JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: Ativismo Judicial em Tempos de Efervescência Política
Como metodologia foi empregada a pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas, artigos e legislações que se dedicam à compreensão do tema em análise tornando possível concluir que o controle judicial de constitucionalidade não é corolário da supremacia constitucional. Inclusive, em regimes políticos democráticos, em que as pessoas divergem de boa-fé umas com as outras, é necessário estabelecer um processo decisório que garanta a essas pessoas participação, voz e voto. Assim, em uma democracia, mais que resultados justos, é essencial estipular processos decisórios equânimes. Por essa razão, há uma justificativa moral subjacente à regra majoritária e também ao processo decisório predominante. A instituição natural, portanto, para lidar com esses desacordos morais e políticos é o Poder Legislativo, em virtude de sua eletividade bem como ao controle político eleitoral a que está submetido, de sua numerosidade, pluralidade e organização interna.
Keywords: Politics. Judicialization. Judicial activism SUMÁRIO INTRODUÇÃO 8 1 A VERDADE NO ESTADO MODERNO 10 1. O ativismo judicial em tempos de neoconstitucionalismo 13 1. A busca por respostas jurisdicionais que garantam a supremacia constitucional 17 2 O PROBLEMA DA CORRUPÇÃO POLÍTICA 23 2. Assim, se, como afirma Jose Luis Bolzan de Morais (2018), a sociedade presencia e produz a “sacralização do Judiciário”, maior deve(ria) ser o controle das decisões judiciais, o que implica revisitar o tão divulgado conceito de ativismo judicial. Feitos estes esclarecimentos iniciais, este artigo tem por objetivo discutir a judicialização da política no Brasil. Assim, sob os aportes da Crítica Hermenêutica do Direito, busca-se produzir um tipo de reflexão que lance luzes sobre o modo de compreender a atuação do Judiciário e, assim, possibilite críticas sobre qualquer posicionamento que não seja capaz de provocar a responsabilidade do órgão julgador, como é o caso da defesa de posturas ativistas.
A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas, artigos e legislações que se dedicam à compreensão do tema em análise. Para a consecução do objetivo proposto, esta pesquisa encontra-se dividida em três capítulos. Para Gadamer (1999, p. e]ntender e interpretar os textos não é somente um empenho da ciência, já que pertence claramente ao todo da experiência do homem no mundo. Na sua origem, o fenômeno hermenêutico não é, de forma alguma, um problema de método. O que importa a ele, em primeiro lugar, não é estruturação de um conhecimento seguro, que satisfaça aos ideais metodológicos da ciência – embora, sem dúvida, se trata também aqui do conhecimento e da verdade. Ao se compreender a tradição não se compreende apenas textos, mas também se adquirem juízos e se reconhecem verdades.
Como a corroboração se diferencia da confirmação? É uma propriedade quantitativa das hipóteses o que mede seu conteúdo e sua testabilidade, sua simplicidade e seu histórico de sucesso enfrentando as tentativas de falsificá-las em experimentos. Com efeito, considerada a práxis dos estudos científicos de natureza epidemiológica (ensaios clínicos e revisões sistemáticas, por exemplo), comuns à medicina, à biologia, à química e física – e mais recentemente à economia e ao direito – a busca pela verdade pode ser intensamente orientada por resultados empíricos. Ainda que esta persecução refira-se a uma verdade conjectural e não absoluta, é fato que a melhor decisão sempre será orientada com fulcro na hipótese ou teoria ainda não refutada ou com o menor índice conhecido de refutações.
A busca pela verdade, portanto, talvez seja interminável. A mesma penumbra que torna mais difícil a delimitação objetiva das definições e limites da verdade, também obnubila a demarcação de seu papel e de sua relevância no âmbito do Estado hodierno. O ativismo judicial em tempos de neoconstitucionalismo Extrapolando o paradigma positivista, o sistema de normas jurídicas começou a agregar regras e princípios. Por força do reconhecimento normativo destes últimos, fortemente representados no bojo das cartas políticas, uma nova ideia de Constituição surgiu com base na premissa da interação entre normas, fatos e intérpretes (BARROSO, 2010). Se antes o intérprete encontrava respaldo na discricionariedade para apresentar soluções aos chamados casos difíceis (hard cases), atual mente há suporte dos princípios para orientação dessas decisões.
É possível afirmar, portanto, que talvez o maior impacto do reconhecimento da força normativa dos princípios e da própria Constituição resida nas intensas transformações na teoria da decisão judicial, que passa a ser permeada pelo incremento político do papel desempenhado pelo Poder Judiciário. Esse cenário é marcado pelo ativismo judicial e redunda na judicialização das políticas de Estado, fenômeno que ganhou força no Brasil após a Constituição de 1988, mas que permeia a atuação do judiciário norte-americano há mais de um século (STRECK, 2011). Buscando um conceito que agregue os demais, Sherry (2013, p. sugere que o ativismo judicial estaria presente em todas as decisões do Poder Judiciário que interfiram em atos ou disposições de outros poderes, legislativo ou executivo, federal ou estadual.
Tal definição reconhece o aspecto contramajoritário dessas decisões como o núcleo constitutivo e elemento distintivo do ativismo judicial. Logo, levando-se em conta o ativismo como resultado da constitucionalização do direito e da consequente força normativa dos princípios, é legítimo afirmar que sua principal característica refere-se ao exercício de um poder político pelo judiciário que antes era atípico, como uma forma de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais bem como a supremacia da Constituição. E é justamente este neófito poder político que legitima o juiz-intérprete a desconstruir, contramajoritariamente, decisões ou atos de outros poderes, o que acaba por corroborar as conclusões de Sherry. A atividade hermenêutica esvazia-se e a intervenção do Poder Judiciário nas políticas estatais pode tornar-se arbitrária e, por conseguinte, desprovida de baldrame constitucional.
No Brasil, o papel político do judiciário – e as inseguranças daí decorrentes – tem aumentado a cada dia. As políticas públicas de saúde, por exemplo, têm sido moldadas a partir de decisões judiciais que, invariavelmente, determinam ao sistema público o pagamento e a disponibilização de medicamentos de alto custo, a despeito de maiores considerações técnicas sobre a segurança e eficácia daqueles insumos. O judiciário habitualmente intervém, ainda, em políticas de educação, energéticas, indigenistas e em decisões administrativas do Parlamento. O modelo ativista que grassa no Brasil, ao privilegiar o ativismo como espaço libertário do juiz, representa um desvio às proposições de origem e à própria historicidade dos movimentos que alçaram as cartas políticas ao núcleo do sistema jurídico-político, uma vez que agride a discricionariedade dos positivistas tão somente para substituí-la pela arbitrariedade que, devidamente disfarçada, encontra estofo em uma fictícia técnica de ponderação de princípios.
O que não se admite é que essa superposição seja enviesada por argumentos “exotéricos” ou “invencionismos hermenêuticos” (OLIVEIRA, 2013). O problema, com efeito, centra-se em obter respostas jurisdicionais que garantam a supremacia constitucional, a proteção aos direitos fundamentais, a valorização da verdade e a eliminação de arbitrariedades no âmbito das decisões judiciais ativistas. Ronald Dworkin fornece uma teoria da decisão judicial que resolve, em parte, o problema da falta de controle das decisões judiciais e do desprestígio da verdade. O direito como integridade, ao reconhecer a indispensável integração entre sociedade e intérprete, em uma relação plurissubjetiva, dá um passo inicial em direção à valorização da verdade e ao estabelecimento de limites de conteúdo às decisões judiciais.
O entendimento do direito como integridade passa pela crítica feita por Dworkin (2010) à discricionariedade propugnada pelos positivistas, sua visão sobre o sistema normativo (que agrega regras e princípios) e suas “metáforas do juiz Hércules e do romance em cadeia”. Se há o conflito entre regras, uma delas deixa de ser válida, aplicando-se ao caso o sistema de resolução de antinomias (DWORKIN, 2010). Outra característica ínsita às regras – sempre na lição de Dworkin (2010) – é que sua estrutura admite a descrição de exceções “[. que podem ser arroladas e o quanto mais forem, mais completo será o enunciado da regra” (DWORKIN, 2010, p. Os princípios, por outro lado, não são dotados de implementação resolutiva automática. Ao contrário, têm uma dimensão de maior importância, de modo que uma eventual colisão será solucionada a partir da força relativa de cada um.
o governo deve ser limitado com a responsabilização de seus ocupantes, representantes da maioria; e ii. ao criar um direito novo, o magistrado pune a parte que sucumbiu, posto que o aplica de maneira retroativa (PEDRON, 2009). As considerações dworkianas ganham cores ainda mais fortes e distintas em sua concepção normativa de políticas públicas ou diretrizes governamentais (no original, policies). Isto porque, conforme lembra Pedron (2009), tais políticas/diretrizes revelam objetivos a serem atingidos em uma sociedade, o que demanda a coordenação e gestão de todos os interesses difusos e antagônicos envolvidos, em um processo de concepção e compreensão ampla da sociedade e do Estado. Há aqui, portanto, uma clara prevalência da política, o que restringiria uma possível intervenção judicial.
Para Dworkin (2007), o direito como integridade instrui juízes a identificarem direitos e deveres partindo-se do pressuposto de que todos foram criados pelo mesmo autor (comunidade personificada), evidenciando uma percepção coerente de equidade e justiça. Com amparo em tal perspectiva, as proposições jurídicas são verdadeiras quando constam ou são derivadas da justiça, equidade e devido processo legal, que fornecem a melhor interpretação construtiva da práxis jurídica de determinada comunidade. O direito como integridade revela-se, com efeito, mais inflexivelmente interpretativo do que o convencionalismo ou o pragmatismo; é tanto o produto da interpretação quanto sua fonte de inspiração (DWORKIN, 2007). Dmitruk (2007, p. observa que: [. Com disposição e paciência inesgotáveis, apreciará o caso em todas as suas repercussões fáticas e jurídicas, revelando a única resposta correta subjacente à controvérsia (BRANCO, 2009).
Hércules não escolhe, em momento algum, [. entre suas próprias convicções políticas e aquelas que considera como as convicções políticas do conjunto da comunidade. Ao contrário, sua teoria identifica uma concepção particular de moralidade comunitária como um fator decisivo para os problemas jurídicos; essa concepção sustenta que a moralidade comunitária é a moralidade política que as leis e as instituições da sociedade pressupõem. Ele deve, por certo, basear-se em seu próprio juízo para determinar que princípios de moralidade são estes, mas essa forma de apoio é a segunda daquelas que distinguimos, uma forma que é inevitável em algum nível (DWORKIN, 2010, p. Mas, conforme lembra Duverger (1970), nisto surge um problema que é mensurar o grau de exatidão entre a opinião pública e aquilo que expressa o Parlamento.
Neste primeiro momento não se trata, portanto, de uma relação jurídica entre mandante e mandatário, mas apenas uma relação fática entre a opinião pública manifestada nas eleições e a composição do Parlamento, onde uma semelhança entre ambos culmina por caracterizar a representação política. Aqui o que se faz, concomitantemente, é reconhecer a existência de grupos sociais distintos por diferentes interesses, fundamentando a necessidade de representação política por meio dos partidos políticos, estes que interferem e intermedeiam a prática democrática, e com o alcance inclusive em estabelecer o conceito firmado de democracia representativa ou democracia de partidos. Há neste momento a oportunidade em se estabelecer um regime político plural, para daí se afastar de um regime político unitário.
Mas, com a ocorrência deste primeiro momento em que se distingue um caráter sociológico por uma significação fática, não significa isto a ausência de um segundo momento quando verifica-se a composição representativa por uma vertente jurídica, principalmente quando se assiste à presença dos partidos políticos fazendo parte necessária da atuação governamental, e da própria organização estatal. O modelo direto então seria impraticável nos dias atuais, principalmente pela mudança que se verificou no conceito de Democracia diante do que ocorreu após a Revolução Francesa, providenciando com isto a participação possível do maior número de cidadãos na vida pública. A inviabilização da forma direta como aplicação ordinária, rotineira e cotidiana, em períodos mais atuais, tornou-se clara em função tanto da extensão territorial como do número elevado de cidadãos, realidades modernas que nem de longe se confundem ou se aproximam com o que ocorria nas cidades-Estado da Grécia antiga, onde a população não era numerosa, mas escassa nas cidades, além do que a eleição era censitária (opinar mediante determinadas condições, por exemplo fortuna).
Isto não significa, todavia, que determinados institutos políticos ainda não subsistam na forma direta como é o caso do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular, mas o que se verifica aqui são formas extraordinárias e circunstanciais, e não se confundem com uma atuação rotineira e ordinária de governo. Também deixou-se de lado a utilização da Democracia semidireta, esta que propende em submeter os atos de governo à aprovação do povo – que detém o poder de veto – para que tenham valor e executoriedade. Referido modelo, em termos práticos, também mostrou ser pouco funcional, eis que com motivos próximos ao modelo anterior. Crise de representatividade na Administração Pública Tem-se que a Administração Pública pode ser entendida como uma das manifestações do Estado na gestão ou execução de atos ou negócios do seu interesse, com o objetivo de atender o interesse da coletividade.
Dito de outra forma, é possível afirmar que a Administração Pública é tudo aquilo que se refere ao organismo estatal, ao governo e seus agentes, regulados por intermédio de normas jurídicas impositivas, cujo principal interesse é o interesse público (BARROS, 2009). Nesse contexto, cumpre destacar que a palavra “administração” significa que alguém tem a responsabilidade de cuidar e zelar por determinados bens ou serviços de sua competência. Em se tratando dos bens e serviços públicos, esta competência é da Administração Pública. E tendo em vista que o vocábulo “zelo” remete a “esmero” não se vislumbra possibilidade de ações por parte do político ou do administrador público que não primem pela ética (GASPARINI, 2012). que o Estado brasileiro permanece atrasado e arcaico.
Faoro (2008), ao analisar a atuação de governantes e de outros grupos que dirigiam o Estado, que devido aos procedimentos adotados pelos setores economicamente dominantes, havia um fluxo permanente da ligação entre o estamento patrimonial e a estrutura de classes. Assim, mostra que havia muitas disputas entre as diversas forças sociais na tentativa de buscar e construir propostas políticas que atendessem interesses coletivos. O problema é que em cada conjuntura era perpetuada às mesmas práticas e ações que mantêm um sistema de poder voltado, na verdade, a deixar fora do âmbito político a maioria da população. A democracia, para Faoro, é algo que dificilmente será realizado, não somente porque as eleições são vencidas com promessas descabidas, mas porque o país é refém de sucessivos planos econômicos que ditam a vida política do país.
No Brasil, o coronelismo também é mencionado como um modo de monopolizar o poder. O coronel legitimava os seus mandos e desmandos baseado no seu “status”, assim ele podia exercer o controle absoluto sobre os demais utilizando, para essa finalidade, as instituições políticas, econômicas e sociais. Além disso, intimidava não apenas pelo poder econômico e prestígio, como na época do Império ou da Colônia, os seus tentáculos chegavam à República, já que os eleitores eram coagidos a votar em candidatos pré-determinados: a votação era um jogo “com cartas marcadas”. As Leis do Estado não serviam para coibir as suas ações, os coronéis ditavam as suas próprias. No Brasil, ainda nos dias atuais, em várias regiões mais afastadas dos grandes centros, essa “tradição coronelista” ainda persiste; os detentores do poder local ainda exercem um domínio sobre os cidadãos.
Dentre estas dimensões, enfatiza-se a que afirma que a causa da corrupção pode ser relacionada aos níveis de desenvolvimento de um Estado; ressalta-se também aquela que relaciona a cultura cívica de certa sociedade com a corrupção. Nesse sentido, quanto mais elevados os níveis de confiança institucionais ou sociais, mais os cidadãos teriam interesse e participariam da vida política, e isso já contribuiria significativamente para diminuir os níveis de corrupção (BRANCO; SOUSA, 2012). Questiona-se então: Quais os motivos que motivam uma pessoa ou grupos a praticarem atos corruptos? Entre as inúmeras respostas possíveis, Pilagallo (2013) diz que não se trata de um crime por “paixão”, mas por “cálculo”. Isto é, não se trata de ausência de princípios morais ou ético; na verdade, existem muitas condições que facilitam esse tipo de delito, dentre os quais, a oportunidade que propicia o crime e deixa o autor não descoberto impune.
Destarte, a penalização dos atos corruptos deveria ser feita com a maior rapidez possível, pois contribuiria para coibir tais atos. Nesse sentido, pode-se dizer que a corrupção limita a concretização dos direitos fundamentais, que é a finalidade precípua do Estado Social. Assim, é preciso ter presente o caráter minimalista do exercício da autoridade no Estado democrático e a consciência de que esse exercício é dirigido à consecução de objetivos que pretendam realizar o interesse público. Nesse sentido, o controle interno e o externo se mostram necessários. Passa-se assim, na próxima seção a discutir sobre o funcionamento do controle exercido pelo Judiciário na política. O controle feito pelo Judiciário O Controle jurisdicional é realizado pelo Poder Judiciário em relação aos atos da Administração Pública, de natureza diversas, gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, oriundos de quaisquer dos poderes, mas sempre sob a ótica da legalidade e, mais recentemente, da moralidade.
Referente aos principais atores e relações, o Judiciário atua a partir de motivação de uma parte interessada, que apresenta questão em face de outra parte. Dessa forma, estabelece-se uma relação triangular, em cujo primeiro vértice está a Justiça- em sua estrutura própria, contando com a participação de juiz e promotor de justiça, em um segundo o autor - que pode ser o cidadão, grupo social ou determinada coletividade e no terceiro o Administrador que responde pela ameaça ou lesão a direito (CARVALHO FILHO, 2018). Esse modelo ideal descrito, simplificado, pode restar mais complexo na prática, seja pela inclusão de novo ator como terceiro interessado ou pela aplicação das prerrogativas legais da Administração quando em juízo.
Todavia, é certo que o controle judicial visa proteger o cidadão e a sociedade dos abusos de poder da Administração. Dito isto, passa-se a uma análise pormenorizada sobre a judicialização da política e da crítica à supremacia judicial. A interpretação da corte pode sobrepor-se ao programa governamental eleito, o que minora a legitimidade política de um regime democrático; (c) confiança desarrazoada em mecanismos fiscalizatórios da constitucionalidade de natureza ex post em detrimento daqueles ex ante. Incumbir exclusivamente as cortes de resguardar os direitos se assemelha a “fechar a porteira, depois que a boiada estourou” (GARDBAUM, 2013, p. d) a maneira com que as cortes se organizam e deliberam não é condizente com o poder que lhes é garantido em sistemas de supremacia judicial. A depender do caso julgado, as cortes têm um enorme poderio e falam para e em nome de toda a coletividade – impelindo, até, os demais poderes a seguir a sua interpretação –, e não apenas para as partes diretamente envolvidas na disputa.
Uma leitura absolutamente crítica desse viés e dos arranjos juriscêntricos é articulada por Jeremy Waldron. A deliberação legislativa conta ainda com a diversidade de opiniões, ao passo que as deliberações judiciais ocorrem em um ambiente restrito, pouco numeroso e elitista (GARDBAUM, 2010). Os adversários do modelo de supremacia legislativa, por sua vez, sublinham duas fraquezas principais: (a) a fragilidade dos limites constitucionais impostos ao poder político, como os checks and balances e a accountability eleitoral, em relação à preservação dos direitos individuais, devido à “cegueira” das instituições representativas, que operam sob a lógica eleitoral. Essas instituições não seriam sensíveis a reivindicações originárias de grupos minoritários – por definição sub-representados – o que ocasionaria a inércia legislativa ou o bloqueio, puro e simples, daquelas postulações por iniciativa de partidos, de coalizões governativas ou de grupos de interesses sobrerrepresentados.
Em síntese, os canais oferecidos pelas instituições representativas seriam insuficientes para a proteção dos direitos; (b) o critério eleitoral-procedimental não é o único parâmetro aferidor da legitimidade das modernas democracias constitucionais (GARDBAUM, 2010). Há um segundo, que diz respeito à necessidade de se justificar publicamente todas as decisões estatais. Sob a perspectiva consensualista, o controle judicial de constitucionalidade é mais um veto player que retarda o processo decisório e obriga a maioria a negociar com a minoria. Não é por acaso, portanto, que os argumentos favoráveis traçados acima se aferrem tanto à necessidade de se garantir a preservação dos direitos e dos interesses minoritários de uma sociedade, que, em tese, estão sob o jugo da maioria nas instituições representativas, haja vista que, segundo Baracho Jr.
elas estão firmemente conectadas à dinâmica eleitoral. Em contrapartida, os críticos do constitucionalismo jurídico argumentam, em geral, que esse modelo produz os seguintes custos a um regime democrático: (a) certas disfuncionalidades do sistema judicial podem, também, levar à não efetividade dos direitos; (b) ao lado da subaplicação de direitos, há também a hipótese de sobreaplicação das normas constitucionais, sobretudo daquelas limitadoras dos poderes eletivos. A interpretação da corte pode sobrepor-se ao programa governamental eleito, o que minora a legitimidade política de um regime democrático; (c) confiança desarrazoada em mecanismos fiscalizatórios da constitucionalidade de natureza ex post em detrimento daqueles ex ante. A isso, Dahl (2012) chamou de guardiania. De um modo geral, os defensores da supremacia legislativa aduzem os seguintes argumentos: (a) sob o ângulo da legitimidade, os limites impostos ao poder governamental são políticos por natureza – checks and balances e accountability eleitoral – e, por isso, são mais coerentes com os sistemas políticos organizados a partir de um critério democrático.
Desse modo, as decisões legislativas sobre os direitos e as garantias individuais estão inexoravelmente associadas à participação e ao controle popular; (b) sob a ótica dos resultados – e levando em consideração os desacordos razoáveis que surgem nas democracias modernas – o raciocínio legislativo sobre direitos é frequentemente superior ao raciocínio judicial. Aquele se reporta diretamente ao foco da discussão, explorando sua potencialidade moral e política, enquanto o último se alonga demasiadamente em questões laterais ou secundárias, como a interpretação textual, os precedentes, a aplicabilidade da lei ao caso concreto e, até mesmo, a legitimidade da atuação judicial em resolver determinada disputa. A deliberação legislativa conta ainda com a diversidade de opiniões, ao passo que as deliberações judiciais ocorrem em um ambiente restrito, pouco numeroso e elitista (GARDBAUM, 2013).
ao se referir à justiça procedimental perfeita, cujas características distintivas são (i) “um critério independente para definir o que é divisão justa, um critério definido em separado e antes do processo que se deverá seguir” e (ii) a possibilidade de “elaborar um método que com certeza produzirá o resultado desejado”. Um exemplo bastante esclarecedor desse ideal é a divisão justa de um bolo. Se presumir-se que uma divisão justa é a equânime, qual o procedimento trará esse resultado? A solução seria fazer com que aquele que reparte o bolo fique com a última fatia. Desse modo, ele irá distribuir as fatias de tal modo que a sua não seja inferior às demais. Observe-se que, neste caso, há um critério independente – “divisão equânime” – e um método preciso – “a última fatia é a do divisor do bolo” para que seja possível determinar o resultado justo.
O resultado desejável é que o réu seja declarado culpado somente se for efetivamente responsável pelo crime que lhe é imputado. Apesar de toda a lógica processual ser organizada para se buscar a “verdade do caso”, nem sempre o resultado alcançado é o correto – mesmo que se apliquem com rigor todas as normas jurídicas. Com isso, afirma-se que não há uma vantagem prévia decorrente das capacidades institucionais que possa garantir o resultado correto (BRANDÃO, 2012). A lição a ser aprendida, a partir dessa circunstância da falibilidade, é a de prudência, isto é, que não existe um método ou procedimento capaz de assegurar resultados justos; tampouco é possível arquitetar uma instituição perfeita por mais que se esmere em seu desenho (MENDES, 2011). Assim, resta substituir o juízo determinista por um probabilístico, que maximize a possibilidade de se atingir o resultado justo.
Dois exemplos auxiliarão na compreensão desse argumento bastante abstrato. Lembre-se da ADPF 153, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a constitucionalidade da Lei 6. Lei da Anistia). O STF decidiu, em 2010, que a lei fora recepcionada pela atual Constituição. A decisão da Corte, no entanto, não obstou que o assunto continuasse na agenda política. A questão, contudo, não se encerrou de pronto, pois estava em tramitação no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 182/2007 – “PEC da reforma política”7 – que pretendia inserir no texto constitucional a permissão aos partidos políticos de receber contribuições eleitorais de pessoas jurídicas, o que não ocorreu. Note-se, portanto, que em ambos os casos a “última palavra” foi provisória e circunscrita a uma rodada procedimental.
No primeiro exemplo, devido a uma admoestação internacional e à repercussão interna das investigações sobre o período ditatorial recente, é esperado que o STF volte a julgar a constitucionalidade da Lei da Anistia. No segundo, de modo ainda mais evidente, vê-se a interação interinstitucional a que aludem os entusiastas dos diálogos constitucionais. Cada uma das instituições mobilizou continuamente argumentos a favor ou contra o tema, inaugurando, a cada lance, uma rodada procedimental. A depender da personalidade de quem estiver no comando decisório, uma instituição pode caminhar para um lado ou outro, pode ser incisiva ou cautelosa, ativista ou passivista. Em um sistema de supremacia judicial, por exemplo, os membros de uma corte poderiam optar por uma reiterada postura de reverência ao legislativo – por quaisquer que sejam os seus motivos – que, no extremo, produziria um regime de supremacia legislativa de facto.
Justificativa das democracias para a adoção do controle judicial de constitucionalidade das leis À guisa de uma conclusão para este capítulo, poder-se-ia questionar: por que, afinal, as democracias contemporâneas adotam algum modelo de controle judicial de constitucionalidade das leis? Na contabilidade de Ginsburg e Versteeg (2013), 83% dos regimes constitucionais utilizavam algum padrão para o controle judicial de constitucionalidade em 2011. Essa constatação leva a questionar a principal objeção direcionada a esse instituto: o seu deficit democrático. A realidade coloca um paradoxo: por que a larga maioria das democracias constitucionais contemporâneas adota conscienciosamente o controle judicial de constitucionalidade das leis se, ao fazê-lo, atentam contra a sua própria legitimidade democrática? Referido questionamento poderia ser ainda mais aperfeiçoado: por que a expansão do judicial review é concomitante à expansão dos regimes democráticos? Ou, ainda: de uma forma absolutamente franca: por que políticos autointeressados desenham um arranjo institucional manifestamente desfavorável?9.
Segundo o autor, o que justificaria essa adesão global ao instituto é um raciocínio securitário: assim como a rigidez constitucional, a representação proporcional e o bicameralismo10, o judicial review serviria como uma garantia para as elites políticas dominantes no momento de transição para o regime democrático – ou seja, no processo constituinte. Antecipando-se às incertezas que o futuro lhes reserva, esses grupos procuram fragmentar ao máximo o poder político de tal forma que uma eventual derrota eleitoral não irá significar o seu próprio sepultamento11. Ginsburg, portanto, assim como Dahl (2009), situa o judicial review dentro do sistema político e não como uma instituição apartada e alheia a ele. Uma previsão genérica sobre arranjos constitucionais constataria que: “o poder constitucional explícito e o acesso ao judicial review será maior onde as forças políticas forem mais difusas do que onde um único partido dominante existir ao tempo da elaboração da constituição” (GINSBURG, 2003, p.
Do ponto de vista securitário, é possível compreender a ligação existente entre a expansão do judicial review e dos regimes democráticos: aquele é uma resposta às incertezas introduzidas pela disputa eleitoral. Esse novo regime político é consequência da judicialização da política, que pressupõe uma ampla (ou hiper) e ambiciosa constitucionalização de direitos a serem efetivados via poder judicial. A tese subjacente a esse discurso é a de que as constituições são um vetor para mudanças sociais. Nesse sentido, o judicial review passa a ser um dos protagonistas nos regimes juriscêntricos. No caso do Brasil, a CF/1988 introduziu um novo equilíbrio no sistema de separação de poderes, que foi nomeado por Vieira (2008) como supremocracia. Esse termo diz respeito tanto à autoridade que o STF passa a exercer dentro do Poder Judiciário, mas também ao alastramento de sua autoridade para o restante do sistema político, eclipsando os demais poderes.
Como sugerido no quarto capítulo, seguindo o raciocínio de Pogrebinschi (2011), o controle de constitucionalidade pode ser entendido como uma instância aperfeiçoadora da legislação, que instiga a deliberação e a interação entre os poderes. Caracterizá-lo como mais um veto player na cadeia decisória é uma atestação mais realista do papel a ser desempenhado pelas cortes. O exame desta questão sob essas lentes também sugere uma estratégia para desatar o nó górdio da legitimidade moral do poder conferido às cortes para anular uma lei aprovada por um parlamento. O estabelecimento de um órgão externo às instituições representativas incita justamente essa abertura institucional, pois os parlamentos não operam segundo as normas idealizadas por Jeremy Waldron. Dizer que os parlamentos, apenas porque seus membros são eleitos, incorporam plenamente a vontade majoritária é ilusório.
Entende-se que é insubsistente o temor de que uma constituição degenerar-se-ia em uma mera folha de papel caso não fosse munida de um sistema de controle judicial de constitucionalidade das leis. Compartilha-se do ceticismo de Waldron no que tange à superioridade deliberativa inata das cortes, no entanto diverge-se do jurista neozelandês quando ele afirma que o judicial review é irremediavelmente antidemocrático. Mais do que isso, o controle judicial pode servir como um instrumento de fragmentação do poder político, premissa não negligenciável na organização de regimes democráticos. Entende-se, e a teoria dos diálogos institucionais evidencia isto, a interpretação da constituição é um empreendimento compartilhado entre os poderes. Dessa forma, a interpretação constitucional precisa levar em conta o sistema político-constitucional como um todo.
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