A JUSTIÇA RESTAURATIVA E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES
Tipo de documento:Artigo acadêmico
Área de estudo:Direito
Palavras-chave: Conflito familiar. Violência doméstica. Mediação. Justiça Restaurativa. INTRODUÇÃO A justiça restaurativa emerge num contexto em que o sistema formal de justiça mostrou-se incapaz de produzir a ordem necessária. Assim, entende-se que para esse tipo de controvérsia, a mediação como manifestação da Justiça Restaurativa oferece um espaço especializado para acolher emocional e concretamente, a multiplicidade de conflitos que podem surgir entre seus subsistemas. Para a realização deste artigo, como metodologia, foi empregada a pesquisa bibliográfica, realizada a partir de materiais já publicados, a exemplo de doutrinas e legislações que se dedicam à melhor compreensão do tema em análise. A JUSTIÇA RESTAURATIVA Um dos meios de se proceder à mediação na esfera penal é fazendo uso da justiça restaurativa.
A justiça restaurativa surge como uma reação aos resultados insatisfatórios do modelo retributivo e ressocializador de resposta ao crime quanto à prevenção e diminuição da reincidência, impulsionado também pelo movimento de revalorização do papel da vítima, crescente desde meados do século passado. Sua expectativa, segundo Prudente (2013) é viabilizar uma nova porta para tratar o delito, com abordagem mais pacificadora e menos adversarial. O modelo restaurativo e o Estado Democrático de Direito Nem mesmo o termo justiça restaurativa, resultante do inglês “restorative justice”, é consensual no mundo. Na França, optou-se por “justice réparatrice” ou “justice réhabilitative” (PRUDENTE, 2013, p. Em Portugal e na Espanha, há quem defenda a nomenclatura de “justiça reparadora” (PRUDENTE, 2013, p. Outros termos ainda são utilizados: justiça transformadora, relacional, participativa, pacificadora, restauradora, comunitária, entre outros.
Estes significados demonstram que a significação deste último vocábulo é mais abrangente, incluindo não só a reparação sob o aspecto de reposição, mas incluindo “também uma ideologia própria que inclui valores que perpassam a relação vítima-agente e agente-comunidade” (ROBALO, 2012, p. Assim, as redes de justiça restaurativa surgem com fundamento na reconstrução do sistema de regulação social, sob a dupla perspectiva, tanto de acompanhar as transformações e evolução do direito quanto de conter a expansão do direito penal punitivo, que se mostra cada vez mais ineficiente (PRUDENTE, 2013). Por se tratar de um paradigma novo, ainda em processo de construção, trazer um conceito hermético de justiça restaurativa é uma tarefa difícil e talvez até indesejada. Com abordagens diferentes, com amplitudes diferentes a partir do contexto do país em que as experiências se inserem, as indefinições terminológicas e conceituais são comuns, o que não impede de citar algumas tentativas de estabelecer conceitos abertos a partir dos valores que veicula.
A justiça restaurativa possui um conceito aberto e fluido, que vem sendo modificado ao logo do tempo, assim como suas práticas. Essa construção em aberto e em evolução constante é um ponto positivo, “pois não há um engessamento de sua forma de aplicação e, portanto, os casos padrão e as respostas-receituário permanecem indeterminados, na busca de adaptação a cada caso e aos seus contextos culturais” (ACHUTTI, 2013, p. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante o procedimento oral e o sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (BRASIL, 1988, s.
p). A oralidade, a celeridade, a composição podem ser extraídas do texto normativo, ao prescrever o procedimento oral e sumaríssimo e a conciliação e a transação. Também ao prever a possibilidade de composição por juízes leigos e referir-se à menor complexidade e ao menor potencial ofensivo, a Constituição sinalizou outros princípios caracterizadores dos Juizados. O art. A imediatidade informa a necessidade que o juiz tenha contato direto com as partes e as testemunhas. A identidade física do juiz representa o contato direto do magistrado com o processo. O magistrado que instrui o processo procede à oitiva da vítima, colhe o depoimento das testemunhas e interroga o réu; deve ser o mesmo a proferir a sentença, garantindo que as nuances proporcionadas pela apreciação das provas orais tornem possível uma decisão mais próxima à realidade dos fatos.
Gouvêa e Wronski (2001, p. afirmam que, por meio desse contato com as partes e testemunhas, o juiz consegue “conhecer as características que compõem a verdade, que muitas vezes se manifestaram na fisionomia, no tom da voz, na firmeza, na prontidão, nas emoções, na simplicidade da inocência e no embaraço da má-fé”. A prestação jurisdicional deve ser efetiva e consumir o menor tempo e a menor quantidade de recursos possíveis (Gouvêa; Wronski, 2001). A prestação jurisdicional deve ser célere, pois a demora resulta em inefetividade da decisão e descrédito para o sistema judicial. A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. º na CF/1988, dispondo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo eos meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A interpretação do que é razoável para o processamento de uma ação é subjetiva, embora a intenção clara do dispositivo seja que o processo deva transcorrer da forma mais rápida possível. veicula o princípio da equidade. “O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”. Enuncia Pallamola (2009) que adotar a equidade não significa decidir contra a lei, mas acrescentar um conteúdo social que o contexto requer. Barbi (1998) aponta que, quando o teor legal oferecer consequências indesejáveis,incompatíveis com o senso de justiça, pode o julgador mitigar o seu rigor e conferir interpretação mais equânime ao caso. Gerber e Dornelles (2006) referem-se ainda a princípios que podem ser extraídos do texto normativo, especificamente da parte criminal, como a reparação dos danos e o princípio da humanidade.
Prudente (2013) faz um apanhado histórico e menciona uma primeira conferência internacional promovida pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 1990, na Itália, que reuniu acadêmicos e profissionais de diversos países, sendo apresentados ensaios relacionados ao desenvolvimento do impacto de políticas e práticas da justiça restaurativa. Projetos-pilotos foram se sucedendo nos países europeus, estimulados pelo Conselho da Europa, que, em 1999, aprovou Recomendação1 em que se estabelecem os princípios gerais que devem presidir a implantação dos serviços de mediação penal e incentivam-se os Estados membros a adotarem a mediação nos processos penais que considerarem adequados. Em maio de 2001, foi aprovado pelo Conselho o Estatuto da Vítima em Processo Penal2, que no art. impôs aos membros que a partir de 22 de março de 2006 tivessem em funcionamento um programa de mediação penal.
Os avanços das discussões e das experiências pelo mundo levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a tratar do tema. Em algumas dessas experiências, foram feitas avaliações dos programas. Pallamolla cita a experiência da Catalunha, na Espanha: No período de novembro de 1998 a junho de 2002, o programa de mediação na jurisdição penal ordinária da Catalunha foi levado a cabo em quatro cidades (Barcelona, Tarragona, Lleida e Girona) e tratou de 452 casos que foram derivados ao programa. Destes, 116 não foram iniciados, pois foram considerados inviáveis. Dos 336 iniciados, 301 foram finalizados e apenas 210 continham resultado disponível. Destes últimos, houve reparação em 66,2% dos casos (PALLAMOLLA, 2009, p. Os responsáveis pelo programa são o TJ do Distrito Federal e Territórios e o MP, cabendo ao juiz do Juizado Especial a coordenação do programa.
A participação no programa precisa ser voluntariamente aceita por ambas as partes. Os casos encaminhados devem envolver conflitos entre pessoas que possuam vínculo ou relacionamentos projetados para o futuro, nos quais haja a necessidade de reparação emocional ou patrimonial. Os crimes contra mulheres em âmbito doméstico têm causado grande preocupação, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Não obstante a punição a estes crimes tenham ficado mais duras, o endurecimento das penas parece não ser suficiente para conter a violência doméstica. A previsão da qualificadora para os casos de violência doméstica foi inserida pela Lei n. com previsão de pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. A LMP aumentou os limites abstratos da pena de 3 meses a 3 anos, retirando, assim, o crime de lesão corporal, no âmbito doméstico, do rol das infrações de menor potencial ofensivo e do Juizado Especial Criminal, além de ter incluído uma majorante para a hipótese do crime ser praticado contra pessoa portadora de deficiência (§ 11, art.
do CP brasileiro). A violência psicológica foi incorporada pela Convenção de Belém do Pará. A problemática da violência doméstica é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como violação de direitos humanos e de saúde pública. Na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que a violência doméstica contra a mulher é um obstáculo ao desenvolvimento, à paz e aos ideais de igualdade entre os seres humanos. O Brasil e a ONU firmaram Pacto Comunitário contra a violência intrafamiliar, em 25 de novembro de 1988. Em 1994, o Brasil assinou o documento da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará.
Cuida-se de importante conquista para os direitos das mulheres, por se tratar de um compromisso internacional do Brasil, no qual existe a definição de violência doméstica e a explicação das formas desse tipo de violência (GOBBATO, 2014). Segundo Maria da Penha, após a naturalização, o marido mudou seu comportamento, passando a ser uma pessoa “agressiva, intolerante, grosseira” (Souza, 2008, p. Em 29. ela sofreu um disparo de arma de fogo efetuado pelo próprio marido, em simulação de assalto, enquanto dormia, que a deixou paraplégica. Após retornar para sua residência, foi mantida em cárcere privado e quase eletrocutada por chuveiro elétrico propositadamente danificado. Marcos Heredia foi preso apenas em outubro de 2002, após forte pressão internacional. Criou-se também a obrigação de o Estado desenvolver políticas públicas para resguardar os direitos humanos das mulheres em suas diversas gerações – liberdade, igualdade e solidariedade (DIAS, 2015) -, cabendo também à família e à sociedade desenvolver as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos das mulheres.
No entanto, passada mais de uma década após a vigência da LMP, o desafio reside na dificuldade de se implementar as políticas públicas e as ações integradas para prevenir e erradicar a violência em âmbito doméstico e familiar contra a mulher, como determinado, por exemplo, nos artigos 8, 9 e 35 da LMP, o que leva a questionar se o endurecimento das penas e o crescente aprisionamento realmente se mostra uma solução eficaz. A experiência tem possibilitado responder negativamente a esta questão, ao passo que os ganhos que se tem tido em todo o mundo com a justiça restaurativa, inclusive em âmbito da violência doméstica, sugere que este pode ser o caminho para solucionar problemas que o sistema penal tradicional não tem conseguido resolver.
A JUSTIÇA RESTAURANTIVA APLICADA À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER No âmbito das relações domésticas e familiares, as causas motivadoras da violência são complexas, não obstante tenham na negação da igualdade entre homem e mulher sua principal razão. Não raro, as motivações dos delitos são passionais, mormente dos mais graves (como os homicídios) e, nestes casos, como bem pondera Maria Fernanda Palma (2013, p. Já no âmbito da intervenção penal, urge que se tenha mais DEAMs e atendimento policial de qualidade, e sejam implementados os JVDFMs (Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher), com suas equipes multidisciplinares para o assessoramento do trabalho do juiz e do MP e para o tratamento e adequado encaminhamento das partes aos serviços necessários (ÁVILA, 2014).
Para além disso, é preciso que os operadores jurídicos não fiquem comprometidos com a antiga mentalidade dos JECrims, afastando a cultura da minimização da violência. O Estado deve adotar, de fato, uma postura ativa para resolução desse grave problema social. Segundo Bernal (2002), o objetivo da mediação familiar é prover a oportunidade de acordo da maneira menos conflitante sem ater-se à necessidade de impedir a separação ou divórcio. Desta forma, conforme a autora, os objetivos da mediação familiar são os seguintes: a) Auxiliar as partes para que encontrem uma solução para a disputa em consequência de uma ruptura familiar, de forma que obtenham novamente uma confiança recíproca para que o acorde de mediação surta efeito prático; b) preparar, em conjunto com a família, um plano para o futuro adequado às necessidades de cada um de forma que aceitem e executem de maneira facilitada; c) preparar as partes para que aceitem e concordem com as consequências advindas de suas decisões de forma que haja consciência e racionalização das ações; e d) reduzir a ansiedade familiar por intermédio de uma resolução consensual.
São incontrastáveis as vantagens das práticas restaurativas não só para a vítima (pois ganha voz ativa, passando a ocupar o centro do processo), o ofensor (visto por outra perspectiva, holística, mais humana, podendo interagir com os demais e contribuir para a decisão) e a comunidade (máxime aquelas pessoas mais próximas dos primeiros). Ao se devolver o conflito a seus legítimos protagonistas e acentuar-se o diálogo, pretende-se um acordo que tenha diferentes rostos (reconhecimento dos fatos; assunção de responsabilidade; manifestação de arrependimento; pedido [aceitação] de desculpas; sujeição a tratamento; prestação de serviços à comunidade (PSC); e certamente ajuda a reatar os laços sociais). A reparação material ou simbólica das vítimas, por danos sofridos individual ou coletivamente, é de vital importância para a justiça restaurativa, seja no âmbito interno dos países, seja no plano internacional, na hipótese de violações manifestas das normas internacionais de direitos humanos e de violações graves do direito internacional humanitário.
A aplicação da justiça restaurativa deve ser contextualizada muito além da solução alternativa de conflitos no esforço de desenvolver uma cultura restaurativa que promova o respeito aos outros, a observância dos direitos humanos, e a paz jurídica e social. Assim, o que se procura é retirar as vendas do direito penal, a fim de que este possa, no processo de resposta ao crime de violência doméstica, abarcar também a ofensa concreta sofrida pelas vítimas diretas e indiretas do comportamento do ofensor e pela comunidade onde tais atores estão inseridos. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. BARBOSA NETO, Luis A. Madrid. Colex, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília/DF: Senado Federal, 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 set. s. p. BRASIL. Lei 11. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. n. p. jul. ago. Juizados especiais criminais Lei n. Comentários e críticas ao modelo consensual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. GOBBATO, Marcelo Alessandro da Silva. A estruturação de políticas públicas como efetivo mecanismo de proteção às mulheres, vítimas de violência doméstica e familiar. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. n. p. jun. jul. net/bbrppj. Acesso em: 2 Mar. ORSINI, Adriana Goulart de Sena; LARA, Caio Augusto Souza. Dez anos de práticas restaurativas no Brasil: a afirmação da justiça restaurativa como política pública de resolução de conflitos e acesso à justiça.
Revista Responsabilidades- Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. São Paulo: IBCCRIM, 2009. PALMA, Maria Fernanda. Modelos de relevância das emoções no Direito Penal e sua relação com diferentes perspectivas filosóficas e científicas. In: PALMA, Maria Fernanda; SILVA DIAS, Augusto Silva; SOUSA MENDES, Paulo de (Coord. Emoções e Crime: Filosofia, Ciência, Arte e Direito Penal. RAMÍREZ, Isabel Ximena. Justicia restaurativa en violencia intrafamiliar y de género. Rev. derecho (Valdivia), Valdivia, v. n. Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005. ROBALO, Teresa Lancry de Gouveia de Albuquerque e Sousa. Justiça restaurativa: um caminho para a humanização do Direito. Curitiba: Juruá, 2012. SOUZA, S.
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