EVOLUÇÃO HISTÓRICA E JURÍDICA DO OLHAR SOBRE A CRIANÇA

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Pode-se citar também que o trabalho escravo de crianças e mulheres ainda era comum. O Código Criminal de 1830 denominava “menores” as crianças de classe baixa, escravas e pobres, sendo assim tratadas de forma marginalizada, o que levou à criação da doutrina de situação irregular (ANDRADE, 2018). No Brasil, a proteção à infância foi amplamente discutida em 1922, no I Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, presidido por Mancorvo Filho. Por meio do Decreto n° 16. as primeiras normas afetas à Assistência Social foram criadas, visando proteger menores abandonados e delinquentes. As condições socioeconômicas dos pais das crianças e adolescentes eram usadas como pretexto para a penalização dos menores pobres, já que eram considerados abandonados todos aqueles privados de alimentos e cuidados indispensáveis à saúde por parte dos pais podendo desta forma, ser retirada a guarda e interná-los em asilos ou orfanatos.

A ênfase na internação e na institucionalização era muito grande (LIBERATI, 2012). Com relação aos “delinquentes”, no Código de Menores de 1927, as medidas eram bastante punitivas. Sendo que, neste Código, é possível perceber a tendência de concentrar quase todos os poderes nas mãos dos juízes, detentores de toda a autoridade para determinar o destino das crianças e adolescentes, ou seja, se eles deveriam ser ou não institucionalizados. Estava previsto que, no caso de ausência de instituição para menores, ou intensa gravidade do delito praticado por adolescentes, os mesmos poderiam ser encaminhados a prisões comuns, mas ficando separados dos adultos. Por isso a criminologia manda estudar acurada e minuciosamente cada criminoso, para ministrar-lhe um tratamento individualizado, e não uma pena geral, estabelecida pela lei como panaceia infalível em todas as enfermidades sociais.

É o que deveria ser também o abrigo provisório de menores: um instituto crimino-pedagógico, destinado à observação direta dos pequenos abandonados e delinquentes, sujeitos a julgamento; e, ao mesmo tempo, um posto de estudo das questões relativas à criminalidade infantil, à reforma dos faltosos, à preservação e educação dos desprotegidos (MACHADO, 2003, p. De acordo com José de Farias Tavares (2010), uma década após a implantação do Código de Mello Mattos, não foram sentidas grandes mudanças na política de atenção à infância e juventude, sendo que os juízes tinham como principal pressuposto a aplicação da lei, assim como a criação de outros juizados de menores em demais localidades do País. Nesta época o Brasil ainda sofreu mudanças estruturais (industrialização, crescimento desordenado dos centros urbanos e dos problemas sociais), mas a mudança mais contundente aconteceu no cenário político com a chegada ao poder de Getúlio Vargas, em 1930.

Este período histórico no Brasil ficou conhecido como Estado Novo (1937 – 1945), sendo que esta “nova” perspectiva seria dada ao setor social, e foi denominada Estado-Social Brasileiro. Os programas supracitados tinham como fundamentação primordial oferecer assistência e educação básica à população menor de idade, assim como, oportunizar estratégias de trabalho e renda. Lembrando que estas ações eram compulsórias, e de iniciativa direta do Governo Federal, sem falar que, na maioria das vezes, eram arbitrárias e autoritárias. Em âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi a primeira que reconheceu as necessidades de cuidados e assistência especiais quanto à infância e às pessoas abrangidas pelo grupo heterogêneo. A partir disso, muitas outras leis trataram sobre o assunto, como a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959.

Destacamos o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), que tratou da importância das crianças e adolescentes desfrutar a vida e a saúde, protegendo-os de trabalhos nocivos à saúde e à moral. Costa (1994) afirma que a PNBEM estabelecia uma gestão centralizadora e verticalizada, tornando uniformes e padronizados os serviços de atenção aos menores brasileiros, assim como, o conteúdo, o método e gestão implementados, sendo que, o órgão nacional dessa política chamava-se Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), e os órgãos estaduais responsáveis pela execução dos serviços eram as Fundações Estaduais do Bem–Estar do Menor (FEBEMs). Com vistas a implementar a PNBEM e a FUNABEM, o discurso correcional-repreensivo foi modificado para um enfoque de caráter assistencialista, que passava a abordar o “menino carente”.

E tomou-se como padrão de normalidade para suprir estas carências, os filhos da classe média, ou seja, as crianças e adolescentes que não se encaixam aos padrões da classe média são tidos como carentes bio-psico-socio-culturalmente, e necessitavam de intervenção estatal e institucional (BAPTISTA, 2006). Embora apregoasse um novo tratamento ao menor no Brasil, a Política Nacional de Bem-Estar do Menor, sucumbiu às antigas práticas e aos os antigos “vícios” do Serviço de Assistência ao Menor. Muito disso se deve ao fato da FUNABEM ter sido erigida sob os escombros de seu órgão antecessor (herdando material, prédios e, sobretudo, pessoal). Separava-se também, além da faixa etária e do sexo, os irmãos e os parentes, lembrando que nestes locais as fugas eram constantes, assim como, o processo de superlotação destas unidades.

Costa (1994) aponta que o que se viu foram práticas correcionais repressivas, assistencialistas e educativas convivendo de forma justaposta, no interior da FUNABEM e das suas congêneres estaduais. Neste período, o ciclo perverso baseado na institucionalização compulsória, resultante das leis 4. e 6. começa a provocar repúdios de ordem política, principalmente ética de diversos setores ligados à questão dos direitos humanos. Constituindo-se um grupo de não cidadãos, pelo fato de não poderem participar dos benefícios urbanos. Na tentativa de modificar este cenário de exclusão social, e atuando especificamente com o público infanto-juvenil, destaca-se a Pastoral do Menor, que desde a sua criação, em 1977, focou na promoção e proteção à vida da criança e do adolescente empobrecido e em situação de risco, desprovidos de seus direitos fundamentais.

A fundação da Pastoral do Menor marca uma mudança na concepção do trabalho pastoral entendido pela Igreja Católica (BUSATO, 2016). Deve-se enfatizar neste período o surgimento da Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, o Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua e a Comissão Nacional Criança e Constituinte. Costa (1994) ressalta que apesar das mudanças sociais e democráticas que se instauravam no País, na década de 1980, eram extremamente visíveis nas ruas os meninos e meninas em situação de desamparo, assim como, por trás dessas crianças e adolescentes, também podia se observar as famílias vivendo em periferias sem condições mínimas de bem-estar e de dignidade. O referido dispositivo constitucional ensejou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que se traduziu pela Lei nº 8.

uma lei alinhada aos princípios internacionais de direitos humanos, ainda desconhecidos da sociedade brasileira, o que vem ensejando um natural debate sobre a sua oportunidade e aplicação. O ECA de 1990 solidificou e disciplinou a nova postura desenhada na Constituição Federal de 1988 de que cabe à família, à escola, às entidades de atendimento, à sociedade e ao Estado resguardar os direitos das crianças e adolescentes e zelar para que não sejam violados ou ameaçados. Conforme sustentado por Pino (1990), a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no ano de 1990 constitui um marco político na história recente daqueles que atuam em defesa da infância brasileira. A importância desse marco não reside na promulgação da lei em si nem na crença de que a partir do ECA há a esperança de que a situação dessa parcela enorme da população irá realmente se modificar.

Para a eficiência desses programas, é estabelecido no Estatuto sua municipalização, a integração operacional das ações e a manutenção de fundos vinculados aos Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DUPRET, 2010). Tal como tratado em Frota (2008), o Estatuto está embasado na doutrina jurídica da proteção integral, consubstanciada na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unida sem 20 de novembro de 1989 e transformada em lei no Brasil pelo Decreto 99. Lima (2008) salienta que nessa convenção é definido como criança todo ser humano menor de dezoito anos de idade – mas no Brasil é criança aquela com até doze anos incompletos, sendo os indivíduos com idade entre doze e dezoito anos tratados como adolescentes –, a não ser que a legislação do país atribua que a maioridade seja alcançada mais cedo.

Nela, a criança é tratada como sujeito de direitos, impondo que lhe seja dedicada proteção especial e prioridade. São estabelecidos vários direitos, devendo o Estado proporcionar educação primária gratuita, proteger contra a exploração econômica, estabelecer idade mínima para a admissão ao emprego, proteger contra o envolvimento no tráfico e uso de drogas bem como proteger a criança contra a exploração e o abuso sexual. Referida Convenção, como tratado em Lima (2008), seria aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto-Legislativo nº 179 em dezembro de 1999, e promulgada em fevereiro de 2002 pelo Decreto nº 4. passando a vigorar a partir de junho do mesmo ano. O ECA é composto por dois livros. O livro I trata dos direitos sociais, como saúde, educação, convivência familiar e comunitária e lazer, que são dirigidos a todas as crianças e adolescentes, sem exclusão de qualquer natureza.

O livro II dirige-se às crianças e aos adolescentes em situação de risco pessoal e social em razão de sua conduta, ou da ação ou omissão dos pais, da sociedade e do Estado. Tal finalidade pode ser percebida a partir da arquitetura desta legislação que traz em sua estrutura uma lógica de cooperação entre os órgãos, o que não impede que na prática se estabeleça a concorrência por recursos, espaço, poder e prestígio. Sobre os aspectos positivos advindos com a CF/1988 e com o ECA, Passetti (2000) afirma que a partir da CF/1988 houve o fim da estigmatização formal da pobreza associada à delinquência dos menores, e iniciou-se uma maneira diferente de pensar a partir do Estatuto, como, por exemplo,ao abandonar-se o termo menor, por ele ser carregado de preconceitos e interdições.

O autor afirma que o ECA é a legislação mais avançada para a criança e o adolescente criada no Brasil, mas que ainda pode ser melhorada. Ishida (2016) argumenta como sinais promissores do Estatuto a crescente mobilização social no Brasil em prol dos direitos da criança e do adolescente e a pressão da comunidade internacional frente à violação dos direitos da população infanto-juvenil, fazendo com que o governo brasileiro mantenha essa questão na ordem do dia. Também salienta como fator positivo o ingresso de novos agentes na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, como sindicalistas e empresários. A legislação que protege as crianças e os adolescentes no Brasil é considerada como uma das mais avançadas do mundo; mas, para além do papel, a infância brasileira caminha lentamente rumo à proteção de seus direitos, entre eles, o de conviver em uma família.

Portanto, apesar dos esforços legislativos empreendidos até o presente momento e da relativa melhoria na condição de vida da população infanto-juvenil carente, o estado brasileiro ainda é omisso em políticas públicas que protejam integralmente todas as suas crianças. Por fim, vale salientar que apesar das dificuldades de se elaborar um panorama que esgotasse os antecedentes jurídico-institucionais relativos à trajetória da extensão da cidadania à parcela infante e adolescente da população brasileira, o objetivo foi o de proporcionar um panorama geral que evidenciasse os avanços formais no que tange à garantia de direitos a essa população, a despeito dos permanentes obstáculos que impedem a consolidação, de fato, desses direitos. REFERÊNCIAS ANDRADE, Franklyn Emmanuel Pontes de. Evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.

BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia R. F. L. br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao. htm. Acesso em: 10 abr. BRASIL. Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990. p. COSTA, Antônio Carlos Gomes. De menor a cidadão. In: COSTA, Antônio Carlos Gomes; MENDES, Emílio Garcia. Orgs. São Paulo: Ceats/FIA, 2010. FROTA, Maria Guiomar da Cunha. A cidadania da infância e da adolescência. In: CARVALHO, Alysson;SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marília; UDE, Walter (Orgs. Política Pública. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2012. LIMA, Débora Arruda Queiroz. Evolução da legislação que protege a criança do trabalho infantil. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. abr. São Paulo, Barueri: Editora Manole, 2003. MACIEL, Kátia Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos.

ed. Revista e atualizada. Educação & Sociedade, ano XI, n. p. ago. TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

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