A POSITIVAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS NO BRASIL E AS CONTROVÉRSIAS SUSCITADAS NO MEIO JURÍDICO

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Palavras-chave: Acusados. Direitos fundamentais. Proteção. Juiz das Garantias. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como tema o juiz das garantias delimitando-se à discussão sobre as questões controversas suscitadas sobre a positivação do juiz das garantias no Brasil. O JUIZ DAS GARANTIAS À LUZ DA TRADIÇÃO BRASILEIRA A tradição brasileira, em razão do critério da prevenção é a de que o mesmo juiz que atua na fase de investigação, atue também na fase processual. No entanto, esta é uma tradição que há muito vem sendo criticada tendo em vista a possível mácula que pode atingir a imparcialidade do juiz da fase processual, sempre que atuar anteriormente na fase de investigação. Neste contexto, passou-se a defender a criação da figura do Juiz das Garantias, a exemplo do giudice per le indagini preliminari do direito italiano (LOPES JR.

Assim, há quase 20 anos Lopes Jr. leciona que a prevenção deve ser causa de exclusão da competência, pois, sempre que um juiz atuar na fase de investigação, ele obrigatoriamente deverá estar impedido de atuar na fase processual. começou a ganhar adeptos junto a setores bem definidos da doutrina nacional (HADDAD, 2008; MACHADO, 2010; JORGE, 2015; SILVEIRA, 2018). Em março de 2008, veio, então, a proposição, pelo Senado Federal, de criação de um novo CPP, que, uma vez aprovada, levou à nomeação de um grupo de profissionais encarregados de apresentar um anteprojeto que substituísse aquele codex. Apresentado o anteprojeto, de forma imediata, e sem sua submissão a discussões externas anteriores, tornou-se ele no Projeto de Lei do Senado 156, de 2009. E, em seu corpo, lá estava a figura do juiz das garantias, apresentando um perfil muito similar às ideias que Lopes Jr.

havia semeado quase uma década antes. Ao contrário, manteve-o em sua integralidade, variando, unicamente, no que diz respeito à sua forma de implantação no país. Com o encerramento do trâmite legislativo junto àquela Casa, o projeto de novo CPP, na Câmara dos Deputados se converteu no Projeto de Lei 8. Reabriu-se, assim, a oportunidade de se debater verdadeiramente o próprio mérito da figura proposta – o propalado Juiz das Garantias –, já que somente aspectos periféricos foram abordados em relação a ela. Recentemente, foi aprovada a Lei nº 13. que passou a ser chamada de “Lei Anticrime”. Dias Toffoli3 suspendeu a eficácia da figura do o Juiz das Garantias, em 15. por 180 dias, em sede de Medida Cautelar na ADI 6298/2019, mas esta recente liminar também já foi derrubada por Luiz Fux, estando suspensa atualmente por prazo indeterminado.

Fux foi o relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s 6. e 6305) e segundo o ministro, o instituto do Juiz das Garantias tem como óbice principal a necessidade de reorganização da justiça criminal brasileira como um todo e por implicar em reforma do Judiciário, houve invasão de competência, pois referidas mudanças cabem apenas ao próprio Judiciário. Outro argumento utilizado por Fux contra a figura do Juiz das Garantias é que novos direitos geram a necessidade de criação de novas políticas públicas, o que impacta o orçamento da União e viola o regime fiscal da União trazido pela EC 95/2016. Para esse autor, o juiz das garantias seria a resposta esperada para superar os abusos judiciais e preconceitos geradores de nulidades, que levariam ao desprestígio da justiça criminal.

Além do mais, nosso direito se tornaria mais humanista, decorrente desse verdadeiro avanço civilizatório do processo penal brasileiro. Contrariando a esta visão é importante citar a lição deixada por Paulo Freire (1996), ao lembrar que o critério cronológico não se presta a afastar o velho simplesmente em razão de ser velho. O que importa, por óbvio, é se sua validade se preserva intacta, sob pena de desejar-se o novo simplesmente por ser novo. É exatamente isso que parece estar acontecendo no processo de construção e sustentação da figura do Juiz das Garantias. Na lúcida lição de Ferraioli (2001), esses direitos ou garantias fundamentais envolveriam temas atinentes às liberdades pessoal, patrimonial e moral, sempre que forem submetidos ao juiz das garantias, seja pela autoridade investigante, pelo Ministério Público ou pelo próprio investigado (p.

ex. prisões provisórias, buscas e apreensões, quebras de sigilo ou pedidos de liberdade). A importância dessa função se faz sentir pelo próprio fato de ser-vir de inspiração para a configuração de nada menos que o nome desse novo modelo de juiz (BERTOLINO, 2000). Contudo, o fato de apresentar poucos problemas não significa que eles não existam. Ninguém, com um tempo mínimo de atuação na seara penal, desconhece o fato de, em determinadas situações, o Ministério Público, ao ajuizar sua ação penal condenatória, nela também apresentar pedido de quebra judicial de algum direito fundamental. Nesse contexto, corriqueiros são os pedidos de prisão preventiva, e, por vezes, até de quebra de algum tipo de sigilo, como a interceptação telefônica.

Dito isto entende-se que se a preocupação manifestada pelo texto legal que acolhe o instituto do juiz das garantias verdadeiramente fosse impedir que o magistrado firmasse sua convicção antes mesmo de iniciada a fase probatória, por óbvio que jamais se poderia autorizar o juiz da fase processual a decidir tais pedidos, quando inseridos já na peça inicial do processo. Como os requisitos para tal quebra não mudam em razão da fase em que se encontre a persecução penal – seja de investigação, seja processual –, sua análise deveria levar sempre ao mesmo resultado, que, segundo foi justificado no projeto, seria a formação de uma convicção judicial contra o – agora – acusado. Logo, nos dizeres de Andrade (2015), haveriam duas possibilidades: ou o juiz do processo jamais poderia analisar tais pedidos, ou, se os analisasse, deveria também ser excluído do processo, sob o mesmo argumento de quebra do princípio acusatório.

O texto legal aprovado estabelece que, havendo qualquer movimentação investigatória oficial por parte do Estado-perseguidor, o Estado-juiz deve ser prontamente informado, a fim de que, também de forma imediata, possa averiguar a legalidade dessa movimentação. É por isso que há a previsão de o juiz das garantias dever: ser comunicado imediatamente sobre prisão, onde naturalmente se destacam as prisões em flagrante, que levam à confecção de um verdadeiro procedimento investigatório de urgência; e, ainda, ser comunicado sobre a abertura de investigações criminais, alcançando aquelas de maior profundidade investigatória, sejam elas instauradas por quem for polícia judiciária, Ministério Público, investigado, parlamentares, entre outros. Por certo que a obrigatoriedade de tais comunicações está voltada ao controle sobre o conteúdo dessas investigações, bem como, aos prazos de sua tramitação e da prisão dos investigados.

Entretanto, não há como negar o espanto provocado em grande parte da comunidade jurídica, derivado dos efeitos previstos para a ciência de meros atos de comunicação (CUNHA, 2020). Melhor explicando, o texto aprovado estabelece que o simples fato de o juiz tocar em uma folha de papel – onde lhe esteja sendo informada a prisão de alguém, ou a abertura de uma investigação criminal – se constitui em motivo suficiente para que ele esteja impedido de atuar na fase processual. Lembre-se que, naqueles atos informativos, sequer há a exigência do nome correto do investigado, visto que: a) ou ainda não se conhece tal nome; b) ou o preso/investigado não tem condições de informá-lo, por se recusar a dá-lo ou estar inconsciente no momento da remessa da informação à autoridade judicial; e c) ou porque o nome dado pode ser falso.

Logo, a ciência sobre tais dados não tem qualquer chance de firmar algum convencimento sobre a figura do juiz. E, se assim o é, não se compreende o porquê de aqueles atos informativos serem causadores de impedimento. Há que se falar ainda sobre o controle indireto sobre o mérito, pois no art. ºB da Lei Anticrimes foi estabelecido um prazo a ser observado pela autoridade investigante, a fim de que conclua a apuração que está realizando. ºB, §2º da Lei n. Ou seja, ele deverá analisar o conteúdo da investigação para decidir não sobre o status libertatis do investigado, mas, se a investigação criminal pode seguir seu curso. Na hipótese de não autorizar essa prorrogação, o que estará fazendo o juiz das garantias é obrigar a autoridade policial a encerrar sua investigação, e, na prática, impor ao Ministério Público o ajuizamento da acusação, com base no material informativo obtido até então.

Segundo Franco (2020), a inversão de valores e o erro de redação são patentes. O juiz das garantias deveria ser provocado para somente avaliar a pertinência, ou não, da continuidade da prisão do investigado, e nada mais. A título de exemplificação, fica claro que, quando o projeto autoriza o juiz das garantias a “requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia” (art. ºB, inc. X da Lei n. tal requisição deverá se prender ao material já constante nos autos da investigação criminal. Por consequência, o juiz das garantias não será uma terceira instância, a quem o ofendido ou o investigado provocarão, caso também não encontrem respaldo junto ao Ministério Público ou à autoridade policial superior.

Maiores problemas de compreensão não atingem o julgamento de habeas corpus (inc. XII do art. e a decisão que analisa profundamente o mérito da investigação, qual seja, o seu arquivamento pelo juiz das garantias (inc. XIV do art. Quanto ao pedido de arquivamento, ele decorre, como já assentado em nossa tradição jurídica, somente de pedido efetuado pelo titular da ação penal. O JUIZ DAS GARANTIAS NO DIREITO COMPARADO A história é cíclica, bem se sabe, motivo pelo qual os erros e acertos do passado, de tempos em tempos, voltam para assombrar ou ensinar algo, dependendo da circunstância. No processo penal, dessa realidade também não se consegue fugir. O estudo sobre os documentos deixados pelas culturas que aderiram ao sistema acusatório na antiguidade – a saber, Atenas e Roma –, ajudam a entender que ele foi tão duro quanto o sistema inquisitivo da Idade Média e da Idade Moderna.

Corrupção judicial disseminada, ausência de efetiva imparcialidade de quem iria julgar, e submissão de testemunhas ou réus à tortura eram práticas mais que conhecidas na Idade Antiga, embora amplamente criticadas por filósofos e operadores do direito da época. Apesar disso, como bem expõe Andrade (2015), os excessos cometidos pela Inquisição Católica, vinculada ao fanatismo religioso e ao processo de consolidação de determinados reinos que – hoje – representam países, fizeram com que o sistema inquisitivo fosse visto como o vilão por excelência dos sistemas processuais penais. Dois países que, tal como o Brasil adotam o sistema acusatório e implantaram o instituto do Juiz das Garantias é Portugal e a Itália. Portugal iniciou sua reforma processual penal em 1986, concluiu-a em 1987, e seu novo CPP entrou em vigor em 01.

Sua Constituição (1978) expressamente elegeu o modelo acusatório como sistema de processo penal para o país4, o que determinou a extinção da figura do juiz investigador, com a transferência da investigação criminal às mãos do Ministério Público. O juiz, com atuação na fase de investigação, continuou sendo chamado de juiz de instrução, em que pese a doutrina apontar o equívoco dessa nomenclatura, pois deveria se chamar juiz da investigação. Isso porque suas novéis atribuições nada tinham que ver com a extinta figura do juiz instrutor, estando mais próximas do juiz das garantias (BERTOLINO, 2000). Embora outras tantas tentativas houvessem sido feitas, foi com a Lei Delegada 81, de 16. que se estabeleceu o sistema acusatório naquele país (art.

º, “a”), e a retomada da empreitada reformadora. Ao final, o novo CPP entraria em vigor em 24. RUGGIERI, 1996). Ao assim proceder, ele deve se deter ao mérito da conduta investigada, pois, caso não concorde com o entendimento do Ministério Público, poderá determinar: a) a continuidade da investigação; ou b) que aquele ajuíze sua acusação (CPP, art. e 5). Na primeira hipótese, esse modelo de juiz se assemelha, segundo a própria doutrina italiana, ao anterior juiz investigador (FERRAIOLI, 2001). Na segunda hipótese, o giudice per le indagini preliminari corre o risco de ser mais acusador que o próprio Ministério Público. É daí que decorre a necessidade de não ser o julgador do processo que ele mesmo determinou que se instaurasse, ao invés do mero fato de haver atuado na fase de investigação.

Portanto, não havendo esse nível de cognição, parece não existir motivos que sustentem eventual alegação de impedimento. De tudo o que se viu até o momento, o que parece é que a doutrina brasileira quer comparar situações não passíveis de comparação, procurando trazer para o Brasil a solução de um problema que o país não enfrenta, tal como verificável no direito estrangeiro. Assim, está-se diante de uma infeliz redundância, qual seja: o juiz brasileiro não analisa o mérito, seja da conduta do sujeito investigado, seja da probabilidade de sua responsabilização, ao contrário do que ocorre no direito comparado, e rechaçado pelo TEDH (LUZ; SILVEIRA, 2013). No Brasil bastam os indícios de autoria e prova da materialidade, que não se confundem com nenhum daqueles critérios utilizados em Portugal e na Itália.

Isso leva a que o grau de cognição do juiz brasileiro seja infinitamente inferior ao buscado pelo juiz estrangeiro em relação a qualquer tema que tenha que decidir na fase de apuração. Também, a criminalidade no Brasil é mais proeminente do que no outro país (ANDRADE, 2015). Os problemas enfrentados pelo Brasil, principalmente no que se refere à exclusão social, corroboram com a condição de miséria e desigualdade social, fazendo surgir um ciclo, em que o começo é conhecido, mas não se tem ideia de seu término. Em virtude desse acentuado problema de marginalização, gerado pela exclusão social daqueles desfavorecidos, e conseqüente aumento da criminalidade, muitos questionam a justiça criminal e o sistema punitivo brasileiro, impetrado pelo já antigo Código Penal, clamando pela distinção das penas aos mais diversos apenados, pleiteando a prevalência dos princípios basilares da ampla defesa, contraditório e igualdade.

Assim, não é possível justificar o possível êxito da figura do Juiz das Garantias no Brasil, tomando-se como base a experiência de qualquer outro país, sem que seja realizado um estudo aprofundado que demonstre ao menos similaridade nas realidades vivenciadas, seja em nível de criminalidade, ou de problemas relacionados à legislação, infraestrutura ou recursos humanos. Caso contrário, corre-se o risco de incorrer em falhas, não elevando a proteção aos direitos fundamentais e elevando ainda mais o tão preocupante índice de criminalidade. Comentários ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. ed. Lisboa: Universidade Católica, 2011. ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas Processuais Penais e seus Princípios Reitores. Disponível em: http://jus.

uol. com. br/revista/texto/12302. Acesso em: 15 Fev. planalto. gov. br/ccivil_03/_ato 2019-2022/2019/lei/L13964. htm. Acesso em: 12 Fev. pdf. Acesso em: 12 Fev. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. Distrito Federal. R. Juiz das Garantias: entre uma missão de liberdade e o contexto de repressão. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de (Org.  O Novo Processo Penal à Luz da Constituição. v. Lei Anticrime: comentado artigo por artigo. São Paulo: Imperium, 2020. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. n. p. dez. JORGE, Estevão Luís Lemos. O contraditório no inquérito policial à luz dos princípios constitucionais. Bom Para Quê(m)? Boletim IBCCrim, Rio de Janeiro, a. n. jul. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional.

ed. São Paulo: RT, 2010. MATA-MOUROS, Maria de Fátima. Juiz das Liberdades: Desconstrução de um Mito do Processo Penal. Coimbra: Almedina, 2011. MAYA, André Machado. O Juiz de Garantias no Projeto de Reforma do Código de Processo Penal. In: PRADO, Geraldo; CHOUKR, Ana Cláudia Ferigato; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org. Processo penal e garantias: estudos em homenagem ao professor Fauzi Hassan Choukr. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. Cap. In: A Reforma do Processo Penal. Revista do Advogado, São Paulo, a. XXXI, p. set. RUGGIERI, Francesca. n. p. ago. SERRA, Marco Alexandre de Souza. Economia política da pena. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. TARUFFO, Michele. Poteri probatori delle parti e del giudice in Europa. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, v. n.

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