A ATUAÇÃO DO ESTADO DIANTE DA LIBERDADE RELIGIOSA

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Orientador: Cidade 2020 RESUMO O presente estudo objetiva analisar, nos moldes constitucionais, como o Estado laico tem agido perante os desafios encontrados em casos concretos que envolvem crenças individuais, entendendo-se a limitação da tutela estatal e seu caráter de garantidor da liberdade de religião, de forma a não deturpar o direito do indivíduo a crer no sagrado. Para tanto, explicita o princípio da liberdade religiosa, juntamente aos princípios correlacionados com vistas a compreender a posição do Estado laico enquanto garantidor da liberdade religiosa; discute a forma de atuação do Estado perante o choque entre o direito a religião e outros direitos; e pesquisa entendimentos jurisprudenciais pertinentes ao tema visando identificar a limitação do Estado laico diante da liberdade individual de crença.

A metodologia adotada neste trabalho consistiu em investigação indireta, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com via exploratória, visando interpretar e analisar criticamente os fatos e buscando o aprimoramento de concepções postas. A abordagem é qualitativa e descritiva, pois busca uma maior compreensão do direito à liberdade religiosa e do papel do Estado laico com vistas a assegurar que esta liberdade predomine. Palavras-chave: Religião. Histórico da liberdade religiosa no Brasil 10 1. Inquisição 11 1. Evolução constitucional da liberdade de religião nas constituições brasileiras. Princípios correlacionados 20 2 O ESTADO LAICO 24 2. Laicidade do Estado 24 2. Por outro lado, mesmo entre aqueles que professam uma fé, não há garantia de unidade, já que as religiões são diversas e seus ritos e dogmas raramente coincidem. Por esta razão, o ideal é que o Estado assegure a liberdade religiosa, sem interferir na forma como cada indivíduo irá processar sua crença.

A atual Constituição Federal do Brasil prevê, em seu artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, e, ainda, garante a inviolabilidade do direito à liberdade, onde se situa a liberdade de religião. Desse resguardo constitucional para a liberdade de crença, vem a intitulação “Estado laico”, ou seja, o Estado está na posição de garantidor dessa liberdade, de forma que não pode regular como cada indivíduo irá exercer sua crença, nem como cada religião irá se organizar, mas, tão somente, assegurar o livre exercício da fé individual. Contudo, não é exatamente isto que ocorre quando surge um imbróglio em que a alternativa de resolução se encontra na ação estatal, seja por meio de decisões judiciais, seja por leis, ou por atos do poder executivo.

Dito isto, inicia-se situando o arcabouço do conceito, da realidade problemática mencionada com a palavra religião, para depois perscrutar seu alcance prático, privilegiadamente sua relação contraditória e fronteiriça com a política e com o Estado. Religião e liberdade religiosa Para que se possa falar em liberdade de religião, primeiramente é preciso analisar o que é a religião, pois de acordo com Konvitz (1962, p. “o que para um homem é religião, pode ser considerado por outro como uma superstição primitiva, imoralidade, ou até mesmo crime, não havendo possibilidade de uma definição judicial (ou legal) do que venha a ser uma religião”. Assim, alguns cristãos1, por exemplo, consideram que as religiões de matriz africana são inimigas de Deus, sendo compostas por adoradores do Diabo.

Já para um ateu2, crer em um ser sobrenatural pode ser pura superstição. ateístas, como o budismo primitivo, retomado e defendido neste seu caráter por escolas posteriores (ABBAGNANO, 2007, p. Consoante aos ideais expostos em relação à religião, tem-se que a liberdade de religião consiste na autodeterminação de cada indivíduo ou grupo de crer num poder que não está à vista natural, mas algo sobrenatural, sagrado, um poder que transcendente, que eleva o espírito daquele que crê à sua entrega, gerando assim, uma vinculação do indivíduo com o ente tido como superior. Vale lembrar, ainda, que a divindade não é requisito para a caracterização de uma religião. Aponta-se, ainda, que a liberdade religiosa abrange também o direito de não crer em nenhuma religião ou seita religiosa, como explicita José Afonso da Silva (2019), que a liberdade de crença engloba a liberdade de escolher qualquer religião, aderir a ela, a liberdade de mudar de religião e, também, a liberdade de não seguir nenhuma religião, a liberdade de não crer em nenhuma religião, a liberdade de não crer em nenhuma divindade (ser ateu) e a liberdade de manifestar o agnosticismo.

No mesmo caminho, Alexandre de Moraes (2009, p. Tanto é que o Direito Penal, no chamado “iter criminis”, ou seja, o passo a passo para a conduta delitiva do agente, não imputa penalidades para a fase de cogitação, pois é ainda uma fase de foro íntimo da pessoa. Fernando Capez (2018) explica de forma interessante que na cogitação [. o agente apenas mentaliza, idealiza, prevê, antevê, planeja, deseja, representa mentalmente a prática do crime. Nessa fase o crime é impunível, pois cada um pode pensar o que bem quiser. Pensiero non paga gabella, cogitationis poena Nemo patitur. Histórico da liberdade religiosa no Brasil O histórico aqui proposto terá início ainda no Brasil Colônia, a partir da chegada dos Portugueses no Brasil, expandindo-se até a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Segundo Emiliano Unzer Macedo (201?), é de conhecimento histórico que os índios nativos brasileiros viviam suas tradições e costumes em uma multiplicidade de crenças ritualísticas. O autor expõe que: Um ponto comum era a confiança em entidades que tanto podiam ser boas quanto más, equivalendo a espíritos de antepassados que influenciavam o cotidiano daqueles grupos Tinham como seu líder religioso o Pajé, e a diversidade de deuses era grande, mas os principais elementos adorados eram o Sol e a Lua (MACEDO, 201?, s. p). Com a vinda dos colonizadores portugueses para as terras brasileiras em 1500, um novo contexto histórico religioso inicia. Para a Coroa tal situação era inadmissível, de modo que o que deveria prevalecer eram as doutrinas católicas. Com a finalidade de frear essa miscigenação cultural, a Coroa convocou a visitação do Tribunal do Santo Ofício, também chamada de Inquisição.

Trata-se de um ente cuja função se dava em combater heresias, ou seja, qualquer tipo de manifestação que representasse uma ameaça contra a hegemonia dogmática católica (DAVID, 2017). Tal conjuntura de perseguição religiosa por autodeterminação distinta da doutrina catolicista persistiu pelos anos de colonização do Brasil até sua independência de Portugal e a outorga da Constituição de 1824. A essa época, não havia qualquer forma de liberdade de religião, mas sim uma forma organizativa de confusão entre Estado e Igreja, já que “na perspectiva da confusão, o Estado e a religião se confundem em termos institucionais, modalidade característica de Estados teocráticos” (CASTRO, 2019, p. Em pura contradição, mais à frente o Imperador, que também era imbuído de poderes divinos, publicou um texto afirmando que amava a liberdade de seu país e que era dever do governante dar a seu povo a justa liberdade (SOUSA, 2015).

Contudo, o documento elaborado pela Assembleia também não foi aceito por D. Pedro I, porque tinham sido incluídas restrições aos poderes do monarca, além de restringir a criação de um quarto poder, que viria a ser conhecido como Poder Moderador, sendo esse um dos elementos distintivos dessa Carta, uma vez que tal poder teria a função de zelar pelo equilíbrio dos demais poderes e era exercido pelo Imperador (MARCOS; MATIAS; NORONHA, 2014), o que não era compatível com os seus interesses. Portanto, a primeira Constituição do Brasil não foi democrática, sendo outorgada por Dom Pedro I no dia 25 de março de 1824, em nome de Trindade Santa (Pai, Filho e Espírito Santo). Esta foi a Constituição que teve o maior período de vigência na história do País, não em razão de seu conteúdo, mas pelo regime imperial, vigorando de 1824 até 1889 (VILLA, 2011).

Por ser o principal detentor do poder, receava que a mudança pudesse enfraquecê-lo. José Reinaldo de Lima Lopes (2014) retrata que um dos medos enfrentados pelo Estado seria o fato, por exemplo, de a renda arrecadada pela Igreja não ser controlada pelo Estado, outra razão seria o fato de os padres disporem de enorme influência política na maioria das cidades. Esses fatos históricos, sendo o principal deles a escolha de uma religião oficial, contribuíram para um grande número de religiosos na formação do povo brasileiro, que conta com uma população de 72% de fiéis católicos, o que significa 185 milhões de pessoas (BALDISSERI, 2011). Isso retrata um fator de influência que justifica o peso religioso que paira sobre o Estado brasileiro e que afeta decisões políticas, legislativas e jurídicas.

Finalizadas as considerações sobre a questão da liberdade religiosa na Constituição de 1824, debruçamo-nos sobre a análise de tais questões na Constituição de 1891. Ela consagrou também o modelo que seria seguido pelas Cartas posteriores, da igualdade de todos perante a lei, sem formas de privilégio ou distinção por motivos de raça, sexo, crença religiosa, ideais políticos etc. E assegurou, ainda, que não haveria privação de direitos por convicção religiosa (REIMER, 2013). O mesmo documento inaugurou a inviolabilidade da liberdade crença e consciência e assegurou a liberdade de culto, desde que não vá contra a ordem pública e os bons costumes Além disso, trouxe inovações como a assistência religiosa nas expedições militares (art.

a faculdade de ensino religioso nas escolas públicas (art. e a formalização e reconhecimento do casamento religioso com produção dos mesmos efeitos produzidos pelo casamento civil (BRASIL, 1934). E somente em 29 de outubro de 1945 Getúlio Vargas foi deposto da presidência (CAMPOS, 2001). Em dois de dezembro de 1945 foi formada uma nova constituinte e, dessa vez, foi permitida a participação dos comunistas (VILLA, 2011). Em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a quinta Constituição Brasileira. A Constituição de 1946 manteve praticamente a mesma base das anteriores. Em seu preâmbulo se fez o retorno da menção a “Deus”. Tal termo não exclui a possível atuação em outras áreas, mas indica um campo preferencial de atuação e mais uma vez sofre alteração com a Emenda Constitucional n° 69, trazendo o termo “público na forma e nos limites da lei federal”, mais uma restrição (SCAMPINI, 1974).

Sendo assim, tais relações devem ser obedecidas de acordo com os ditames previstos em lei. Quanto à liberdade religiosa, essa nunca foi trazida em nenhuma das Constituições com a utilização específica dessa expressão, na de 1967 foi revelada como liberdade de consciência de forma plena e liberdade para o exercício de cultos religiosos (BRASIL, 1967). Em breve comparativo histórico, nas Constituições de 1934 e de 1946 a liberdade de consciência tem como característica a inviolabilidade, nas de 1891 e de 1937 não há nenhuma referência a ela, e na Carta de 1967, assim como na Emenda Constitucional nº 69, fala-se dessa plenitude. Outro direito consagrado pelo documento de 1967 e pela EC n° 69 foi a escusa de consciência de forma expressa, no seu at. Em 1977 o Brasil passou a vivenciar uma crise no Executivo, pois o Presidente à época, Ernesto Geisel, pertencente à linha moderada das forças armadas, passou a promover ideias liberais, como a permissão de propaganda política, e de tons autoritários, como se revela o Pacote de Abril, que dissolveu o Congresso Nacional, poder dado ao Executivo pelo Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5, sob o pretexto de que a Reforma do Judiciário não havia sido aprovada, tendo como objetivo alterar a constituição vigente (GASPARI, 2004).

Em 1979 o AI-5 foi revogado para a abertura do regime militar. Em 15 de março de 1979 o General Geisel deixou a presidência sendo sucedido pelo General João Figueiredo, que foi o último governante do regime militar, período marcado pela promulgação da Lei de Anistia Política, nº 6. que colocou fim às punições aos brasileiros desde 1964. Foram revogadas penalidades propostas nas leis promulgadas no regime militar, dentre outras punições, a exemplo do exílio, perda de direitos políticos e as aposentadorias compulsórias. Então, logo nos primeiros artigos do documento, fazendo um estudo lógico-sistemático, quando faz referência ao princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se entender a liberdade religiosa como uma expressão desse princípio (LEITE, 2014). A dignidade da pessoa humana é vista como um valor fundamental no ordenamento e, portanto, deve ser refletido por todo o sistema jurídico, servindo como um critério e também como parâmetro de valoração para nortear a interpretação do sistema constitucional.

O documento também invoca a proteção de Deus no preâmbulo, seguindo a linha da maioria das constituições anteriores. Contudo, isso não significa um Estado confessional, mas sim que a maioria dos parlamentares responsáveis pela elaboração do texto constitucional está vinculada à crença religiosa, de maneira genérica, sem adotar nenhuma religião especifica (SILVA NETO, 2003). De acordo com o que se depreende do atual texto constitucional brasileiro, Ferreira Filho (2002, p. No próximo inciso correlacionado ao tema religioso, inc. VIII consta que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa [. ” (BRASIL, 1988, s. p). Trata-se da escusa de consciência, que condiciona ao cumprimento de obrigação alternativa, dessa forma, impõe que seja verificada a possibilidade de conferir tratamentos excepcionais aos cidadãos que professam religiões que os impeçam de exercer normas emanadas do Estado.

Assim, por liberdade de crença entende-se a liberdade que os indivíduos têm de escolher determinada religião ou de mudar de religião, como também de serem livres para não aderirem a nenhuma religião, optando pelo agnosticismo ou ateísmo. A liberdade de culto já diz respeito à manifestação exterior da crença, pois significa a liberdade de prática dos ritos, cerimônias, reuniões e locais necessários para que a prática religiosa se efetive. Por fim, a outra forma básica de expressão da liberdade religiosa é a liberdade de organização religiosa, que é um direito ao qual os grupos religiosos fazem jus de forma que consigam se auto-organizarem sem interferência do poder público (Bohn, 2017). No entanto, é preciso que o conteúdo e os limites da liberdade de organização religiosa sejam bem discernidos, a fim de que sejam respeitados pelas autoridades estatais, bem como para que os grupos religiosos não ajam de forma abusiva no seu exercício.

O Código Civil, no art. Para exemplificar a aplicação do princípio da igualdade à liberdade religiosa em um caso concreto, cita-se a realização de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e de concursos públicos aos sábados dia de guarda dos Adventistas do Sétimo Dia. Estes, em razão de crença religiosa, não poderiam responder às questões da prova antes do pôr do sol. Já há decisões4 em que ordenou-se que o Estado disponibilizasse uma sala por mais algumas horas, para que o candidato pudesse realizar o certame após o pôr do sol. Neste caso, fica o postulante esperando algumas horas em sala, incomunicável para, realizar a prova, tendo em vista que aplicar outra prova, em data diversa, violaria o princípio da igualdade.

Por fim, tem-se o princípio da tolerância, que segundo Habermas (2007) é a chave da equidade em uma sociedade democrática. O ESTADO LAICO Este capítulo explica o Estado laico. Para tanto, discute a proteção à pluralidade religiosa e a relação entre sociedade e religião. Inicia-se com a abordagem sobre a laicidade do Estado. Laicidade do Estado O Estado brasileiro é laico. O conceito que deriva do adjetivo grego laikós, laiké, laikón para designar como pertencente ao laós (povo), está nos poemas homéricos do século VIII antes de Cristo5. Tomera (2014) compara com o instituto inverso, o fundamentalismo religioso, como o islamismo. No fundamentalismo a esfera do sagrado se sobrepõe completamente ao profano ao passo que, no laicismo, o fenômeno inverso ocorre, a ideologia profana tem a prerrogativa de se sobrepor à influência sociocultural da religião.

Não há, porém, uma visão pacífica na doutrina. Diversos doutrinadores da Europa afirmam que laicidade e laicismo não correspondem como “neutralidade” e oposição relativa. O espanhol Fernando Savater (2006) defende o argumento de que o laicismo é uma manobra política da Igreja Católica para criticar valores sólidos proporcionados, Em suas palavras: Para começar, duas falsidades: primeira, a que opõe a laicidade (hoje já alegremente aceitável pelos clérigos menos integristas de qualquer credo) e o laicismo (agressivo, intransigente e inimigo de toda a transcendência espiritual). Etnicismo compreende na defesa da superioridade de uma etnia em detrimento da outra. Na visão de Miguel Fernández (2011), consiste em uma versão sequer sofisticada de racismo, que possui diversos desastres históricos na Europa (o autor é espanhol), tendo como consequência o esquecimento dos direitos da minoria, deturpando o princípio da democracia.

Por fim, tem-se o secularismo ou secularização. O sociólogo francês Françoise Champion em texto para a UNESCO identifica o fato de que, nos países de tradição católica, como o Brasil, um Estado neutro de religião se deu de maneira “brusca”. Em outras palavras, apesar de positivado o Estado Laico, ainda havia (e há) intensa influência religiosa na sociedade, gerando conflito de interesses entre as esferas sagradas e profanas. Dos feriados com caráter religioso em âmbito nacional, tem-se: Dia de Finados (2 de novembro), Paixão de Cristo (ou sexta-feira santa, que antecede o domingo de Páscoa), Corpus Christi (60 dias após o domingo de Páscoa) e o Natal (25 de dezembro). Ainda sobre a temática, o feriado religioso que merece maior destaque é o dia 12 de outubro, pois, criado pela Lei 6.

homenageia a Nossa Senhora Aparecida, considerada pela religião católica como a padroeira do Brasil. O feriado tem como origem a vinda em 1980 do líder da igreja católica (Papa João Paulo II), que consagrou a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, localizada no município de Aparecida do Norte (SP), onde a imagem da santa encontra-se depositada. Vale destacar o fato de que o Art. Assim, de acordo com sua crença a pessoa usufruiria sem a interferência estatal. Sociedade e religião Sociedade, do latim societas, na sua mais simples concepção, pode ser conceituada como um conjunto de pessoas que possuem características em comum, seja em sua origem, por seus costumes, ou pela regência sob uma mesma lei (FERREIRA, 1999). Considerando que a religião possui concepções e hábitos próprios que estão relacionados com a sociedade, se faz importante o estudo sobre essa ligação, que influencia principalmente na formação cultural brasileira.

Pode-se perceber isso uma vez que eventos históricos, como guerras ou catástrofes naturais, marcam a sociedade e têm influência direta na evolução das crenças religiosas e na estrutura jurídica. Não se poderia deixar de citar a função da religião para a construção dos direitos humanos, desde as mais antigas declarações até as atuais (COMPARATO, 2015). Nessa situação, para viabilizar essas ações, a Companhia de Jesus, uma ordem religiosa constituída por jesuítas, foi requisitada e chegou ao território brasileiro em 1549, onde implantou uma rede de colégios, com prioridade máxima na educação religiosa (LEAL, 2012). Não ocorreu de forma diferente com os escravos que chegaram ao País, impondo-se a esses o catolicismo e exigindo-se o aceite à fé em Cristo, como símbolo da submissão à Coroa Portuguesa.

Contudo, é válido observar que já possuíam sua própria religião, que sobreviveu ocultada em meio à simbologia cristã, tendo sido discriminada e considerada demoníaca, sendo tratada como feitiçaria pelos portugueses (SILVA, 2005). Os negros escravizados trazidos da África eram impedidos de expressar suas origens religiosas, o que os fez cultuar santos católicos ao mesmo tempo em que expressavam sua religiosidade por meio da dança ao som do tambor, sendo recorrente que essas manifestações ocorressem à frente de imagens de santos católicos. Dessa forma, encontraram formas de manter ocultos seus próprios ritos e credos dentro do simbolismo cristão, dando origem a práticas religiosas afro-brasileiras. Ocorreram torturas e mortes como forma de reprimir o avanço de quaisquer outros credos (ELIADE, 2002). Não foi diferente na história do Brasil, pois quando os portugueses trouxeram padres jesuítas para catequizar os índios, sem nenhum respeito às distintas crenças, a doutrina católica foi igualmente imposta aos escravos, em sua maioria, africanos.

O fenômeno discriminatório, antes empregado e sancionado pelo Estado, que possuía uma religião oficial, começa a ser revertido a partir da separação entre o Estado e a Igreja, em busca do respeito às liberdades individuais. A intolerância professada diante de outras crenças representa, sem dúvida alguma, o mais habitual ataque ao direito à liberdade religiosa. O respeito entre valores morais distintos e doutrinas diferentes é algo necessário e que está na linha da persecução de interesses legítimos (WEINGARTNER NETO, 2007). OS CONFLITOS DE DIREITOS O objetivo deste capítulo é expor os conflitos de direitos relacionados à liberdade religiosa. Assim, o problema dos limites e restrições à liberdade religiosa foi analisado à luz de alguns exemplos. Na sequência foi abordado o problema da atuação de um parlamento majoritariamente cristão e conservador e a sua influência sobre as decisões políticas.

Por fim, foram apresentados alguns posicionamentos jurisdicionais visando elucidar a atuação do judiciário em caso de conflitos de direitos. Os limites da intervenção estatal Os direitos fundamentais possuem duas formas de limitação legítima. Na visão de Robert Alexy (2008), desenvolvido a partir das construções de Dworkin (20020), os princípios são mandamentos de otimização, que, na medida do possível, devem ser realizados ante às possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Em caso de conflito entre regras, a solução será o reconhecimento da invalidade de uma das regras ou a aplicação de uma cláusula de exceção que tenha sido introduzida também por outra regra. Quanto as regras, Alexy (2008) as chama de comandos de definição, por entender que elas expressam deveres e direitos definitivos.

Deve ocorrer exatamente aquilo que ela prescreve, perfeita subsunção da regra ao caso concreto. Diferente dos princípios, em que o grau de realização pode variar, caso ocorra a colisão deve ser realizado um sopesamento qualitativo entre eles na busca da melhor solução possível. Alexy (2008) explica também que quando dois princípios entram em situação de colisão nunca poderá ser descartada a análise das condições do caso, pois são elas que irão determinar qual princípio irá preponderar sobre o outro. Em cada caso, aquele direito poderá se revelar menos ou mais amplo e os possíveis conflitos serão solucionados pelo julgador, observadas as condições do caso concreto. Em razão desse juízo de ponderação, os princípios podem ser limitados e o grau de realização pode variar, porque não há como previamente designar qual princípio fundamental irá sempre prevalecer, pois todos têm o mesmo valor em relevância.

Segundo decisão do STF, na ADIN nº 815, o escalonamento hierárquico dos direitos fundamentais é incompatível com sua natureza, pois gozam de proteção em igual medida e por decorrer do princípio da dignidade da pessoa humana. Os princípios anunciam e/ou norteiam o aplicador-julgador a encontrar uma decisão diante de casos que não tenham previsão em lei ou que não possam ser regulamentados por ela, graças à amplitude e à indeterminação do seu significado.  Baseia-se no trabalho de grupos de defesa das mulheres em todo o país e oferece uma oportunidade para a discussão sobre os direitos reprodutivos no Brasil.  O processo argumenta que os artigos do Código Penal que proíbem o aborto estão em conflito com a constituição brasileira de 1988 tendo em vista que o Brasil reconhece a saúde como um direito constitucional, mas a criminalização do aborto mantém esse direito longe do alcance da grande maioria de mulheres.

  O princípio que fundamenta a ADPF 442 é o princípio da legalidade, que é um princípio geral de direito e reconhecido por muitas nações civilizadas, a exemplo, da Espanha, Itália e Portugal. Um dos principais aspectos do princípio da legalidade é a aplicação da lei de forma uniforme e não arbitrária (NASCIMENTO FILHO, 2013). O argumento principal da ADPF 442 é que a criminalização do aborto viola muitos dos direitos constitucionais das mulheres, incluindo o direito à dignidade, cidadania, o direito a não ser discriminado, o direito à vida, igualdade, liberdade, o direito à saúde e ao planejamento familiar. A decisão é fundamenta no fato de que “[. Jesus Cristo não é uma imagem e muito menos um objeto de adoração apenas, mas sim O Filho de Deus [. ” (BRASIL, 2017, p.

A sua decisão, que deveria representar um Estado laico neutro, revela fundamentalismo religioso. Não há base legal para tal decisão. Depreende-se, portanto, que decisões como essa não devem fazer parte da resposta do Estado no caso de colisão dos direitos fundamentais em questão. Como proposto, a melhor medida para esses conflitos é a utilização da ponderação na análise do caso concreto, mas mantendo respeito ao princípio da imparcialidade do juiz, que, por consequência, atende ao requisito da neutralidade estatal. Outro caso bastante polêmico foi o da obra de Antônio Obá, que coloca o observador diante de um recipiente repleto de hóstias que trazem inscritas palavras vulgares e com conotações sexuais. Para a Igreja católica as hóstias representam o corpo de Cristo e passam por um processo em que um padre deve benzê-las durante a cerimônia da missa e antes do ato de comunhão, o que significa receber a Jesus Cristo sacramentado simbolizado através da hóstia que é colocada na boca do fiel.

O que causa tanta polêmica é a utilização de hóstias em uma obra de arte com esses nomes, contudo, a situação deve ser interpretada da maneira que realmente é. No caso específico, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul – MPF-RS, logo depois da decisão do Banco em cancelar a exposição, emitiu uma carta de recomendação indicando pela reabertura imediata da exposição e ainda recomendando que a entidade lançasse uma nova exposição de tema semelhante para minimizar os efeitos de sua decisão. A promotoria destacou que o exercício dos direitos fundamentais depende também de uma ação positiva do Estado, não se esgotando no dever de abstenção desse em praticar atos de censura, sendo necessário também, por parte dele e dos que por ele são patrocinados, o exercício de ações positivas, visando a possibilidade concreta de concretização desse direito.

Mesmo com o pronunciamento do MPF-RS, que entendeu que a decisão abrupta do Banco refletiu em grave lesão à liberdade de expressão, a recomendação não foi atendida pela instituição financeira (SPERB, 2017). A obtenção de maiores benefícios não pode justificar a restrição dessa liberdade e, diante dessa situação, o procedimento do MPFRS para analisar se houve lesão à liberdade de expressão artística deu continuidade e resultou em um termo de compromisso assinado pelo Santander Cultural. O Ministério Público entendeu que a exposição, que tinha como objetivo explorar a cultura contemporânea através das questões de gênero, não teve em sua galeria qualquer prática de ilícito (FERNANDES, 2018) e que informações sobre conteúdo já haviam sido esclarecidas por meio de catálogos e outros meios, comprovando que o Banco estava ciente de toda a manifestação cultural que seria apresentada.

O direito de protestar está restrito às violações dos princípios que ele próprio reconhece em seu documento constitucional. São os desvios de conduta que justificam a coerção do sistema jurídico. O caso reflete a violação de um princípio que ambas as partes acatam. No Brasil, não há nenhum dogma religioso que possa ser reconhecido como vinculativo a todos os brasileiros, assim como o Estado não tem o direito de solucionar problemas de doutrina teológica. De fato, o tema da liberdade de expressão independe de qualquer conclusão sobre a qualidade das obras, até mesmo porque ninguém está obrigado a ir aos museus e o gosto sobre as artes varia de observador para observador. A multiplicidade de religiões pode levar a uma situação de conflito quando seus integrantes, acreditando estar amparados de razão absoluta, tentam impor seus dogmas na sociedade.

Visando um acolhimento das religiões minoritárias, não referindo-se isso ao número de fiéis, mas às relações sociais nas quais é possível identificar situação de desvantagem em relação a outro grupo, nasce o direito fundamental à liberdade religiosa, que deve ser considerado pela legislação nacional e garantido a todos os indivíduos. Esse direito visa garantir a não discriminação, ou intolerância, contra a exteriorização da escolha de cada pessoa quanto à religião ou à recusa de professar alguma. Em resposta ao questionamento feito inicialmente, quanto à configuração da liberdade religiosa, esse direito possibilita ao indivíduo a liberdade para escolher, estruturar e basear sua vida em uma religião ou não escolher religião alguma, como aqueles que se posicionam como ateus ou agnósticos.

Nesse trilhar, cada Estado deverá criar meios para consolidar o direito humano à liberdade religiosa em seu ordenamento jurídico. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Leopoldo Costa de Nicola. Dizionario di Filosofia. Turim: Unione Tipografico-Ediotrice Torinense (UTET), 1971. BALDISSERI, Lorenzo. Diplomacia pontifícia: Acordo Brasil-Santa Sé - intervenções. Maurice. Pour une définition de la laicité française. Revista Le Débat. n. Março-abril 2005. BOHN, Ana Cecília Elvas. Imunidade Tributária dos Templos Religiosos. Curitiba: Juruá Editora, 2017. BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. Acesso em: 7 set. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www. planalto. ª Vara Cível da Comarca de Jundiaí. Relator: Juiz Luiz Antonio de Campos Junior. Jundiaí, SP, 15 de setembro de 2017a. Diário da Justiça. Jundiaí, SP. Disponível em: https://www.

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