Ensino de Ciências e Educação junto aos povos indígenas
Tipo de documento:Artigo acadêmico
Área de estudo:Pedagogia
Atualmente, e ainda mais com a forte influência da abordagem da educação por competências, entender o que é a educação tornou-se um esforço cada vez mais detalhado para definir uma série de metas e propósitos que se deseja desenvolver entre os estudantes de ciências. ROSA; LOPES, 2018). Um exemplo do exposto é encontrado nos trabalhos de Lopes et al (2019), que apresentam desafios da área docente na questão cultural do indígena, que implica o desenvolvimento de práticas educativas a partir do desafio do ensino inculturado sem com isso desviar-se dos vínculos administrativos institucionais, em termos de metodologia, relacionada ao trabalho do ensino de ciências. Essa atitude implica no favorecimento de circunstâncias partidárias, onde que o professor, tomado pelo dever de obedecer ao sistema estatal, não teme desconsiderar a cultura alojada na consciência do aluno indígena que deseja ampliar os seus conhecimentos tradicionais, e a forma de pensar a vida recebida do seu povo, a partir do conhecimento científico, e aqui entra a importância do ensino de ciências, sobretudo da natureza, realidade que participa de sua atmosfera cultural.
ROSA, 2018). Esse desafio inclui uma gradação que vai do ensino tradicional de conceitos científicos como principal objetivo do ensino de ciências, ao treinamento para a responsabilidade do cidadão e a tomada de decisões em questões tecno científicas de interesse público; através das nuances da educação, para fins humanísticos, culturais, etc. LOPES et al, 2019). Para autores como Oliveira e Queiroz (2013), o ensino de ciências deve ser um meio para o desenvolvimento e a aquisição de certas habilidades e conhecimentos que permitam o empoderamento das pessoas do grupo social em que atua. O empoderamento dos indivíduos e de suas comunidades indígenas, a partir do conhecimento das ciências, significa transformar as relações de poder em favor daqueles que antes tinham pouca autoridade sobre suas próprias vidas, o que se traduz na capacidade de decidir sobre o controle de seus recursos, do seu ambiente, dos seus próprios projetos, de sua própria vida e de cuidar de si mesmos, posto que o acesso ao estudo de ciências, implica a possibilidade de pensar.
JESUS, 2019). A partir da abordagem integrativa proposta por esses autores, fica claro ainda que, atualmente, a tarefa de educar em ciências deve ser aprender conceitos, leis e teorias, mas também e, acima de tudo, formas de agir. É justamente nessa direção integrativa que as reformas da educação têm sido direcionadas nos últimos anos; no entanto, no caso de países multiculturais, tais reformas dificilmente podem garantir sucesso perene nas mudanças educacionais que são realizadas se as implicações adicionais derivadas de sua pluralidade cultural não forem levadas em consideração. Assim, segundo Lopes et al (2019), por exemplo, embora no Brasil, nos últimos trinta anos, se tenha procurado atender à diversidade cultural no setor educacional por meio de práticas educativas indígenas que não desconsideram suas origens, esses esforços ainda resultam em exclusão dessas populações, que continuam entre os níveis mais baixos de educação e desenvolvimento econômico e social.
UNESCO, 2017). O grau de analfabetismo, os baixos níveis educacionais e a baixa frequência nas escolas, tendem a ser mais altos entre as comunidades indígenas, especialmente entre os que vivem na zona rural, do que no restante da população. Nesse sentido, portanto, a educação formal dada historicamente tem sido uma faca de dois gumes para os povos indígenas, pois, por um lado, significa a possibilidade de os membros dessas comunidades adquirirem conhecimentos e habilidades que lhes permitam transformar suas condições de vida e aprender a se relacionar com outras culturas; mas, por outro, essa mesma educação formal, especialmente quando seus programas e métodos vêm de outras culturas fora dos indígenas, como na maioria dos casos, também tem sido um mecanismo para a transformação devastadora do pensamento dessas comunidades culturais.
Diante desse panorama, é necessário repensar o ensino-aprendizagem das ciências em contextos indígenas, atendendo e solucionando, tanto quanto possível, as deficiências decorrentes dessa prática. É aqui que aparece a possibilidade de desenvolver uma educação para a interculturalidade que busca ir além do multiculturalismo, isto é, não apenas se refere à coexistência de diversas culturas em um determinado território, mas também implica sua interação e enriquecimento cultural mútuo. LOPES et al, 2017). Para entender a importância de passar de uma abordagem educacional multicultural para uma abordagem intercultural, é importante distinguir entre os conceitos de multiculturalismo e interculturalidade. A partir de uma perspectiva pluralista do conhecimento, é possível desenvolver um modelo educacional alternativo para o ensino de ciências que promova a interculturalidade, tomando como eixo o exercício do diálogo.
LOPES et al, 2019) Enquanto em qualquer processo de diálogo, os interlocutores são modificados porque é realizada uma transformação em direção ao comum, onde eles não permanecem mais como eram, como resultado de uma educação científica intercultural baseada no diálogo crítico que se espera alcançar, uma compreensão crítica do ensino de ciências, juntamente com uma transformação das identidades e práticas das pessoas envolvidas no processo educacional, se torna necessária. No campo da educação, se espera mudanças de identidade em cada intervenção educacional que permitam afirmar o que se aprendeu. Essas mudanças de identidade não são radicais ou totalitárias, porque não ser o mesmo não significa ser outro completamente diferente, ou seja, o mosaico da identidade varia lentamente e em partes.
VIGOTSKI, 2008). A identidade, como propõe Collet (2006), pode ser individual e coletiva. É individual, diz esse autor, se ela se refere a uma representação que tem um sujeito de si mesmo (a representação que o “eu” tem de sua própria pessoa), e que dá um significado único à sua vida. Enquanto na identidade coletiva, a maioria dos membros de uma comunidade (um "eu coletivo") compartilha uma representação intersubjetiva constituída por um sistema de crenças, atitudes e comportamentos que dão a sensação de pertencer a um grupo. Essas formas de entender e agir no mundo e que dão identidade, são expressas em suas atividades e práticas sociais cotidianas, em seus conhecimentos transmitidos e em seus valores e normas. As identidades coletivas parecem se constituírem de pelo menos duas maneiras: o olhar e o desapego ocasional ao passado de um povo (o caminho abstrato da singularidade) ou a reconstrução de uma nova representação de um "eu" coletivo que integra, o que tem sido uma comunidade, com o que ela projeta e deseja ser (ou seja, o caminho concreto da autenticidade), sem com isso perder-se o sentido de sua essência.
Uma educação que incentive a "imitação" sem sentido não terá nenhum impacto na identidade de alguém; consequentemente, não haveria diferença concreta entre antes e depois de cada intervenção educacional. LOPES, 2014). Em contrapartida, a educação do povo indígena deve buscar estabelecer, por meio do diálogo, um espaço que promova a formação de culturas autênticas, na medida em que consegue evitar o transplante de elementos culturais que não respondem às necessidades, desejos e propósitos das comunidades em que eles são educados, prolongando a falta de relevância da educação que até agora tem sido fortemente criticada. LOPES, 2018). Como a realidade de uma comunidade cultural não é dada de uma vez por todas, mas é uma configuração mutável com as circunstâncias, a identidade não é "descoberta", mas é forjada, é dever da educação, portanto, em todos os momentos, reconstruí-la.
O conhecimento científico e tecnológico pode ser relevante para certos problemas e demandas do contexto cultural que não podem ser satisfatoriamente resolvidos com o conhecimento derivado e transmitido pela tradição. O mesmo se aplica na direção oposta, e o conhecimento tradicional também pode ser útil para inovar no campo da ciência. JESUS, 2019). Em resumo, uma educação intercultural em ciências, ou seja, que alcança os povos indígenas, foco deste trabalho, permitiria que, não só índios, mas indivíduos de qualquer grupo cultural, sem abandonar sua identidade, transformassem sua própria cultura, adotando o melhor da ciência para resolver uma situação específica e preservando o melhor de si. Portanto, cada experiência educacional dentro dessa abordagem seria uma oportunidade para ressignificar a ciência e os agentes envolvidos no processo educacional.
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ciaiq. org/index. php/CIAIQ2019/article/view/2361/2267>. Acesso em: 08 dez 2019. LOPES, Edinéia Tavares Lopes; JESUS, Yasmin Lima de; NEVES, Mateus Santos; ROSA, Silvana da Costa Santa; SANTOS, Carlos Roberto dos; SANTOS, Leandro. IBGE: indios tinham 76,7% de alfabetizados com mais de 15 anos em 2010. Disponível em<https://valor. globo. com/brasil/noticia/2012/08/10/ibge-indios-tinham-767-de-alfabetizados-com-mais-de-15-anos-em-2010. ghtml#:~:targetText=Dados%20do%20Censo%202010%3A%20Caracter%C3%ADsticas,76%2C7%25%20em%202010. V. L. QUEIROZ, G. R. P. Formação de professores indígenas em ciências da natureza, na região norte do Brasil: algumas reflexões. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal de Sergipe, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Orientador: Edinéia Tavares Lopes. SILVEIRA, Katia Pedroso. Tradição Maxakali e o conhecimento científico: diferentes perspectivas para o conceito de transformação.
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