A SELETIVIDADE ESTATAL E O DIREITO PENAL DO INIMIGO

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Palavras-chave: Direito Penal Máximo. Seletividade. Inimigo. Introdução O delito não é uma realidade sociológica, ou seja, não corresponde a uma tipologia de condutas socialmente reprovadas, porquanto, para a sua existência, no mundo jurídico, não se prescinde da denominada solução institucional, ou seja, da sua definição (que há de ser prévia) por lei, bem como da vigência formal desta. É comum afirmar-se que o Direito Penal tem por função a realização de proteção aos bens jurídicos essenciais à vida em coletividade. funções essas que se constituem na face oculta desse instrumento jurídico, na prática, endereçado aos excluídos sociais. É nesse contexto que se faz necessário compreender os movimentos penais que defendem desde o abolicionismo até o direito penal máximo e o direito penal do inimigo.

Feitos estes apontamentos iniciais, o presente estudo objetiva apresentar uma análise crítica sobre o Direito Penal do Inimigo. O interesse por desenvolver este tema surgiu, pois, a realidade tem demonstrado que o endurecimento das penas não conseguiu reduzir a criminalidade, nem o aprisionamento, fazendo despontar movimentos que defendem um direito penal que seja a ultima ratio em contraposição ao Direito Penal do Inimigo. Defende-se aqui que a insuficiência da lesividade deve ser entendida como princípio material limitador do poder punitivo estatal, expressão do poder político e estrutura normativa do Estado, para que o Direito Penal não se transforme em retórico/simbólico. Foi então que ganhou força na década de 90 a política de tolerância zero. Política de tolerância zero Na década de 90, impulsionada pela teoria supramencionada, surge em Nova York, pelas mãos do então prefeito Rudolph Giuliani e do chefe de polícia William Bratton, a famosa Zero Tolerance (política de tolerância zero), que propunha a redução dos índices de criminalidade que assombravam a megalópole (HASSEMER; MUÑOZ CONDE, 2008).

Esta política, de acordo com comentário de Hassemer e Muñoz Conde (2008), veio ao encontro dos anseios dos cidadãos de classe média americanos que não estavam preocupados com os vultosos delitos econômicos ou ambientais transmitidos pelos meios de comunicação, mas sim com aqueles que poderiam vitimá-los diretamente, a exemplo dos pequenos furtos, bem como aqueles que desorganizavam o espaço comum, como pichações e mendicância, ou ainda, os que amolavam moralmente, como a prostituição, a vagabundagem e a embriaguez. Neste contexto, qualquer perigo abstrato ou conduta de vida distinta dos padrões esperados se revela suficiente para ativar toda a força repressiva do sistema penal no sentido de “prevenir” o crime, cristalizando grave ofensa aos princípios da proporcionalidade, da culpabilidade, da presunção da inocência, da intervenção mínima e, mormente, da lesividade (HASSEMER, 1995).

Entretanto, impressionados com a propagandeada queda dos índices da criminalidade nova-iorquina, vários governos resolveram adotara política em comento, como por exemplo, os do México, França, Itália, Grã-Bretanha, Nova Zelândia, bem como os prefeitos das cidades de Buenos Aires, Brasília e Cape Town. Essa visão abre margem a concepções distorcidas, como o feminismo e como a confusão conceitual entre “crime” e “desordem”, o que leva ao equívoco de se pretender combater o primeiro, mediante técnicas de combate aplicáveis ao segundo (HASSEMER; MUÑOZ CONDE, 2008). Por derradeiro, a política da tolerância zero faz apologia a uma solução mentirosa: a de que o encarceramento é a solução do problema da criminalidade. Não é. E isso independe de demonstração.

O problema da criminalidade se oculta em um contexto social estruturalmente defeituoso, com condições materiais desigualmente distribuídas. Sob esta concepção, Carl Schmitt (2009, p. sustenta que “inimigo é somente o inimigo público, pois tudo o que se refere a um conjunto semelhante de pessoas, especialmente a todo um povo, se torna, por isso, público. Inimigo é hostis, não inimicus em sentido amplo; polemios, não echtros”. Neste particular, lecionam Aymard e Ayboyer: Encontramos na Roma republicana esse sentimento, tão freqüente e tão vivo na Grécia – para não sair da Antigüidade -, de que a segurança de um Estado se encontra em perigo pela simples presença, nas proximidades, de outro Estado cujas forças pareçam equilibrar-se com as suas ou pela possibilidade de uma coalizão da qual não participe; a preocupação de preservar sua própria independência convida-o a destruir a dos outros.

Então as guerras e, se essas trazem a vitória, as conquistas se entrosam uma nas outras, pois o aumento das possessões multiplica os deveres defensivos e as ocasiões de conflito; o imperialismo encontra em suas próprias aquisições motivos irresistíveis para estender, sem cessar e cada vez mais longe, os seus objetivos; ele não tem, afinal de contas, outros limites senão os da terra habitada (AYMARD; AYBOYER, 1993, p. Ressalte-se, por oportuno, que, a partir de 2003, instigada principalmente pelos ataques ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, a teoria adotou uma conotação menos descritiva do comportamento do inimigo e mais justificadora da tese da sua supressão física. Do ponto de vista histórico: Ao longo de todo o período das monarquias absolutas, aumentaram continuamente os crimina lesae maiestatis, que comportavam, geralmente, a pena capital; para estes, não havia nenhuma possibilidade de “correção”.

Enquanto a rebelião se expressa numa simples inadaptação, mesmo que grave, às relações sociais dominantes, a domesticação, alcançada na base da pancada e do trabalho, pode ter alguma possibilidade de sucesso (vai depender da demanda existente de força de trabalho num determinado momento), porém, se a rebelião se dirige – ainda que sob formas mistificadas, não claras – contra as próprias relações sociais, contra a autoridade, é evidente que não há nada a fazer. Quem se revoltou contra a própria disciplina, e não contra alguma aplicação particular dela, não é passível de correção: merece a morte (MELOSSI, 2006, p. A ideologia contida na teoria do Direito Penal do Inimigo O eixo ideológico do direito penal do inimigo, coloquialmente conhecido como direito penal de terceira velocidade, repousa na presunção de periculosidade e na ênfase da eliminação física.

Argumenta, porém − diferentemente do conceito de Direito Penal do inimigo de Jakobs (1997), cuja característica é o abandono duradouro do Direito − que o Direito Penal da “terceira velocidade” só será legítimo por tempo limitado e em âmbitos excepcionais, e desde que se baseie em considerações de absoluta necessidade, subsidiariedade e eficácia, em um marco de emergência. É a destacada lesividade de determinados comportamentos, em suma, que explica que a sociedade esteja disposta a renunciar a certas cotas de liberdade em troca de reforço da segurança. Embora não se possa deixar de reconhecer meticulosa coerência e potencial teórico-político no discurso do Direito Penal do inimigo e da terceira velocidade, ambas as concepções não têm encontrado ressonância na doutrina, pelas mais variadas objeções.

Ao que interessa ao presente trabalho, devem ser rechaçadas: a) por desembocarem num Direito penal de autor; b) por não considerarem o inimigo como “pessoa” (MELIÁ; JAKOBS, 2007). Fundamentos da Teoria do Direito Penal do Inimigo A base de orientação, portanto, do Direito penal do inimigo e da terceira velocidade não está no princípio do Direito Penal do fato, mas no de “autor”. Só a pessoa é sujeito da imputação. E a qualidade de “pessoa” não é algo dado pela natureza, mas uma construção social que se pode “atribuir” ou não aos indivíduos. Em poucas palavras: o conceito de pessoa é uma “atribuição normativa”. Questiona-se aqui se num Estado de Direito democrático é possível legitimar a excepcionalidade da existência de um “Direito de luta contra inimigos”, isto é, como complemento do “Direito Penal ordinário”, sem a consideração de seus destinatários como “pessoas”, de modo a permitir que sejam ultrapassados os limites que impõem o reconhecimento de tal condição.

Há consenso na doutrina de que em um Estado de Direito democrático e respeitoso com a dignidade do ser humano ninguém pode ser definido como “não-pessoa”. Daí que falamos que se tem difundido um garantismo penal unicamente monocular e hiperbólico: evidencia-se desproporcionalmente (hiperbólico) e de forma isolada (monocular) a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais individuais dos cidadãos que se vêem investigados, processados ou condenados (FISCHER, 2009, online). No que pesem tais ressalvas, é cada vez mais crescente uma nova acepção, diametralmente oposta do garantismo limitador do direito de punir: trata-se do garantismo positivo ou social. Tem-se que a dualidade de garantismos – positivo e negativo – convivem no próprio texto constitucional brasileiro. O Garantismo Penal à luz dos princípios constitucionais A cultura de estruturar o Direito Penal e Processual com princípios orientadores deu ensejo a um modelo de processo penal constitucional que transcende a mera hermenêutica para se transfigurar em efetivos limites da dogmática.

De um lado, os princípios estruturais da legalidade (art. IX) e motivação das decisões como regras (art. IX, CF), na inadmissibilidade das provas ilícitas (art. º, LVI) geraram alterações de todo sistema Processual Penal brasileiro e, de outra parte, representaram a adoção de postura do Supremo Tribunal Federal mais ativista e militante, contrariamente ao que advogam os defensores de um sistema puramente acusatório (LOPES JR. De outra parte, como lembra Buonicore (2017), no denominado garantismo positivo, esse dever de proteção (no qual se inclui a segurança dos cidadãos), representa a obrigação de o Estado, nos casos em que for necessário, adequado e proporcional em sentido estrito, restringir direitos fundamentais dos cidadãos. Essa dualidade tem, inegavelmente, propagado discussões extremadas na jurisprudência nacional, tais como se deu com o poder investigatório do Ministério Público5; a limitação de prazo para as interceptações telefônicas e telemáticas6; a aplicação do princípio da insignificância para crimes tributários7; e a possibilidade de execução provisória de penas na pendência de recursos de natureza extraordinária8.

Não se discute que os aspectos econômicos, sociais e ambientais encontram-se estreitamente relacionados à redução ou aumento do crime e da violência. Assim, entende-se que parcerias entre os ministérios, a exemplo dos responsáveis pela educação, emprego, habitação, meio ambiente, recreação, saúde e serviços sociais, assim como a polícia e a justiça, podem trazer resultados surpreendentes no que tange à redução nos níveis de crime, através do estabelecimento de estratégias de dinâmica proativa em detrimento das estratégias reativas, de forma a obstar o crime e a vitimização. REFERÊNCIAS Andrés Ibáñez, Perfecto. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Por que Punir? Teoria geral da pena.

ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BUONICORE, Bruno Tadeu. Culpabilidade e Fundamentos Filosóficos. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. mar. Disponível em: <http://www. revistadoutrina. HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos. In: BUSTOS RAMIREZ, Juan. Pena y estado. Santiago: Juridica Conosur,1995. Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. LEMGRUBER, Julita. Controle da criminalidade: mitos e fatos. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. MALAN, Diogo Rudge. Processo penal do inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, a. O processo penal como dialética da incerteza.

Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. n. jul. set. SCHMITT, Carl. O conceito do político/Teoria do Partisan. Tradução de Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2009. WACQUANT, Loïc.

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