A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA PANDEMIA DE COVID-19
Tipo de documento:Revisão Textual
Área de estudo:Direito
Aqui não estamos diante de um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um choque, um autêntico conflito de direitos (CANOTILHO, 1999, p. Andrade (1987), por sua vez, esclarece que Haverá colisão ou conflito sempre que se deva entender que a constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta […] O problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso concreto, como é que se vai dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos) se apresentam efetivamente protegidos como fundamentais (ANDRADE, 1987, p. Neste entendimento, Steinmetz (2001)1 destaca que, uma vez que a Constituição Federal tutele dois ou mais valores ou bens que possuam contradições entre si, sempre haverá situações de conflito entre interesse contrapostos.
Assim, como as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, ao refletirem uma ampla diversidade ideológica existente nos estados democráticos de direito, frequentemente, entrarão em rotas de colisão (MARMELSTEIN, 2008, p. Portanto, há conflito ou colisão entre direitos fundamentais na medida em que detém um amplo poder de se colocar perante às demais legislações, não restando estabelecida uma hierarquia entre si, demandando a análise de cada caso em particular. De acordo com Sarmento (2005) (. a solução para a colisão entre direitos fundamentais e interesses públicos não é singela. A busca da solução constitucionalmente adequada deve respeitar os chamados ‘limites dos limites’ dos direitos fundamentais, e certamente não passa por qualquer princípio de supremacia do interesse público. Aceitar que a solução destes conflitos se dê através da aplicação do princípio em referência seria, para usar a famosa expressão de Dworkin, não levar a sério os direitos fundamentais.
E pode-se dizer tudo da Constituição de 88, menos que ela não tenha levado a sério estes direitos (SARMENTO, 2005, p. Portanto, diante de situações em que há conflitos entre direitos fundamentais, deve-se sistematicamente buscar o equilíbrio a partir de uma ponderação do contexto e dos interesses e bens que estão sendo ameaçados, aplicando-se, para tanto, princípios norteadores do ordenamento jurídico. Ademais, enquanto direitos de defesa, de resistência ou de liberdade, os direitos fundamentais vedam intervenções que não sejam justificadas por parte do Estado, no âmbito das esferas individuais. Neste contexto, a aplicação do princípio da proporcionalidade se faz necessário na medida em que há uma proibição de abusos e excessos em intervenções estatais nas liberdades e direitos fundamentais, sendo esta atenção ainda mais proeminente em momentos excepcionais, marcado por incertezas, como é o experienciado atualmente.
Os direitos fundamentais possuem como característica a universalidade, sendo que essa característica enseja que todos podem ser titulares desses direitos. Sob esse fundamento dar-se a entender que não podem ser, de maneira alguma, absolutos, tendo em vista que em algum momento, podem ser confrontados por outros direitos, assim como não podem ser invocados para a prática de atos considerados ilícitos. Chega-se, assim, a uma situação limite que exige que a sociedade (por meio dos agentes públicos) sacrifique um direito em nome de outro. Sendo assim, em alguns casos concretos pode ser necessário conciliar direitos fundamentais, reconhecendo-se os diversos interesses conflitantes, para que prepondere sempre o mais relevante para o interesse público (BRASIL, 2006). Portanto, a ponderação de direitos fundamentais deve ocorrer a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade, sendo este utilizado como instrumento de interpretação e necessário para a adoção dos critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade.
Alexy (2008)20, por sua vez, o examina a partir de três facetas, consistentes na adequação, de natureza classificatória, de necessidade, com natureza eliminatória e a proporcionalidade em sentido estrito. De forma a tornar mais clara sua compreensão, Lenza (2012, p. Humberto Ávila (2001)27, destaca que, ao se considerar que grande parte dos direitos fundamentais podem ser contemplados enquanto princípios, as normas que determinam a concretização de determinadas situações devem considerar as possibilidades fáticas e jurídicas de cada caso, sendo o princípio da proporcionalidade uma maneira de efetuar o controle desse dever de otimização. Se, por um lado, é vedado ao Estado ações excessivas, pelo outro, impõe-se a obrigação de proteger os direitos fundamentais de forma suficiente, sendo imprescindível a busca por uma justa medida que equilibre a sua atuação positiva e negativa (SARLET, MARINONI, 2019).
A propósito, destaca-se o julgamento da medida cautelar nas Arguições de Preceito Fundamental n° 66829 e n° 66930 pelo Supremo Tribunal Federal, que trata da vedação da campanha publicitária “O Brasil não pode parar” realizada pelo governo federal. Na ocasião, o Ministro do Supremo Tribuna Federal, Luís Roberto Barroso, decidiu pela sua produção e circulação, por qualquer meio, afastando a possibilidade de realização de campanhas que indiquem que a população deve retornar às atividades que minimizem a gravidade da pandemia e coloquem em risco à segurança das pessoas e a saúde pública. Tendo em vista o princípio da proporcionalidade e da legalidade, o magistrado concluiu que as campanhas publicitárias provenientes de órgãos públicos devem ter um caráter informativo, educativo e de orientação social, em que a circulação do vídeo nas redes sociais e aplicativos de mensagens poderia comprometer as políticas sanitárias e o engajamento da população às medidas eficazes de combate à COVID-19, causando danos irreparáveis ou de difícil reparação.
Ademais, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. DF35, a Corte entendeu que as políticas públicas de saúde consistem em preceito fundamental, reconheceu a competência dos entes para tratar da saúde, nos moldes do art. inciso II e IX, e, portanto, de efetuar ações de combate ao coronavírus, de modo a assegurar que os governos municipais, distrital e estaduais, no exercício das suas atribuições, a competência para a adoção de medidas durante a pandemia, como a imposição de distanciamento social, a suspensão das atividades de ensino, restrições de comércio e circulação de pessoas. No que diz respeito ao Poder Judiciário, foi demandada uma atuação mais presente dos Tribunais de Justiça para dirimir eventuais demandas e conflitos que envolvem garantias fundamentais, como é o caso da ADPF n° 672, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em face de atos praticados pelo Poder Executivo Federal, entendendo a corte que A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde, sempre com o absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e poderes, que devem ser cada vez mais valorizados, evitando-se o exacerbamento de quaisquer personalismos prejudiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia de COVID-19 [.
Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal corroborou a importância de se adotarem medidas de prevenção e contenção do vírus, ressaltando que o poder executivo federal não pode afastar as decisões dos governos estaduais, distritais e municipais que impõe as restrições inclusas na Lei n° 13. A depender do caso concreto, deve-se analisar e ponderar os reflexos das medidas da Portaria 511/2020 da Secretaria do Estado da Saúde, sob pena de estar se colocando algumas pessoas em situações de frontal violação ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. As políticas públicas adotadas no combate a pandemia do COVID-19 devem ser elaboradas e aplicadas de forma a não anular ou minimizar outras políticas no que tange à efetivação do direito à saúde de todos.
Considerando assim que o direito à saúde e ao trabalho estão ligados diretamente à dignidade da pessoa humana, todos elencados como fundamentais na Constituição Federal de 1988, além da urgência na necessidade da realização da cirurgia no caso em comento, verifica-se a presença do direito líquido e certo do impetrante. Segurança concedida. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA - DECISÃO QUE POSTERGA A REALIZAÇÃO DE CIRURGIA EM HOSPITAL DA REDE PÚBLICA EM RAZÃO DA PANDEMIA (COVID-19) - NECESSIDADE COMPROVADA DO TRATAMENTO CIRÚRGICO EM CARÁTER DE URGÊNCIA - PRESENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA MEDIDA POSTULADA - DIREITO À VIDA E À SAÚDE. pleiteada pelo Ministério Público com a finalidade de concessão da tutela de urgência para determinação de lockdown na cidade de São Luís, foram necessárias a verificação da constitucionalidade da decretação do aludido instituto, uma vez que perante colisão de direitos fundamentais, o entendimento sedimentado é que a aplicação do princípio da proporcionalidade é medida que deve se impor.
Nesta percepção, o magistrado destacou que Muito embora o lockdown possa suscitar dúvidas acerca de sua constitucionalidade, pois importa em restrições à circulação de pessoas, funcionamento de estabelecimentos comerciais e sacrifícios de outros direitos, consigne-se que os direitos fundamentais não são absolutos. Para convivência harmônica entre eles, é necessário que o exercício de um não implique danos à ordem pública ou aos direitos e garantias de terceiro. No presente caso, o mais importante no momento é assegurar a saúde da coletividade, utilizando-se dos meios necessários para evitar a proliferação da doença, mesmo que isso signifique privar momentaneamente o cidadão de usufruir, em sua plenitude, certas prerrogativas individuais. TJ-MA - PROCESSO: 0813507-41. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais.
Trad. Virgilio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. Acesso em: 24 nov. AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas, atualizada em face da Lei 9. e da jurisprudência. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. BOBBIO, Norberto. Impetrante: LUCAS LIMA CARNEVALLI, Impetrado: Secretário de Saúde do Estado de Goiás. Relator: Desembargador Gilberto Marques Filho. Disponível: https://projudi. tjgo. jus. tjrj. jus. br/documents/5736540/7351591/0051770-32. pdf. Acesso em: 25 nov. br/gedcacheweb/default. aspx?UZIP=1&GEDID=00048E053439D6DC766A0C0DD4B4A0EE0DC5C50C541D4E53&USER=. Acesso em: 25 nov. BRASIL. Constituição (1988)]. DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Disponível em: http://www. planalto. gov. gov. br/bvs/publicacoes/10001021420. pdf. Acesso em: 25 nov. BRASIL. jus. br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6357MC. pdf. Acesso em 25 nov. BRASIL. Relator: Min. Roberto Barroso. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 2020. n. de outubro de 2020. Brasília: STF, 2020. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. ed. org/10. esdm. v6i12. Acesso em: 25 nov. CURY, Ieda Tatiana. com. br/cadernos/direito-constitucional/colisao-de-direitos-fundamentais-visao-do-supremo-tribunal-federal/. Acesso em: 23 nov. MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. Curso de direito constitucional. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público.
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