RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JUIRIDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS COM DANO AO PATRIMONIO CULTURAL
Foi visto que a questão da responsabilidade penal da PJ por delitos ambientais relacionados ao patrimônio cultural ainda suscita debates na doutrina, porém, a discussão não é mais “se” a PJ deve ser responsabilizada em matéria criminal, mas, sim de que forma esta responsabilização deve se dar em termos práticos. Em suma, apesar das divergências jurisprudenciais apontadas no âmbito dos tribunais superiores brasileiros quanto à responsabilidade penal da PJ, foi possível perceber que é de vanguarda e pró-ambiente a atuação jurisprudencial brasileira, em especial a do STF, no tocante à dispensabilidade da participação da pessoa física em crimes ambientais perpetrados por PJs, dando assim maior efetividade à tutela penal do meio ambiente e conferindo maior densidade ao enunciado normativo do art. § 3º, da CF/1988, além de evidenciar sensibilidade da Justiça às novas realidades sociais que demandam, por consequência, novas formas mais consentâneas de se interpretar o Direito Penal.
Palavras-chave: Crimes ambiental. Patrimônio cultural. Teorias realistas 19 2. Concepção atual de Pessoa Jurídica 22 3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS COM DANO AO PATRIMÔNIO CULTURAL 25 3. Na Constituição Federal 25 3. As interpretações favoráveis e contrárias ao reconhecimento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas 25 3. Na legislação infraconstitucional 27 3. A título de exemplificação, cita-se a ocorrência de algum dano em terras indígenas, o que pode resultar na destruição da cultura parcial ou total desses povos. Muitas empresas, em razão de sua área atividade, atuam em áreas suscetíveis a algum impacto ambiental estão cientes que tais danos podem acontecer. Assim, quando se constata que determinados crimes poderiam ser evitados ou que a ação danosa foi proposital, as penalidades mudam e grande parte da sociedade civil não tem consciência disto.
Assim, o estudo se mostra relevante também para instruir o leigo sobre a possibilidade desta responsabilização, pois, a maioria das pessoas não sabe que é possível uma empresa ser responsabilizada na esfera penal e acredita que as penas que podem ser aplicadas são somente as medidas de reparação ao dano provocado e multas. Assim, busca-se com este estudo esclarecer e sanar as dúvidas que porventura venham a surgir sobre o tema, hipóteses em que a empresa pode ser responsabilizada penalmente pelo delito cometido, já que essas respostas são muito complexas demandando estudos mais aprofundados. “Ambiente” é o conjunto de condições materiais, culturais, psicológicas e morais que envolve uma ou mais pessoas. É atmosfera (REIS, 2017). A pesquisa da definição dos vocábulos “meio” e “ambiente” leva ao conceito de meio ambiente.
Meio ambiente é o conjunto de fatores físicos, biológicos e químicos que cerca os seres vivos, influenciando-os e sendo influenciado por eles. Meio ambiente é sinônimo de natureza ou local a ser preservado e respeitado. Enquanto a definição trazida pela Lei nº. se limitava a uma ótica biológica, física ou química, a CRFB/1988 trouxe o homem para o cerne da questão ambiental, quando o colocou concomitantemente como o destinatário e como aquele a quem cabia implementar essas determinações. Ainda segundo a CRFB/1988, o meio ambiente pode ser dividido em físico ou natural, cultural, artificial e do trabalho. Sobre esta classificação, Fonseca explica que: Meio ambiente físico ou natural é constituído pela flora, fauna, solo, água, atmosfera, e todos os demais elementos naturais responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem, inclusive os ecossistemas (art.
caput, §1º, I, a VIII). O conceito restrito, por outro lado, considera o meio ambiente como o conjunto formado apenas por elementos naturais, de titularidade comum e dotados de características dinâmicas, ou seja, a água e o ar, considerados veículos básicos de transmissão e essenciais para a existência do homem sobre a terra, concepção que exclui de sua abrangência o solo e ruídos como elementos naturais (PRADO, 2012). Signatário de uma orientação intermediária, Prado (2012) pontua que o direito penal contemporâneo optou por um conceito de ambiente intermediária, de conotação física ou natural, compreendido pelos elementos naturais, assim como o conjunto por eles formado. Nestes termos, é possível incluir nesse conceito os meios ambientais (solo, água, atmosfera), os fatores ambientais, sejam eles inanimados (temperatura, umidade), sejam físicos (animais, plantas) e o ecossistema em seu conjunto.
Por assim dizer, partindo do pressuposto de que a CRFB/1988 restringiu o âmbito do meio ambiente aos elementos naturais, torna-se desarrazoada a ampliação demasiada do conceito, conforme a concepção globalizante que dificulta a individualização da matéria proibitiva, nem tampouco a concepção restrita, cuja restrição impede a tutela penal efetiva exigida pelo texto constitucional (BUGALHO, 2009). Nesse passo, Figueiredo (2008) assevera que a ambiguidade na concepção de meio ambiente é decorrência do afastamento da noção de bem jurídico dos interesses individuais concretos, de forma que uma leitura mais crítica dos dispositivos legais sinaliza para um sentido mais restrito de proteção do equilíbrio ecológico, de tal forma que o legislador brasileiro adotou uma noção de meio ambiente natural, cuja verdadeira tutela penal é direcionada para o dinâmico ciclo biológico formado por tais elementos.
” (BRASIL, 1988, on-line). A Constituição, com a redação deste dispositivo, insere inovações em relação às que a antecederam. Primeiro, a previsão expressa da dicotomia entre patrimônio material e imaterial, que surge no cenário internacional em 1982 com a Declaração do México (UNESCO, 1982). Segundo, a possibilidade de tratamento dos bens culturais, tanto individualmente (o que predominava com o tombamento de bens isolados), quanto em conjunto. E em terceiro, a inclusão da ideia de referência cultural que conecta por meio da identidade, da ação e da memória os distintos grupos formadores da sociedade brasileira ao seu respectivo patrimônio cultural (ARANTES, 2015). A aplicação correta do princípio, antes mesmo da concretização de um plano, conduz a atenção à proteção ambiental.
Isso decorre do fato de que muitas vezes, ofendido o meio ambiente, sua recuperação, ou seja, o retorno à situação anterior torna-se praticamente impossível, restando apenas a reparação aos danos (FIORILLO, 2015). Assim, agir antecipadamente à ocorrência do dano ou risco é o mote do princípio da precaução cuja previsão encontra-se no art. § 1º, IV e V da CRFB/1988. As medidas adequadas para evitar-se de modo eficaz o dano ou risco devem ser adotadas a tempo e a modo, não sendo admitidas escusas acerca do desconhecimento ou dificuldade de sua compreensão. Não é esta, contudo, a compreensão do tema que ora se utiliza. Não se pode negligenciar o princípio da precaução, negando toda a conquista em nível internacional obtida neste particular, reduzindo-o à prevenção.
Nem tampouco se pode, com ele, paralisar o desenvolvimento econômico, pois, [. a aplicação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. Esse equilíbrio na ordem natural atenderia a todos os interesses legítimos dos seres viventes, beneficiando virtualmente a todos, desde que engendrado e executado (NALINI, 2015). A noção de sustentabilidade está umbilicalmente ligada à desse “equilíbrio” referido. O desenvolvimento sustentável do meio ambiente, em qualquer de suas formas, somente ocorrerá se a ambiência for equilibrada. O uso equilibrado da terra ou de qualquer outro recurso natural, mesmo voltado ao desenvolvimento econômico ou social, encontra a sua racionalidade ao mesmo tempo em que se depara com o equilíbrio (FIORILLO, 2015).
Por fim, tem-se os princípios do Poluidor Pagador e do Usuário Pagador que encontra-se capitaneado no art. Partindo dessa premissa, o legislador constituinte inova ao gizar a natureza de direito fundamental do meio ambiente, mas também por afirmar a obrigação da tutela penal, ao indicar a necessidade de sua defesa e preservação por meio da responsabilidade criminal daqueles que causarem lesão ou colocar em perigo de lesão o meio ambiente, nos exatos termos do art. °, XLVI e do §3° do art. CRUZ, 2003). Como bem frisou Prado (2012), o Direito Penal começa a reagir no sentido de contenção dos riscos globais, reconhecendo a inoperância em esperar os resultados lesivos à qualidade de vida humana, como as lesões ecológicas; para só então, intervir com o aparato punitivo estatal.
Se a tutela criminal quiser ser minimamente eficaz diante de um perigo potencial de lesão futura, deverá agir de maneira antecipada, a fim de coibir práticas perigosas de proporções globais. Nas palavras de Schmidt (2018), o juízo de valor nos crimes de perigo abstrato se perfaz em duas etapas: sendo a primeira referente ao juízo ex ante objetivo de uma possibilidade de dano ao bem jurídico; e a segunda, um juízo positivo de significação da possibilidade de dano. Neste sentido, o tipo penal abstrato, apesar de existirem outras categorias intermediárias, consiste na técnica máxima de proteção jurídico-penal compatível com o princípio da ofensividade, ao passo que permite às agências penais aferir a significação da conduta humana.
Desse raciocínio, é possível aferir que os crimes de perigo abstrato encontram sua razão de ser na proteção de bens jurídicos dinâmicos, com um espectro de manifestação que legitime a ampliação da tutela penal, tão característico da criminalidade difusa ou transindividual do meio ambiente. A título de exemplo, o art. da Lei n. No direito moderno, todo ser humano é pessoa no sentido jurídico. Mas, além dos homens, são também dotadas de personalidade certas organizações ou coletividades, que tendem à consecução de fins comuns (2016, p. A PJ é fruto de um fato social, da complexidade cada vez mais em evidência da vida civil e conseqüência da atuação do desenvolvimento econômico no meio social. Trata-se de uma consequência direta do impacto do progresso econômico sobre o campo do direito.
Surge da demanda por uma resposta ou adequação do ordenamento jurídico às novas concepções que passam a fazer parte da vida do ser humano e, conseqüentemente, da vida em sociedade (PEREIRA, 2009). Para Savigny, a ideia de pessoa confunde-se com a de homem, de forma que todo o homem e só ele tem capacidade de direito. O Direito positivo pode, entretanto, modificar a ideia primitiva de pessoa, criando artificialmente uma personalidade jurídica. Para melhor compreender a concepção de Savigny sobre as PJs, é necessária a clara compreensão da realidade dogmático-jurídica vivenciada pelo autor: A ele cabia explicar as pessoas jurídicas em um sistema que reconhecia no homem o centro “natural” de direitos e deveres. Devia fazê-lo, porém, não mais com base nos postulados liberais da escola naturalista, mas sim com base em conceitos jurídicos precisos, que “a vocação de seu tempo para a ciência jurídica” impunha.
Era preciso, portanto, dar ao conceito uma tonalidade mais jurídica, liberando-o do realismo social a ele atribuído pelo racionalismo jurídico (ARAÚJO, 2012, p. A impropriedade da teoria evidencia, pois, a existência natural e não fictícia da PJ, tendo a lei por finalidade não a de criá-la, mas de reconhecer-lhe existência legal. Comparato e Salomão Filho (2014) entendem que Savigny, não obstante nunca ter negado a realidade própria dos agrupamentos humanos aos quais é atribuída personalidade jurídica, acreditava que tal realismo, por ser excessivamente múltiplo, não pertencia ao conceito de PJ. A doutrina mais condizente com as novas conquistas da civilização seria a tese da realidade da PJ, a qual subtrai do arbítrio do legislador a noção de personalidade.
Ainda que pareça a mais adequada, mesmo a tese realista apresenta certas carências de fundamento, como se demonstrará na sequência. Teorias negativistas Criada como reação à teoria da ficção, formou-se a teoria individualista de Rudolf Von Ihering, que nega a realidade da PJ. Para que se alcance o conceito jurídico de pessoa, segundo Almeida (1933 apud ARAÚJO, 2012, p. seria necessário “adotar a exigência metodológica de não misturar estes diversos significados e utilizar para os fins jurídicos conceitos e princípios que lhes são estranhos”. Nesse sentido, para os normativistas, o debate referente à natureza da PJ (se é ficção ou realidade), é falso em si mesmo. O principal expoente da corrente normativista foi Hans Kelsen, que propôs que o conceito de pessoa e de PJ fosse reconstruído.
Para tanto, não aceita a noção de direito subjetivo quando o considera como mero reflexo do dever jurídico: “Esta situação, designada como ‘direito’ ou ‘pretensão’ de um indivíduo, não é, porém, outra coisa senão o dever do outro ou dos outros indivíduos” (KELSEN, 2009, p. Esta teoria parte da ideia de que a PJ é uma realidade preexistente à vontade da pessoa física. Ela se baseia num substrato material que conforma a PJ de caráter objetivo. A figura legal da PJ existe anteriormente à ideia de pessoa física. Assim, as PJs são um meio jurídico para facilitar e regular as tarefas entre associações ou sociedades e existem por si mesmas, são sujeitos de direito e adquirem uma capacidade independente à das pessoas físicas que a compõem (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2014).
As teorias realistas dividiram-se em duas subclasses: a teoria organicista e a teoria da instituição. Para Lamartine, a diferença entre pessoa física e a PJ residiria na substância. Os seres de forma substancial são os que não demandam fundamentos extrínsecos a sustentá-los, e, portanto, existiriam por si mesmos. A seu turno, os seres de forma acidental, não teriam existência em si mesmos, tendo em vista que dependem de outros seres de substância. Lyra (1933 apud ARAÚJO, 2012, p. justifica o qualificativo “pessoa” à PJ por meio de uma analogia por atribuição. Concepção atual de Pessoa Jurídica Para o jurista Justen Filho, há um equívoco quando se parte da premissa para a análise do conceito de PJ trazido pelas teorias ficcionistas ou realistas, como se observa neste excerto: Tamanha modificação da estrutura sócio-econômica-política-jurídica afasta o mundo em que vivemos e o mundo do século passado.
A ciência do direito atual não é a mesma de então, como também não o são o Estado e o direito. Bem por isso, tornou-se indecidível a questão ficção-realidade da pessoa jurídica. As teorias formuladas, desde os seus extremos até seus momentos mais atenuados, conectavam-se com outro mundo de valores, concepções e significações. A questão que se coloca hoje é diversa. Em relação ao fato de se constituir a personalização das PJs uma sanção positiva, o pressuposto de análise pode ser realizado sob o prisma do papel do Estado perante o Direito, no enfoque da racionalidade governamental contemporânea. Comparato e Salomão Filho (2014) afirmam que a dificuldade interpretativa no conceito de PJ está no fato de que a dessemelhança de regime jurídico entre as diferentes espécies de PJs – sociedades, fundações, direito privado, direito público interno e externo – é de tal ordem que as disposições normativas, porventura comuns, perdem toda a importância prática.
Esta multiplicidade de agregados, institutos e situações diversas, que constituem o substrato das PJs, não apresenta qualquer denominador comum, social ou econômico, sendo que cada teoria da PJ parece ter sido concebida a partir de determinado tipo de PJ, sem nenhuma previsão das suas possíveis aplicações em outros setores (ARAÚJO, 2012). Mencionados juristas entendem ser a personalização “uma técnica jurídica utilizada para se atingirem determinados objetivos práticos – autonomia patrimonial, limitação ou supressão das responsabilidades individuais – não recobrindo toda a esfera da subjetividade, em direito” (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2014, p. Os mesmos autores justificam que nem todo sujeito de direito é uma pessoa, pois a legislação reconhece direitos a determinados agregados patrimoniais, a exemplo do espólio e da massa falida, sem personalizá-los e sustentam que as relações das quais uma PJ é parte são sempre relações entre homens, dizendo respeito unicamente a interesses humanos.
Para tanto, aborda o que diz a Constituição e a legislação infraconstitucional sobre o tema e traz à baila as interpretações favoráveis e contrárias ao reconhecimento da responsabilidade penal das PJs. Finaliza discutindo a inconstitucionalidade do art. º da Lei 9. e tece considerações sobre a violação ao princípio da pessoalidade, individualização da pena e culpabilidade. Na Constituição Federal A responsabilidade penal ambiental é um imperativo constitucional cuja previsão encontra-se no art. É que, tendo conhecimento de que esta barragem poderia causar danos ambientais, seu proprietário deveria, frente ao risco da atividade, edificá-la de forma que pudesse suportar qualquer aumento no nível de água (PETERS; PIRES; HEIMANN, 2015). No entanto, este entendimento não encontra unanimidade na doutrina. Neste sentido, registre-se de plano que Dotti (2018) defende a incapacidade de responsabilização penal da PJ.
Para ele, somente a pessoa física, a quem o Código Civil denominou de pessoa natural, pode ser sujeito ativo da infração penal (crime ou contravenção penal) e receber uma sanção penal (pena ou medida de segurança), já que somente o ser humano, com capacidade de ação, pode ser tido como autor ou partícipe do crime ou contravenção penal: A máxima societas delinquere non potest se mantém invariável nos sistemas penais positivos de um modo geral. O poder de decisão entre o fazer e o não fazer alguma coisa, que constitui a base psicológica e racional da conduta lícita ou ilícita, é um atributo inerente às pessoas naturais. Deveras, registradas de plano as posições antagônicas quanto ao tema, há que se assentar que é relativamente recente a discussão sobre a necessidade de se abandonar o tradicional princípio societas delinquere non potest, postulado clássico do Direito Penal segundo o qual a sociedade não pode delinqüir (LOUREIRO, 2017).
O que começou, sem dúvida, com a tomada de consciência da gravidade crescente dos problemas ambientais mundo afora, a demandar uma superação da própria estrutura dogmática do crime. Na legislação infraconstitucional No ordenamento jurídico brasileiro ainda não foram criadas leis infraconstitucionais que tipificam crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e contra os direitos do consumidor. Assim, em síntese, há a autorização constitucional para o exercício da responsabilidade penal da PJ, entretanto não há lei que a regule. Na realidade, a responsabilidade penal da PJ é matéria que suscita certa controvérsia, e, até há pouco tempo, não comportava a mínima aceitação do Direito Penal, porém, diante do crescimento do número de sociedades empresárias cujas atividades põem em risco o meio ambiente e a quase impossibilidade de estabelecer a autoria do fato, passou-se a admitir a responsabilização da PJ sob o prisma penal, numa dogmática pró-ambiente.
Apesar de ser conhecida como a “Lei dos Crimes Contra o Meio Ambiente”, “Lei dos Crimes Ambientais” ou “Lei Penal Ambiental”, a lei aborda, não apenas infrações penais ambientais e o processo penal, mas também as infrações administrativas ao meio ambiente, a responsabilidade civil e os requisitos para a cooperação internacional. Desta forma, as denominações iniciais estariam equivocadas, sendo mais técnico denominá-la simplesmente de Lei Ambiental, o que optou-se por fazer. Inicialmente, critica-se a Lei 9. pela excessiva quantidade de normas penais em branco, normas que requerem a busca de complementação em outros enunciados normativos, normalmente administrativos, já que tal praxe se revela mitigadora do princípio da legalidade. Da mesma forma, a lei é censurada pelo uso excessivo de termos vagos ou abertos que demandam ou permitem valoração subjetiva por parte do Estado-juiz, afrontando, assim, a própria CRFB/1988 no que concerne ao princípio da reserva legal em matéria penal, como se pode extrair, por exemplo, do tipo penal aberto do art.
Questão que se deve analisar aqui é a possível ausência de dolo ou culpa da pessoa física, para isso mister se faz trazer à colação o enunciado normativo do § único do art. do CP, que estabelece a excepcionalidade do crime culposo ao prescrever que, salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Neste caso, ausente o dolo e a culpa, ante a vedação da adoção de responsabilidade penal objetiva, não há que se falar em coautoria entre pessoa física e jurídica prevista no § único do art. º da Lei Ambiental: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato” (BRASIL, 1998, on-line).
Nessa esteira, estando a culpabilidade da PJ restrita à manifestação de vontade de quem detém o poder decisório para agir em seu nome e em seu proveito, outra situação perfeitamente possível é a do crime ambiental perpetrado pelo administrador, preposto ou empregado que houver traído os objetivos contratuais, regulamentares ou habituais da empresa, não obstante a diligência desta em tomar todas as medidas e cautelas possíveis para evitar a ação típica (culposa ou dolosa) do agente. Com isso, a aplicabilidade da norma é fonte de polêmicas. Dentre as penas que integram os tipos penais da Lei Ambiental estão as penas privativas de liberdade e, sobre esta particularidade, não há previsão destas penas às PJs na parte geral da lei.
No entanto, ainda restam dúvidas que precisam ser respondidas no momento em que a parte geral da lei for integrada à sua parte especial, posto que as penalidades para as PJs presentes na parte geral da lei, nos arts. e 22, não poderiam ser aplicadas devido à ausência de normas que procedessem à integração entre a parte geral e a parte especial do diploma normativo (REIS, 2017). Neste aspecto, o melhor caminho será o julgador buscar aferir as consequências e a extensão dos danos ambientais, os antecedentes do infrator no que se refere ao respeito à legislação de interesse ambiental e, finalmente, levar em conta a situação econômica do réu, no caso de multa, para depois, então, optar pela pena mais adequada dentre as aplicáveis à PJ, conforme apregoado nos arts.
expõe que a condenação da PJ na esfera penal teria reflexo sobre todos os entes humanos pertencentes ao ente coletivo, mesmo os que forem inocentes. A seu turno, tem-se que a culpabilidade é intrínseca à pessoa humana, pois está centrada na ideia de juízo de reprovabilidade, que recai sobre o sujeito e não sobre o fato. Trata-se de uma associação que é feita entre a conduta do agente e o fato praticado diante de certos elementos. A culpabilidade decorre dos princípios constitucionais da legalidade e da personalidade da pena, corolários do princípio constitucional da dignidade humana (REIS, 2017). São elementos essenciais da culpabilidade “a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude” (REIS, 2017, p. § 3º, que preceitua que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar os danos perpetuados – o que Prado (2020) denomina de mandato expresso de criminalização.
Porém, o grande problema da responsabilização penal de PJs, no Brasil e no mundo, é a questão em torno do princípio da culpabilidade, já que o Brasil não seguiu o exemplo da França que instituiu uma Lei de Adaptação para viabilizar a responsabilidade penal das PJs. A implementação da responsabilidade penal da PJ, segundo Reis (2017), passa, logicamente, por uma modificação ou releitura da dogmática penal clássica com a superação do postulado societas delinquere non potest, com atenção especial para o elemento culpabilidade, que está ligado ainda indissociavelmente à ideia de reprovabilidade de conduta humana. Prado (2020) aduz que a PJ não tem consciência e vontade no sentido psicológico da pessoa natural, chegando a defender que a culpa da pessoa coletiva seria presumida, já que sua responsabilidade se fundamenta na imputação do fato a seu órgão ou representante legal (PRADO, 2020).
Já Cruz (2011) defende que, em relação às PJs, não se pode considerar sua culpabilidade na inimputabilidade pelos motivos de falta de maturidade ou de sanidade mental, de outro modo, tanto a exigibilidade de conduta segundo as normas quanto a consciência da ilicitude podem ser aplicadas às PJs. A responsabilização penal da PJ deve ser considerada um instrumento de controle voltado a objetivos sociais determinados, com isso o uso de providências mais limitadoras atuará de maneira educativa sobre as empresas e sobre a sociedade de modo geral. Utilizado na mais nova doutrina e filosofia concernentes à produção de eficiência nos resultados da Administração Pública, o controle social, em síntese, consiste na participação e manifestação dos indivíduos ou dos grupos de particulares organizados na fiscalização da atuação administrativa, podendo e devendo ser uma nova dinâmica no resguardo do meio ambiente (Reis, 2017).
Portanto, o princípio da culpabilidade da PJ não se refere à vontade, enquanto vínculo psicológico entre a conduta e o agente, mas à reprovação de sua conduta pela sociedade por não cumprir a função almejada pelo ordenamento jurídico. Neste sentido, é imperioso destacar também que os tribunais superiores não discutem a possibilidade ou não de ser responsabilizada penalmente a PJ por delitos ambientais. Atualmente a questão está centrada na admissibilidade ou inadmissibilidade de processamento simultâneo entre a empresa e a pessoa física5, ou seja, a controvérsia não é mais se pode-se ou não responsabilizar a PJ na esfera penal, mas como implementar essa responsabilização. § 3º, da CF/1988, regulamentado na Lei 9. que dispõe no caput de seu art.
º que as PJs deverão ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente quando cometerem infrações oriundas de decisão de seu representante legal, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade, prevendo o seu § único que a responsabilização das PJs não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. Trata-se de um tema carente de adequação processual, sendo necessária a sua pacificação doutrinária e, sobretudo, jurisprudencial a respeito de muitas indagações que surgiram após o mandamento constitucional incriminador do ente coletivo em 1988 e sua regulamentação feita pela Lei Ambiental, mais tarde. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal O STF, a respeito do tema, consolidou o entendimento de que a denúncia deve preencher os requisitos dispostos no art.
da CF/1988 quando a responsabilização penal recair apenas sobre a PJ9. Nesse sentido, quanto a essa questão, no dia 14. foi provido no STF o AgRE 548. PR10, cuja relatora foi a ministra Rosa Weber. De acordo com o voto da relatora, o agravo regimental deveria ser provido para que fosse viabilizado um melhor exame da questão constitucional a respeito do condicionamento da responsabilização da PJ a uma identificação e manutenção, na relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural, exigência que, segundo seu entendimento, não existe no art. Além disso, ressaltou que as organizações corporativas complexas atuais se caracterizam pela descentralização e a distribuição de atribuições e responsabilidades, restando evidentes, nessa realidade, as dificuldades para se imputar um determinado fato ilícito a uma pessoa concreta.
Essa clivagem relativa ao funcionamento das modernas estruturas empresariais, na visão da ministra, em muitas hipóteses, quase que obsta a imputação do fato delituoso a uma pessoa física determinada. Por isso, não se coaduna com a norma do § 3º do art. da CF/1988 o condicionar a responsabilização penal da PJ à imputação cumulativa do ilícito a um determinado indivíduo13. Diante desses argumentos, a ministra Rosa Weber votou pelo conhecimento em parte do RE 548. Apesar das razões ventiladas nas divergências, a 1ª Turma do STF, por maioria de votos, conheceu em parte do RE e, nessa parte, tal como se observou no voto da relatora, conferiu-lhe provimento. Logo, pode-se concluir que o STF vem admitindo a possibilidade de a PJ figurar, isoladamente, em ações penais que versam sobre crimes ambientais15.
No que toca à legitimidade ativa nas ações de habeas corpus, os tribunais superiores também possuem entendimentos dissonantes, visto que o STF não admite que a PJ impetre o writ, ao contrário do STJ, como já demonstrado. Notório que o habeas corpus, apesar de se localizar topograficamente no CPP em sede de recursos penais, guarda natureza jurídica de verdadeira ação penal que tem como objetivo tutelar a liberdade de locomoção da pessoa física. Trata-se de um salvo-conduto requerido ao Poder Judiciário para que o impetrante recupere sua autonomia de vontade para que faça de seu corpo “um instrumento de geográficas idas e vindas”16. O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça O primeiro ponto a ser analisado refere-se aos requisitos da denúncia formulada pelo Ministério Público contra a PJ.
Conforme o entendimento do STJ – também chamado de Tribunal da Cidadania –, é necessário que a peça inicial acusatória indique a relação das pessoas denunciadas, as condutas concretas (omissivas ou comissivas) da PJ e física, demonstrando cabalmente o liame entre o agir ou omitir-se e a suposta prática delituosa. Extrai-se dessa jurisprudência que a Corte tem considerado válida a denúncia por delito ambiental que não descreve minuciosamente as atuações individuais dos acusados, contudo, a peça exordial deve demonstrar a ligação existente entre a conduta e a prática do crime ambiental20. Quanto à legitimidade passiva da PJ nas ações que envolvem crimes ambientais, o STJ, até o ano de 2005, entendia que o ente moral não podia se apresentar em juízo por se tratar de uma ficção jurídica, considerando inepta a exordial que não contivesse o nome do sócio/diretor, como se extrai do Habeas Corpus 21.
PE21, de relatoria do ministro Gilson Dipp, julgado em 21. Dessa forma, como o STJ entende que só é possível responsabilizar penalmente a PJ juntamente com a pessoa física, se esta for excluída do polo passivo da ação por não ser responsável pelo delito, nos casos em que houver concessão de habeas corpus, deverá, consequentemente, ser trancada a ação em relação ao ente moral29. Por fim, quanto às penas aplicáveis à PJ, elas podem ser de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade, além da possibilidade de aplicar a liquidação forçada da empresa e a desconsideração da personalidade jurídica em alguns casos de delitos ambientais30. Em suma, pode-se resumir que o entendimento do STJ em relação à responsabilização penal da PJ em crimes ambientais se dá no seguinte sentido: a) a PJ pode ser sujeito passivo de delitos ambientais, desde que sua conduta esteja associada à conduta da pessoa física, aplicando-se o sistema da dupla imputação; b) admite-se que o ente moral seja paciente em habeas corpus nos casos de crimes ambientais, desde que a pessoa física também figure conjuntamente no polo ativo da impetração; c) a responsabilidade do administrador da PJ deve ter como fundamento a existência de dolo e culpa; d) a denúncia deve demonstrar um liame entre o agir dos réus e a suposta prática delituosa; e) a ausência da pessoa física no polo passivo da ação penal torna inviável o seu prosseguimento em face tão somente da PJ; f) o habeas corpus não é o meio hábil para o exame de provas, para o seu manejo se deve presumir uma ilegalidade ou abuso de poder; g) as penas aplicadas à PJ são autônomas podendo ser de multa, prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da personalidade jurídica.
CONCLUSÃO A relação de completa dependência entre homem e natureza é indissociável, sabendo-se que esta relação é indispensável para a sobrevivência da população em todo o mundo. Porém, essa relação tem sido caracterizada pelo uso desenfreado dos recursos naturais, tornando cada vez maiores, desta forma, a prática de atos nocivos ao patrimônio ambiental e cultural. Portanto, resta plenamente demonstrada a necessidade de incidência da reação punitiva estatal sobre as PJs que lesam o meio ambiente e o patrimônio cultural, bem como se evidenciou o importante papel desempenhado pelo Judiciário de modo geral na tutela ecológica, o que se verifica notadamente em razão dos deveres de proteção socioambiental do Estado, juntamente com a sociedade, conforme mandamento expresso do art.
caput, da CRFB/1988. Nesse sentido, à guisa de exemplo, pode-se mencionar o reconhecimento pelo STF do dever de solidariedade que se projeta a partir do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que implica existir um dever de tutela ambiental também por parte da coletividade, designadamente, por parte dos atores privados, e não apenas do Estado. Com essa postura, o Poder Judiciário, em especial o STF, ao estabelecer o alcance e sentido das normas constitucionais como seu guardião-mor, pela via da interpretação judicial, vem alargando o elenco dos princípios e deveres fundamentais na esfera ambiental, mesmo que não estejam expressamente contemplados no Estatuto Maior de 1988. Nada obstante, considerando o próprio enunciado normativo do inc. Curitiba: Juruá Editora, 2012. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Princípio da precaução, direito penal e sociedade de risco.
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