ANÁLISE DE DUAS CRÔNICAS DE CLARICE LISPECTOR

Tipo de documento:Análise

Área de estudo:Física

Documento 1

É interessante pensar na multidão de possibilidades que Clarice coloca na personagem Rosa. Para incoar a discussão, Rosa é uma órfã, tecnicamente suas possibilidades são mitigadas. Lê-se também que os irmãos dela se espalharam pelo mundo quando ela entrou para o orfanato de um convento. Perdeu seus pais para a morte e perdeu seus irmãos para a vida. O relato feito do convento é lacônico. Lá, desenvolveu uma vida muito reclusa, dizia não sair de casa, segundo a narradora. Ela manifestou ímpetos de ler algo da estante da casa. Desceu, retirou um livro e passou a lê-lo com grande austeridade. O livro lido por Rosa é revelado por Clarice somente depois. Então é dito que ela logo o fechou e cerrou os olhos. Uma vez que teve tamanha socialização, combinada com a percepção aguçada de escritora cronista, certamente Rosa é uma pessoa que se transformou em personagem.

É muito comum a discussão de como se originou um personagem, do quanto o escritor colocou de si mesmo nele ou do quanto bebeu em outras fontes, que podem ter sido outras personagens ou pessoas, com biografia, data de aniversário e histórias reais de sofrimento. De acordo com Swan (2019), Arthur Conan Doyle modelou Sherlock Holmes conforme o professor de medicina Joseph Bell. Sherlock é Joseph física e intelectualmente, talvez com alguns retoques para que a comunidade acadêmica não o identificasse diretamente. Então quanto de Rosa é realmente de Rosa ou quanto de Clarice? Por se colocar como uma narradora em terceira pessoa, onisciente, pode-se dizer que há espaço para Clarice povoar mais os relatos de Rosa, se verdadeiramente houve uma Rosa lhe relatando essa odisseia que foi a crônica.

Em momentos epifânicos, rompem a cegueira em que estiveram mergulhadas, deflagrando um processo interior de tomada de consciência, de clarividência. Esta percepção, ao contrário do que o leitor ou leitora poderia esperar, não será libertadora ou produzirá um happy end. Mas é justamente esse conflito permanente, essa impossibilidade de uma solução ideal, que torna sua obra mais interessante para os estudos sob a ótica feminista. PAJOLLA, 2010, p. Ao falar das personagens de Lispector, Pajolla (2010, p. Terceiro ponto: Que tipo de pensamento construiu acerca dos homens durante o tempo que viveu no convento? Ferreira (2018, p. que escreve a respeito das máscaras das personagens de Clarice. Uma dessas máscaras que a mulher poderia usar é a máscara do eu, por meio de rituais religiosos e tudo o que esses rituais traziam de limitação pelo seu aceite.

Sua entrada no convento foi para mascarar sua dor da morte e da separação. Sua vida devotada pode ter sido somente sobrevivência. O que Rosa aprendeu sobre os homens no convento? Se se seguir o pensamento de que era esposa de Cristo, o único homem que ainda se deixava pensar era Nele. Mas se fosse um pouco mais indulgente, aceitaria o papa e os cardeais, mesmo que, na ordem, realizassem as próprias liturgias. Já no encontro com o médico, quando aceita de bom grado o conselho dele, pode-se entender que Rosa tinha aprendido a respeitar os homens que tivessem autoridade, mesmo que a raiva ou a distância inveterada deles as fizessem queimar o chão pelo qual circularam. Quarto ponto: O que significa o comentário da narradora de que os pensamentos eram o paraíso? A narradora diz isso quando Rosa ainda está no convento, rodeada por missas, rezas, rosários e penitências.

Mesmo diante de tanta cerimônia religiosa, o paraíso estava nos seus pensamentos. encontram outro modo de espacialização, de estar e ser no espaço. As personagens desdobram-se, duplicam-se, formam séries por individuação coletiva, comunicam-se nos vários textos, sob distintos corpos que ora convergem, ora divergem entre si. Descritos sempre com economia de atributos, são substantivos secos lançados ao não menos seco deserto da linguagem. Sujeitos dos significados que se debatem nos jogos identificatórios, que na impossibilidade de se representar despersonalizam-se. CURI, 1998, p. Esse texto tem toques de bom-humor, comentários levemente ácidos e uma história de mulheres que se parecem umas com as outras, etária e socialmente. A crônica narra um almoço e se os eventos sociais são marcados por comida e vice-versa, o título mais apropriado foi o de Crônica Social mesmo.

Elas almoçavam sob o convite de uma anfitrioa que, antes das amigas e colegas chegarem, retirou todos os andaimes do ambiente. Logo em seguida, a satisfação do convite e do encontro dá lugar aos percalços e pequenos aborrecimentos da sociabilidade. Um garçom tocava sempre o penteado de uma senhora e todas as outras se assustavam, imaginando a iminência de terem o penteado desconstruído enquanto fossem comer. Narra-se que a anfitriã, ou como prefere Clarice, anfitrioa, estava fazendo de tudo para dar aquele almoço, esforçando-se para fazer soar natural o serviço de garçons mudos, os arranjos de flores e todo o trabalho no layout da casa, com o uso de andaimes. A anfitrioa tinha um status fragilizado para manter nem que fosse preciso torná-lo ainda mais flébil com os gastos da reunião.

Entretanto fazia parte da etiqueta estar satisfeita com as convivas. Clarice diz que se todas ali se sentissem dignas do ambiente, ainda assim pareciam temer o momento de gafe, que é, nas palavras da autora, quando a verdade se revela. Depreende-se que o ambiente, que pode ter sido na casa em estruturação da anfitrioa, foi adequado para fazer-se grande e todas as convidadas elevaram-se em empáfia e reputação para ali estarem. O terceiro ponto desta análise é a da sacralidade do almoço. Clarice o coloca como uma entidade, uma instituição que pertence às mulheres. Se os interesses das reuniões sociais pertenciam às política, negócios e assuntos dos homens, o almoço pertencia às mulheres, embora a crônica aponte mais para um almoço sem fins diplomáticos e comerciais.

Gaspar (2020) declara que o ato de se alimentar é um fato social total e que participa da construção das identidades sociais. Por isso o almoço é uma entidade, pois é a chance que a mulher, como autora da refeição, tinha de expor suas ideias e a si mesma. Não haveria outro almoço para uma senhora tentar vencer a amiga. Não é questão de haver almoços, é questão de haver debate de ideias, assim como em O Banquete, o foco não estava na comida, mas na filosofia produzida. O banquete do almoço não tinha fins em si mesmo. A causa empunhada por Clarice não precisava de cozinhas, precisava de salas de edições, de máquinas de datilografar e de impressões e tiragens.

Hoje, essa causa precisa de páginas virtuais, likes, shares e mais encontros. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. ECO, Umberto. O Nome da Rosa. ed. A Mesa e a Diplomacia Brasileira, O Pão e o Vinho da Concórdia. São Paulo: Cultura, 2008. MYERS, Kathleen. A wild country out in the garden: selected writings of Madre María de San José. Indiana: Indiana UP, 2004. SWAN, David. For Whom the Bell Tolls: Joseph Bell. University of Central Oklahoma.

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