O Caso Schreber e a História do Movimento Psicanalítico

Tipo de documento:Resenha Crítica

Área de estudo:Psicologia

Documento 1

Criando um método que trabalha com as lembranças conscientes e inconscientes, interpretando a simbologia dos relatos e dos sonhos, e procurando desvendar as entranhas da psique humana, este pensador compreende que ao tratar as memórias; os traumas do passado, do presente e até do futuro poderiam ser remediados. O artigo “A história do movimento psicanalítico” demonstra a trajetória que esta pesquisa percorreu, a resistência social e acadêmica com relação a esta descoberta e as questões técnicas e políticas que permearam o caminho deste autor. O caso Schreber representou uma novidade para Freud, não apenas pelo contato póstumo, mas também devido às peculiaridades trazidas pela biografia do personagem, as imaginações e as hipóteses formuladas por este paciente fizeram com que a teoria freudiana evoluísse, criando conceitos como o “narcisismo”, etapa intermediária do amadurecimento, a qual se encontraria entre a auto afirmação da personalidade e o posicionamento no mundo.

Além desta novidade conceitual, este caso também terminou por estabelecer laços entre a psicanálise e a psiquiatria, pois a explicação de Freud a partir da repressão dos desejos e da suspensão da libido, trouxe uma denotação lógica para distúrbios como a paranoia, o pânico de perseguição, as ideias de conspirações catastróficas e todas deturpações da realidade. Considerando estes dois resumos, evidencia-se a importância da psicanálise para a compreensão dos mecanismos psíquicos, ainda que rejeitados pela academia em um primeiro momento, o qual o próprio Freud explica que a preocupação acadêmica não era com a força dos argumentos, mas com o embate propriamente dito. Ressaltando-se esta independência necessária do profissional para analisar livremente, sem qualquer interferência teórica e externa, a interpretação de cada caso deveria ser feita com base, exclusivamente, nos relatos, considerando sintomas, sonhos, experiências pessoais e qualquer ocorrência que o paciente julgar ter relação com o seu problema.

Baseado na interpretação de sonhos e na relevância da experiencia sexual desde criança, este estudioso formula a teoria psicanalítica, alicerçando-se em dois pilares: a transferência e a resistência. A nova teoria não utilizaria somente o método da hipnose, mas buscaria as fontes do trauma ou da neurose nas vivências relatadas, neste sentido, a resistência justificada por uma falta de memória seria pesquisada, e trazida à tona para a descoberta de indícios de traumas localizados no passado e no presente, mesmo que de maneira inconsciente. O autor encontra respaldo para sua formulação que interpreta a fantasia na obra do filósofo Popper, o qual publicou um relato sobre suas fantasias. Freud, que não ignorava a filosofia, viu neste relato um alívio, pois estava justificada em tal texto a importância dos sonhos e da imaginação para a psique humana.

Salienta-se que Jung compartilhou das dissertações freudianas, fornecendo relevantes aportes para a psicanálise, salvo algumas discordâncias, das quais o estilo de liderança será uma diferença importante do fundador do método psicanalítico em comparação a Jung, a qual será exposta posteriormente. Com a tese formulada e decepcionado com o ambiente universitário, considerando a universidade como um lugar de discussão e descobertas de teorias, Freud lamenta que sua descoberta não alcançara a projeção merecida nos centros de pesquisa, expondo que o critério para o sucesso ou o fracasso de uma tese não era a força dos argumentos, mas sim, a agressividade frente a outras teorias. Em 1913, o relato conta outra fase na história da psicanálise, por possuir a idade avançada, o autor sente a necessidade de passar a liderança das pesquisas desta área para um homem mais jovem.

Confirmando esta necessidade, este estudioso funda a associação internacional de psicanálise e Jung é eleito presidente, formando grupos de pesquisas em quatro cidades do mundo. A partir deste fato, a questão política aparece com força no texto em questão, Jung se revela um líder autoritário, impositor, que oferecia pouco espaço para novas contribuições. RESENHA “CASO SCHREBER” A análise do “caso Schreber” realizada por Freud e publicada em forma de artigo pela Editora Imago entre os anos de 1911 e 1913, revela a importância deste caso na história da psicanálise e da psiquiatria, trazendo as reflexões freudianas de maneira acessível e argumentativa. Este foi o primeiro caso analisado por Freud de modo póstumo, ou seja, após a morte do paciente e utilizando sua biografia publicada em livro.

Trata-se de um caso intrigante, pois os métodos tradicionais haviam julgado sem solução, e apresentava um dilema psicológico em uma personalidade influente e importante na sociedade alemã. A família Schreber era formada por pessoas instruídas, por isso, o patriarca utilizava em todos momentos com os filhos métodos pedagógicos na intenção de faze-los cidadãos com comportamentos exemplares. Logo, essa rigidez não permitia práticas como a masturbação, assuntos sexuais eram proibidos e todas as tarefas domésticas eram realizadas para um fim educativo. O escrito analisado por Freud representava um pedido jurídico para, enquanto magistrado, o profissional voltasse para suas atividades, alegando que seu estado delirante havia passado, que a situação psíquica era um problema pontual, e, portanto, ele estava recuperado para atuar profissionalmente.

Passado algum tempo, há uma segunda internação caracterizando a reincidência, devida ao fato dos pensamentos de desejos femininos retornaram e o homem buscara se defender refutando, e trazendo a figura religiosa de Deus para explicar tal situação. Uma forma de auto defesa do paciente foi atribuir os fleches mentais a Deus. A divindade seria um personagem louco que lançaria seus raios sobre a cabeça de Schreber, e estes raios seriam os repentes que apareciam sem explicação entre os diversos conteúdos de sua imaginação e reflexão. Segundo o relato auto biográfico, fatos como cortes de raciocínio durante uma frase falada, o piar dos pássaros na janela e outros eram considerados como a tentativa de Deus em intervir e se comunicar com este paciente.

A primeira internação, conforme a análise de Freud, promoveu a negação do delírio. Embora este pensador reconheça a competência e a fama da equipe que atendeu o paciente na primeira ocasião, ele argumenta que houve a repressão do trauma, dos desejos e dos sonhos, mantendo a principal causa, e por este motivo, ocorreu a reincidência. Haveria uma evolução do ser humano em conformidade com o seu amadurecimento. Primeiro, o indivíduo se reconhece, olha para dentro de si e enxerga suas características físicas e psicológicas, formando deste modo a personalidade. Para o sujeito conseguir amar o objeto, seja outra pessoa, seja qualquer outra questão, é preciso que esteja firmada sua autoestima, sua visão do mundo e de si próprio.

A estrutura destas quatro frases, aparentemente simples, traduziriam condições do aparato psíquico. Uma distorção em alguns destes sentimentos expressos pelas orações em questão, indicaria sinais de projeção, e consequentemente, uma paranoia. Desta forma, o homossexualismo seria explicado, pois este modelo de relacionamento se encaixaria na preposição “eu o amo”, e a deturpação deste sentimento geraria a repressão de uma das bases que formam a personalidade no que diz respeito à relação com o mundo externo, logo, este desejo reprimido poderia causar uma sensação de perseguição e a projeção em algum fator externo desta vontade que não pode se concretizar. Com este cenário, é possível evoluir para outra premissa descrita por Freud, a preposição “eu o odeio”, poderia ser completada pela justificativa “porque ele me persegue”.

A premissa se transformaria em: “Eu o odeio, porque ele me persegue. No axioma “eu me amo”, observa-se a existência de um ego inflamado, a sensação de que o amor por si próprio é autossuficiente, acontecimento que, quando exacerbado, representa uma visão míope da realidade. Resultando em uma impressão perigosa de que o indivíduo não necessita do mundo externo, ele por si só é a evolução da humanidade. No caso em questão, é visível que esta sensação egocêntrica acontece, pois a crença de que seu corpo estava se modificando para uma evolução da espécie humana, e que portanto, os demais seres eram construídos rapidamente sem o tempo de maturação necessário, indica esta extrema estima e valorização excessiva da sua pessoa, significando um distúrbio nesta estrutura psíquica.

Ressaltando esta discussão em torno do ego, durante o relato do próprio personagem, Freud percebe que há diversos distúrbios em sua formação de maturidade. Observa-se que, para o desenvolvimento humano satisfatório, as quatro situações citadas em uma fase narcísica, onde o homem se reconhece e identifica seu lugar no mundo, precisam ser equilibradas. A visão de que todos os homens eram imperfeitos e ele representaria uma evolução da humanidade, o levou a formular teorias conspiratórias, por exemplo, colocando o médico como responsável por um plano de destruição do mundo Houve uma diversidade de teses de fim do mundo, desde causas naturais como terremotos e ausência do sol, até planos mirabolantes. Porém, o próprio paciente reconhece que após tantos acontecimentos, a realidade permanecia a mesma, no entanto, ele indica mudanças em seu interior.

Freud interpreta estes dados como paranoia, no histórico que o autor coloca como esta patologia, reside a megalomania, a suspensão da libido originaria uma realidade paralela, onde quando o indivíduo percebe que a sua fantasia não se concretiza, há uma mudança interna, em que ele refaz a sua narrativa para acreditar. O desligamento da libido não necessariamente causa patologias, as rupturas afetivas geram este problema, porém as pessoas que conseguem superar a falta parcial libidinosa podem recuperar o estágio normal através do próprio aparelho psíquico, restabelecendo as relações. Na paranoia, esta ruptura instintiva gera um universo paralelo, concretizando uma repressão que em muitos casos não se é possível promover a irrupção, o retorno do indivíduo à fase de fixação e a recuperação do instinto interrupto.

A história do movimento psicanalítico e as nuances do caso Schreber denotam, justamente, que as situações traumáticas residentes no inconsciente e que aparecem nos sonhos, nos relatos e nos atos falhos; quando colocadas de maneira clara e conversadas para se encontrar uma solução pacífica como desfazer uma culpa ou demonstrar que um erro não foi tão grave, ou que um desejo é natural da humanidade e que não precisa gerar remorsos, estas ações por meio do diálogo podem salvar uma mente e uma vida. O trabalho do psicólogo preenche esta lacuna, pois dispondo de técnicas de análise e persuasão, este profissional identifica estas lembranças traumáticas e busca transformar a introspecção da culpa ou do remorso em uma etapa superada.

Logo, a metodologia psicanalítica representa uma evolução no fazer da psicologia, permitindo que esta área considere as experiências sociais e coletivas como a repressão e o preconceito em seus diagnósticos.

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