança. A jurisprudência8 não descarta o valor de sua palavra tão somente por ela ser criança. E, em sede de processo penal, o juízo condenatório é um juízo de certeza, não podendo estar pautada a condenação em presunções ou suposições. Sentença absolutória mantida. RECURSO IMPROVIDO9. A não primazia à palavra da vítima é importante. Não se está a dizer que a palavra da vítima não deva ser levada em conta.
As crianças são imaturas, incapazes de compreender a seriedade das condutas criminosas a que podem estar expostas. São os menores também vulneráveis à influência dos seus genitores, tendo em vista a autoridade que estes exercem sobre aqueles, motivos pelos quais a implantação de falsas memórias em se tratando de abusos sexuais é uma realidade que pode ter várias causas e acarretar muitas consequências aos envolvidos no processo criminal. A alienação parental pode decorrer de discussões acerca da prestação de alimentos, regulamentação de visitas, fim do relacionamento amoroso e diversos outros motivos, até mesmo banais, visando, normalmente, afastar um dos genitores do convívio com a criança. Para alcançar tal objetivo, não é raro a implantação das falsas memórias de abusos sexuais, o que a criança pode receber isso como verdade absoluta e, com o “auxílio” de outras testemunhas também alienadas da real situação familiar, facilitarem a condenação de um acusado inocente com base em uma versão imaginada.
A prática do estupro de vulnerável é considerada hediondo, o que demonstra aversão da sociedade para com os sujeitos ativos deste crime, que passam a enfrentar o descrédito de todos, inclusive outros criminosos e familiares, diante ainda da investigação e da ação penal. Do exposto concluiu-se que o judiciário não está devidamente equipado e nem conta com profissionais suficientemente preparados para distinguir um relato real de um relato fruto de falsas memórias e isto pode levar a condenações injustas, trazendo sérios danos ao acusado inocente. Do exposto depreende-se que se é possível afirmar que o abuso sexual causa danos irreparáveis à vítima, entende-se que igualmente irreparável é a condenação de um inocente. Assim, é necessária cautela, pois, inobstante o ordenamento jurídico brasileiro contar com resposta adequada para punir a reprovável conduta de implantar falsas memórias na criança visando afastá-la do outro consorte, há que se atentar pelos mecanismos existentes para identificar se o depoimento da vítima é ou não verdadeiro, já que a prática tem demonstrado o despreparo de psicólogos e psiquiatras para lidar com esta situação, o que requer maior mobilização com vistas a evitar que injustiças sejam cometidas.
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