Segurança Jurídica

Tipo de documento:Redação

Área de estudo:Direito

Documento 1

A compreensão e a comparação entre os sistemas jurídicos do common law (tradição anglo-saxã) e do civil law (tradição romano-germânica), demonstra que os fins perseguidos são os mesmos, embora as técnicas para sua obtenção, ainda, sejam diversas. A análise da atual formatação do sistema brasileiro aponta para a aproximação dos dois modelos jurídicos apresentados, e a perfeita aceitação de uma teoria constitucional de precedentes obrigatórios no Brasil. SUMÁRIO INTRODUÇÃO. DESENVOLVIMENTO. SEGURANÇA JURÍDICA. Para os atos do Legislativo e Executivo, prevê a Constituição da República formas de adequação, de modo que nenhum deles contenha disposições que violem os princípios constitucionais. No entanto a Carta Magna é silente sobre a forma pela qual se dará tal controle nas situações de inconstitucionalidade dos atos judiciais.

Mais do que isto. Por se tratarem as decisões judiciais de manifestação concreta da lei, o Estado confere a estas características que não possuem os atos do Legislativo e da Administração, quais sejam, o caráter de imutabilidade e indiscutibilidade, através do milenar instituto da coisa julgada. Como ensina Ovídio Batista: Podemos desde logo afirmar um princípio sobre o qual não existe controvérsia: a coisa julgada, no sentido em que dela trataremos a seguir, é um fenômeno peculiar e exclusivo de um tipo especial de atividade jurisdicional. Não é permitido a criatura extrapolar os poderes de seu criador. Por conseguinte, não pode a coisa julgada proteger uma inconstitucionalidade. Entendem alguns autores, citados adiante, dentre eles Humberto Theodoro Júnior, Juliana Cordeiro de Faria, JoséAugusto Delgado, Carlos Valder do Nascimento, pela possibilidade de um processo com vistas a anular a coisa julgada que esteja corrompida por inconstitucionalidade.

Contudo, relativizar a coisa julgada não é tarefa simples. Significa afastar um preceito constitucional, tendo em vista que nela foi erigido o referido instituto, no seu art. Revista da Escola Nacional de Magistratura, n. abr. p. ser, as mais diversas posições têm sido defendidas por ilustres juristas. Decorrência disto, o milenar instituto da coisa julgada tem sido objeto de profundas e profícuas análises, com vistas a aprimorá-lo à sociedade que serve. Assim ensina Humberto Theodoro Júnior: Filiando-se ao entendimento de Liebman, o novo Código não considera a res iudicata como um efeito da sentença. Qualifica-a como uma qualidade especial do julgado, que reforça sua eficácia através da imutabilidade conferida ao conteúdo da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade dos seus efeitos (coisa julgada material).

BERMUDES, Sérgio. Sindérese e Coisa Julgada inconstitucional. In. Curso de Direito Processual Civil. Vol. Percebe-se que liberdade, igualdade e segurança são princípios que interagem mutuamente, e conjugados à perfeição, formarão a feição mais límpida da Justiça, na concepção apropriada de Estado Democrático de Direito. São estes os valores que devem ser perseguidos incessantemente pelo Estado, em todas as suas esferas de atuação. Não se pode sequer pensar-se em um Estado Democrático de Direito, sem a consecução de seus valores supremos. As regras devem ser previamente definidas e moldadas de forma que haja coerência jurídica capaz de gerar segurança e confiança aos cidadãos acerca do planejamento de suas condutas e do Direito exigível.

A segurança jurídica somente poderá ser observada em um ambiente jurídico que permita aos seus agentes conhecer, prever e confiar nas normas que determinam o Estado, e igualmente, regem as condutas humanas. O ponto central de investigação reside, justamente, em localizar quais são os elementos capazes de sustentar, legitimamente, essa concepção de segurança jurídica e conduzi-la à ideia de Justiça. No Brasil, ainda persiste a crença de que a segurança, bem como a igualdade e a Justiça, estariam satisfeitas com a proliferação do corpo legislativo. Seriam as leis, nas suas mais vastas competências, que determinariam o caminho seguro para que os cidadãos gerissem suas vidas, e, ao mesmo tempo, seriam as leis que abstratamente confeririam igualdade e Justiça a todos aqueles que a ela se submetem – em uma leitura literal e restrita do texto contido no artigo 5º da Constituição da República.

A investigação empreendida limitou-se à apreensão dos institutos e técnicas que são caras ao aperfeiçoamento do Direito brasileiro, qual seja, a teoria dos precedentes, em especial das técnicas utilizadas para modificação dos precedentes, sem que isso implicasse fator de insegurança e de desestabilidade. Por ser o uso do precedente uma técnica, Marcelo Alves Dias de Souza adverte acerca da dificuldade de aprendê-la, como asseverado por Farnsworth, “por meio da leitura de uma discussão da doutrina, quanto o é aprender a andar de bicicleta através do estudo de um livro sobre mecânica, acrescendo que o assunto é controverso”6. Nada obstante, não é impossível compreender seus vocábulos e institutos a fim de poder aprimorar o raciocínio e apreender elementos úteis ao objetivo deste trabalho.

Na esteira de autores anglo-americanos, e das interpretações já anunciadas por alguns precursores juristas brasileiros, pretende-se fornecer os conceitos gerais e enfrentar algumas das questões mais palpitantes da teoria dos precedentes. O ponto que mereceu especial atenção foi o voltado à demonstração de, na teoria do stare decisis, ao contrário do apontado por muitos que a repudiam, não se criar um sistema estático e imutável. É como se estas decisões não fossem vistas ou fossem admitidas por serem inevitáveis. Aliás, nas salas do civil law sempre se viu escrito sobre a cabeça dos juízes que a lei é igual para todos. Trata-se não só de lembrança que não basta, mas que acaba por constituir piada de mau gosto àquele que, perante uma das Turmas do tribunal e sob tal inscrição, recebe decisão distinta a proferida - em caso idêntico - pela Turma cuja sala se localiza metros mais adiante, no mesmo longo e indiferente corredor do prédio que, antes de tudo, deveria abrigar a igualdade de tratamento perante a Le Repensar a função dos Tribunais Extraordinários não é faculdade acadêmica, mas uma imposição lógica e necessária ao aprimoramento das instituições democráticas e o primeiro de muitos dos curativos necessários para estancar as feridas que estão por matar o próprio sistema judiciário brasileiro.

Dentre as preocupações estampadas com relação à estabilidade das decisões judiciais e à exigência de respeito às decisões dos Tribunais Extraordinários, reside a questão pertinente aos efeitos dessas decisões. Uma vez reconhecido serem as decisões judiciais, ou ao menos deveriam ser, fontes seguras ao aprimoramento do Direito, à preservação da segurança, da confiança e da previsibilidade das condutas exigidas pelo Estado, emerge a preocupação com os efeitos por ela propagados. Daí que andem também associados à moderna teoria da legislação preocupada em racionalizar e optimizar os princípios jurídicos de legislação inerentes ao Estado de Direito”. O Ministro José Augusto Delgado, em breve retrospectiva acerca do Estado de Direito e sua conformação com a segurança jurídica e seus aspectos basilares, expôs: O Estado de Direito surgiu na metade do Século XIX em face dos movimentos doutrinários e políticos para a sua consagração.

A partir desse momento, passou a se considerar, em sede de expansão conceitual, que a atuação do Estado, embora voltada para proporcionar o bem comum ou a felicidade da vida, a segurança, a saúde, a educação e a prosperidade dos seus administrados, além de proteger os seus direitos individuais, devia seguir a linha determinada pelo ordenamento legal positivo que ele próprio criou, impondo a si mesmo essas regras, auto limitando-se, o que significou o afastamento do Estado com Poder totalitário. Os reflexos dessas mudanças impõem considerar que o Estado de Direito está sustentado em dois fundamentos: a segurança e a certeza jurídica. Esses princípios são absolutamente necessários para que a função estabilizadora do Poder Judiciário, a quem a Constituição Federal lhe concede a competência para de julgar os litígios, seja desenvolvida com estabilidade e credibilidade12.

Assim, ao tratar da segurança jurídica individual, aduz não bastar a hipótese abstrata da garantia do “direito de exigibilidade” e suas hipóteses de sanção, mas, “que os instrumentos coercitivos do Estado sejam suficientemente eficazes para que a norma substantiva seja aplicada”21. Caso contrário, acarretar-se-á “o exercício da exigibilidade se torne uma terrível frustração para o sujeito do direito”22. Segundo proclama José Afonso da Silva, a segurança jurídica consiste, justamente, no “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida”23. Para que exista segurança jurídica, como alicerce de um Estado de Direito, deve-se perquirir quais são as regras formadoras desse Estado de Direito e como elas se relacionam.

Observe-se que o jurista austríaco, em momento algum, afirma terem tais normas sido, estritamente, as leis, ao contrário, expressamente reconhece que há duas espécies de normais: as gerais27 e as individuais, que são objetos das decisões judiciais. É preciso verificar se existe, in concreto, uma situação de fato, que a norma geral determina in abstrato e é necessário, neste caso concreto, que exista um ato coercitivo legal, ou seja, que ordene primeiro e se realize depois e que seja prescrito, in abstrato, pela norma geral. Isso é realizado pela sentença judicial função este denominada jurisdição ou poder jurisdicional30. Vê-se, pois, que, em ambas as concepções, o Direito, enquanto sistema jurídico, é algo vivo e dinâmico e não pode, simplesmente, ser soterrado pela letra absoluta da lei formal, mas é em verdade instrumento de estabilidade e previsibilidade.

Hannah Arendt também entende ser a norma, como estabelecida pela linguagem, “o princípio pelo qual as pessoas que vivem num determinado sistema legal agem e são inspiradas a agir31”, não apenas como elemento de estabilização, mas também como princípios de inspiração da ação humana32. Não é a toa que o idealizador da “Pirâmide do Direito” se preocupou, ao final de sua obra “Teoria Pura do Direito”, em dedicar-se ao estudo da interpretação das normas gerais, e “começou a criar um sistema dentro do Direito, um sistema que se sobrepunha ao positivo. Na visão de Winfried Hassemer “os veículos que deveriam levar ao paraíso do Estado da lei se chamavam ‘Axiomatização’ e ‘Dedução’, e a primeira era a mãe da segunda”.

Relacionando as concepções: “se se conseguisse axiomatizar completamente a lei, formular todo seu conteúdo claramente, então a interpretação judicial não seria outra coisa que dedução, como derivação da decisão de casos a partir da lei – sem complementação com informações estranhas à lei”. Em hipótese, “se algum dia fosse concluída a axiomatização da lei, então essas formidáveis codificações conteriam o conjunto de informações necessárias para as decisões dos casos, e isso em formulação clara e unívoca”. O sucesso dessa teoria, segundo a conclusão do autor, “teria sido realmente a hora de um método jurídico vinculável e a morte de um Estado oligárquico dos juízes” Não se está a afirmar que um Estado Democrático independa de regras, criadas, inclusive, pelo próprio Poder Legislativo.

Como afirma o Luiz Guilherme Marinoni: É certo que a decisão deve se guiar pela lei, mas isso obviamente não é suficiente como argumento em favor de uma decisão correta. No campo da linguagem só se faz sistema por meio da atuação do operador jurídico. Portanto, se no campo da subsunção ainda valem as démarches do positivismo, no campo da ponderação, da compreensão da Constituição como um conjunto também de princípios, são inevitáveis os ensinamentos, por exemplo, de Robert Alexy, de Ronald Dworkin e de Martin Borowski. Como no Brasil tem-se entendido que há ponderação mesmo quando nos pólos da relação tensionada estão princípios fundamentais e bens coletivos, difundiu-se uma aproximação maior a Alexy do que a Dworkin, pois este entende que só há ponderação entre direitos fundamentais (em particular os individuais)41.

É claro não se pretender que a interpretação dita autentica, ou melhor, aquela realizada por meio das decisões judiciais, encontre sempre uma, e só uma, solução possível e absolutamente correta, mas, segundo Dewey, possa ser realizada dentro de “uma lógica de previsão de possibilidade e não de dedução de certezas”42. As decisões devem seguir um padrão estabelecido pelas normas – abstratas e concretas – à medida que são previsivelmente determinadas, ou seja, capazes de estabelecer uma moldura mínima ao conteúdo material das decisões, bem como uma exata legitimidade da forma de sua produção - mas também porque devem ser aplicadas dentro de uma moldura de elementos argumentativos justificadores que levam a uma razoável previsibilidade do uso da coerção estatal.

Afirma, J. J. Gomes Canotilho que os princípios da segurança e da confiança jurídica são inerentes ao Estado de Direito, ensejando uma dimensão objetiva da ordem jurídica, qual seja, “a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas”48, sendo que outra “garantística jurídico-subjectiva dos cidadãos legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas”49. E completa: Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas50.

Extrai-se, portanto, que a proteção da confiança e a segurança jurídica exigem uma atuação estatal que proteja os cidadãos das mudanças legais, necessárias para o desenvolvimento social51. É justamente assim que um ordenamento será eficaz e confiável, conduzindo o jurisdicionado ao tão almejado campo de segurança jurídica, em sentido amplo. Quando o Estado lhe der, a partir de um sistema sério de normas, a real garantia de qual é a conduta prevista e esperada por esse Estado (de Direito), e, em contraprestação, der à sociedade em geral a garantia de que, qualquer que seja o indivíduo a agir em desconformidade com esse mesmo e conhecido sistema, sofrerá a sanção correspondente, na mais perfeita sintonia entre os princípios basilares da liberdade e da igualdade, como forma inequívoca da estabilidade e, como conseguinte, da paz social.

A lei pura, e simplesmente, como posta em nosso ordenamento, não é capaz de conduzir o cidadão a decisões seguras. Rafael Valim destaca que “sobre o cidadão pesa um ordenamento jurídico indecifrável, que, em vez de segurança, transmite temor e enseja a prepotência – sentimentos, a toda evidência, radicalmente contrários aos que inspiram o Estado de Direito”54. Kelsen expressamente reconhece que, quando da interpretação autêntica pelo aplicador da lei, o juiz, ou, em última análise, as instâncias superiores, está-se diante de uma verdadeira criação do direito que, em seu processo de criação, desprende-se da aludida pureza absoluta, desnuda de qualquer qualidade metafísica, mas é a verdadeira norma vestida pelos trajes da realidade concreta, com tecidos de tramas feitas pela Justiça e mesmo pela política.

Dentro deste o juiz terá de decidir. Por isso apenas compreende-se uma das metades da moeda de cada vez quando as sentenças judiciais são designadas parcialmente como “conhecimento” e parcialmente como “decisões”56. O próprio Kelsen descreveu o papel da jurisdição como a função de concretizar a lei abstrata, todavia, advertiu que “esta função não possui - como a terminologia juris dicto (dizer o direito – Recht-sprechung), judicatura (encontrar o direito – Rechts-findung) e como é aceita na teoria – que é a norma geral – direito acabado, no pronunciamento ou na revelação de um ato do Tribunal”57. Determinou que “a função da denominada jurisdição é muito mais constitutiva, criadora do direito, na verdade acepção da palavra, pois existe uma situação de fato concreta, ligada a uma específica conseqüência jurídica, e toda essa relação é criada pela sentença judicial”58.

Ousar-se-ia dizer que a decisão formaria o último patamar da pirâmide proposta por Kelsen. Lênio Streck, igualmente, já se referiu à importância das decisões como fator norteador de orientação jurídica, aduzindo que “a doutrina e a jurisprudência pré- dominantes estabelecem o horizonte do sentido do jurista, a partir do qual ele compreenderá de forma objetificante ou desobjetificante do direito”. Determina, pois, que “esse horizonte de sentido é uma espécie de teto hermenêutico, isto é, o limite do sentido e o sentido do limite do processo interpretativo”63. Extrai-se, pois, que as interpretações em Kelsen, ao invés de comporem categorias distantes e estanques, em verdade se complementam e se justificam mutuamente, à medida que a interpretação do Poder Legislativo do texto constitucional fornece subsídio justificatório do discurso do julgador, que em contrapartida possui legitimidade para controlar aqueles atos legislativos em vista do mesmo texto constitucional, e assim, com menor ou maior influência, fornecem ao cidadão particular o campo mais seguro e previsível de atuação e de conduta, garantindo os ideais de liberdade e de igualdade almejados pelo Estado Democrático de Direito.

A PREVISIBILIDADE Canotilho afirma que as ideias nucleares do princípio da segurança jurídica se desenvolvem em torno de dois conceitos: (1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes. previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos. Não é possível arraigar-se, absolutamente, em um sistema positivado de normas que detenham tamanha indeterminação, sem possuir em contrapartida uma válvula que permita, ainda, diante dessa necessidade cada vez mais frequente de cláusula aberta permitir que o cidadão ainda tenha segurança, pela previsibilidade de que suas condutas - se baseadas no sistema legal - serão endossadas pelo Poder Judiciário.

Na previsibilidade da conduta tida como reta, “o que é determinado legalmente deve ser excluído da arbitrariedade; nem aquele que determina o Direito, nem aquele ao qual o direito se dirige, deve violá-lo. Ele deve perdurar. a pessoa pode organizar-se com base nisso, ela pode construir sua vida na proteção dessa ordem”70. Neste mesmo sentido: Ademais, supérfluo dizer que o principio da segurança jurídica apresenta-se na classe de sobredireito, visto que regula a produção e a aplicação de normas jurídicas. Esses acontecimentos definham a estabilidade social e afrontam diretamente os direitos da cidadania e da valorização da dignidade humana73. Como já se aludiu, infelizmente, essa instabilidade não está restrita apenas à legislação ou ao Poder Legislativo, ela é inerente e frequente também nos atos do Poder Executivo e nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário.

Como bem destacado por Carlos Aurélio Mota de Souza, “o sentimento de insegurança jurídica que o cidadão de hoje experimenta com muita frequência, não nasce somente da acumulação de textos legais, mas nasce também, em estoque normativos constante, da freqüência dos cambiamentos da lei, e porque não dizer, da diversificação jurisprudencial”74. Talvez situação ainda mais grave esteja, justamente, referida ao Poder Judiciário, haja vista que, conforme dispõe nosso texto constitucional, é ele que, através de suas cortes superiores, possui a última palavra acerca da interpretação e aplicação das leis federais (STJ) e da própria Constituição (STF). J. ° 166/2010) que, dentre inúmeras reflexões acerca dos problemas que assolam o Poder Judiciário, demonstra especial preocupação com a estabilização da jurisprudência, como se verá mais detidamente adiante.

Não restam dúvidas que esses sistemas de normas positivadas visam à diminuição de demandas, para um aperfeiçoamento maior das decisões, todavia, enquanto o próprio Poder Judiciário continuar a ignorar seu papel de fundamental importância, no fortalecimento dos pilares da democracia e do Estado de Direito, essas alterações serão meramente estéticas, deixando de tratar a real causa da insegurança e da crise que assola o Judiciário brasileiro. O Ministro Sepúlveda Pertence, apercebido da “crise” gerada pela insegurança, afirmou que “(. o pressuposto de maior consolidação democrática é diretamente relacionado à segurança jurídica. Creio que a imprevisibilidade e a extrema difusão do Judiciário muitas vezes pode comprometer, efetivamente, a ideia de um desenvolvimento mais estabilizado e mais consolidado”77.

Na interpretação autêntica, os exegetas são restritos e equiparados, de um lado o legislador e de outro o julgador. Ambos, legislador e julgador, estão legitimados pelo sistema a produzir normas que passarão, igualmente, a integrar o sistema. Note-se que um não vincula, necessariamente, o outro. Mas, ambos se vinculam mutuamente, posto que tanto o primeiro quanto o segundo estão inevitavelmente vinculados à Constituição9. Não se está a afirmar que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário exerçam funções idênticas no Estado de Direito, ao contrário, se está a concluir que eles devem ser “independentes e harmônicos entre si”. A teoria do discurso jurídico, segundo explica o Prof. Marinoni “se assemelha à teoria do discurso prático por também constituir uma teoria procedimental fundada em regras de argumentação e ser incapaz de levar a um único resultado, caracterizando-se por ser sujeita à lei e à Constituição, aos precedentes judiciais e à dogmática”13.

Por esta razão, “o discurso jurídico limitaria a margem de insegurança do discurso prático, mas obviamente não permite chegar a um grau de certeza suficiente, não eliminando a insegurança do resultado”14. O procedimento judicial se diferenciaria pela argumentação e pela decisão. Assim, a conclusão encontrada pelo autor é que “os resultados do procedimento judicial são razoáveis, segundo Alexy, se as suas regras e a sua realização satisfazem as exigências dos procedimentos que lhe antecedem, isto é, as regras do discurso prático, do procedimento legislativo e do discurso jurídico”15. O homem, enquanto elemento de uma sociedade civilizada, necessita de um parâmetro seguro para poder conduzir os atos da vida civil, familiar e profissional. Ao Estado cabe a responsabilidade de assegurar esse estado de sentimento através da conformação dos seus atos.

J. J. Gomes Canotilho esclarece que “partindo da idéia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e de forma responsável a sua vida, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito os dois princípios seguintes: o princípio da segurança jurídica; e o princípio da confiança do cidadão”18. Portanto, indene de dúvidas é necessário que o cidadão saiba o que o Estado espera dele, e como deve se portar perante este, e também indispensável que o cidadão tenha a certeza e firmeza na sua ação de que caso haja em desconformidade com as normas, ou assim o façam com relação a ele, pode sabe o que se esperar do Estado com relação à solução destas transgressões à ordem jurídica.

Dos ensinamentos de Osvaldo Ferreira de Melo sobre Política Jurídica, extraise que do Direito de Exigibilidade23, indispensável para a realização da bilateralidade atributiva da norma jurídica24, tem-se como necessário lançar mão do processo judicial25. Entretanto, reconhece-se que, na prática processual, nem sempre da racionalidade jurídica resulta a exigibilidade do direito. Afirma o autor que: No Estado Moderno costumava-se priorizar, retoricamente, como um dos fins do Direito, a segurança jurídica, mas essa é moeda de duas faces. Numa está gravada a preocupação com os fins políticos, que Bobbio chama a Política do Poder: é preocupação nítida do Estado a paz social, pois, no alcance desse objetivo, reside a própria estabilidade dos governos, cujos objetivos, então, se confundem com os do próprio Estado.

Para que assim seja, é indispensável que as decisões dos atores políticos se tomem segundo a “lógica das regras” e não segundo a “lógica da discricionariedade”. Afirma, J. J. Gomes Canotilho, que os princípios da segurança e da confiança jurídica são inerentes ao Estado de Direito, ensejando uma dimensão objetiva da ordem jurídica, qual seja, “a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas”34, sendo que outra “garantística jurídicosubjectiva dos cidadãos legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas”35. E completa: Os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas36.

A rigor, a decisão que não encontra vinculação ao sistema jurídico – composto por regras, princípios e normas - não é uma interpretação do Direito. Trata-se de uma criação ocasional do Direito por parte do juiz que está decidindo a controvérsia, totalmente desprovida de segurança jurídica. Como se viu, a segurança jurídica é, em verdade, mais do que uma opção política, é um alicerce do Estado Democrático de Direito. Pode-se encarar, assim, a segurança como um verdadeiro “acordo de vontades”, para que haja Justiça através da estabilização das relações jurídicas, especialmente quando se trata de segurança das decisões judiciais (princípio da confiança e da certeza). Em entrevista concedida à Revista Conjur, Lênio Streck afirma que “o cidadão tem sempre o direito fundamental de obter uma resposta adequada à Constituição, que não é a única e nem a melhor, mas simplesmente trata-se da resposta adequada à Constituição”.

Eis a situação paradoxal, segundo a qual o soberano através da exceção cria a situação de que o Direito precisa para poder existir, a qual, ironicamente, é a situação de suspensão do próprio direito”82. Agamben afirma, ainda, que “norma e decisão são irredutíveis, porém, é a decisão sobre a suspensão da norma que tornará possível a sua aplicação, vale dizer, o estado de exceção significa um espaço de anomia que, em última análise, torna possível a normatização do real Como pode uma anomia ser inscrita na ordem jurídica? E se, ao contrario, o estado de exceção é apenas uma situação de fato e, enquanto tal, estranha ou contrário à lei; como é possível o ordenamento jurídico ter uma lacuna justamente quanto a uma situação crucial? E qual é o sentido dessa lacuna? Mas, por outro lado, caso se trate de uma situação de fato contrária à lei, como será possível o ordenamento jurídico ter uma lacuna quanto a uma situação crucial? E qual é o sentido dessa lacuna? 84 Partindo-se de uma análise acerca da decisão contida na obra de Schmitt ter-se-á que o soberano é aquele que detém o poder para decidir sobre o estado de exceção e assim, transportando esta ideia para nossa realidade teríamos que a imagem do soberano foi sobreposta pela nossa Corte Suprema que vem criando e trabalhando com verdadeiros Estados de Exceção, à exata medida que destaca Agamben ao afirmar que “o Estado de exceção apresenta-se, nesta perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”85.

Agamben não abandona a ideia de aplicação da norma ao caso concreto explicitando que é neste momento que a exceção pode prevalecer: O estado de exceção é, neste sentido, a abertura de um espaço em que a aplicação e norma mostram sua separação e em que uma pura força de lei realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Deste modo, a união impossível entre norma e realidade, e a consequente constituição do âmbito da norma, é operada sob forma de exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Sem as devidas estabilidade e segurança jurídica, não é possível construir um Estado Democrático de Direito, capaz de afirmar e imprimir validade às normas constitucionais tidas como um sistema, em perfeita harmonia e capaz de impetrar tão almejada paz.

O sentimento de insegurança e falta de confiança nas instituições do Estado, especialmente no Poder Judiciário, não representa mais um mero sentir, ou uma questão meramente opinativa, expressada por algum jurista ou fruto de uma discussão leiga e informal. A capacidade do Poder Judiciário de se apresentar como uma instância legítima, na solução de conflitos que surgem no ambiente social, empresarial e econômico, é uma questão que afeta profundamente o desenvolvimento econômico e social de um país90. Desde abril de 2009, surge no cenário nacional a criação e a aplicação do Índice de Confiança na Justiça no Brasil – ICJBrasil -, com publicações trimestrais, visa retratar sistematicamente a confiança da população no Poder Judiciário.

Os pesquisadores identificaram que: No caso brasileiro, a crise no sistema de Justiça não é um fenômeno recente. É necessário ampliar horizontes e enxergar o possível dentro do panorama constitucional brasileiro, que nos fornece todos os subsídios necessários ao aprimoramento do sistema, especialmente, do Poder Judiciário, que em última análise é seu guardião por excelência. Ingo Wolfgang Sarlet adverte: “um patamar mínimo em segurança (jurídica) estará apenas assegurado quando o Direito assegurar também a proteção da confiança do indivíduo (e do corpo social com um todo) na própria ordem jurídica e, de modo especial, na ordem constitucional vigente”98. Tércio Sampaio Ferraz Jr. Informa: Não resta dúvida de que vivemos hoje uma situação de crise.

Uma crise, no entanto, nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas, novas ou velhas, mas, de qualquer modo, julgamentos diretos. A expressão stare decisis, em que pese sua vasta utilização nos países de tradição de common law de origem anglo-saxã, não retira sua significância deste103 , ao contrário, sua origem deriva do latim, cuja máxima era expressa pelo brocardo “stare decisis et non quieta movere”. O axioma significa “mantenha aquilo que já foi decidido e não altere aquilo que já foi estabelecido”. O termo stare decisis, vastamente difundido nas comunidades de tradição common law, portanto, nada mais é do que a abreviatura daquele brocado latino. Como a própria literalidade da proposição nos indica, o stare decisis se relaciona com a estabilidade do sistema, com a manutenção de suas decisões e entendimentos de forma a obter um ordenamento mais uniforme e conforme para todos.

O pilar dessa teoria é a manutenção e o respeito aos julgamentos anteriormente proferidos por suas cortes de forma que os julgamentos futuros venham a seguir aquilo já previamente “estabelecido”, constituindo uma regra de uniformidade do sistema Conforme apontado por Melvin Aron Eisenberg, sob a égide dos precedentes vinculantes, encontra-se a satisfação do aludido princípio da uniformidade - que também pode ser lido, em sua obra, como igualdade - no qual o juiz ao decidir uma questão nova deve ter em mente que não decide tão somente um caso concreto particularizado pelas partes que o compõem, mas, do mesmo modo, julgará um caso concreto que servirá como base para todo e qualquer litigante que se encontre em posição jurídica assemelhada105. Conforme já visto na doutrina do stare decisis, advoga-se a tese dos precedentes obrigatórios pelos quais os juízes singulares ou as cortes, de forma geral, ficam vinculados a seguir precedentes já estabelecidos, quando diante de um caso em julgamento, cuja situação fática e jurídica já tenha sido anteriormente enfrentada.

A questão que ora se põe é como, ou o que, deve ser seguido com relação aos precedentes. Em outras palavras, cumpre saber qual é a parte do precedente que efetivamente vincula o julgador vindouro. A resposta é unívoca: a parte do precedente que as cortes estão obrigadas a seguir é a ratio decidendi, todavia, questão não tão simples é a perfeita definição desse instituto. Ao se tratar de precedentes obrigatórios o operador do Direito deve estar apto a distinguir a obter dictum, que não pertence ao núcleo vinculante da decisão, e a ratio decidendi, sobre a qual efetivamente repousa a força obrigatória do precedente. Tomando por base o raciocínio aristolélico, apresentado por Marcelo Alves Dias de Souza, “a ratio decidendi de um caso é a premissa maior de um silogismo A segunda teoria denominada “estímulo-resposta” ou “fatos-decisão”, preconizada por Herman Oliphant, representa uma visão externa da escola conhecida como realismo jurídico americano.

Esse método propõe que a ratio decidendi não repousa sobre o raciocínio jurídico do julgador, pois este nada mais é do que a resposta dada aos fatos levados a julgamento, e, portanto, não se trata de regra geral e abstrata, mas de uma regra individual e concreta. Nas palavras de Herman Oliphant: Mas há um fator constante nesses casos que é suscetível de impressão e estudo satisfatório. O elemento previsível nisso tudo é que as cortes têm feito em resposta aos estímulos dos fatos dos casos concretos levados a elas. Não as opiniões dos juízes, mas de que forma eles decidem os caso é o que será a matéria dominante de qualquer estudo verdadeiramente científico do Direito110. O primeiro ponto é justamente o enunciado por Goodhart com a identificação dos fatos e a decisão sobre eles.

No entanto, o método fático, isoladamente, não responde às necessidades emanadas pela ratio decidendi, posto que os fatos, propriamente ditos, não se repetem à perfeição, e as circunstâncias fáticas variam de acordo com as particularidades e peculiaridades dos caos. É preciso considerar também as razões da decisão, de forma que os fatos concretamente analisados possam sofrer algum nível de abstração para que sejam compreendidos em uma classe ou categoria de fatos condicionada pela razão, ou norma de julgamento, proveniente da decisão. Eis o que assevera Luiz Guilherme Marinoni: As razões para o encontro da solução do caso são imprescindíveis para a compreensão racional do precedente e do caso sob julgamento. O método fático importa como auxiliar, capaz de propiciar a racionalização do enquadramento do caso sob julgamento (instant case) no caso tratado no precedente (precedent case), e isso apenas quando há dúvida sobre a inserção fática do caso dentro da moldura do precedente.

Luiz Guilherme Marinoni destaca: É preciso sublinhar que a ratio decidendi não tem correspondente no processo civil adotado no Brasil, pois não se confunde com a fundamentação e com o dispositivo. A ratio decidendi, no common law, é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do dispositivo e do relatório. Assim, quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença, ela certamente é "algo mais". E isso simplesmente porque, na decisão do common law, não se tem em foco somente a segurança jurídica das partes - e, assim, não importa apenas a coisa julgada material -, mas também a segurança dos jurisdicionados em sua globalidade. Se o dispositivo é acobertado pela coisa julgada, que dá segurança à parte, é a ratio decidendi que, com o sistema do stare decisis, tem força obrigatória, vinculando a magistratura e conferindo segurança aos jurisdicionados116.

Tal limitação é inerente da própria teoria do stare decisis como analisado por Robert Goff Lj, citado por Marcelo Alves Dias Souza: Eu sinto (. que estaria faltando com sinceridade se ocultasse minha infelicidade com a conclusão que eu me sinto compelido a alcançar. Na minha opinião, embora seja claro que os tribunais deste país estão obrigados pela doutrina do precedente, sensatamente interpretada, mesmo assim seria irresponsável para os juízes atuarem como máquinas, rigidamente aplicando precedentes sem considerar as consequência. Onde, portanto, parece à primeira vista que o precedente compele um juiz a chegar a uma conclusão que ele percebe ser injusta ou não apropriada, ele está, eu considero, sob um dever positivo de examinar os precedentes relevantes com cuidado escrupuloso para averiguar se ele pode, dentro dos limites impostos pela doutrina do precedente (sempre sensatamente interpretada), legitimamente interpretar ou qualificar o principio expresso nos precedentes para alcançar o resultado que ele entende como justo ou apropriado no caso particular.

Eu não disfarço o fito de que eu busquei desempenhar essa função no caso presente Assim, apesar da vinculação obrigatória do precedente, o juiz futuro deve sempre justificar sua decisão no caso concreto. A mudança de posicionamento foi anunciada com a elaboração do House of Lords’ Practice Statement, em 1966. Trata-se de uma declaração judicial amplamente controvertida no meio jurídico inglês, a qual estabeleceu, através de uma decisão de características peculiares, que a House of Lords poderia discordar de seus precedentes e revogá-los, desde que preenchidos determinados requisitos. Note-se que, mesmo formalmente admitida a possibilidade de revisão de precedentes no Direito inglês, esta atividade é realizada de forma bastante criteriosa. Tanto é verdade que nas, últimas décadas, as revisões da Suprema Corte do Reino Unido, não ultrapassaram a módica quantidade de um caso revisto por ano125.

Nos Estados Unidos da América, por seu lado, a flexibilização da teoria dos precedentes obrigatórios é algo mais corriqueiro como afirma Neil Duxbury. Evitando-se que o argumento de necessária evolução do Direito sirva de subsídio a intérpretes descomprometidos com a ordem vigente. As inovações promovidas na ordem estabelecida não podem, jamais, ser fruto da vaidade de uma ou outra autoridade que exerça sua atividade jurisdicional de forma tão independente que comprometa o sistema legal como um todo. Veja-se, adiante, em breves linhas, as principais técnicas de afastamento dos precedentes, sejam por sua não aplicação, ou mesmo por sua superação e revogação diante das necessidades da sociedade. A Revogação do Precedente A elaboração de técnicas de raciocínio para revogação de precedentes, nos países de common law, passa pela compreensão de que este sistema está pautado pela coerência do ordenamento.

Esta coerência não se dá apenas pela harmonia entre as normas editadas pelo Poder Legislativo e, eventualmente, pelo Poder Executivo, e entre estas e a Constituição - como ocorre nos países adeptos do sistema de civil law – mas depende, em grande parte, do que é decidido nos tribunais e da “coerência entre as decisões do passado e as decisões venham a ser proferidas, assim como entre o que é decidido pela Corte Suprema e o que é decidido pelas Cortes a ela subordinadas”141. Conceder o mesmo tratamento dado às partes nos casos anteriores (pautados no precedente) ao caso presente, portanto, não representa, necessariamente, conceder tratamento isonômico. A preservação desse tipo de entendimento (de manutenção de precedentes descomprometidos com as alterações sociais) pode ocasionar, justamente, o repudiado tratamento diferenciado.

As pessoas, às quais o precedente se aplicava, não estão em iguais condições àquelas que se agora demandam a aplicação de um Direito atual. Conferir tratamento igualitário é conferir a todos o tratamento adequado às suas realidades. Melvin Aron Eisenberg apresenta como caso concreto, ilustrando sua teoria, a tese de excludente de responsabilidade civil das instituições de caridade por danos causados aos seus beneficiários. Tamanhas foram as exceções ao precedente que conferia imunidade às sociedades beneficentes, que este deixou de ser a regra. As exceções, ao invés de pontuais, passam a ser gerais, assim, justificando a superação completa do precedente. A própria situação original que deu forma ao precedente não existia mais, e as distinções passam a formar o próprio precedente superado.

O princípio, aplicado no exemplo acima, foi integrado pelos valores de igualdade, proteção justificada da confiança, prevenção da surpresa injusta, reprodutividade e sustentabilidade. No exemplo acima, as inconsistências foram sendo apontadas nos casos concretos, novos precedentes foram surgindo, contendo o entendimento adequado às realidades atuais, fulminando, pouco a pouco, a confiança depositada no precedente originário. A confiança que é injustificada, fraca, ou sem fundamentação legal não constitui argumento de peso para a preservação de uma regra incongruente e inconsistente. No caso de um entendimento controverso, o requisito da confiança é muito improvável147. Neste raciocínio a confiança que merece proteção é aquela capaz de gerar comportamentos jurídicos condizentes com a norma e suas consequências. Advirtase, pois, que se o entendimento revogado não dizia respeito a regras de conduta primária, ou seja, àquela conduta efetivamente seguida ou confiada pelo cidadão, mas apenas a certos elementos secundários, não haverá que se falar em modificação substancial do posicionamento do julgador quanto à determinada questão, e não representará, portanto, quebra da confiança, uma vez que, neste espectro, não há que se falar em confiança acerca da conduta a ser seguida em conformidade em este ou aquele precedente.

Nestes casos, portanto, o precedente pode ser revogado apenas por ser socialmente incongruente e sistemicamente inconsistente. Assim, os requisitos para a autorevogação são: i) a Corte deve estar convencida de que o novo posicionamento acerca da questão tratada pelo precedente significará uma evolução no direito; ii) não será revogada decisão quando, muito embora o contexto atual aponte para uma solução mais adequada, o contexto da decisão não permitia tal solução (o erro de julgamento deve recair sobre algum princípio fundamental, evitando-se, assim, a revogação em decorrência de, por exemplo, modificação no quórum de julgamento); iii) a revogação não pode recair sobre precedente amplamente utilizado pelos cidadãos para orientar suas condutas sem que haja forte razão para isso, a fim de preservar-se a confiança dos jurisdicionados; iv) deve-se observar se o precedente não serviu de base para a promulgação de lei, constituindo presunção de validade do direito declarado; v) a revogação não deve recair sobre alguma questão que não tenha interesse prático, mas tão somente acadêmico Resta evidente que, mesmo os princípios sendo tratados de forma mais detalhada, abrindo seu leque de abrangência, em essência não se afastam dos princípios informadores de revogação no Direito estadunidense.

Contudo, uma distinção é necessária. Como já visto, apesar do common law ter como fonte primária a jurisprudência, não se pode ignorar que haja, também, produção legislativa como fonte do Direito. É exatamente nisso que reside a diferenciação entre as doutrinas acima apresentadas, tendo em vista que Cross expressamente inclui, nos principio básicos para a revogação de precedentes, a necessidade de observação se estes precedentes geraram produção de outras normas, igualmente fonte do Direito. Melvin Aron Eisenberg expressamente se contrapõe a esta ideia, inclusive, recomendando a revogação dos precedentes que se encontrem nesta posição, se observados os princípios por ele enumerados (contendo incongruência social e inconsistência semântica e não firam substancialmente o princípio da estabilidade jurisprudencial).

Perceba-se, contudo, que a superação de um precedente não significa, jamais, a ingerência na coisa julgada formada interna corporis no processo formador daquele precedente. Isto implica dizer que mesmo sendo verificdo que determinado precedente se encontra juridicamente equivocado, sendo esta a razão de sua revogação, o caso que foi julgado com base naquele precedente, ou ainda, o caso que gerou aquele precedente tido como equivocado não pode ser atingido por esta nova decisão. As coisas julgadas formadas interiormente jamais serão atingidas pela revogação de um precedente, até porque a revogação de um precedente deve ser entendida como o rompimento daquela força obrigatória que decorria da ratio decidendi de determinado julgado, nunca como a revogação do próprio julgado.

De igual forma, a revogação de um precedente não pode ser confundida com a revisão de um julgado dentro de um mesmo processo. O reversal é instrumento de reforma endoprocessual de uma decisão, implicando o reconhecimento que a decisão proferida pelo juízo a quo deixa de ter validade perante as partes daquele processo, seja em razão de reforma por erro de fato ou de direito, não se submetendo, obviamente, aos critérios de revogação dos precedentes. O julgador aplica o precedente em sua integralidade, porém anuncia a quebra de sua confiabilidade. Sua aplicação não se dá pela correção e adequação de ratio decidendi, ao contrário, sua falha é expressamente apontada. Entretanto, a aplicação da regra, embora apontada como inadequada à perfeita solução do caso, ainda atende melhor à sociedade que sua revogação.

Assim, “mantém-se o precedente unicamente em virtude da segurança jurídica, da previsibilidade dada aos jurisdicionados e da confiança que o Estado deve tutelar, ainda que não se duvide de que a sua manutenção está em desacordo com o ideal de direito prevalente à época”156. Por esta técnica, caso a realidade concreta não tenha sido afetada, haja vista a aplicação do precedente, a importância dela é evidente, à medida que serve propriamente para “sinalizar” à comunidade jurídica que aquele precedente não é mais estável e digno de confiança justificável, ou seja, é um alarme que soa da comunidade, avisando e alertando que o precedente está em vias de ser revogado, retirando-lhe a confiança necessária para sua manutenção e aplicação futura.

Por isso sua aplicação é mínima e voltada, exclusivamente, à esfera criminal. Registre-se, também, que mesmo aí, a aplicação deste efeito é restritíssima e depende de especial e detida análise do caso concreto a ser aplicado. Para elucidar a questão, registrem-se duas situações trazidas por Zander no Direito inglês, justificando a aplicação ou não do efeito: Em Hawkins (1977) 1 Cr App. Rep. Lord Binghcul, o Lord Chief of Justice, citou um dictum de Mitchel (1977) 65 Cr. Rep. Lord Bingham disse “se tais condenações fossem imediatamente reabertas, seria difícil saber onde traçar a linha ou o quanto voltar”. A prática geral da corte, disse ele, era manter a visão contra a reabertura de condenações nestas circunstâncias, mas a corte deveria “abster-se de questões técnicas indevidas e perguntar se alguma injustiça substancial foi feita”.

Em Hawkins, ele atua de forma que a permissão para apelar intempestivamente, depois de uma mudança no princípio relevante de Direito, foi recusada. Mais em David Cooke (2 de Dezembro de 1996, não reportada, CA N. Note-se, portanto, que a utilização do efeito, na modalidade outra, é pontual e fundamentada não apenas no princípio da igualdade como também no princípio da coerência do sistema, servindo tal fundamento, inclusive, para sua não aplicação. A retroatividade clássica, correspondente à ideia de atingimento de situações pretéritas sujeitas a modificação, não é capaz de atingir situações extintas pela prescrição e pela decadência, bem como jamais será capaz de atingir a coisa julgada. É, ainda, é a modalidade mais aplicada no common law, em especial na Inglaterra.

Além da aplicação deste efeito guardar suas premissas enraizadas no princípio da igualdade, pelo qual todos teriam direito ao tratamento isonômico de seus direitos, independente de critérios temporais estabelecidos pela norma judiciária, sua aplicação guarda especial consonância com a teoria declaratória da jurisdição. Pela teoria declaratória o juiz apenas declara o direito e, portanto, uma vez revogado um entendimento, porque equivocado, tal entendimento jamais teria constituído um direito verdadeiro, não podendo, continuar a ser aplicado ou servir como regulador das condutas da sociedade, mesmo daquelas já ocorridas no passado. Por outro lado, a segurança jurídica também importa para que o cidadão possa definir o seu próprio comportamento e as suas ações402. Não se pode pensar em segurança num Estado que sequer define e acredita nos seus próprios atos.

A contradição persistente na jurisprudência brasileira aponta para uma verdadeira crise institucional, de proporções ainda não percebidas. O Poder Judiciário há tempos perdeu se status e sua confiança. Ao invés do prestígio de outrora, os operadores do Direito chegam a se envergonhar de suas funções e, por vezes, viram chacota de uma sociedade desacreditada nas instituições básicas que compõem o Estado Democrático de Direito Não existem fórmulas mágicas para imprimir soluções definitivas às questões que, desde sempre, assombram a aplicação concreta do Direito. Os atos estatais são criados para servir ao povo e não para serem servidos por ele para inflamação de egos e vaidades. Reconhecer que a lei não é suficiente para exprimir os valores constitucionais do Estado, e de que a “independência do Juiz” encerra-se exatamente no limite das normas constitucionais, é medida que se impõe.

O estudo e as incursões em sistemas de tradições diversas das adotadas no Brasil ainda representam, para muitos, um tabu. Olhar adiante dos horizontes traçados pelos modelos de pensamento vigentes, arraigados em uma tradição que não existe mais em suas premissas, exige coragem. É necessário romper com a zona de conforto de muitos operadores do Direito, que, avessos às mudanças de paradigmas, permanecem vivendo na ilusória ideia de Justiça – que, no Brasil, há tempo deixou de existir concretamente Os precedentes apresentam-se como uma solução viável a um sistema que, mesmo positivado em normas escritas e pré-estabelecidas em abstrato como o brasileiro, não é capaz de imprimir segurança, estabilidade e previsibilidade às relações jurídicas e a seus cidadãos.

Como atos estatais, devem inspirar credibilidade e segurança, sendo dignas de justa confiança por parte dos agentes sociais. Por isso, as decisões devem ser estáveis. Implica reconhecer, em dimensão maior, que o Direito deve ser estável, por ordem expressa do princípio positivado constitucionalmente pela proibição de retrocessos (princípio da irretroatividade). Em outras palavras, “o princípio da irretroatividade alcança todos os Poderes do Estado e, com isso, contribui decisivamente para o aperfeiçoamento do próprio Direito”406. A modulação dos efeitos das decisões que são capazes de alterar a ordem vigente e interferir no campo de atuação de seus agentes deve ser a regra e não a exceção. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

v. ARISTÓTELES. Ética a Nicômanos. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1991. CARDOZO, Benjamin. N. A natureza do processo judicial. São Paulo: Manole, 2009. p. CLARO, Roberto Del. Coisa julgada e efeito vinculante na jurisprudência do tribunal constitucional federal alemão. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. CRETELLA JUNIOR, José. Direito Romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966. DERZI, Misabel Abreu Machado. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord. A força dos precedentes. Salvador: Editora Podivm, 2010. p. DUXBURY. In: Panóptica. n. mar-jun 08. p. Disponível em: Acessado em: 23 jun. Teoria geral do processo. ª Ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008 MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando com os precedentes: regras, analogias, princípios. Estatuto epistemológico do Direito civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios.

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: FGV, 2013 SCHAUER, Frederick. Playing by the rules: a philosophical examination of rule-based decision-making in law and in life.

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