A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS: os prós realmente superam os contras?

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Direito

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Ressocialização. Políticas públicas. Parcerias public-privadas. INTRODUÇÃO O tratamento dado aos detentos foi sendo modificado ao longo dos tempos. As formas arcaicas de impor sanções evoluíram no Brasil. As perdas suportadas pelo apenado transcendem a perda da liberdade: ociosidade, instalações precárias, superlotação, violências sexuais e físicas, assistência médica deficiente, homicídios, motins, são algumas das violências sofridas pelos detentos. Assim as PPP’s têm sido as saídas encontradas por alguns estudiosos da área para ajudar a solucionar o caos que se instalou no sistema prisional brasileiro. No entanto, esta alternativa é controversa e tem dividido as opiniões, já que outros doutrinadores entendem que no caso das PPP’s no sistema prisional, os contras superam os prós, havendo exploração da mão de obra do preso, usurpação do poder de polícia do Estado pelo ente privado, além de um incentivo à indústria do encarceramento, já que no contrato consta um número mínimo de presos pelo qual o ente privado deve ser remunerado.

Trata-se de um estudo exploratório que apresenta uma pesquisa bibliográfica com vistas a conhecer os pensamentos de alguns autores, a exemplo de Silva (2016), Nucci (2017) Bitencourt (2017) e Anjos (2018), que se dedicam ao estudo do sistema prisional. A PENA DE PRISÃO NO BRASIL Os Estados Modernos, subscritores da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e defensores da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no que concerne à sanção, preconizam o cerceamento de liberdade como algo justo e equânime a todos aqueles que descumprem as leis. Colapso esse que se prolonga por anos sem melhorias significativas e com picos de crise que com grande frequência dão origem às manchetes veiculadas pela mídia. A título de exemplificação, em São Paulo, na década de 90, uma grande quantidade de rebeliões, fugas, resgates e execução de detentos, marcaram as prisões (DIAS, 2016).

No estado do Ceará, em 2016, a taxa de superlotação nas maiores unidades prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza beirou a 100%. No mesmo ano, no mês de maio, presos morreram carbonizados e 18 assassinatos foram contabilizados em rebeliões que ocorreram durante uma greve feita pelos agentes penitenciários (BENITES, 2017). Em Manaus, no primeiro dia do ano de 2017, 56 detentos foram executados em um lapso temporal inferior a 24 horas durante uma rebelião que ocorreu no Complexo Penitenciário Antônio Jobim (Benites, 2017). São 306 detentos para cada 100 mil habitantes. Procedendo-se à comparação com a média mundial, que é de 144 presos, esse número, aliado aos demais dados aqui expostos, demonstra que existe uma grande disposição em encarcerar por parte do Estado brasileiro. E quem são essas pessoas aprisionadas no Brasil? A observação da população carcerária demonstra que 64% são negros ou pardos, 74% são do gênero masculino, somente 9% conseguiu concluir o ensino médio, 52% cometeram crimes contra o patrimônio (roubo) ou tráfico de drogas, e nos presídios femininos essa taxa é ainda maior, 73% (BRASIL, 2017), o que deixa claro que a população carcerária brasileira, em sua maioria, pertence a um recorte populacional de classe e raça que, mesmo antes de transigir normas legais e entrar no sistema, já sofria com a marginalização.

Além disso, o Brasil conta com um elevado índice de presos provisórios que sobrecarrega o sistema prisional em 40% do total de aprisionados no país, cuja motivação para o encarceramento está em indícios subjetivos de culpa, e não na condenação definitiva pela justiça, dando ao investigado todos os meios de exercer o contraditório e a ampla defesa (Straube, 2016). Esse fato é ainda mais preocupante, pois, provavelmente é grande o número de inocentes encarcerados. tornou-se ainda mais concreta essa contradição do sistema de execução penal. De acordo com a explanação do então ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel, na exposição de motivos da LEP, o novo diploma vinha para pôr fim à situação que impedia que a pena alcançasse seus objetivos basilares: A correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social (BRASIL, 1984, s.

p). Tratava-se de ir ao encontro à humanização da pena não como forma de se traduzir em impunidade, mas como uma ação benéfica para o próprio Estado e, por conseguinte, a sociedade posta, que resultaria em melhoria para a segurança pública impedindo a reincidência. No entanto, a meta não foi alcançada. Esse raciocínio é multiplicado quando refletidas nas teorias de todos os dias (o que o senso comum pensa sobre a criminalidade), isto é, resulta em estereótipos de cor, status social, condição familiar e assim por diante, que tem força persuasiva capaz de tornar os estigmatizados extremamente vulneráveis a outros fatores, ensejando até uma maior criminalização. É um código social extralegal. Cumpre observar, não é que os membros das classes mais baixas têm maior motivação para o comportamento desviante, mas porque tem comportamentos mais visíveis e consequentemente, tem maiores chances de serem etiquetados.

Por fim, importa ressaltar que a criminalização terciária impede a ressocialização e, deve ser alvo de políticas públicas. O etiquetamento dos pobres como classe perigosa resulta na criminalização primária e secundária da pobreza. Então, o que se percebe é que tudo converge para que o egresso não tenha chances de se reerguer e ser inserido na sociedade e políticas públicas passam a ser pensadas com o objetivo de enfrentar este preocupante problemas. Uma das “soluções” propostas para o problema da falência do sistema prisional são as PPPs conforme será visto a seguir. VANTAGENS E DESVANTAGENS DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA PRISIONAL O sistema prisional brasileiro virou palco de graves violações aos direitos humanos colocando em situação de fragilidade os detentos que têm sua dignidade violada por várias razões: celas superlotadas e insalubres potencializando as chances de adoecimento, ociosidade, além de o Estado não ser capaz de garantir a integridade física dos presos em caso das constantes ocorrências de rebeliões e motins.

Clamores pela reforma do Sistema Prisional parecem ocorrer de tempos em tempos quando a mídia divulga acontecimentos que envolvem detentos que se encontram em instituições prisionais superlotadas. Mas afora isso, as coisas permanecem como estão: sem grandes mudanças. O Complexo Prisional possui 2. m2 e está localizado no município de Ribeirão das Neves, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte - MG. Este complexo encontra-se estruturado em 5 unidades, sendo 3 unidades reservadas a presos do regime fechado e 2 para detentos do regime semiaberto. No entanto, somente as 3 unidades encontram-se em funcionamento. Das 3 unidades que estão atualmente em funcionamento, 2 são para detentos do regime fechado e 1 para detentos do regime semiaberto (SANTOS, 2017). O presídio oferece vagas de empregos disponibilizadas por empresas da região.

Caso não estejam participando de atividades laborais ou educacionais, o detento que estiver cumprindo pena em regime fechado tem o direito de ficar apenas duas horas no pátio. Por esta razão, os presos buscam sempre por livros, aula, oficinas e ofertas de trabalho (Bergamaschi, 2017). Um fator que favorece as boas condições de habitabilidade no presídio é a proibição de superlotação prevista em contrato, o que assegura a operação do dia a dia livre das restrições impostas pelas adaptações necessárias quando um presídio recebe um contingente de detentos maior do que sua estrutura suporta, realidade experimentada pelas demais unidades prisionais de Minas, que estão sob a administração da Subsecretaria de Administração Prisional - SUAPI (AZEVEDO; LOURENÇO, 2016). A rouparia funciona em um galpão onde todas as peças de vestuário, toalhas, roupas de cama e kits de higiene são estocados e organizados para serem distribuídos aos presos, que não recebem esses itens de higiene pessoal de seus familiares.

Ele irá recorrer aos advogados da própria Concessionária para demandar contra ela própria? Ademais, tendo em vista que o ente privado recebe por preso e visa o lucro, para ele não é vantagem que os presos sejam libertos. Assim, é difícil acreditar que terão uma defesa imparcial. Então, o que pode ocorrer nesses casos é a ocorrência de grandes violações aos direitos humanos dos apenados, que poderão ter seus destinos manipulados conforme os interesses do ente privado. Segundo Sacchetta (2018) é interessante para o consórcio que, além de haver um número maior de detentos, que os que já estão lá fiquem o máximo tempo possível. Uma das cláusulas do contrato da PPP do Complexo Prisional de Ribeirão das Neves estabelece como “obrigações do poder público” a garantir que o presídio fique com no mínimo 90% de suas vagas ocupadas por 27 anos.

Existem diversos critérios que são levados em conta quando da organização da lista de interessados, a exemplo do bom comportamento, tempo de pena e já possuir experiência anterior na tarefa para a qual se está contratando, sendo este último um dos principais critérios para a alocação das vagas. Nesse contexto, observa-se que os critérios seletivos atendem à lógica de mercado (ou seja, a empresa contratante procura não investir em capacitação para reduzir ainda mais os custos). Este é outro ponto negativo, pois, a qualificação profissional também é um mecanismo que promove alternativas de ressocialização (SANTOS, 2017). E os problemas não param por aí. Muitas das atividades de controle envolvendo o poder de polícia do Estado ficam reservadas ao ente público que é responsável pela execução direta dessas ações.

Para adentrar no Complexo Prisional de Ribeirão das Neves, o preso não pode pertencer a facção criminosa e nem ter cometido crimes contra os costumes, a exemplo de estupradores. A justificativa é que este perfil de presos poderia atrapalhar o projeto de ressocialização. Então, dizer que os presídios privatizados conseguem ressocializar um número maior de presos em parte é uma afirmação verdadeira, mas há que se levar em conta também que ressocializar presos que não têm um histórico de elevada periculosidade ou rebeldia é muito mais fácil do que ressocializar membros de facções, assassinos contumazes e estupradores e, exatamente por esta razão, não tem como comparar o índice de ressocialização de um presídio privado com um mantido exclusivamente pelo Estado, que recebe preso de todo jeito: dos “ladrões de galinha” aos grandes chefes do tráfico (SACCHETTA, 2018).

Presos com esse perfil, ou seja, de maior rebeldia e maior periculosidade demandam maiores investimentos em seu projeto de ressocialização e mesmo assim, com baixas chances de lograr êxito e por esta razão, sob a lógica do lucro, eles atrapalham mesmo os bons resultados do projeto. Também, é cláusula contratual que em caso de fugas e rebeliões o ente privado poderá ser multado e perder parte dos repasses por parte do Estado. No Complexo Prisional de Ribeirão das Neves, por exemplo, quanto mais presos forem recolhidos, maior o lucro do ente privado e isso pode motivar o encarceramento em massa. Segundo Sacchetta: Nos Estados Unidos, o que ocorreu com a privatização deste setor foi um lobby fortíssimo pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva.

Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares (SARCCHETTA, 2018, s. p). Mas o lucro do ente privado vai muito além do que recebe do Estado. É que ele consegue cortar custos. A título de exemplificação, no Complexo Prisional de Ribeirão das Neves, o banho do preso é de 3 minutos e o preso que trabalha tem direito a um banho de 3 minutos e meio. Também, com vistas a reduzir gastos, a água das celas é cortada algumas horas ao dia e isso faz com que o lucro seja muito maior (SARCCHETTA, 2018). Do exposto entende-se que as PPPs nos presídios não parecem ser a saída para a crise do sistema prisional, sendo necessário se pensar em políticas públicas que auxiliem de verdade na ressocialização.

Com base nessas experiências, é possível afirmar que a punição não deve enveredar pelo estabelecimento de sanções injustas, de modo que o funcionamento de qualquer sistema penal deve ser considerado em sua totalidade para afastar pretensões que, lastreadas pelo crivo de justiça, implique em punições obscuras. Neste estudo foi visto que a execução da pena no Brasil hodierno em muito se encontra desvinculada da finalidade punitiva ressocializatória, que traz por objetivo a reeducação do detento, bem como por sua reintegração ao âmbito social após o cumprimento da pena privativa de liberdade que lhe fora imposta. As prisões são criticadas por violarem a dignidade humana e por não ofertarem requisitos mínimos para que o detento cumpra sua pena, sem que tenha sua condição humana mitigada.

Dentre os diversos problemas que assolam o sistema prisional está a falta de oportunidades de trabalho, educação, a mescla de presos e, principalmente, a superlotação, que favorece o surgimento de doenças, gera estresse e motiva a realização de rebeliões e motins. Assim, a LEP padece pela ausência de implementação de muitas de suas diretrizes, o que favorece o aumento da criminalidade. uol. com. br/cotidiano/2019/ 08/presos-no-para-morrem-5-vezes-mais-que-media-em-presidios-do-pais. shtml. Acesso em: 21 out. G. LOURENÇO, L. C. Parceria Público-Privada no Sistema Prisional de Minas Gerais: os limites da governança pública e seus reflexos na produção de sentidos substantivos para o modelo. º Encontro Anual da ANPOCS, 24 a 28 de outubro de 2016, Caxambu – Minas Gerais. O Globo, 07/01/2017. Disponível em: https://oglobo. globo. com/brasil/ com-tres-anos-presidio-privado-em-minas-gerais-nao-teve-rebelioes-20740890.

Acesso em: 21 out. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília, DF, 2017. Disponível em: http://depen. maio/jun. Conselho Nacional de Justiça. Reunião Especial. Brasília, DF, 2017. Disponível em: http://www. Elpaís. No aniversário da crise dos presídios, nove mortos em rebelião em Goiás. Penitenciárias, 02/01/2018. Disponível em: https://brasil. elpais. FUGIO, F. B. Análise da parceria público-privada no sistema penitenciário brasileiro. Revista de Iniciação Científica e Extensão da Faculdade de Direito de Franca, v. n. GUERRA, V. A. C. Parceria público-privada no sistema prisional brasileiro. Jus Navegandi, 2017. Manual de Direito Penal. ed. Rio de Janeiro: Grupo Editora Nacional, 2017. O TEMPO. Governo corta repasse de verba após fuga de preso.

As Parcerias Público-Privadas No Sistema Penitenciário Brasileiro. Revista Jurídica, v. p. SACCHETTA, P. Na primeira penitenciária privada do Brasil, quanto mais presos, maior o lucro. Disponível em: https://www. gazetadopovo. com. br/ justica/sem-celulares-e-superlotacao-o-cotidiano-na-unica-penitencia ria-privada-do-brasil-edkjc6xyahm0fc34us7j0djg3/. Acesso em: 21 out. A. S. A privatização de presídios: Uma ressocialização perversa. In) Compatibilidade com o Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2016. Straube, A. M. Prender para lucrar. Violências, p. –25, dez.

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