TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA NOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS PORTUGUÊS E BRASILEIRO

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:Direito

Documento 1

Assim, constata-se que o questionamento relativo à obrigação de indenizar os danos decorrentes da atividade jurisdicional morosa, inclusive quando confrontadas com a disposição contida no art. º, inc. LXXVIII, da CF 1988, foi elevada à categoria de direito fundamental à razoável duração do processo. Segundo a cátedra de Greco, [. a justiça somente atingirá seu objetivo principal que é garantir a eficácia dos direitos fundamentais se entender que na base de tudo está a decisão rápida e justa.   O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 1966, previu o direito do preso e do acusado pela prática de um crime, de ser julgado em tempo razoável nos arts. º e 14, a seguir parcialmente transcritos: Art. § 3º Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.

Art. § 3º Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a ser informada, sem demora, em uma língua que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada; a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha; a ser julgada sem dilações indevidas3;   A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, já assegurava ao preso o direito de ser julgado em um prazo razoável: Art. Para a Corte Europeia, assim, a efetividade supõe que o acesso à justiça não seja obstado pela complexidade ou custo do procedimento, devendo ser observada “uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregados e o fim visado”.

O litigante, ao sentir da Corte, não deve ser impedido “de empregar um recurso  existente e disponível”, proibido que é todo “entrave desproporcional a seu direito de acesso ao tribunal”10. A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 2000, também estatuiu que: “Art. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei”11. Por fim, citam-se as próprias legislações lusitanas: a Constituição e o Código de Processo Civil português. Outra norma supraconstitucional aplicável ao Brasil é a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos que dispõe em seu art. º, nº1 que: Artigo 8º, nº 1 - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza14.

A Constituição Federal de 1988 foi generosa na previsão esmiuçada de direitos e garantias fundamentais. Especificamente com relação à razoável duração do processo, dispôs em seu art. º, inc. Por fim, o Código de Processo Civil Brasileiro em seu art. º dispôs que: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”17. E em seu art. º que: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”18. Tutela jurisdicional efetiva como garantia que ultrapassa o mero acesso à justiça Hodiernamente, produto da vertente constitucional do processo, o Estado assentou o direito de ação, ou direito à prestação jurisdicional, como um de seus princípios basilares, albergando-o como um direito fundamental do cidadão.

Marinoni24 elenca que os obstáculos para um efetivo acesso à ordem jurídica hodiernamente são: i) custo do processo; ii) demora processual; iii) problema cultural; iv) questões psicológicas; v) litigantes eventuais frente os habituais; vi) necessidade de reestruturação do processo individual para conflitos de massa. Nota-se, portanto, que apesar dos estudos se darem em épocas, sociedades, culturas e Estados distintos, os problemas quanto à efetividade da jurisdição se identificam. Em primeiro lugar, destaca-se o obstáculo envolvendo os emolumentos incidentes no processo, sejam eles preparatórios (contratação de advogado), iniciais (custas de distribuição, taxa judiciária, cartório), intermediários (provas, pareceres, perícias, cartas precatórias, diligências de oficial de justiça) ou finais (sucumbência)25. Todo processo, por mais simples que seja, envolve inúmeras custas até sua resolução final, o que torna a ação muito dispendiosa.

Assim, para que o jurisdicionado exerça seu direito de acesso à justiça se faz necessário o pagamento de seus emolumentos. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA. PRESUNÇÃO RELATIVA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. A declaração de pobreza, com o intuito de obter os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita, goza de presunção relativa, admitindo, portanto, prova em contrário. Assim, sem condições de contratarem um advogado particular, quanto menos de ser atendida devidamente pelos defensores públicos, a população carente acaba procurando atendimento nos núcleos de prática jurídica das universidades de direito, então prestadas pelos universitários sob a supervisão de professores advogados. Contudo, a acuidade e dedicação à causa ficam deveras comprometidas, pois os alunos se formam, os professores se alteram e o processo fica a mercê da análise e condução de inúmeras pessoas, sem a atenção necessária que toda causa e cidadão necessita e possui direito.

Como se não bastasse, outra forma de tentar resolver essa questão pecuniária foi a criação dos Juizados Especiais (Lei nº. e Lei nº 10. em que a parte lesada pode apresentar sua pretensão sem a representação de um advogado. º, LXXIV), juizados especiais (CF, arts. I e 98; Lei 9. ampliação da legitimidade do Ministério Público (CF, art. –, todas visando a tornar mais acessível a tutela jurisdicional32. Por sua vez, Rodolfo de Camargo Mancuso constata as seguintes causas da crescente litigiosidade: a) Desinformação ou oferta insuficiente quanto a outros meios, ditos alternativos, de auto e heterocomposição de litígios, gerando uma cultura da sentença, expressão de Kazuo Watanabe; b) exacerbada juridicização da vida em sociedade, para o que contribui a pródiga positivação de novos direitos e garantias, individuais e coletivos, a partir do texto constitucional, projetando ao interno da coletividade uma expectativa (utópica), de pronto atendimento a todo e qualquer interesse contrariado ou insatisfeito; c) ufanista e irrealista leitura do que se contém no inciso XXXV do art.

Segundo discorre Helena Najjar Abdo, escorando-se nos ensinamentos de Calamandrei, Cappelletti e Garth, a conduta protelatória tem por finalidade: Como adverte Calamandrei, a conduta protelatória decorre do fato de que o litigante, ao prever que a sentença definitiva lhe será desfavorável, procura valer-se de todos os mecanismos processuais que vê ao seu alcance para tornar mais demorada a solução final, na esperança de vencer a parte contrária pelo cansaço e impor-lhe uma vantajosa transação antes do trânsito em julgado. Nesse mesmo sentido, afirmam Cappelletti e Garth que a demora na prestação jurisdicional aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente mais fracos a abandonar a causa ou aceitar um acordo por valor muito inferior àquele a que teriam direito35.

De todo modo, a excessiva demora na prestação jurisdicional acaba viciando o próprio acesso à justiça, haja vista que a celeridade é imprescindível para a efetividade do direito, seja para evitar a concretização do dano, impedir a consolidação de uma ameaça, ou então evitar o perecimento de uma prova, dentre tantos outros direitos e pretensões que podem ser fulminadas pelo retardamento do processo. O processo deve, portanto, se desenvolver e ter uma duração razoável, já que a tempestividade de tutela jurisdicional é um direito fundamental do jurisdicional, contudo, em que pese a Constituição Federal tenha assim garantido, o diploma não fixou legalmente o se compreende por prazo razoável, sendo assim um conceito jurídico vago e indeterminado. Sobre essa tônica, Samuel Miranda Arruda discorre que: A noção de razoabilidade – ínsita ao próprio direito fundamental – é necessariamente aberta, de forma a possibilitar uma concretização ponderada, à luz dos casos particulares que se apresentam.

Partindo-se dessa premissa, independentemente da tutela pretendida pelo jurisdicionado, com base no due processo flaw, o processo deverá percorrer um determinado tipo de procedimento para composição plena do conflito de interesses, desmembrando-se em etapas e fases, o que inevitavelmente demanda tempo, revelando sua dinâmica processual e morosidade sistêmica. A própria etimologia da palavra processo, que deriva do latim procedere, significa ir em frente, ou seja, uma ação de avançar, de proceder, seguir, carregando em sua essência o aspecto temporal43. O tempo, portanto, é um fator próprio e inerente ao processo, sendo que a competente legislação prevê os prazos judiciais que devem ser respeitados para a realização e cumprimento dos atos processuais nos termos do artigo 21844 do Código de Processo Civil. Nessa senda, José Rogério Cruz e Tucci45 constatam que a tempestividade da tutela jurisdicional sofre influência de três fatores, que, segundo os autores são as causas determinantes para letargia do processo, quais sejam: i) fatores institucionais; ii) fatores de ordem técnica e subjetiva; iii) fatores derivados da insuficiência material.

Sobre os fatores institucionais, o doutrinador discorre que, tradicionalmente, os Poderes Executivo e Legislativo não possuem como meta prioritária a eficiência do Poder Judiciário, sendo esse escalonado como último, citando, por exemplo, a questão emblemática acerca do “esquecimento” da tramitação do projeto para reforma do código penal brasileiro. Nesse sentido, colhemos o entendimento jurisprudencial, ex vi: RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO, TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTECONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZONA FORMAÇÃO DA CULPA. NÃO OCORRÊNCIA. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que a verificação da ocorrência de excesso de prazo para a formação da culpa não decorre da simples soma dos prazos processuais, devendo ser examinadas as peculiaridades de cada caso, sempre observado o princípio da razoabilidade (art.

º, LXXVII, da CF). Na espécie, a complexidade da causa, que abrange vários crimes, os diversos réus envolvidos e a expedição de cartas precatórias mostram que o trâmite processual se encontra compatível com as particularidades do caso concreto, não se tributando aos órgãos estatais indevida letargia. Recurso em habeas corpus improvido (RHC 48. MS, Rel. Ocorre que, o processo, para alcançar satisfatoriamente a entregada tutela jurisdicional, essencialmente terá que desenvolver-se orientado pela segurança jurídica, então pautado, dentre outros princípios, pelo contraditório, ampla defesa, devido processo legal, imparcialidade e motivação das decisões, ou seja, sem o sacrifício das garantias fundamentais dos litigantes é inviável a entrega imediata da tutela final e imutável. Nesse passo, alcançar o equilíbrio entre celeridade e segurança, a ponto de viabilizar um processo com razoável duração e efetivo, sob o manto do devido processo legal, tornou-se o grande desafio do processo civil contemporâneo, não podendo haver o distanciamento entre esses princípios, sob pena de recair na constatação de Francesco Carnelutti51, de que “se a justiça é segura, não é rápida, se é rápida, não é segura”.

Assim, para se alcançar a efetividade da prestação jurisdicional, atualmente, deve-se associar os princípios da celeridade e segurança jurídica, a ponto de propiciar uma razoável duração do processo. Ou seja, deve ser tolerada a demora necessária e inevitável do processo, limitada ao tempo necessário para o desenvolvimento da atividade judiciária em conformidade e respeito aos direitos fundamentais dos litigantes52. Sendo aplicada de forma contígua, celeridade e segurança, tais atitudes servirão para a concretização do direito fundamental da prestação jurisdicional efetiva. E a realização desse direito, imbuído de valores que estruturam a vida jurídica de uma sociedade, depende da eleição de meios capazes de atingir suas finalidades em um espaço de tempo razoável.

A partir desses elementos, vê-se que o direito está umbilical-mente ligado à realidade social e às experiências vivenciadas pelo homem. Está, portanto, intimamente conectado com a cultura de um povo. Aliás, afirma Castanheira Neves que: [. o direito compete à autonomia cultural do homem, que, tanto no seu sentido como no conteúdo da sua normatividade, é uma resposta culturalmente humana (. Neste método científico, a pretensão da racionalidade teorética ou positivista, era justamente afastar a problemática em torno da ‘justiça’ e impor uma norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo, consoante a ideologia do Estado63. Este novo paradigma para a ciência jurídica, estruturado pelo iluminismo-racionalismo, afastou a visão privatística do processo vigente no período do direito romano, época em que aquele tinha natureza de negócio jurídico de direito privado, cujo início dependia de prévio consenso das partes envolvidas.

Além de o processo ser entendido como mera sequência de atos destinados à aplicação do direito, o Estado não intervinha na esfera privada e tampouco sujeitava os litigantes à sua decisão. A mudança da natureza do direito processual não exclui, no entanto, a iniciativa do processo pelas partes, assim como sua efetiva participação na solução do litígio. O novo modelo de processo apenas atribui ao Estado a jurisdição e a tarefa de buscar a solução da demanda, à qual as partes precisam submeter-se. A crítica à teoria da relação jurídica deve ser compreendida de acordo com o seu momento histórico, obviamente. É inquestionável que o direito, produto do fenômeno cultural, sofre o influxo dos movimentos históricos, já que voltado a regular as relações sociais.

E o processo, por sua vez, que também acompanha as alterações histórico-sociais, passou a ser visto como instrumento da ciência jurídica, cujo objetivo é realizar o direito material e alcançar a paz social. Portanto, o processo não pode mais ser visto como de índole puramente técnica, infenso a valores que permeiam a sociedade, mas, como instituto que tem como fim último a harmonia e paz social, e com isso manter uma ordem jurídica justa. Formalismo Valorativo versus Formalismo Exacerbado De tudo que foi dito anteriormente, não há como negar a relevância do formalismo no processo. a 353), o julgamento antecipado da lide (CPC, Art. quanto o julgamento antecipadíssimo da lide (CPC, Art. além da instituição do processo sincrético (CPC, Art.

a possibilidade de julgamento monocrático em grau recursal (CPC, Art. inc. Por outro lado, o formalismo não cuida apenas de diretrizes destinadas a organizar ou preservar a ordem processual, mas também se destina a orientar a atividade do magistrado, assim como disciplinar o seu poder, o que garante o desejável equilíbrio entre as partes e o poder estatal. Assentadas essas premissas, impõe-se ressaltar que o processo não é apenas um instrumento. Cuida-se de um instrumento impregnado de valores fundamentais e de ética que demonstra valor próprio, sem, contudo, obviamente, deixar de reconhecer sua estrutura técnica. Como bem define Dinamarco, [. visto por essa perspectiva integrada, o processo deixa de ser considerado mero instrumento técnico para a realização do direito material. Isso porque, como já ressaltado, o direito como ciência cultural não é direito sem se manifestar na prática e como prática, motivo pelo qual o que está apenas na lei ou no papel não passa de palavras vazias, destituídas de valor se não realizar a vida, o próprio direito69.

Então, da conquistada autonomia do processo não se infere seu isolamento, tampouco significa “sinônimo de neutralidade ou indiferença” ao direito material e aos valores sociais. A pretendida ‘neutralidade do juiz’ – que na verdade é um problema falso, pois o que pode e deve importar é a imparcialidade –, pode ser pensada na mesma dimensão do problema da ‘neutralidade do processo’. Na realidade, as confusões entre autonomia e neutralidade do processo e imparcialidade e neutralidade do juiz não são tão inocentes assim, pois ambas têm a não elogiável intenção de afastar do Poder Judiciário algo que é fundamental para a aplicação da justiça ao caso concreto. Nem o juiz nem o processo podem ser neutros70. Esta fecunda produção científica, formadora de uma verdadeira corrente de pensamento no âmbito do direito processual, chamada escola da efetividade do processo, encontrou em Franz Klein seu principal idealizador e defensor.

Com o intuito de fulminar de forma barata e simplificada o mal social (“sozial Übel”) que é o processo, o eminente jurista austríaco traz a relevo os princípios da oralidade, da publicidade e da livre valoração da prova como meios ou técnicas para alcançar, com efetividade, o bem-estar social. Para tanto, é indispensável a maior participação do juiz, especialmente na investigação dos fatos, com o escopo de auxiliar e suprir as incompletudes nos pedidos e alegações formulados pelas partes, deixando de lado sua velha função de mero fiscalizador e observador do processo75. O processo é permeado por valores sociais que determinam que: [. o juiz ultrapasse a posição de mero árbitro fiscalizador da observância das ‘regras do jogo’, para alcançar status de ativo participante com vistas a evitar a perda da causa pela escassa habilidade da parte ou de seu representante.

A visão externa deste cede espaço para uma visão de um mecanismo interno, no sentido de integrar o direito material e o direito processual e, com isso, prestar uma tutela mais efetiva e justa. Obviamente que não se pode pensar em uma tutela diferenciada para cada modalidade direito existente, o que seria impossível e inaceitável, mas é, sem dúvida, função da tutela jurisdicional diferenciada a de adequação do sistema jurídico ao caso concreto para uma prestação mais célere. A propósito, não se pode deixar de destacar inovação do CPC português, cujo art. A, introduzido pelo Decreto – Lei 329-A, de 1995, instituiu o chamado princípio da adequação formal, tendo aquele a seguinte redação: “Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações”, e que visa, conforme a Exposição de Motivos do referido ato legislativo, a “obviar-se a que as regras rígidas de natureza estritamente procedimental possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e a plena discussão da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio”.

Consoante a doutrina, o novo dispositivo busca quebrar o estrito regime da legalidade das regras do processo, com a remoção de óbice ao acesso à justiça, em atenção à natureza instrumental da forma do processo, na medida em que o andamento traçado pela lei não for adequado à finalidade do processo, atribuindo-se, via de consequência, poderes ao juiz para adequar a ordem dos atos processuais às especificidades da lide trazida ao juízo, reorganizando os atos a serem efetivados, até mesmo com “a determinação da prática de ato não previsto ou a dispensa de ato inútil previsto, ou ainda com a alteração da ordem dos atos abstratamente disciplinados em lei”79. Por esta razão, teria sido proclamado o mais importante dos direitos, porque é aquele que faz valer os demais81.

Mas não basta que o ordenamento jurídico propicie acesso amplo à justiça, visando à prestação da tutela jurisdicional. Para certas situações que violem o direito material, o princípio da efetividade implica que se avance adiante de modelos já superados de tutela jurisdicional, visando a uma mais eficaz e rápida concretização do direito material (por isso o surgimento das tutelas executiva e mandamental). No plano jurisdicional, é de fundamental relevo que se organize o processo e se instrumentalize a concretização do direito material, buscando o atingimento da justiça do caso. Ao não se atender a esse aspecto primordial, obscurece-se e até mesmo se denega a existência de dois planos bem delineados e diversos, o do direito material e o do processual82. Trata-se de sentença que se satisfaz por si mesma, dispensando qualquer ato material posterior.

Assim, por exemplo, resolvido o contrato de compra e venda de bem imóvel, firmado por escritura pública, e devidamente registrado no ofício imobiliário, a sentença cumpre-se com a simples expedição de mandados de cancelamento dos atos notarial e registral, independentemente de qualquer iniciativa do vencido. A tutela declaratória pode, em vista do princípio dispositivo, ser utilizada ainda que tenha ocorrido a violação do direito, que poderia, em tese, dar ensejo também à pretensão mandamental, condenatória ou executiva85. E, assim como a sentença constitutiva, a sentença declaratória também se realiza por si mesma. A sentença mandamental, nas demandas de obrigação de fazer e não fazer dispensa posterior processo de execução, devendo o juiz valer-se de todos os meios para que o réu cumpra a disposição sentencial, usando de todos os instrumentos ao seu alcance e que se mostrem necessários, seja com a imposição de multa, seja com busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, inclusive valendo-se de força policial.

Mas há um longo caminho ainda a percorrer, especialmente nas demandas envolvendo direitos de funcionários públicos, gravitando ao redor da mesma tese, mas de que resultam milhares de processos90. Do mesmo modo, as decisões devem ser ampliadas objetivamente, a fim de englobar situações jurídicas do mesmo sujeito, ofertando, portanto, numa única demanda, solução ampla para todas, a exemplo das causas tributárias, em que as pretensões do fisco são idênticas, pois baseadas em fatos geradores absolutamente iguais, as quais, ao contrário do que ocorre atualmente nos Tribunais, devem ser decididas para o todo, inclusive para firmar entendimento para o futuro91. Para tanto, impõe-se que sejam vencidas as grandes barreiras. Por parte dos advogados, que normalmente optam pelas ações individuais em detrimento das ações com maior número de autores ou, melhor ainda, por uma única demanda ajuizada pelos sindicatos ou associações de servidores públicos ou mesmo de proteção aos consumidores92.

E também por parte dos juízes, que, no mais das vezes, preferem as ações individuais, não só porque elas ampliam o número de sentenças proferidas, ainda que exatamente iguais, e com isso passam a impressão de uma jurisdição mais efetiva, mas também porque parece menos complexo decidir relações jurídicas individuais. Isso não significa, entretanto, que, já ocorrido o dano, não seja possível postular a tutela preventiva contra o periculum in mora, pois, nessa hipótese, buscar-se-á impedir a produção de danos relativamente ao prejuízo já ocorrido. Quer dizer que o art. º, XXXV, da Constituição Federal, ao garantir a tutela antecipatória, não busca apenas possibilitar a prevenção do ilícito, mas também obstar a que outros danos resultem ao lesado em vista da mora na reparação do prejuízo ou no atendimento do dever ou obrigação de adimplemento95.

Correlação entre Tutela Jurisdicional Efetiva e o Formalismo Valorativo É incontestável que houve uma modificação no conceito do formalismo judicial, ligada a fatores diversos, tais como o desenvolvimento das sociedades, crescimento do número e aumento da complexidade das relações comerciais e sociais e das próprias lides. Desta forma, o processo passou a ser incompatível com aquela antiga visão excessivamente formal, assumindo também importância o direito substancial e daí ser corrente o entendimento de que o culto indiscriminado à forma favorece aquele que pretende valer-se do processo para obter resultados que o direito material não lhe concede. o apego exagerado ao formalismo faz com que alguns juízes acabem por favorecer a impunidade, desviando o Direito de seu curso natural. Acredita-se que esse seja um vício de formação jurídica ligado à aparente lógica do positivismo.

Não se percebe que esse apego às formalidades impede ou chega muitas vezes a dificultar a observância dos verdadeiros direitos em jogo no processo judicial. A forma, instrumento criado para assegurar a igualdade e a segurança das partes no processo, quando supervalorizada ou mal utilizada, acaba sendo o veículo para a chicana e para a sacralização de interesses espúrios99. Também Humberto Theodoro Júnior, após enfatizar que a causa mais comum da lentidão processual é o apego injustificado ao formalismo exagerado, invoca em reforço à sua afirmação o exemplo da Suíça, onde há notável reação doutrinária e jurisprudencial contra o formalismo excessivo, que inclusive é considerado como violação da garantia de jurisdição, merecendo inserção no art.

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