A Doutrina da Trindade

Chegando a proferir um pensamento polêmico: “isso é tão verdadeiro que, se um dia a doutrina da Trindade fosse deixada de lado, não mudaria praticamente nada para eles”. O que Rahner quer mostrar com sua crítica, é que o desenvolvimento dos temas teológicos foram elaborados tão dissociados da realidade trinitária de Deus que a doutrina da Trindade é totalmente irrelevante e, portanto, descartável: “Mesmo a doutrina da Encarnação, diz Rahner, tão central para a fé cristã e inseparável da doutrina da Trindade, se relaciona, hoje em dia, muito mais com o fato de que Deus se fez humano, de que uma pessoa da Trindade assumiu a forma de carne, mas não que essa pessoa seja justamente o Logos”, dos Anhos (2017). Quais seriam, então, as principais causas deste ‘esquecimento’ por parte dos cristãos para com a Trindade? Em primeiro lugar, Rahner aponta erros na forma como a teologia explicou o mistério trinitário.

Começando pela teologia ocidental clássica, que baseou a afirmação da unidade de Deus na ideia de uma substância espiritual absoluta, infinita, única e eterna: “Deus é um só, porque é uma única substância, essência ou natureza”. Somente depois é que seria explicado que - nesta substância - sub-sistem três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo”. A fé num Deus Trino era difícil de ser conciliada com esses modelos de uma divindade concebida como unicidade monolítica, absoluta e imutável. Estamos diante do dilema do pensamento grego da busca por um princípio racional organizador do cosmos de um lado, e do outro, o monoteísmo hebraico. Para Rahner, o caminho a ser traçado pela igreja: “implicava justamente expressar a fé em uma linguagem conceitual e simbólica, compreensível em cada novo cenário histórico e cultural”.

Foi nesse contexto que ser deram as primeiras disputas trinitárias que tentavam apresentar que: “a fé não ameaçava, mas resguardava a unidade de Deus, e isso mesmo à custa de enfraquecer sua confissão no Pai, Filho e Espírito Santo. Esta tendência monarquianista (mono-arkhé) adquiriu na história duas modalidades básicas: modalismo e subordinacionismo”. Apesar de não ter conseguido solucionar definitivamente as teorias em torno da Trindade, Niceia foi importante, pois algumas definições ou conceitos como: “da mesma substância”, poderia ser interpretada de uma maneira o Ocidente e de outra, no Oriente. Mas, ainda assim elaborou um credo que foi ‘melhorado’ depois. A teologia dos Padres Capadócios, no Primeiro Concílio de Constantinopla (381), assumiu totalmente o Credo de Niceia, completando-o e, desenvolvendo mais um pouco a fé no Espírito Santo: “E [acreditamos] no Espírito Santo, Senhor e doador de vida, que procede do Pai; e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e glória”.

Foram adotadas expressões mais bíblicas e litúrgicas para estabelecer a fé na plena divindade do Espírito Santo. Temos então o chamado “símbolo nicenoconstantinopolitano como o dogma trinitário”. “Conceitos como substância e hipóstase parecem não mais poder expressar, em um mundo cultural impregnado por outros valores e imaginários cosmológicos, o mistério divino que antes transmitiam”. Marques dos Anjos (2017) conclui: “Em resumo, o ‘esquecimento’ ou ‘isolamento’ da Trindade dos demais tratados teológicos levou a que a Trindade fosse vista como tratado puramente especulativo e desconsiderou-se a autorevelação do próprio Deus em sua economia salvífica. A doutrina da Trindade, pois, não pode estar dissociada da própria história da salvação, já que “A Trindade é um mistério de salvação – se não, não havia se revelada”.

“Se isto é assim”, completa Marques dos Anjos, “realmente, deve-se tratar todos os outros tratados da dogmática em estreita relação com o mistério salvífico da Trindade. Desta forma, é possível considerar o axioma fundamental formulado por Karl Rahner: “a Trindade económica é a Trindade imanente, e vice-versa”.  São Leopoldo: EST, v. Disponível em: https://www. academia. edu/36421876/DEUS_CRUCIFICADO_UMA_TEOLOGIA_TRINIT%C3%81RIA_DA_CRUZ?email_work_card=title.