Análise da finalidade da pena na execução penal: ressocialização e o direito penal brasileiro

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Direito

Documento 1

Punição. Ressocialização. Políticas públicas. INTRODUÇÃO O tratamento dado aos detentos foi sendo modificado ao longo dos tempos. As formas arcaicas de impor sanções evoluíram no Brasil. As perdas suportadas pelo apenado transcendem a perda da liberdade: ociosidade, instalações precárias, superlotação, violências sexuais e físicas, assistência médica deficiente, homicídios, motins, são algumas das violências sofridas pelos detentos. Por fim, a preocupação com os encarcerados pode ser explicada tendo em vista que os mesmos um dia ganharão a liberdade e, então, poderão começar uma nova vida com dignidade ou voltar a delinquir, agravando ainda mais os impactos da criminalidade. Portanto, é importante não ignorar a situação de caos em que se encontram os presídios, sendo necessário levantar reflexões a respeito da eficácia das instituições penais para o resgate de pessoas que se desviaram – ou se viram impelidas a desviar pelas circunstâncias – das expectativas da sociedade.

Trata-se de um estudo exploratório que apresenta uma pesquisa bibliográfica com vistas a conhecer as ideias e pensamentos de alguns autores que se dedicam ao estudo do sistema prisional. A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir da leitura e interpretação de materiais já publicados em legislações e doutrinas que se debruçam sobre o tema em análise. Neste patamar, não poderia ser diferente, também estão reflexos os mesmos limites de atuação do Estado de proibição de excessos e garantia do mínimo. O constrito deve ser sancionado com seu tempo, este que é o castigo justo e equânime para Foucault (2014), todos os castigos outros ou sequelas provenientes deste são considerados excessos do poder estatal e, consequentemente, devem ser combatidos.

A Lei de Execução Penal brasileira preconiza que o condenado a cumprir pena privativa de liberdade, deve, antes de ser encarcerado, ser submetido a exame criminológico a fim de que sejam obtidos os elementos necessários para uma classificação adequada e com o intuito de individualizar a execução, assim como tal exame deverá ser feito por uma equipe composta por, no mínimo, dois chefes de serviço (administradores), um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social – artigos 7º e 8º da Lei de Execução Penal. Ou seja, tudo isso para melhor amparar o detento. Contudo, o que se vê na realidade é o amontoar desses indivíduos em minúsculas celas e a flagrante omissão do Estado (ANJOS, 2018). No estado do Ceará, em 2016, a taxa de superlotação nas maiores unidades prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza beirou a 100%.

No mesmo ano, no mês de maio, presos morreram carbonizados e 18 assassinatos foram contabilizados em rebeliões que ocorreram durante uma greve feita pelos agentes penitenciários (BENITES, 2017). Em Manaus, no primeiro dia do ano de 2017, 56 detentos foram executados em um lapso temporal inferior a 24 horas durante uma rebelião que ocorreu no Complexo Penitenciário Antônio Jobim (Benites, 2017). Em janeiro de 2018, mais rebeliões ocorreram no estado de Goiás, com um saldo de nove detentos mortos (Elpaís, 2018). O problema tem se avultado e se mostra insustentável, e sob essa ótica, as revoltas são compreensíveis. E quem são essas pessoas aprisionadas no Brasil? A observação da população carcerária demonstra que 64% são negros ou pardos, 74% são do gênero masculino, somente 9% conseguiu concluir o ensino médio, 52% cometeram crimes contra o patrimônio (roubo) ou tráfico de drogas, e nos presídios femininos essa taxa é ainda maior, 73% (BRASIL, 2017), o que deixa claro que a população carcerária brasileira, em sua maioria, pertence a um recorte populacional de classe e raça que, mesmo antes de transigir normas legais e entrar no sistema, já sofria com a marginalização.

Além disso, o Brasil conta com um elevado índice de presos provisórios que sobrecarrega o sistema prisional em 40% do total de aprisionados no país, cuja motivação para o encarceramento está em indícios subjetivos de culpa, e não na condenação definitiva pela justiça, dando ao investigado todos os meios de exercer o contraditório e a ampla defesa (Straube, 2016). Esse fato é ainda mais preocupante, pois, provavelmente é grande o número de inocentes encarcerados. Ainda, o Conselho Nacional de Justiça (2017) levantou dados com vistas a conhecer o percentual de presos provisório por unidade federativa, e o resultado causa indignação. Aparecem no topo da listados estados com maior índice de presos que ainda não foram julgados e condenados: Ceará, com 66%; Sergipe, com 65%; e Amapá, com 64%, todos estados pobres.

O etiquetamento dos pobres como classe perigosa resulta na criminalização primária e secundária da pobreza2. A primeira simboliza o Poder Legislativo da União, instância competente de produção de normas penais incriminadoras. A segunda, por sua vez, representa a criminalização propriamente dita; isto é: as ações punitivas exercidas contra pessoas concretas. Esta espécie de criminalização é desempenhada pela polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e sistema penitenciário. A criminalização primária decorre dos mandados de criminalização ou penalização estabelecidos na Constituição Federal, a qual funciona como parâmetro normativo para o desenvolvimento da atividade do legislador ordinário. A NECESSIDADE DA REFORMA PRISIONAL O sistema prisional brasileiro virou palco de graves violações aos direitos humanos colocando em situação de fragilidade os detentos que têm sua dignidade violada por várias razões: celas superlotadas e insalubres potencializando as chances de adoecimento, ociosidade, além de o Estado não ser capaz de garantir a integridade física dos presos em caso das constantes ocorrências de rebeliões e motins.

Clamores pela reforma do Sistema Prisional parecem ocorrer de tempos em tempos quando a mídia divulga acontecimentos que envolvem detentos que se encontram em instituições prisionais superlotadas. Mas afora isso, as coisas permanecem como estão: sem grandes mudanças. Aliás, esse é um assunto tido como desconfortável, e muitos da sociedade comum evitam falar sobre ele. A Holanda, assim como o Brasil, também vive uma crise no sistema penitenciário. Ambos os países, Brasil e Holanda, comungam interesses nesse ponto, visam à reinserção social dos constritos após o adimplemento de suas penas, pautados em técnicas e perspectivas restaurativas, obviamente, com distintos níveis de eficácia e compromisso social e político. Ao contrário da Holanda, o Brasil se destaca por conta das más condições dos estabelecimentos prisionais, da falta de investimento, da falta de estrutura física ou ainda da inexistência de políticas públicas de reinserção eficazes, que findam no amontoar de delinquentes em celas ao próprio azar.

Nesse sentido, importa citar a ponderação de Renato Campos Pinto de Vitto (2005), que questiona se o Brasil quer uma nação de jaulas ou de cidadãos. Para o autor, a pena não pode ser considerada como uma finalidade, mas apenas como um dos meios para pacificação social. Em meio à dinâmica de degradação, é que se mostra prioritária a ação de ponderar sobre a viabilidade de alternativas ao ineficiente padrão ora trilhado. No entanto, somente as 3 unidades encontram-se em funcionamento. Das 3 unidades que estão atualmente em funcionamento, 2 são para detentos do regime fechado e 1 para detentos do regime semiaberto (SANTOS, 2017). O Complexo atualmente conta com 2016 (dois mil e dezesseis) presos e nele não há superlotação. As celas para os detentos do regime fechado possuem 12 m2 e abrigam um máximo de 4 (quatro) detentos (Figura 1).

Já para os presos do regime semiaberto, as celas medem 18 m2 e podem abrigar até 6 (seis) detentos. No momento, o presídio oferece cerca de 350 (trezentos e cinquenta) vagas de empregos disponibilizadas por 17 (dezessete) empresas. Caso não estejam participando de atividades laborais ou educacionais, o detento que estiver cumprindo pena em regime fechado tem o direito de ficar apenas duas horas no pátio. Por esta razão, os presos buscam sempre por livros, aula, oficinas e ofertas de trabalho (Bergamaschi, 2017). Um fator que favorece as boas condições de habitabilidade no presídio é a proibição de superlotação prevista em contrato, o que assegura a operação do dia a dia livre das restrições impostas pelas adaptações necessárias quando um presídio recebe um contingente de detentos maior do que sua estrutura suporta, realidade experimentada pelas demais unidades prisionais de Minas, que estão sob a administração da Subsecretaria de Administração Prisional - SUAPI (AZEVEDO; LOURENÇO, 2016).

A rouparia funciona em um galpão onde todas as peças de vestuário, toalhas, roupas de cama e kits de higiene são estocados e organizados para serem distribuídos aos presos, que não recebem esses itens de higiene pessoal de seus familiares. Os galpões reservados a atividades laborais aguaritam empresas que negociam o uso do espaço com a GPA e são beneficiadas pelos incentivos trabalhistas e fiscais por contratarem a mão de obra dos detentos. As atividades são realizadas em turnos de 8 horas/dia, o que impossibilita que os presos que estão trabalhando possam também ser atendidos pelas políticas educacionais – o que se constitui em um primeiro problema do modelo de parceria público-privada quando se leva em consideração que a finalidade principal das oficinas de trabalho é contribuir para a ressocialização do apenado e que deve passar também por outros aspectos tão importantes como o laboral, a exemplo da escolarização (AZEVEDO; LOURENÇO, 2016).

Outro ponto de inflexão importante referente ao aspecto laboral são os critérios internos adotados para selecionar os presos que serão beneficiados pelas vagas de trabalho disponibilizadas. Existem diversos critérios que são levados em conta quando da organização da lista de interessados, a exemplo do bom comportamento, tempo de pena e já possuir experiência anterior na tarefa para a qual se está contratando, sendo este último um dos principais critérios para a alocação das vagas. Nesse contexto, observa-se que os critérios seletivos atendem à lógica de mercado (ou seja, a empresa contratante procura não investir em capacitação para reduzir ainda mais os custos). Uma de suas promessas de campanha, a permissão da posse de armas, já foi cumprida e agora, pessoas que residem em cidades que registram mais de 10 homicídios por 1000 habitantes podem ter em casa ou no trabalho até cinco armas.

Segundo a Revista Exame (2019), isso significa que 3 a cada 4 pessoas estão aptas a ter uma arma. Decerto esta foi uma medida apenas para responder aos anseios da população e cumprir com a principal promessa de campanha de Jair Bolsonaro, mas não irá resolver o problema da segurança pública. As medidas mais aguardadas, no entanto, são as anunciadas pelo atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro. O ano começou com uma sucessão de ataques promovida pelo crime organizado no estado do Ceará, incendiando dezenas de ônibus, carros de passeio e um caminhão de lixo, além de disparar tiros contra uma agência bancária e instalar uma bomba abaixo de um viaduto. No Brasil, foi firmada na região metropolitana de Belo Horizonte uma parceria público-privada no Complexo Prisional de Ribeirão das Neves, que está proporcionando dignidade e oportunidades aos detentos e o resultado tem sido um presídio sem motins, rebeliões ou eventos de violência.

Ademais, ao participarem de oficinas e terem acesso ao trabalho e educação, os presos conseguem vislumbrar uma vida pós-prisão, com maiores oportunidades e esperança. Já a Holanda conseguiu reduzir o índice de criminalidade investindo em educação, práticas restaurativas e empoderamento dos detentos. Com base nessas experiências, é possível afirmar que a punição não deve enveredar pelo estabelecimento de sanções injustas, de modo que o funcionamento de qualquer sistema penal deve ser considerado em sua totalidade para afastar pretensões que, lastreadas pelo crivo de justiça, implique em punições obscuras. Neste estudo foi visto que a execução da pena no Brasil hodierno em muito se encontra desvinculada da finalidade punitiva ressocializatória, que traz por objetivo a reeducação do detento, bem como por sua reintegração ao âmbito social após o cumprimento da pena privativa de liberdade que lhe fora imposta.

REFERÊNCIAS AMÂNCIO. Tiago. Presos no para morrem 5 vezes mais que media em presídios do país. Folha de São Paulo, agosto, 2019. Disponível em: <https://www1. V. dos. Execução Penal e Ressocialização. Curitiba: Juruá Editora, 2018. ANTUNES, M. com. br/projeto_interna. php?id projetos=7&idioma=en>. Acesso em: 21 out. Azenha, M. Massacre de 56 em prisão de Manaus revela desencontro de autoridades. El País Brasil, Janeiro, 2017. Disponível em: <http://brasil. elpais. com/ brasil/2017/01/03/politica/1483479906_807653. R. A falência da pena de prisão. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. BOZTAS, D. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <http://depen. gov. pdf>. Acesso em: 21 out. Dias, C. N. Sistema Produtor e Reprodutor da Violência.

FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Acesso em: 24 out. Jankavski, A. Stefano, F. O crime na mira. Bolsonaro cumpre uma promessa: facilita a posse de arma. Manual de Direito Penal. ed. Rio de Janeiro: Grupo Editora Nacional, 2017. SANTOS, M. R. SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. SILVA, C. D. Acesso em: 21 out. Straube, A. M. Prender para lucrar. Violências, p. G. Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005, p. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito.

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