Mediação Familiar Brasil-Portugal

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

Tal egoísmo não será redimido apenas para ser utilizado em intentos dos mais diversos, mas engendrará uma transformação da maneira como se compreende o homem e se lida com ele. O “Homo Sapiens”, como explica Corção, descrito até então por sua racionalidade, se transmudará em “Homo Economicus”, caracterizado pela objetiva e fria produção de riquezas1. Entende-se o Homem Máquina, assim como o Homem Econômico como fruto do processo de industrialização e maquinaria, porém, desde antes de tais eventos a ideia é formulada. Como elucida Corção2, antes de Denis Popin fazer efetivamente funcionara máquina a vapor, já Julien Offray de La Mettrie3 delineava os conceitos de “Home Machine” e ajudava o início da disseminação da ideia do homem como “máquina de produção econômica” entre as mentes dos economistas.

A concepção do ser humano como meio útil para a produção de riquezas, mergulhou as relações sociais em frias e irreais formas de abordagem. Em referido estudo Arendt8 compreende que dois fatores são cruciais para a assimilação do ser humano e de seus relacionamentos: a igualdade e a diferença. Para Arendt9, a igualdade, inicialmente, designaria a dádiva potencial do mútuo entendimento. Somente por intermédio da igualdade seria praticável o compartilhamento de qualquer coisa - seja por tornar exequível a comunicação entre estruturas mentais (fonéticas, corporais etc. compatíveis ou por se fazer necessária diante da viabilização da composição de um relacionamento. Posteriormente, a diferença faria da comunicação faculdade indispensável. Ao permitir a expressão e a crítica de diferentes valores, entendimentos e vivências, o conflito pode apresentar-se como ferramenta para o desenvolvimento e mostrar-se, inclusive, necessário para que não se prestigie um processo quase que inevitável de estagnação.

A origem dos conflitos Segundo Ury12, os conflitos costumam ter como origem, as mais das vezes, os seguintes fatores: a) em decorrência de objetivos ou metas diferenciadas; b) por conta de percepções diferenciadas sobre um mesmo tópico; c) por uma comunicação deficiente entre as partes; ou d) por conta de desvios de personalidade. Assim, as chamadas “metas diferenciadas” dão causa a conflitos quando, no estabelecimento das mais diversas aspirações por uma das partes e na execução dos planos almejados, resta evidente a incompatibilidade perante as metas traçadas pela outra. Já as “percepções diferenciadas” das partes acerca de um mesmo tópico ou objeto segundo Ury13 dão causa ao conflito quando uma delas formula um determinado posicionamento, a partir do conjunto de valores que possua como referência, que sejam próprios de sua cultura, sendo este posicionamento contrário ao da outra parte.

Assim, pessoas de diferentes culturas apresentam valores e entendimentos distintos e antagônicos entre si, o que torna comum os conflitos entre elas. Nesse mesmo sentido, percebe-se que os conflitos são inerentes aos seres humanos e às relações sociais e que eles, quando bem administrados, são positivos e necessários para o aprimoramento das relações interpessoais e sociais, pois têm a possibilidade de transformá-las. Portanto, o conflito representa elemento necessário ao aprimoramento das relações e, em razão disso, deve-se destacar a importância do estudo do conflito e as perspectivas modernas nas quais a análise se apoia. O atual momento tem favorecido o desenvolvimento de ciência denominada “conflitologia”, que estuda, descreve e analisa a reunião de conhecimentos e habilidades transdisciplinares centradas no conflito18.

A cultura da judicialização dos conflitos O escopo do exercício jurisdicional centrado na paz social sobrevém do fato de que os conflitos19 tem geralmente, um caráter comunitário não se reduzindo a uma questão puramente privada. A comunidade se mostra, de certo modo, pela diferença entre seus membros, o que é creditado às fortes solidariedades decorrentes do teor marcadamente fechado sobre si da vida destes grupos. O ato de julgar consistiria em apartar esferas de atividade e delimitar as pretensões de um e as pretensões do outro, corrigindo e equilibrando as distribuições injustas notadas quando uma das partes usurpa o campo de exercício do direito de outra parte26. No entanto, certamente não é possível reter o ato de julgar em sua finalidade de curto prazo, já que o próprio processo, mesmo que limitado, é a codificação, o ritual pelo qual passa um fenômeno mais amplo: a conflituosidade.

Por detrás do processo e para além do ato de deslindar a controvérsia há o conflito, a pendência, e mais ainda, no plano de fundo do conflito, há a violência que torna o julgador uma opção da sociedade contra ela, descortinando-se o horizonte mais remoto do ato de julgar: a paz pública e não somente a segurança. O Estado confiscou para si o ato fundamental de dizer a justiça privando o indivíduo de fazer a justiça-vingança ou a justiça com as próprias mãos, no entanto, como fazer com que a finalidade de longo prazo seja conjugada com a finalidade próxima, perfazendo a totalidade do ato de julgar, ou seja, deslindar o conflito e promover não somente a pacificação imediata que a sentença se propõe, mas a efetiva paz pública e, particularmente, a paz entre os personagens diretos do litígio? Deslindar um conflito é demarcar o que é de um e o que é do outro, mas a finalidade da paz pública seguramente denota algo mais profundo, que alberga o reconhecimento mútuo27, resolvendo o conflito de forma ampla e com plena aceitação do resultado pelos envolvidos já que eles mesmos fixam as regras.

O Direito Fundamental do Acesso à Justiça e os obstáculos para seu pleno exercício e eficácia Dentre as tarefas do Estado está a de organizar a sociedade. A MEDIAÇÃO E OUTROS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS A chamada crise do Direito é, no seu aspecto epistemológico, uma forma de expressar em poucas palavras que o positivismo já não é considerado o único fundamento filosófico possível para o Direito. Ele afasta a análise da legitimidade das decisões tomadas e, ainda, não considera o direito efetivo, ou seja, na sua prática dentro da realidade complexa. Os cidadãos já não acreditam como antes na capacidade do Judiciário de solucionar conflitos atendendo a uma concepção de Justiça, vinculada aos valores da sociedade e, por isso, buscam alternativas para tratar seus problemas32.

Hoje o Direito volta-se mais para o aspecto teleológico e visa libertar-se da visão reducionista e binária do positivismo. Assim, pode abrir espaço para diversificar nas formas possíveis de tratamento de conflito33. Com raras exceções, o momento conciliatório tornou-se um mero ato processual a ser ultrapassado, em que as partes participam muitas vezes desinformadas do papel que devem desempenhar, pois devem estar cientes que participarão ativamente na resolução. Além da falta dessa habilidade de informar as partes, alguns entendem até mesmo que o acordo pode ser facilmente descumprido pelo outro, pois teria um valor inferior ao de uma sentença judicial. A ausência de noções fundamentais (de consciência e informações conceituais básicas) difundidas na sociedade brasileira e entre os operadores do Direito perfazem a engrenagem de uma coluna salomônica de resolução de conflitos dentro da estrutura estatal, contornada por métodos auto e heterocompositivos, mas que não contribuem para o fim proposto que é um desenrolar efetivamente adequado do tratamento dos conflitos de interesse.

Perigo esse que promove censuras, que rompem a sucessão de instantes no tempo processual, dispersa os sujeitos em suas posições e funções, golpeando a consciência das relações que se formam durante o processo de resolução de um conflito37. Um conflito será resolvido através da autocomposição, quando as pessoas envolvidas empreendem esforços na resolução dos seus problemas. Não raro, a submissão à arbitragem é avençada contratualmente, previamente a manifestação de qualquer conflito, diante da imponência do negócio celebrado, por ser mais vantajoso aos contratantes que buscam evitar os caminhos tortuosos da jurisdição. A condução na resolução do conflito, por sua vez, segue o parâmetro heterocompositivo e assim como na adjudicação (sentença judicial), a sentença arbitral deverá ser cumprida pelas partes, e é alçada ao status de título executivo judicial42.

Humberto Dalla Bernardino de Pinho classifica os principais mecanismos disponíveis em puros e híbridos. Será puro aquele mecanismo em que a solução do conflito se dá sem qualquer interferência jurisdicional, como na mediação, conciliação e arbitragem. Será híbrida, a via para a resolução do conflito em que, em algum momento, mesmo que para efeitos de mera homologação, há a participação do Estado-juiz, como a conciliação obtida em audiência ou no curso de um processo já instaurado, a transação penal, a remissão prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e o termo de ajustamento de conduta celebrado numa ação civil pública43. Portanto, segundo Wener47, é possível classificar os métodos autocompositivos da seguinte forma: a.

Método autocompositivo típico: não há nenhuma interferência de terceiros, sendo o resultado obra do esforço empenhado pelos envolvidos na solução do conflito. Ex. negociação direta. b. Conciliação A conciliação ou a settlement conference como é conhecida no direito inglês, é um método autocompositivo atípico em que as partes negociam para chegar a um acordo, auxiliadas por um terceiro imparcial. É um instrumento adequado para a resolução de conflitos de fundo patrimonial, em que os envolvidos detêm uma relação pontual. Exemplo: Um casal de noivos contrata empresa para a confecção e colocação dos móveis da cozinha em seu imóvel recém-adquirido, a qual promete a entrega em até 60 dias, numa data que precedia em três meses a data do casamento.

No entanto, faltando dois meses para o casamento e já perfazendo um mês de atraso da data prometida, os móveis ainda não estavam na cozinha dos noivos. Diante da proximidade da celebração do matrimônio, os noivos êm a clara preferência pela efetiva entrega e colocação dos móveis ao invés da devolução do dinheiro, já que a contratação de nova empresa extrapolaria a data prevista para o casamento. CPC) ao mencionar que “antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes”52. Chegando ao acordo, judicial ou extrajudicialmente, o juiz poderá homologá-lo, o qual constituirá título executivo judicial (art. II, III CPC). Além disso, nem sempre haverá concessões recíprocas na conciliação, por isso, a transação é um dos resultados possíveis (o mais comum) da aplicação deste método compositivo.

Também não devemos confundir a conciliação com a mediação, como ocorre no direito norteamericano, italiano e mexicano53, pois a atuação do facilitador é bem distinta em cada método. de 1850, em que não se admitia que uma causa comercial fosse proposta perante o juízo contencioso, ressalvadas algumas exceções, sem que se tenha tentado o meio da conciliação (art. O Decreto 359 de 1890 extinguiu a obrigatoriedade da tentativa conciliatória, sob o argumento de que a prática teria revelado a onerosidade do instituto e sua inutilidade como instrumento de composição dos conflitos. A obrigatoriedade da conciliação pautou com relevância a evolução do nosso ordenamento processual. Após este decreto, muitos Estados optaram por manter a conciliação, mas em caráter facultativa, geralmente confiada à Justiça de Paz.

José Carlos Barbosa Moreira relata as idas e vindas da obrigatoriedade do regime de conciliação (Lei 8. que instituiu as comissões de conciliação prévia com o objetivo de promover a conciliação prévia à demanda judicial trabalhista. O art. D inserido na CLT por força da lei tornou obrigatória a tentativa conciliatória de qualquer demanda trabalhista, o que foi declarado inconstitucional pelo STF. É importante salientar que a decisão do STF se refere apenas ao caráter obrigatório da medida, não fulminando a possibilidade de tentativa conciliatória em uma CCP, mas em caráter facultativo ao empregado e ao empregador. O posicionamento contrário à obrigatoriedade da tentativa conciliatória previamente a ação judicial encontra respaldo no princípio da inafastabilidade da jurisdição expressa no art.

º, VII da CRFB que pugna pela solução pacífica dos conflitos. Mesmo caminho segue União Europeia, quando publicou a Diretiva 52/2008 convocando os países membros a reorganizarem suas legislações processuais de modo a incentivar a utilização do instrumento conciliatório, além de promovê-la especialmente na resolução de conflitos extraterritoriais60. Importante ainda salientar que, em 2017, a Lei 13. que concretizou a reforma trabalhista, inovou ao estabelecer um procedimento para homologação de acordos obtidos extrajudicialmente. Segundo o art. p). Demonstrada a linha tênue que diferencia conciliação de mediação, passa-se a uma discussão pormenorizada sobre a mediação. Mediação A mediação é o mecanismo adequado para a resolução de conflitos de base continuada. No Brasil a mediação é difundida com maior destaque no âmbito das relações de família, mas em todo mundo, é realizada também no ambiente empresarial para resolver divergências trabalhistas e corporativas, na área da saúde, para resolver conflitos de vizinhança, enfim, para solucionar questões policonflituosas.

Rodolfo Mancuso62 faz menção ainda, em suas palavras, a uma “aplicação interessante da mediação”, no processo de recuperação de empresas, na medida em que o art. Nos EUA é importante destacar a Pound Conference que amplificou a prática mediativa nos país a partir de 1976. Na mediação o terceiro imparcial tem a incumbência de facilitara comunicação entre os participantes para que estes busquem todas as razões potencializadoras do conflito deflagrado a fim de desmanchá-lo, alcançando voluntariamente uma solução mutuamente aceitável. A negociação é a base da mediação. Os conceitos da prática negocial aplicam-se na mediação com o objetivo de facilitar o desenrolar da disputa e o diálogo racional assume vital importância para o alcance de um resultado positivo.

É um procedimento sem formas rígidas, distante das regras processuais institucionais e que prima pela experiência e conhecimento do mediador. As vantagens da mediação são: i. confidencialidade; ii. o custo reduzido quando comparado com o processo judicial; iii. não se limita às pretensões objetivas, abrindo a possibilidade de resolver definitivamente o conflito sem a permanência de ruído sobressalente, já que se buscam as raízes do conflito, emergindo-as para que o impasse possa ser plenamente solucionado (resolvendo a chamada lide sociológica e não somente a lide jurídica); iv. a preservação de relações continuadas, por vezes definitivamente rompidas após a decisão judicial que decreta o vencedor68. O mediador deve ter a capacidade ativa de percepção e competência para lidar com uma situação caótica e em desequilíbrio, assim como os protagonistas do conflito precisam se despir do medo e das incertezas que os levam a espera de alguém que lhes apresente uma solução.

A mediação é conhecida por contar com a interferência de um terceiro menos ativo do que na conciliação, facilitador das possibilidades de um acordo, voluntária e mutuamente aceito pelas partes em relação às questões em disputa, que desejaram substituir a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal73. Caracteriza-se por uma grande liberdade que, no entanto, não é total. Os programas de mediação partem de um protocolo, ou seja, um processo (aqui também há um ritual) onde o sucesso será alcançado se as partes desejarem participar da mediação, comprometendo-se a respeitar os procedimentos antes de se engajarem no diálogo. O trabalho começa normalmente a partir de um consentimento prévio entre os sujeitos envolvidos no litígio sobre a maneira pela qual o processo mediativo será conduzido.

MEDIAÇÃO FAMILIAR EM PORTUGAL Item a ser desenvolvido 2. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA MEDIAÇÃO FAMILIAR Item a ser desenvolvido 2. OBJETIVOS DA MEDIAÇÃO FAMILIAR Item a ser desenvolvido 2. FASES DO PROCESSO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR Item a ser desenvolvido 2. O CÓDIGO EUROPEU DE CONDUTA DOS MEDIADORES Item a ser desenvolvido 2. Nesse sentido, elucidativa é a lição de Tartuce que assim explana: Ante a presença de tantos elementos sentimentais, exige-se dos operadores do direito envolvidos no tratamento da controvérsia familiar, além de uma sensibilidade mais acentuada, uma formação diferenciada para que possam lidar eficazmente com as perdas e as frustrações das pessoas quando do fim de seus projetos pessoais78. A consciência de que mediante uma separação, a convivência pacífica e respeitosa pode e deve existir entre as partes, é suficiente para que uma ruptura não desencadeie mágoas e frustrações, situações estas, que quando ocorrem, faz com que todos, inclusive terceiros, fiquem sujeitos a sofrimento, uma vez que, a ruptura afeta não só as partes que decidem pela separação, mas, também, pessoas que estavam ligadas ao cotidiano e à vida dos ex-companheiros.

Ademais, outras intercorrências de grande magnitude podem se instalar, a exemplo da alienação parental e o abandono afetivo. Quando os conflitos familiares fogem ao controle dos integrantes da família, não mais é possível poupar os filhos menores de presenciarem discussões, que vêm muitas vezes acompanhadas por ofensas, gritarias e decisões precipitadas. Esses conflitos geralmente fogem da compreensão das crianças e adolescentes, sendo provável que os impactos psicológicos causados a eles sejam de grande seriedade, podendo, inclusive interferir em sua formação e crescimento. Levando em conta essas disposições, Mendonça considera importante: [. desviar a criança o menos possível de sua rotina antes da separação. Há muitos homens que, ainda casados, são verdadeiros pais de fim de semana e, depois da separação, decidem brigar por igualdade de convívio.

Muitas vezes a criança, especialmente se for pequena, não vai querer ficar com ele82. Portanto, pode-se concluir que por mais que o conflito possa existir, e a ruptura se concretize, o relacionamento de pais e filhos pode e deve seguir de maneira saudável, em virtude de respeito e harmonia de todos, porém, os interesses do menor devem ser tratados como prioridade no contexto social e jurídico. O termo sistema refere-se a um todo e como um organismo biológico ou social, existe dentro de uma totalidade integrada, cujas propriedades decorrem das relações de suas partes86. Para a ciência sistêmica, qualquer organismo é uma totalidade integrada; portanto, um sistema vivo é uma totalidade, cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependência de suas partes.

Os sistemas só podem ser compreendidos dentro de um contexto do todo maior, são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores, enfatizando-se os princípios básicos de organização. Para a Concepção Sistêmica da Vida, só podemos entender os fenômenos dentro de um contexto relacional e dentro de um todo maior87. O pensamento sistêmico trouxe um marco tão determinante na mudança do pensamento científico que os paradigmas vigentes não mais se bastavam. Uma vez atingido um ponto crítico, o sistema é forçado a evoluir para uma nova estrutura95. Outro critério chave do pensamento sistêmico é a sua capacidade de deslocar a própria atenção de um lado para outro entre níveis sistêmicos, os quais representam diferentes níveis de complexidade.

Em cada nível, os fenômenos observados exibem propriedades que não existem em níveis inferiores, ao que alguns autores denominam de hierarquia dos sistemas96. São diferentes níveis suprassistêmicos e intrassistêmicos, em diferentes níveis de complexidade, sendo todos igualmente importantes para a manutenção da coerência. Nas palavras de Werner Heisenberg, um dos fundadores da teoria quântica: “o mundo aparece assim como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo”97. A Fenomenologia (do grego phainesthai aquilo que se apresenta ou que se mostra) é o estudo das experiências sensoriais diretas e se apoia na percepção do participante, na compreensão vívida de suas experiências subjetivas.

Esta visão dá importância aos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos, já que um fenômeno não é guiado pela lógica, raciocínio ou vontade. A fenomenologia pede por uma experiência sensorial imediata. Vivenciar o fenômeno representa a sua essência, a sua “significação”103. As Constelações Familiares não são e não podem ser definidas como um método, pois se utilizam do método fenomenológico, um método que considera comunicante o que acontece a cada segundo com toda a sua subjetividade. Na Hellinger Sciencia®, as Constelações Familiares não se caracterizam como um método em si, sua prática terapêutica foi desenvolvida e é guiada por sua concepção e postura filosófico-fenomenológica e, através das Ordens do Amor, oferecem uma ampla visão do “funcionamento das relações” nos diferentes grupos105.

Assim, em nossa reflexão, as Constelações Familiares se apoiam nas estruturas teóricas dos aportes da Abordagem Sistêmica106 e incorporam os princípios da Concepção Sistêmica da vida, nos pressupostos de inter-conectividade e inter-relacionamento das partes com o todo formando uma intricada e complexa rede de relações comunicantes. As Constelações Familiares mostram o processo evolutivo sistêmico nos movimentos de “repetição com diferença” apoiados na multigeracionalidade e nas lealdades vinculares, quando da básica e vital, busca de pertencimento do indivíduo a seu grupo familiar107. As Ordens do Amor da Hellinger Sciencia® oferecem uma ampla visão do funcionamento das relações nas esferas pessoal, familiar, social e empresarial. As Ordens do Amor instituem as leis para os relacionamentos humanos e se baseiam nos princípios de ordem, vínculo e equilíbrio, princípios norteadores para o funcionamento relacional de qualquer grupo e também, incorporam os princípios da Concepção Sistêmica da Vida, da Multigeracionalidade e das lealdades em sua configuração108.

A desunião, seja física ou emocional, causa o desequilíbrio dessas forças, resultando no adoecimento (ou emaranhamento) da família113. A terapia Familiar Sistêmica é um procedimento em que o terapeuta pede para o sujeito montar a sua constelação familiar, mostrando os relacionamentos ou exclusões entre os membros da família, Quando a pessoa excluída aparece no sistema, a imagem se transforma. O sujeito observa a imagem da constelação e o terapeuta o ajuda a encontrar a ordem114. Do arcabouço teórico-prático clássico da Terapia Familiar Sistêmica aponta-se a teoria das Lealdades Invisíveis, estabelecidas nos grupos multipessoais, uma contribuição de Boszormenyi-Nagy e Spark115 e os conceitos de Salvador Minuchin116 sobre a Estrutura, Hierarquia Familiar e o Filho Parental que também se mostram presentes nas similitudes dos aportes das Constelações Familiares.

Observa-se que a visão relacional sistêmica de Maurizio Andolfi sobre Mitos, Rituais e Regras, contribui pra a compreensão da intergeracionalidade e por último, porém não menos importante, os conceitos de Multigeracionalidade, Diferenciação do self, Parentificação e Triangulação de Murray Bowen117 se mostram estruturantes nesta reflexão. As lealdades invisíveis podem ser sistemicamente observadas nos sintomas de uma família, nas disfunções individuais de seus componentes ou mesmo, na disfunção de todo o grupo familiar. Para Boszormenyi-Nagy e Spark126, muitas questões não representadas em uma geração podem permanecer habitando na família como um “presente ausente”, pois, assim como Hellinger127, Boszormenyi-Nagy e Spark128 apontam a importância vital da família no desenvolvimento humano. Salvador Minuchin, outro autor clássico da Terapia Familiar Sistêmica, concebe a família como o grupo fundamental à vida.

Minuchin criou a Escola de Terapia Estrutural, na qual a organização e o contexto social da família estruturam e garantem o desenvolvimento, proteção e a aprendizagem de padrões de interação humana129, validando as experiências individuais intrapsíquicas a todos os seus membros. Uma similitude apontada entre as abordagens da Terapia Estrutural e Constelações Familiares é que ambas convergem em sua visão sobre a família como sendo um sistema governado por regras estruturais e hierárquicas. A Terapia Estrutural é voltada para ação e mudança, incluindo o terapeuta como membro corresponsável no processo, formando o sistema terapêutico. O diagnóstico estrutural se baseia na observação das relações entre os membros familiares, considerando as alianças de proximidade dos subsistemas, as tensões relacionais e o estabelecimento das fronteiras relacionais.

Para este diagnóstico, Minuchin137 desenvolveu a Técnica do Mapa Familiar, uma representação gráfica que exibe as hipóteses diagnósticas do terapeuta sobre as distâncias relacionais e os vínculos, suas tensões e fronteiras. Um mapa familiar apresenta uma realidade parcial e transitória das relações familiares, podendo ser utilizado em vários momentos ao longo do processo terapêutico. O mapa familiar pode ainda ser construído em conjunto com a família ou cliente individual, possibilitando a representação de uma imagem interna da família e cada um de seus membros sobre suas relações. Como por exemplo, mesmo que um homem de um núcleo familiar faleça, sua posição de marido e pai não desaparece com sua ausência, seu lugar não pode ser ocupado.

Um novo marido da esposa não pode ocupar o lugar de primeiro e sim o de segundo, tampouco o lugar de pai e sim o de padrasto. Com a inclusão e consideração dos membros familiares mortos, a estrutura do sistema permanece em ordem. Para a Hellinger Sciencia® a ausência dos mortos na estrutura familiar altera toda a sua conjuntura, derivando assim dinâmicas e emaranhamentos na vida dos membros pertencentes ao sistema147. A alteração da ordem nas funções ou papéis dos membros familiares tem suas dinâmicas de consequências fatidicamente impostas nas vidas dos envolvidos. Boszormenyi-Nagy e Spark153 propõem que o sentimento de culpa pode ser motivador para sua busca de reparação ao grupo; neste aspecto, também Hellinger154 considera que as dinâmicas de “culpa” e “inocência” da consciência são, consequentemente, causadoras das dinâmicas de expiação, movimentos compensatórios que atuam na busca de manutenção do vínculo de pertencimento e de equilíbrio nos sistemas.

Nesta busca de pertencimento à família, os mitos são construídos entre as gerações como forma de explicar a realidade emocional do grupo155. Mitos podem ser histórias, ditados ou afirmações compartilhadas na família que generalizam a realidade, unindo o pensamento fantástico e ilusório acerca de papéis e funções maritais, parentais e de gênero. Também se estendem ao modo de como os membros da família se relacionam com o mundo exterior e a vida profissional156, repercutindo ambiguidade afetiva das relações, no desejo do amor, no pertencimento e no medo de perdê-lo. A transmissão multigeracional de regras, rituais, mitos e outros padrões relacionais como forma de transmissão cultural e desenvolvimento humano são considerados na Escola de Terapia Familiar Boweniana157.

Bowen162 esclarece que nas relações saudáveis ocorre a alternância nestes movimentos e mantêm um equilíbrio destes opostos, dependendo da necessidade individual ou grupal e dos ciclos de vida vivenciados nos sistemas. Bowen163 foi um dos maiores estudiosos sistêmicos e deu importância à pesquisa sobre as influências e implicações na ordem de nascimento dos filhos ou, posição familiar. A posição entre os irmãos pode ter relevância para a posição emocional da pessoa em sua família de origem em todas as suas relações futuras, com o cônjuge e outras pessoas. Nas Ordens do Amor, Hellinger164 aponta a ordem no grupo familiar não apenas como hierarquia entre as gerações, pais sobre os filhos, mas também, a existência da hierarquia na ordem de nascimento entre irmãos.

Nesta ordem deve-se considerar o pertencimento de todos, inclusive mortes precoces, abortos espontâneos ou provocados e crianças natimortas. A Técnica da Escultura Familiar175 consiste numa intervenção terapêutica que possibilita uma pessoa posicionar os demais membros da família e a si mesmo como esculturas que representem as tensões ou relações intrafamiliares. Todos os membros da família trocam de posições, experimentando o lugar e posição que foi dado a outros e, revezando com a posição do terapeuta, pode observar a escultura externamente. Todos os membros podem criar uma escultura a partir de sua percepção da família. Assim, os membros da família podem observar externamente as suas representações e envolvimentos internos relacionais com os demais membros, processo utilizado nas Constelações Familiares.

Dentre as diferentes escolas da Terapia Familiar Sistêmica, são inúmeras as formas de atuação e técnicas projetivas que possibilitam a criação de representações dos padrões relacionais familiares para diagnóstico e intervenção. Desta forma, apontam que a construção do Genograma ensina ao cliente a pensar sistemicamente, ampliando sua visão sobre si mesmo e sobre o contexto ampliado de sua família (origem e nuclear) em seus aspectos culturais, religiosos, de trabalho, estudo, questões socioeconômicas, entre outros. O genograma pode ser considerado uma ferramenta reestruturante dos sistemas familiares, inclui o “todo” da família e pode ser usado não apenas para identificar os sintomas ou problemas, mas também, usado como intervenção, como se observa nas Constelações Familiares com bonecos.

A estrutura teórico-prática da Abordagem Familiar Sistêmica na Psicologia foi desenvolvida por inúmeras contribuições de diferentes escolas terapêuticas, as quais basearam seus aportes na Teoria Geral dos Sistemas Vivos183 e na Cibernética184 e pode-se considerar muitas similitudes destes elementos conceituais também nas Constelações Familiares. Em comum estas teorias apresentam as noções de estruturação, padronização e ordenação de processos componentes de um sistema aberto. Todas se encontram incluídas em um movimento contínuo de trocas que formam a base de compreensão de seu funcionamento. Nesta questão, Hellinger190 considera que as gestalts abertas consistem nos emaranhamentos sistêmicos e sintomas para os quais o cliente busca solução. Também é possível categorizar o “movimento interrompido”, uma das dinâmicas observadas pela Hellinger Sciencia®, que consiste na interrupção do movimento da criança em direção a seus pais, uma espécie de gestalt aberta, dinâmica correlata aos estudos da Teoria do Apego de John Bowlby191.

Bowlby192 observou a manifestação humana de comportamentos de vinculação, o que se refere a um sistema comportamental regulador na busca de proximidade e manutenção de contato entre a criança e seus cuidadores. O comportamento de vinculação tem uma função de sobrevivência para a criança que busca proximidade às suas figuras de apego (pais e outros cuidadores) a fim de obter segurança e apoio psicológico. Para o autor, os padrões de relacionamento estabelecidos com os pais e cuidadores (modelos de apego) são integrados na estrutura de personalidade da criança, estabelecendo modelos internos gerais de funcionamento que podem determinar características de self frente às situações de vida. Mais do que isso, permite que o conflito seja devolvido aos seus donos, para que eles próprios possam entendê-lo e buscar a pacificação.

No Brasil, não há índices nacionais atualizados a respeito, mas em 2016, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), identificou que pelo menos 11 estados adotam o método em suas varas, obtendo índices altíssimos de soluções, como por exemplo, quando o CNJ premiou um projeto de Goiânia por obter cerca de 94% de solução em disputas da Vara de Família e, em 2013, quando o juiz Sami Storch, após levantamentos, constatou que 100% das audiências de conciliação e mediação em que usaram técnicas da constelação, terminaram em acordo entre as partes e, 59% das partes que participaram, afirmaram ter percebido melhora no relacionamento familiar. Na Terapia Sistêmica, concebe-se que cada ser humano não vem dos pais, mas, por intermédio dos pais.

A criança deve sentir que tem direito de pertencimento (pertinência) ao grupo familiar. Quando ela (ou alguém) é excluído(a) do sistema familiar, esse direito de pertinência é negado, e ela (ou esse indivíduo) perde também a posição de igualdade em relação aos outros membros da família.

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