RESPONSABILIDADE PENAL DO MÉDICO EM CASO DE TRANSFUSÃO DE SANGUE EM TESTEMUNHAS DE JEOVÁ MENORES DE IDADE

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Palavras-chave: Médico. Transfusão de Sangue. Menores. Testemunha de Jeová. Responsabilidade Penal. do Código Civil (CC), como se verá adiante com mais vagar. Esse cenário torna-se ainda mais complexo quando a recusa implica em risco iminente de morte, como pode ocorrer na recusa de transfusão sanguínea. Por se tratar de uma situação limite e bastante controversa, traçou-se como objetivo principal analisar a responsabilidade penal do médico em caso da não realização de transfusão sanguínea em menores filhos de pais adeptos da religião “Testemunhas de Jeová”. Para tanto, foram traçados os seguintes objetivos específicos: apresentar o direito de recusa a tratamento médico enquanto direito da personalidade; analisar a interpretação do art. do Código Civil à luz do quatérnio bioético, desfazendo-se a oposição entre direito à vida e direito à liberdade religiosa no fenômeno sob análise; questionar as diretivas antecipadas de vontade como meio adequado ao exercício do direito de recusa a tratamento médico em caso de pacientes menores; e verificar se o médico pode ser responsabilizado na esfera penal por omissão de socorro, caso acate o desejo dos pais e não realize transfusão sanguínea em menores em iminente risco de vida que necessitam da transfusão.

do CC, referido como recusa de tratamento médico. De acordo com ele, “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” (BRASIL, 2002, s. p). Esta regra jurídica privilegia o exercício da autodeterminação corporal, conferindo à pessoa o direito de decidir a respeito da submissão ou não a um determinado tratamento ou intervenção médica, ainda quando este implique em risco de vida. Assim, inicia-se este capítulo abordando a recusa de tratamento médico por motivação religiosa enquanto um direito da personalidade. Diante dela, os demais saberes, sobretudo de cunho religioso, carregam a pecha da ignorância. Em regra, a questão é traduzida em um conflito entre direitos fundamentais: de um lado, o direito à liberdade religiosa, de outro, o direito à vida.

De início, cumpre esclarecer a inexistência de direitos absolutos. Como esclarece Barroso (2012), os direitos fundamentais são parcialmente disponíveis via exercício da liberdade de cada um, sob pena de se instaurar um verdadeiro totalitarismo dos direitos humanos. Esclarece o autor que, muitas vezes, a disposição do direito fundamental é uma forma de exercê-lo, a exemplo da pessoa que cede seu direito a imagem para uma campanha publicitária. Inclusive, há um forte incentivo à realização de pesquisa de métodos alternativos à transfusão de sangue, de modo a ser viabilizada a assistência médica sem o desrespeito à autonomia do paciente. Essa perspectiva conciliatória também se faz presente no entendimento cristalizado no enunciado 403 do CJF. De acordo com ele, aplica-se o direito à inviolabilidade de consciência e de crença às circunstâncias de recusa de tratamento médico havendo ou não risco de morte, desde que o paciente seja dotado de capacidade civil plena, manifeste sua vontade de forma livre, consciente e informada, bem como esteja limitada a recusa à própria pessoa do declarante.

Neste caso, estaria excluída a possibilidade de recusa externada por representante legal, a exemplo dos pais em relação aos seus filhos. De fato, o processo de consentimento livre e esclarecido requercautelas, garantindo-se que seja livre, genuíno e inequívoco (BARROSO, 2012). Releitura do direito à recusa de tratamento médico a partir do quatérniobioético A aplicação do quatérnio bioético, como desenvolvido por Aguiar (2016), na percepção do direito à recusa de tratamento médico oferece lastro ético e filosófico à perspectiva conciliatória mencionada no item anterior. Reitere-se que se referir às circunstâncias de recusa de tratamento médico enquanto mera oposição entre os direitos à vida e à liberdade de crença é deveras reducionista. Não capta, assim, a complexidade dos fenômenos humanos. Por isso, propõe-se a releitura do direito à recusa de tratamento à luz da teoria a seguir explicitada.

Nesta equação que põe em colisão a autonomia e a beneficência devem ser adicionados o poder técnico, do qual o médico é detentor, e a vulnerabilidade do paciente. A análise do caso concreto necessariamente oferecerá subsídios para que cada vértice do quatérniobioético seja analisado em caráter personalíssimo. Certo é que, em tempos de alçada do paciente, a protagonista do processo decisório a respeito de sua própria saúde, é dever do profissional preservar sua autonomia, inclusive nos quadros de vulnerabilidade mais grave, como são as circunstâncias de risco de morte, no entanto, o mesmo não se pode dizer quando o paciente é criança ou adolescente. A formação do profissional da Medicina, além de fundamentada no princípio da beneficência também vem se tornando cada vez mais técnica, reduzindo a vida humana ao seu viés biológico.

Byington (2015, p. esclarece que “o médico pode ter dificuldade de simbolizar a polaridade mente-corpo dentro do todo da personalidade, da família e da sociedade em que vive o paciente”. As diretivas antecipadas de vontade (DAV) foram inicialmente cunhadas pelo Direito norte-americano para propiciar a tomada de decisões sobre situações futuras, nas quais o paciente encontra-se incapacitado de manifestar a sua vontade (CLOTET, 1993). Apesar do móvel de seu delineamento enquanto instituto ético e jurídico esteja vinculado às situações de terminalidade da vida, tem-se que as DAV propiciam o respeito à autonomia do paciente em diversas circunstâncias, a exemplo do exercício do direito de recusa a tratamento médico. O termo DAV constitui gênero do qual são as principais espécies: o testamento vital (living will) e o mandato duradouro (durable power of attorney for healthcare).

Ambas as espécies foram contempladas pela Resolução nº 1. do CFM, embora não tenha sido feita menção aos termos supramencionados1, traduções da classificação norte-americana. de 2012 somente assegura a prevalência das DAVs perante pareceres de ordem não médica, bem como inviabiliza o seu cumprimento pelo médico sempre que houver sido registrada conduta que vai na contramão dos ditames do Código de Ética Médica. A obrigação do médico consiste em levá-las em consideração (CFM, 2012). Isso confirma a importância do paradigma da alteridade na relação médico-paciente na medida em que, tendo sido a vontade manifestada diretamente ou via DAV, o profissional da Medicina deve estar ciente da necessidade de julgar a beneficência de suas condutas conforme a ótica do paciente, colocando-se em seu lugar e revestindo-se de seus valores e interesses.

Em relação à recusa de tratamento médico, mais uma questão impõe-se. A resolução sob comento veda a observância de diretrizes que contrariem o CEM. Vale ressaltar que esta religião não é a única a estabelecer proibições. Senão todas, a maioria delas possui dogmas, portanto, inquestionáveis por natureza. A Medicina e os diplomas legais, entretanto, não possuem religião, vindo a confrontar-se diretamente ao entendimento das testemunhas de Jeová. Visando a uma análise coerente, fez-se uso da técnica de ponderação de interesses, verificando os direitos conflitantes em tela e os argumentos jurídicos e também morais favoráveis ou contrapostos ao objeto, bem como a observância dos princípios constitucionais. Também foi realizado estudo comparativo de sete países além do Brasil - Portugal, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Austrália, Equador e Canadá - tendo como prerrogativa posicionamento global acerca da temática.

da Constituição Brasileira de 1988, coadunando com a noção já exposta no art. º do mesmo diploma legal, que diz que a família, Estado e a sociedade devem assegurar a estes atores diversos direitos, dentre os quais destacam-se: o direito à vida, saúde e dignidade, entre outros e resguardá-los, colocando-os a salvo de diversos problemas, a exemplo da crueldade, descriminação, exploração, negligência, opressão e violência. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. º, prevê: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (BRASIL, 1990, s. p).

Direito a que seus pais ou responsável participem efetivamente do seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, recebendo informações sobre os procedimentos a que será submetido. Direito a receber apoio espiritual e religioso conforme prática de sua família. Direito de receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para a sua cura, reabilitação e/ou prevenção secundária e terciária. BRASIL, 1995, s. p). da Constituição Brasileira de 1988 o ato de educar a criança e o adolescente constitui dever, sendo facultativo, conforme o mesmo diploma legal em seu art. § 1º, o ensino religioso nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Transfusão de sangue em crianças Testemunhas de Jeová A religião Testemunha de Jeová surgiu, no fim do XIX, por um pequeno grupo de estudantes da Bíblia perto de Pittsburg, no Estado de Pensilvânia, Estados Unidos.

Baseado em estudo sistemático da Bíblia, o grupo começou a publicar suas conclusões em revista até hoje publicada pela religião denominada “A sentinela anunciando o reino de Jeová”. Um estudante tomou a dianteira nas publicações da época. De fácil interpretação, percebe-se que a ingestão do sangue é ato de censura máxima, haja vista a sanção ser a morte por decepação. No caso prático (em tela) ocorrido no litoral paulista, não houve interpretação diversa pelos pais da adolescente, optando pela não transfusão sanguínea, resultando no seu óbito. Os ministros do STJ decidiram que houve ato de negligência médica, que mesmo sem consentimento dos genitores, os profissionais deveriam ter sido pautados pelo código de ética médica, que expressa: É vedado ao médico: Art.

Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. Nos cartões que a criança ou adolescente portam, a condição de capacidade do agente é observada sempre com o apoio do poder familiar; também não há que se falar em objeto ilícito (PARANÁ, 2011). Dada às razões supramencionadas, restam claro três posicionamentos: O primeiro posicionamento refere-se ao direito à vida, possuidor de maior peso que o direito à liberdade religiosa. Em sopesamento, é interessante citar trecho do acórdão julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, apelação n. Não se pode negar, todavia, que os vários direitos previstos nos incisos do art.

da Constituição Federal ostentam uma certa gradação em relação a outro direito, este estabelecido no caput do referido artigo: o direito à vida. Princípios, pelo grau de generalidade alto são razões prima facie (ou mandamentos de otimização) e regras são razões definitivas. Em outras palavras, princípios exigem que algo seja realizado na medida do possível dentre as possibilidades jurídicas e fáticas possíveis. Regras exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam (ALEXY, 2017). Feitas estas considerações, será dado enfoque à colisão de princípios, visto que, no caso concreto em análise, verifica-se colisão principiológica. Faz-se necessária, portanto, abordagem no que tange à ponderação principiológica. As Testemunhas de Jeová, todavia, questionam a existência de uma emergência que realmente ameace a vida (BARBOSA, MOURA, FILARD, 2010).

Apesar de haver tal questionamento, percebe-se que a alternativa de transfusão ser a última, isto não prejudica a propositura dos diversos tratamentos alternativos propostos pelos seguidores desta religião, conforme o Código de Ética Médica, apesar da citada religião, como já exposto, dispor de uma rede internacional de atendimento ao médico e diversos tratamentos alternativos. É bem provável que, caso ocorra emergência médica em local de acesso difícil dada a realidade do sistema de saúde brasileiro, em especial em locais inóspitos (caso haja algum posto de atendimento), nessas situações, resta clara a alternativa entre a transfusão de sangue ou a morte. Nesse sentido Fabbro (2009, p. coaduna: “[. Frente à negativa dos pais em autorizarem o procedimento, sob a alegação de que “ofende seus preceitos religiosos”, a maternidade ingressou com ação com pedido liminar para assegurar o tratamento com transfusão sanguínea ao bebê, que nasceu prematuro e com baixo peso (1,2 kg) (GLOBO.

COM, 2019). O juiz autorizou a transfusão e justificou sua decisão alegando o direito à vida de uma pessoa ainda incapaz para externar suas vontades. O magistrado ressaltou, ainda, que a decisão proferida não tinha o condão de negar o direito à liberdade religiosa do casal, mas sim, em face do caso concreto, relativizá-la. Assim, afirmou: “entre o direito à crença religiosa dos pais da criança e o direito desta de acesso à saúde e a vida, deve prevalecer a garantia ao último” (GLOBO. Assim, tem-se que não há crime quando o médico optar por acatar o desejo do paciente e deixa de tratá-lo com transfusão sanguínea. No entanto, entende-se que o respeito à recusa está condicionado à inexistência de risco de morte do paciente, especialmente se este paciente for menor e, portanto, incapaz de tomar decisões de tamanha relevância.

Nesse sentido, cita-se Oliveira (2010) que em obra específica sobre o tema esclarece que a lei autoriza que o médico intervenha discricionariamente, quando se deparar com uma situação de urgência com vistas a se resguardar de uma possível denúncia de omissão de socorro. Mesmo assim, é bastante comum os médicos acionarem o judiciário em busca de segurança jurídica, resguardando-se de futuras responsabilizações civis, penais e administrativas. Assim, acredita-se que o médico que se furtar de realizar transfusão de sangue em criança ou adolescente sob a alegação de que os pais são “Testemunhas de Jeová” e não autorizam o procedimento pode incorrer em crime de omissão de socorro previsto no art. do Código Penal.

Assim, o médico que se deparar com o dilema ético de realizar ou não uma transfusão de sangue em uma criança filha de pais Testemunhas de Jeová deverá resguardar o direito à vida do paciente e fazer uso de todos os recursos que estiverem a seu alcance para curá-lo, já que este é um ser em desenvolvimento e, portanto, incapaz para tomar decisões com este grau de importância. Ademais, o fato de ser pais ou responsáveis de um menor não é requisito para autorizar que se coloque em risco a vida de menores. REFERÊNCIAS AGUIAR, Mônica. Modelos de autonomia e sua (in)compatibilidade com o sistema de capacidade civil no ordenamento positivo brasileiro: reflexões sobre a Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina.

Florianópolis: Conpedi, 2016. p. ALEXY. Robert. Teoria dos direitos fundamentais. BARBOSA. Amanda Souza. MOURA. Filipe Ferreira. FILARD. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas individuais. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça; LIGIERA, Wilson Ricardo. Coord. Direitos do paciente. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Decreto-lei no 2. Disponível em: <http://www. planalto. gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em: 24 mar. BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução nº 41, de 13 de outubro de 1995. Disponível em: <http://www. planalto. gov. br/ccivil_03/leis/2002/l10406. htm>. Acesso em: 24 mar. Reconhecimento e Institucionalização da Autonomia do Paciente: Um Estudo da thepatient Self-Determination Act. Revista Bioética, Brasília, v.

n. p. nov. Resolução 1. de 31 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Disponível em: <http://www. portalmedico. org. br/ pareceres/cfm/2014/12_2014. pdf>. Acesso em: 18 mar. DADALTO, Luciana. fev. ESTADÃO. Para STJ, desautorizar transfusão de sangue por razões religiosas é crime. ago. Disponível em: <http://brasil. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. GLOBO. Disponível em: <http://nelcisgomes. jusbrasil. com. br/noticias/133992086/e-possivel transfusao-de-sangue-em-testemunha-de-jeova-decide-o-stj>. Acesso em: 25 mar. Comentários aos arts. º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. ed. São Paulo. Editora Atlas S. gov. br/cpca/telas/ca_igualdade_31_2_1_2_6. php>. Acesso em: 26 mar. SÁ, Maria de Fátima Freire de; MOUREIRA, Diogo Luna.

SARMENTO. Daniel. A ponderação dos interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro Lumen Iuris. SILVA. abr. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. ed. São Paulo: Malheiros, 2017.

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