RELAÇÕES ESPECIAIS DE EMPREGO: EMPREGADOS DOMÉSTICOS E OS REFLEXOS DA COVID-19

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Aprovado em: BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________________________ Professor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Faculdade IBMEC Instituto Damásio de Direito ______________________________________________________________ Professor xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Faculdade IBMEC Instituto Damásio de Direito Ao Universo, por ter me dado forças e sabedoria para caminhar em busca de mais uma conquista. A minha família, em especial ao meu esposo Marcos Alexandre de Paiva, por todos os esforços realizados, carinho e dedicação, aos meus pais por sempre estarem ao meu lado, e, em especial aos meus filhos que sempre me encheram de amor nas horas mais difíceis. AGRADECIMENTOS LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ADCT - Atos das Disposições Constitucionais Transitórias CC - Código Civil CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CRFB/1988 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CTPS - Carteira de Trabalho e de Previdência Social EC - Emenda Constitucional EPI - Equipamento de Proteção Individual FENATRAD - Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social IRPF - Imposto de Renda Pessoa Física LC - Lei Complementar MP - Medida Provisória MPT - Ministério Público do Trabalho nCoV - Novo COVID OIT - Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial da Saúde PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios SARS - Síndrome Respiratória Aguda Grave TRT - Tribunal Regional do Trabalho RESUMO Ao longo da história, o trabalhador doméstico tem sido discriminado, estigmatizado, desvalorizado e desrespeitado em seus direitos.

Direitos há muito já conquistados por outras classes de trabalhadores, apenas em 2015 foram estendidos aos trabalhadores domésticos e diferenças e estigmas preocupantes parecem ainda persistir. Esta monografia objetiva discutir a evolução dos direitos conquistados pelo empregado doméstico ao longo dos tempos e as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores no período da pandemia. Discriminação. Ausência de políticas públicas. ABSTRACT Throughout history, domestic workers have been discriminated against, stigmatized, devalued and disrespected in their rights. Rights that have already been conquered by other classes of workers, only in 2015 were extended to domestic workers and differences and worrying stigmas still seem to persist. This monograph aims to discuss the evolution of the rights acquired by the domestic employee over time and the difficulties faced by workers during the pandemic period.

Discrimination. Absence of public policies. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1 O EMPREGADO DOMÉSTICO 12 1. Conceito e evolução (histórica e legislativa) 12 1. Abordagem antropológica 18 1. A subalternidade que acompanha essa atividade ainda permeia resquícios da formação escravagista do Brasil. A discriminação de gênero e classe social também foi um fator que contribuiu para que o trabalho doméstico não fosse reconhecido como uma ocupação de relevante importância. A falta de qualificação para a execução dos serviços domésticos, atrelada à falsa ideia afetiva que, pela peculiaridade da profissão incutiu-se nessas trabalhadoras, foram fatores que favoreceram a permanência da informalidade e da constante ideia restritiva de seus direitos. No entanto, após décadas de restrição de direitos, foi promulgada a LC n.

que dispõe sobre o contrato de trabalho do empregado doméstico e seus direitos. Esta estigmatização se tornou ainda mais evidente com o problema da Pandemia do Covid-19, em que muitos empregados perderam seus empregos ou que estão sendo submetidos a outras situações humilhantes, perigosas e, porque não dizer, desumanas, como, por exemplo, serem obrigados a trabalhar e a enfrentar transportes públicos superlotados para chegar até o trabalho em tempos que o Covid-19 está em plena ascensão e vitimando milhares de pessoas por dia. Ou, ainda, em razão do fechamento das escolas, não terem com quem deixar seus filhos, obrigando-os a levá-los para o trabalho, situação esta que no início do mês de junho de 2020 levou à morte do menino Miguel, de 5 anos em Recife, que foi deixado pela mãe aos cuidados de sua patroa por alguns instantes, momentos estes que foram suficientes para que o menino caísse do 9º andar de um prédio e viesse a óbito em seguida.

A metodologia empregada na realização desta monografia foi a pesquisa bibliográfica realizada a partir de materiais já publicados, a exemplo de doutrinas, artigos científicos, documentos eletrônicos e legislações pertinentes à temática abordada, especialmente a CLT, CRFB/1988 e EC n. regulamentada pela LC n. Para consecução dos objetivos propostos, este estudo encontra-se estruturado em três capítulos. Essa polêmica se deve a questão ligada à mentalidade colonialista que ainda se mantém e define a forma de pensar e de agir dos brasileiros. São atributos desse colonialismo que ainda persistem e influenciam o processo legislativo e jurídico. O trabalho doméstico é esse exemplo de luta para assegurar direitos a um segmento social, que foi repetidamente esquecido. Dessa forma, a batalha pela isonomia e resguardo legal é um exemplo dessa negação histórica dos direitos sociais dessa classe trabalhadora.

Estabelece o art. Entre as ex-escravas libertas e os ex-senhores, a ideologia que prevalecia na relação de trabalho impunha às mulheres negras e ex-escravas os cuidados. Consequentemente, o trabalho doméstico teve predomínio absoluto na vida das mulheres negras, não restando configurado, em alguns casos, somente como uma porta para ingressar no mercado de trabalho, mas, sim, como a única possibilidade de ocupação que essas mulheres possuíam4. Erigiu-se ao trabalho doméstico, a partir da abolição da escravidão, um cenário que até os dias atuais ainda se pode vislumbrar, qual seja, o tríplice preconceito que envolve gênero, raça e classe social. Ademais, a questão da subvalorização do trabalho doméstico atrelado ao não reconhecimento do seu valor econômico em uma sociedade tipicamente capitalista como a brasileira, findaram por massacrar essas profissionais com uma invisibilidade social e jurídica por longos anos.

Nesse diapasão, fazem notar Correia e Biondi: No caso específico do trabalho da empregada doméstica, o paradoxo antes denunciado (tensão entre não-valor econômico do trabalho e dificuldade de se lhe atribuir real valor jurídico, em vista mesmo de forças econômicas, que pretendem que o não-valor trabalho continue a gerar valor para o capitalista) é mais facilmente denunciado. Referido Decreto-Lei tornou obrigatório o emprego de carteira de trabalho ao empregado doméstico, documento em que deveriam ser realizadas as anotações necessárias (art. º), além de ter instituído o aviso prévio de 8 dias para ambas as partes em caso de rescisão de contrato (§ 1º do art. Ademais, expôs os deveres do empregador e do empregado, previu multas e veio com o compromisso de realizar os estudos que se fizessem necessários para que fosse estabelecido um regime de previdência social aos empregados domésticos.

Porém, a sua efetiva vigência demandava regulamentação, como previsto em seu art. º, o que nunca ocorreu, permanecendo esta categoria de trabalhadores sem nenhum respaldo jurídico. º como “os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”8, os empregados domésticos passaram a contar com diplomas legais específicos apenas à época do governo Médice, quando foi editada a Lei n. O conceito de empregado doméstico passou a ter contornos diversos da forma estabelecida na CLT, posto que a natureza do serviço desta modalidade de empregado deixou de ser vista como não-econômica, passando a ser percebida como tendo um fim não lucrativo. Afinal, o serviço doméstico, por atender a uma necessidade, realmente tem um fim econômico, não obstante não tenha o lucro como finalidade.

A definição trazida pela já revogada Lei n. em seu art. O art. º da CRFB/1988 especificou que “são assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à Previdência Social”13. Assim, houve a previsão dos seguintes direitos aos empregados domésticos: aposentadoria; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço prestado, sendo o mínimo de 30 dias; 13º salário; férias remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do valor pago pelo salário normal; previdência social; irredutibilidade do salário, exceto em caso de negociação; licença de 120 dias à gestante, sendo preservado seu emprego e salário; licença-paternidade; repouso de um dia semanal (de preferência os domingos) mediante remuneração; e salário mínimo14.

Novamente algumas características diferenciadoras dessa ocupação (não gerar lucro, ser desempenhada em âmbito doméstico tendo como empregador uma pessoa física, dificuldade de fiscalizar o trabalho destes profissionais em razão da inviolabilidade do lar, dentre outros) foram citadas como argumento para que os domésticos não fossem igualados aos demais trabalhadores. Porém, muito embora a CRFB/1988 não tenha equiparado os trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores, foi grande o avanço que trouxe se comparada à legislação de 1972, pois os direitos foram ampliados na medida do possível naquele momento. O marco da equiparação dos domésticos com os demais trabalhadores se deu com a EC n. que alterou a redação do parágrafo único do art 7º da Constituição Federal garantindo aos domésticos: salário, jamais inferior ao mínimo; para aqueles que recebem remuneração variável, proteção ao salário, passando a ser crime sua retenção dolosa; trabalho normal com duração que não exceda a 8h/dia e 44 h/semana, havendo a possibilidade de compensação de horários; redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; remuneração do serviço extraordinário superior a 50% ao valor da hora habitual; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, exceto se aprendiz, quando a idade passa a 14 anos.

Os direitos relativos ao FGTS, seguro desemprego, remuneração do trabalho noturno, salário-família, assistência gratuita aos filhos e dependentes até 5 anos de idade em creches e pré-escolas e seguro contra acidentes de trabalho, foram regulamentados recentemente, através da LC n. após mais de 2 anos de inércia do poder legislativo. Abordagem antropológica As pesquisas ao longo de anos vêm estabelecendo padrões na análise do mercado de trabalho das domésticas. Apenas em Salvador houve crescimento de 3,4% em relação ao período pesquisado19. Entretanto, os últimos números mostram o crescimento do emprego doméstico. O percentual do trabalho doméstico havia declinado pela migração de mulheres jovens para o setor de serviços, com a crise essa situação parece ter se revertido.

Uma grande maioria era obrigada a permanecer na casa de seus empregadores em horário integral, gozando folga a cada 15 dias. Esse perfil mudou consideravelmente, pois segundo pesquisa do Dieese20, em 1992, esse cenário representava quase 1/4 (22,8%) da totalidade de empregadas domésticas, índice que diminuiu para cerca de 2,0%, em 2015. Essa situação pode ser vista de forma positiva, uma vez que a diminuição de profissionais dessa área denota mais oportunidades profissionais à mulher em outras atuações no mercado de trabalho. Especificamente à faixa etária, segundo a PNAD-2014, o trabalho doméstico remunerado é composto majoritariamente por mulheres adultas, idade entre 25 a 39 anos (Fortaleza, 35,8%; Salvador, 38,2%) e entre 40 a 49 anos (Recife, 35,0%; São Paulo, 33,8%). Na região de Porto Alegre, a maioria dessas trabalhadoras tinha entre 50 e 59 anos (33,9%)22. Conforme já dito, as pesquisas mais recentes apontaram para o envelhecimento dessa classe, tendo em vista que a colocação de mulheres com faixa etária maior que 50 anos é muito difícil, especialmente quando essas trabalhadoras têm baixo nível de escolaridade.

O nível de escolaridade também é um indicativo importante no perfil dessas trabalhadoras. a profissão amarga grande precariedade. Em 2014, apenas 30% da categoria possuía registro em carteira de trabalho. Esse percentual sobe em 10% se levar-se em conta aquelas que disseram contribuir para a Previdência Social. Assim, em cada 10 trabalhadoras, apenas 4 gozavam de proteção social, com acesso aos “novos” direitos que, transcorridas décadas de atraso, passaram a ser garantidos à categoria24. O subjetivismo nessa relação de emprego pode ser apontado como fator determinante para explicar a falta de formalização do emprego doméstico. Segundo Martins, os elementos fático e jurídicos especiais “são aqueles destinados a categoria do doméstico, sendo requisito essencial à finalidade não lucrativa dos serviços prestados, e a circunstância de serem esses serviços prestados à pessoa ou a família no âmbito residencial”26.

O objetivo da lei é que o trabalho exercido não tenha uma repercussão direta fora do âmbito pessoal e familiar, gerando assim finalidade lucrativa ao tomador dos serviços. A lei n. designa o âmbito residencial não somente a especifica moradia do empregador, mas sim, abrange qualquer unidade familiar que esteja distante do endereço residencial principal da pessoa ou família, mas que tenha como finalidade a atividade de consumo27. A título de exemplificação, é o que ocorre com as casas de campo, praia, com o motorista particular e enfermeiro/cuidador. É importante ressaltar que para ser doméstico basta prestar serviços para empregador doméstico, não importando a função que o empregado ocupa. Delgado e Delgado explicam que: A função doméstica pode ser de faxineira, lavadeira, governanta, vigia, jardineiro, cozinheira, motorista, piloto de avião, médico, professor, acompanhante, garçom do iate particular, segurança particular, caseiro, enfermeira, o marinheiro de barco particular etc.

É necessário que o prestador do serviço trabalhe para uma pessoa física que não explore a atividade do doméstico com intuito de lucro, mesmo que os serviços não se limitem ao âmbito residencial do empregador31. Dessa forma, o médico que vai à casa de um paciente uma vez por semana durante alguns meses para acompanhá-lo é considerado doméstico, o piloto de avião particular, que conduz seu patrão aos finais de semana para uma viagem de compras à cidade de São Paulo é doméstico, a enfermeira ou cuidadora da idosa que em na residência ou mesmo acompanhando a empregadora em hospital particular, é doméstica. Para os fins da lei n. Já a empregada doméstica, deve ser pessoa física, subordinada ao empregador, que pessoalmente presta serviços contínuos na residência de outra pessoa física ou de uma família que não explore atividade que produza lucro, mediante percepção de salário33.

O doméstico deve possuir habitualidade, que se entende a repetição, a sucessividade, a constância, a iteração, na prática do exercício. Doméstica: trabalho em dias alternados. Doméstica que trabalha duas ou três vezes por semana, fazendo serviços próprios de manutenção de uma residência, é empregada e não trabalhadora eventual, pois a habitual idade caracteriza-se prontamente, na medida em que seu trabalho é desenvolvido em dias alternados, verificando-se uma intermitência no labor, mas não uma descontinuidade; logo, estando plenamente caracterizada a habitualidade, Subordinação, pagamento de salário e pessoalidade, declara-se, sem muito esforço, o vínculo empregatício34. A definição de “natureza contínua do trabalho” é diferente daquela de “não- eventualidade” exposto no art. Ao se fazer esse breve histórico da legislação brasileira em matéria de direitos das empregadas domésticas, pretende-se destacar na perspectiva de gênero, as normas trabalhistas que faziam referência (ou excluíam) esta categoria profissional, enfatizando que a ampliação da proteção jurídica das empregadas domésticas foi um processo lento, progressivo e tardio, visto que os principais direitos dos trabalhadores brasileiros foram conquistados por meio de uma única norma – a CLT, que não contemplou os trabalhadores domésticos.

Em 30. por meio do Decreto 16. do Presidente Arthur da Silva Bernardes, foi aprovado o regulamento dos serviços domésticos, publicado no Diário Oficial da União na Seção 1, p. de 02. Segundo, por delimitar as residências particulares como espaço exclusivo de atuação destes trabalhadores (ou a benefício destas). Assim está previsto no art. º: Art. “São considerados empregados domésticos todos aquele que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”42. Chama atenção que o artigo trata dos empregados domésticos como um gênero laboral do qual derivam várias outras espécies de profissão ou misteres, como, por exemplo, cozinheira, jardineiro, copeira, arrumadeira, faxineira, engomadeira, entre outros. Este tratamento excludente em relação aos empregados domésticos na CLT é evidenciado em diversos dispositivos, por exemplo, ao definir quem é considerado empregado.

Observe: Art. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual43. Certamente, neste contexto, a inexp de organização sindical destes trabalhadores, decorrente da própria natureza da atividade, explicou em parte o retardamento na conquista e afirmação dos seus direitos. Foi em pleno regime da ditadura militar, sob o comando do Presidente Emílio G. Médici que foi sancionada a Lei n. posteriormente regulamentada pelo Decreto n. que dispunha sobre a profissão de empregado doméstico e dava outras providências. Em relação à conceituação prevista no art.

º do Dec. Lei n. trinta e um anos após a nova Lei n. praticamente manteve a mesma caracterização do perfil do empregado doméstico, apenas acrescentando a natureza contínua da prestação dos serviços e a finalidade não lucrativa à pessoa ou à família. Ou seja, o serviço do empregado doméstico era visto como um “auxílio” ou uma “ajuda”, razão pela qual a simples retribuição com a alimentação e a moradia, por exemplo, já fazia jus ao esforço empreendido nas atividades da casa. A literatura é abundante54 em caracterizar a existência deste tipo de contrato tácito. Não havia pagamento de salário e nem havia carteira profissional, devidamente assinada. Outro avanço importante diz respeito à dispensa sem justa causa da doméstica gestante, desde a conformação da gravidez até 5 meses após o parto (art.

No final da década de 1980, um ano antes da promulgação da nova Constituição Federal, foi registrado um avanço nos direitos das empregadas domésticas, por meio do Decreto n. Conforme se observa, do conjunto de 34 direitos, foram assegurados às domésticas apenas 09, numa nítida expressão da exclusão histórica, que nem a CRFB/1988, cognominada de cidadã, conseguiu romper. Ficou caracterizado, portanto, que os trabalhadores domésticos não gozam de todos os direitos incluídos do imenso rol do art. º da nova Carta Magna. Porém, importa enfatizar que a CRFB/1988 trouxe certos avanços à categoria, inclusive por ser a primeira Constituição brasileira a tratar de direitos trabalhistas das domésticas. Neste sentido, destaca Martins: Anteriormente à Constituição de 1988, o doméstico podia receber menos de um salário-mínimo (§ 1º do art.

No entanto, esta previsão não se efetivou, posto que o próprio texto da Lei, condicionava esta garantia a uma posterior regulamentação em norma específica, o que só veio ocorrer décadas depois. Assim previa o § 3º do art. que “os trabalhadores domésticos poderão ter acesso ao regime do FGTS, na forma que vier a ser prevista em lei”58. O inc. II do art. o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei n. que alterou alguns dispositivos da Lei n. ampliando os direitos trabalhistas dos empregados domésticos, caracterizando um aperfeiçoamento da legislação pátria em matéria de Direito do Trabalho para a categoria das domésticas. De fato, a Lei n. apresentou diversos avanços para a categoria das empregadas domésticas, a exemplo da estabilidade provisória da doméstica gestante, concedendo-lhes os direitos contidos no art.

º, 12º e 15º)62. Mesmo o Brasil tendo ratificado referida norma internacional na OIT (Decreto Legislativo nº 172/201763), o país vivenciou um período de incertezas, notadamente em face das resistências ao definitivo ingresso da citada norma no ordenamento jurídico pátrio, sendo essa demora no processo de regulamentação da lei do serviço doméstico um dos fatores que talvez explique o fato do país ainda não ser signatário da citada convenção. Neste sentido, havia nítido descompasso entre a norma internacional e o comando constitucional, contido no art. º, § único, cujas interpretações se mostraram claramente discriminatórias ao longo dos anos que se seguiram à aprovação da Carta Cidadã de 1988. Esta situação de descompasso colocava o país numa situação constrangedora, posto que em face de um compromisso internacionalmente assumido com a pauta de proteção e a garantia dos direitos das empregadas domésticas, as discriminações com a categoria, ainda presentes na carta originária, revelava uma fragilidade no que se refere à internalização da norma – Convenção 189 da OIT.

A citada regulamentação somente ocorreu após 2 anos da vigência da EC n. por meio da LC n. sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico. A EC n. e a LC n. Por mais inusitado que possa parecer, somente agora, no século XXI, que essa discriminação foi corrigida. A EC n. representa, portanto, a correção de uma dívida social que a sociedade brasileira e o Estado tinham com essas trabalhadoras, desprestigiadas de direitos que lhes foram negados há anos. É fato que a categoria das trabalhadoras domésticas tem um perfil atípico no que se refere às mobilizações sociais, notadamente em se comparando com o movimento sindical tradicional. Não há relatos na literatura de mobilizações de trabalhadores domésticos em busca de melhores condições de trabalho.

Recorrendo aos conceitos de Silva66, é possível caracterizar, em sentido genérico, a EC n. como uma norma de princípio institutivo ou organizativo, que carecia de normatização infraconstitucional e, por esta razão, possuía eficácia limitada, sem a aplicação direta e imediata. No entanto, alguns direitos previstos na citada norma são de eficácia plena e aplicação imediata, a exemplo da jornada de trabalho de 8 horas (ou 44 horas semanais), o recebimento de horas extras e o reconhecimento de convenções ou acordos coletivos. Por outra parte, os direitos de eficácia limitada e de aplicação não imediata, e que, portanto, careciam de norma infraconstitucional regulamentadora, era o seguro-desemprego, a indenização em demissões sem justa causa, o adicional noturno, o salário-família, o auxílio-creche e o seguro contra acidente de trabalho.

Assim, é possível constatar que a EC n. Outro argumento enfatizado era de que a aprovação da Emenda Constitucional geraria ainda mais exclusão, por meio do aumento do desemprego, notadamente. Após ocupar espaço privilegiado na mídia nacional, o processo de consolidação dos direitos das trabalhadoras domésticas só voltou a ocupar o centro das atenções da mídia ao fim do processo legislativo referente à regulamentação da EC n. Depois de mais de 02 anos da aprovação, foi sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff a LC n. que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico, regulamentando a EC n. Um primeiro aspecto a ser destacado na nova lei complementar é o contrato de trabalho das trabalhadoras domésticas. No tocante à jornada de trabalho, o inc.

XII, do art. º da CRFB/1988, ampliou aos trabalhadores domésticos um máximo de 8 h de trabalho diário e 44 h de trabalho semanal, podendo o trabalhador doméstico fazer opção pelo regime de 12 h seguidas por 36 h ininterruptas de descanso. Essa jornada 12 x 36 não possui previsão expressa na CLT. Portanto, sua realização depende de acordo ou convenção coletiva de trabalho. Nesse regime, o salário será pago na direta proporcionalidade a jornada efetivamente trabalhada e as férias também serão proporcionais73. Por dedução, nesse caso será permitido o pagamento do salário inferior ao mínimo, desde que respeitada a devida proporcionalidade. Ainda no tocante a esse tema, a LC n. possibilitou ao trabalhador doméstico, mediante acordo formal e escrito, a realização de até uma hora extra diária, com limite de 6 h semanais74.

Essa possibilidade difere do que dispõe o art. Também são admitidos outros descontos legais, desde que estabelecidos em lei, a exemplo de IRPF, INSS e o Vale-Transporte75. Referente aos adicionais, a LC n. estendeu aos trabalhadores domésticos apenas o adicional noturno e o de horas extras, não se referindo ao pagamento de outros adicionais, a exemplo de insalubridade e periculosidade. Um dispositivo que gerou bastante controvérsia é o que determina a obrigatoriedade do registro diário do horário de trabalho. Essa imposição ao empregador doméstico não é exigida para outros empregadores que tenham até 10 empregados urbanos, conforme estabelecido no art. introduziu algumas especificidades, como a autorização do trabalhador doméstico que reside no local de trabalho para nele permanecer durante o gozo das férias.

Esse aspecto denota a vulnerabilidade da trabalhadora doméstica, pois apesar do gozo legal das férias, ao permanecer na residência em que labora pode de fato não gozar plenamente das férias anuais remuneradas. É importante ressaltar que é possível dividir o período de férias em 2 períodos ao longo de 1 ano, devendo um deles ser de no mínimo 14 dias corridos, consoante critério do empregador76. A inclusão do trabalhador doméstico no regime do FGTS, que antes era facultativa, tornou-se obrigatório, nos termos do art. da LC n. Não é de todo incomum os registros de situações abusivas de patroas em relação às trabalhadoras domésticas, com incidência de assédio moral, de humilhação cotidiana e até de agressões.

Comumente, esses relatos permanecem sob uma “cortina de fumaça” ou “velados” sob o manto da impunidade. Não se pode fazer vistas grossas para as situações em que os patrões assediam sexualmente as empregadas, reproduzindo uma ação de suposta dominação machista que tem as origens na “Casa Grande” ou nas “Senzalas”. Também não é de todo incomum que esses casos sequer sejam denunciados, permanecendo “encobertos” aos olhos da sociedade e da Justiça. A “sacralidade do lar” também favorece que as violações aos direitos humanos permaneçam ocultas, inclusive em relação ao contexto laboral das trabalhadoras domésticas79. Ademais, a terapêutica do Covid ‐ 19 inclui suplementos nutricionais e oxigenoterapia e em razão do elevado número de pessoas contaminadas, não há vagas em Unidades de Tratamento Intensivo para todos, bem como faltam respiradores, levando os médicos a enfrentarem um conflito ético, tendo às vezes que escolher quem deverá ter acesso a respiradores e leitos em detrimento de outros.

Em 30 de janeiro de 2020, o Covid-19 foi declarado uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional pela OMS.  O Grupo Executivo Interministerial de Saúde Pública foi reativado através do Decreto n. de janeiro).  Suas principais atribuições são: i) propor, monitorar e articular medidas de enfrentamento, alocação de recursos orçamentário-financeiros para implementar as medidas necessárias; ii) estabelecer diretrizes para definir critérios locais para acompanhar a implementação de medidas emergenciais e iii) preparar relatórios acerca da situação de emergência de saúde pública e divulgar aos ministros83. O Brasil, que conta atualmente com cerca de seis milhões de empregadas domésticas, predominantemente mulheres negras e da periferia, muitas destas mulheres se viram obrigadas a permanecer trabalhando, mesmo com o risco de contágio no próprio ambiente de trabalho e nos transportes públicos.

A título de exemplificação, no Brasil, uma das primeiras vítimas fatais do Covid-19 foi uma mulher de 63 anos que trabalhava como empregada doméstica em um bairro da zona sul do Rio de Janeiro. Esta senhora foi infectada por sua patroa que tinha retornado recentemente de uma viagem à Itália87. Outro caso que gerou comoção em todo o país foi a morte de uma criança de cinco anos, filho de uma doméstica de Pernambuco, após ter caído do 9º andar de um prédio quando estava sob os cuidados da patroa de sua mãe, enquanto a funcionária - que precisou levá-lo para o trabalho em razão de não ter com quem deixá-lo naquele dia – cumpria a ordem de levar o cachorro da família para passear88.

Alguns estados brasileiros, a exemplo do Pará e Pernambuco, classificaram o serviço doméstico como atividade essencial expondo as domésticas ainda mais à doença, deixando em evidência uma faceta exacerbada da exploração, típica do capitalismo permeado pelo sexismo e racismo.  Assim, o número de trabalhadores domésticos dispensados sem nenhum direito no período da Pandemia foi enorme92. Ademais, a categoria está exposta a diversos tipos de violências, a exemplo do racismo, discriminação, assédio moral e sexual, não reconhecimento pela sociedade do valor de suas atividades, estigmatização e reduzidos salários, violências estas que se avultaram ainda mais com a pandemia. Para chegar até o trabalho, grande parte destas trabalhadoras necessita de transporte público, na maioria das vezes, superlotado, o que majora o risco não somente de contrair o Covid-19, mas também de transmitirem aos seus empregadores.

No entanto, diferentemente das muitas classes de trabalhadores que puderam cumprir a quarentena e ficar em casa, sem sofrer cortes de salários, este benefício não se estendeu às domésticas. Também, grande parte destas pessoas perdeu seus empregos, pois, tendo em vista que os empregadores tiveram suas atividades afetadas, não foi pequeno o número de domésticas afastadas de suas atividades por meio de um acordo de suspensão autorizado pela MP 936, além de outras tiveram sua jornada de trabalho reduzida e, consequentemente, seus salários. o STF, em julgamento da Medida Cautelar à ADI 6. em seu plenário, decidiu pela constitucionalidade da autorização de contratação individual referida. A MP 937 possibilitou a adoção pelo empregador das seguintes medidas: o teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados; o banco de horas; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; o encaminhamento do trabalhador para qualificação; e o diferimento do recolhimento do FGTS.

O que se percebe é que a MP não se preocupou com a preservação do emprego e dos direitos do empregado doméstico, pois, não assegurou nenhuma medida que permitisse que este profissional pudesse manter isolamento sem que fosse demitido ou que tivesse seus rendimentos suspensos. Recentemente, foi proposto pelos Deputados Hélder Salomão e Benedita da Silva, o PL nº 3977/2020 que autoriza deduzir do Imposto de Renda os salários pagos a trabalhadores domésticos dispensados de cumprir a jornada de trabalho, no período da pandemia de Covid-1994. º, inc. XXII, prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho, através de normas de saúde, de higiene e de segurança. Nesse ponto, é necessário enfatizar que os direitos sociais e os direitos dos trabalhadores, previstos nos arts.

º e 7º do Texto Maior, possuem status material e formal de direitos fundamentais98, no entanto, a situação de risco aos quais os empregados domésticos estão expostos foi negligenciada e nenhuma política pública foi pensada para proteger estes trabalhadores. Especificamente no que tange à mencionada doença, o art. Este, diante dos prejuízos materiais ou imateriais causados aos empregados, ficará, sim, obrigado a indenizar na forma da lei civil99. Sendo assim, todas as medidas de prevenção/combate ao coronavírus (Covid-19), impostas pelas autoridades competentes, devem ser rigorosamente observadas pelos empregadores. Ademais, tal como ocorre nas empresas, entende-se que os empregados domésticos também têm o direito de receber gratuitamente EPIs, a exemplo de máscaras e álcool gel, que servem para neutralizar os riscos existentes no ambiente laboral, o que também pouco se observa no caso dos empregados domésticos, elevando ainda mais a vulnerabilidade destes trabalhadores.

Nesse sentido, a portaria conjunta n. de 18 de junho de 2020 estabeleceu as medidas a serem observadas visando prevenir, controlar e mitigar os riscos de transmissão da COVID-19 em ambientes de trabalho diversos, no entanto, foi revogada no dia seguinte. CONCLUSÃO O cenário de desvalorização, precariedade e vulnerabilidade no qual estão inseridos os trabalhadores domésticos ainda é uma realidade no mundo, em que pese as conquistas legais atribuídas a categoria em um esforço mútuo de organismos internacionais e nacionais. Essas profissionais, pela peculiaridade na execução de seus serviços, bem como, pela falta de profissionalismo que impera nas suas atividades, ainda são sujeitas a uma condição de trabalho informal e, na maioria das vezes, indigna. A diferenciação legislativa que regeu por décadas o seu modo de trabalho no Brasil chancelava a cultura colonialista e preconceituosa que, pela inércia normativo-legislativa se buscava mascarar.

Portanto, a isonomia atingida foi, na verdade, uma reparação histórica justa e tardia, sobretudo, em uma sociedade que tem seu texto maior, princípios fundantes de isonomia, valor social do trabalho, repúdio à discriminação de garantia de direitos fundamentais. O Estado democrático de Direito não poderia permitir e sustentar que essas trabalhadoras vivenciassem situações de desprezo social, econômico, político e normativo, em uma conformação fática ignorada ao longo de muitos anos. jan/dez 2003. BOND, Letycia. Vulnerabilidade de trabalhadoras domésticas aumenta na pandemia. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil. leg. br/ legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3078-27-fevereiro-1941-413020-norma-pe. html. Acesso em: 16 Jul. BRASIL. Lei n. de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências.

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