Reforma da Previdência: Necessidade ou Mito?
Tipo de documento:Artigo acadêmico
Área de estudo:Direito
Prospectivamente, é essencial repensar o modelo de financiamento da Previdência Social, fortemente baseado na relação de emprego, tendo em vista o constante fechamento de postos de trabalho, sob pena de inviabilização do seu financiamento a longo prazo. Palavras-chave: Previdência social. Déficit. Reforma da Previdência. ABSTRACT: The present study aimed to discuss the reform of social security by opposing the current of doctrine that understand that this reform is necessary to the current that understands that this deficit is a myth. Não obstante, segundo alguns pesquisadores, a suposta crise do Estado Social difundida pelas correntes neoliberais não se comprovou cientificamente. O que ocorre é que o envelhecimento da população, o desemprego duradouro causado pela globalização, a retração da taxa de fecundidade, o surgimento constante de novas tecnologias e máquinas que substituem grandes massas de trabalhadores, fizeram com que o modelo estatal de Estado Social passasse por uma reconfiguração, uma remodelagem.
Nesse contexto, a história da Previdência Social brasileira demonstra que num período de 170 anos, de 1821, com a publicação do Decreto em 06. por Dom João, concedendo júbilo aos professores que tivessem exercido essa profissão por 30 anos, até a CR/88 e Lei 8. houve uma marcha no sentido da universalização de sua cobertura e da isonomia entre os segurados, caminhando ao encontro da efetivação de um Estado de Bem-Estar-Social1. Também Dilma conseguiu instituir a fórmula 85/95 (a soma da idade adicionada ao tempo de contribuição para homens e mulheres, respectivamente)4. Contudo, o discurso e a pressão por novas reformas previdenciárias e em outros ramos do Estado de Bem-Estar continuam em pleno vigor, sendo disseminados pelo mercado e a mídia como único rumo a ser trilhado.
Feitos estes esclarecimentos iniciais, o presente estudo objetiva discutir a reforma da previdência contrapondo a corrente de doutrinadores que entendem que esta reforma é necessária à corrente que entende que este déficit é um mito. Certamente esse é um dos debates mais acirrados existentes no meio previdenciário brasileiro atual. Ambos os lados apresentam dados, estudos e pareceres para fundamentarem suas conclusões. Deste modo, se nenhuma medida for adotada através de reformas paramétricas, cada vez mais a Previdência vai consumir os gastos da Seguridade Social, retirando recursos que poderiam ser destinados à saúde e à assistência social. Cada real mal gasto na Previdência é menos um real que poderia ter sido investido em saúde, por exemplo. Portanto, resta demonstrado o equívoco existente em polarizar a discussão de forma tão radical; tudo ou nada.
Pedro Nery aponta em seu estudo que a despesa total do RGPS esperada para o ano de estudo, 2017, era de R$ 500 bilhões, com um déficit esperado de R$ 150 bilhões. Já a despesa com o RPPS foi de R$ 70 bilhões, com um déficit de R$ 35 bilhões. Já a corrente contrária diz que a Previdência Social é espécie do gênero Seguridade Social, sendo que o art. da CF/1988 é claro ao dizer que essa será financiada pela sociedade, mediante recursos provenientes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e pelas contribuições sociais elencadas em seus incisos. Portanto, o art. da CF/1988 cuida do financiamento da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência), ou seja, os recursos obtidos através desse financiamento estão voltados para as despesas das espécies do gênero Seguridade Social.
Lado outro, o art. Assim, resta claro que o argumento que alega haver déficit na Previdência Social tendo como base única e exclusivamente a arrecadação gerada pela folha de salários e demais rendimentos do trabalho, bem como as contribuições dos trabalhadores, não encontra amparo constitucional e científico, não servindo como parâmetro correto para verificar a real situação financeira da Previdência Social. Eventualmente, o entendimento da corrente que entende existir déficit na Previdência Social pode estar sendo influenciado pelo disposto no art. da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que, com a justificativa de regulamentar o art. da CF/1988, criou o Fundo do RGPS, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, com o objetivo de prover recursos para custear os benefícios do RGPS, dizendo que o mesmo seria composto por: Art.
a) bens móveis e imóveis, valores e rendas do Instituto INSS não utilizados na operacionalização deste; b) bens e direitos que, a qualquer título, sejam adjudicados pelo INSS ou que lhe vierem a ser vinculados por força de lei; c) receita das contribuições sociais para a seguridade social, previstas na alínea “a” do inc. O cálculo tem que ser realizado globalmente, somando todas as suas receitas e despesas. Adotando essa metodologia, garantem que a Seguridade Social seria superavitária, razão pela qual não haveria que se falar em déficit na Previdência Social18. No sentido acima, a Anfip e o Dieese declararam que somente no ano de 2015 o governo federal não contabilizou como receitas da Previdência Social a arrecadação gerada pela Cofins, que foi da ordem de R$ 201 bilhões, da CSLL, que gerou R$ 60 bilhões e do PIS-PASEP, que arrecadou 53 bilhões.
Ainda nesse mesmo ano, a Seguridade Social deixou de arrecadar R$ 157 bilhões, em razão das desonerações tributárias, além de R$ 64 bilhões retirados do orçamento da Seguridade Social pela Desvinculação das Receitas da União (DRU)19. Assim, a pergunta que é pertinente sobre o tema é: se há déficit na Previdência Social, qual a justificativa para desvincular os recursos da Seguridade Social? Não seria lógico retirar tanto dinheiro da Seguridade Social e depois alegar que uma de suas espécies, a Previdência Social, é deficitária, motivo pelo qual perquirem se o governo não poderia estar propositalmente criando esses déficits para forçar uma reforma na Previdência?20 A pesquisa apresenta alguns questionamentos e dados de 2015 mas que são muito pertinentes ainda nos dias de hoje: se a Previdência está em dificuldades, por que o governo federal concedeu isenção de impostos a 59 setores da economia que poderia ajudar em seu financiamento através da Lei 13.
Diz ainda que em 16 anos, apenas em cinco exercícios financeiros o RGPS apresentou um saldo operacional negativo e em 11 um saldo positivo26. Contudo, a mesma explica que seu estudo não engloba as receitas e os gastos com o RPPS e com o Regime Próprio dos Militares, por entender que apenas o RGPS é público, universal e integra o orçamento da Seguridade Social, razão pela qual as receitas da Contribuição Social do Plano de Seguridade Social do Servidor Público (CSSS), a contribuição relativa ao custeio e pensões dos militares e nem as contribuições ao FGTS, Fundesp e Funpen foram computadas como receitas da Seguridade Social27. Denise Gentil narra ainda que agregando aos cálculos os números dos regimes próprios, sem serem computadas as contribuições que a União deveria verter como empregador público, correspondente ao dobro da contribuição dos servidores, a teor da Lei 9.
apenas em cinco anos, a partir da década de 1990, houve necessidade de usar recursos do orçamento fiscal para cobrir despesas com a previdência dos servidores públicos, ressaltando que a realidade recente é ainda mais promissora, haja vista que, após o ano de 1999, a receita sempre foi superior ao gasto28. Assim, concluiu esta pesquisadora que nem a Previdência Social brasileira nem a Seguridade Social são deficitárias, pelo contrário, são superavitárias, e esse superávit vem sendo desviado pelo governo federal para outros fins29. Estudo da Anfip e do Dieese aponta caminhos que podem ser percorridos: extinguir a Desvinculação das Receitas da União – DRU –, o mesmo ocorrendo com as desonerações sobre a cota patronal das folhas de pagamento; acabar com as renúncias tributárias que recaiam sobre o orçamento da Seguridade Social; rever, através de um amplo debate com a sociedade, as isenções tributárias para entidades filantrópicas e clubes de futebol, além de expandir a contribuição para a Seguridade Social do agronegócio36.
Ademais, alterando a CF/1988, seria uma boa medida transformar o Imposto sobre Grandes Fortunas, nunca regulamentado em nosso país, em uma contribuição para a Seguridade Social, o que poderia gerar ingressos da ordem de R$ 6 bilhões extras para a Seguridade Social, conforme exposto por Pedro Nery37. Apesar desse estudioso dizer que se trata de quantia não relevante ante o déficit da Previdência Social, será mais uma ajuda no seu financiamento. Se há tamanho déficit, como é pregado por alguns analistas, nenhuma fonte de receita, mesmo que mínima, pode ser descartada. A Anfip denuncia ainda que de 4. Nas palavras de Célia Lessa, “se a economia gera mais insegurança enquanto se torna mais rica, é preciso conceber modos de financiar o seguro social com os recursos da nova riqueza”44.
Portanto, existe um conjunto de medidas que pode ser adotado para reforçar o financiamento da Previdência Social, diminuindo significativamente seu suposto déficit, ou até mesmo o transformando em superávit, sem descuidar de analisar a viabilidade de adoção de outras medidas com tal finalidade. Para o futuro, é necessário pensar em outras alternativas para o financiamento da Previdência Social que sejam cada vez menos dependentes da relação de trabalho entre empregador e empregado. Isso porque uma das características do Estado Contemporâneo é haver mais pessoas desempregadas, além de que as tecnologias disponíveis já exterminaram milhões de postos de trabalho, marcha que continuará com a invenção de novos maquinários e tecnologias. Wagner Balera, refletindo sobre o tema, diz: Uma crítica assaz frequente ao esquema de custeio baseado exclusivamente na folha de pagamentos é a que vislumbra nele sério empecilho ao desenvolvimento econômico.
Como alerta esse autor, tal fato já demonstra que o financiamento da Seguridade Social, como foi concebido, não mais se adequa à atual ordem financeira mundial49, o que demonstra a necessidade de remodelação dos meios de seu financiamento para que essa não seja inviabilizada no seu escopo. Em análise do que foi estudado até o presente momento, depreende-se que, com a reforma da previdência que foi aprovada, ao menos dois pilares do princípio da sustentabilidade foram infringidos – o social e o ético –, o que é diverso de defender que a Previdência Social não necessita de uma recalibragem. Por fim, como exposto por Wagner Balera50, a Seguridade Social trata do principal mecanismo de concretização dos direitos sociais no Brasil, razão pela qual toda a nação deve se preocupar com seu funcionamento eficiente, duradouro e sustentável, problemas que foram analisados nessa pesquisa.
Conclusão O caminho que o Brasil tem a percorrer na reconfiguração do seu Estado de Bem-Estar é longo, sem precisar aderir à agenda neoliberal, mormente se levado em conta que sequer as promessas contidas na CF/1988 de transformação social foram cumpridas. Assim, passar por uma remodelação sem ter usufruído dos benefícios do Estado Social tradicional gera uma frustração e um descrédito na Constituição e no Estado, tornando ainda mais árdua a obtenção de um pacto social para alavancar um remanejamento desse modelo estatal. A discussão sobre diferenças de regras para obtenção de benefícios com base na diferença de gênero, além das regras previdenciárias dos trabalhadores rurais são debates que a sociedade necessita realizar de forma urgente e madura.
Contudo, a discussão deve ser conduzida com base na transparência, veracidade e eticidade, elementos essenciais para obtenção de uma reforma que siga no rumo da justiça social. Não obstante, não foi o que ocorreu no debate sobre a reforma da previdência. Dados foram apresentados somente parcialmente, mudanças explicadas de forma incompletas, e premissas utilizadas bastante discutíveis. Todos os fatos discutidos neste artigo reforçam a tese de que essa não poderia ter sido realizada de forma tão apressada como foi feita, mas necessita de um amplo debate com toda a sociedade. Esse é o caminho a ser percorrido. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da Seguridade Social 2014 – tabelas. Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil e Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social – Brasília: Anfip, 2016, 36p.
Disponível em: http://fundacao anfip. Curitiba: Juruá, 2010. p. BRAGA, Juliana Toralles dos Santos. Reforma Previdenciária. Curitiba: Juruá Editora, 2018. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www. planalto. gov. jus. br/files/ conteudo/arquivo/2016/03/2d53f36cdc1e27513af9868de9d072dd. pdf. Acesso em: 19 dez. BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Governo Gasta R$ 3,89 ao dia na saúde da cada brasileiro. fev. Disponível em: http://portal. cfm. com. br/wp-content/uploads/2017/02/Previdencia_Doc_ Sintese. pdf. Acesso em: 19 dez. DINIZ, Matheus Brito Nunes. com. br/ previdencia/reforma-urgente/2019-05-29/problema-antigo-previdencia-ja-foi-alterada-por-fhc-lula-e-dilma. html. Acesso em: 3 jan. GENTIL, Denise Lobato. Disponível em: www. senado. leg. br/estudos. Acesso em: 19 dez.
Acesso em: 19 dez. TAFNER, Paulo. Desafios e reformas da Previdência Social brasileira. Revista Usp, n. p. Acesso em: 19 dez.
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