POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO

Tipo de documento:Dissertação de Mestrado

Área de estudo:Direito

Documento 1

Dignidade da Pessoa Humana versus Pacta Sunt Servanda 2 A POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO 2. O Sistema Financeiro Habitacional 2. O Programa Minha Casa Minha Vida 2. Os contratos de financiamento habitacionais e suas peculiaridades 2. Alienação Fiduciária 3 A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL 3. Im)possibilidade de aplicar a tese do adimplemento substancial em caso de inadimplência de contratos de financiamento imobiliário CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 1 DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS Este capítulo aborda os direitos fundamentais nas relações privadas. Inicia-se trazendo alguns conceitos e a evolução histórica dos direitos fundamentais, para na sequência, adentrar-se na análise sobre as gerações de direitos, dando-se ênfase nos direitos sociais e, mais especificamente, no direito à moradia. Tendo em vista que esta dissertação versa sobre a teoria do adimplemento substancial aplicada aos contratos de financiamento habitacionais em alienação fiduciária, finaliza-se o presente capítulo contrapondo a dignidade da pessoa humana ao Pacta Sunt Servanda.

Direitos Fundamentais Os direitos fundamentais surgiram da necessidade de proteger o homem do poder estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo, no século XVIII, mais particularmente com o surgimento das Constituições escritas. É imperioso ressaltar, contudo, que os direitos e garantias fundamentais não se restringem àquela função de limitar a atuação estatal, de modo a proteger o homem de possíveis arbitrariedades cometidas pelo poder público, hipótese em que são conhecidos como liberdades negativas1. Nesse sentido se manifesta Marcelo Schenk Duque: Os direitos fundamentais afirmam-se como elementos de ordenação das pessoas para a coletividade. Os bens e interesses jurídicos que em geral são objeto de tutela pelos direitos fundamentais não foram criados pelo Estado, haja vista que possuem uma origem considerada pré-Estatal.

Trata-se de bens do mais alto significado, que se originaram não da ação estatal em si, mas no mundo dos fatos e que na acepção do Estado de direito, devem ser protegidos pelo Estado3. Os direitos fundamentais, quando entendidos em sua dimensão objetiva, consubstanciam-se no pressuposto de um dever do Estado de atuar de forma eficaz, protegendo os indivíduos da atuação de outros, o que, se não ocorrer, poderá ensejar, até mesmo a responsabilização dos poderes públicos na esfera civil devido à omissão. Assim, nesta dissertação parte-se, de início, da premissa de que Constituição e direitos fundamentais protagonizaram e continuam a protagonizar, conjuntamente, o processo de limitação do poder estatal, a implantação da noção de Estado de Direito; trata-se da estruturação jurídica do Estado por meio de um documento que abarca as escolhas básicas, assegurando o estatuto do indivíduo diante do poder estatal.

Para sua caracterização, os direitos fundamentais recebem da doutrina dois critérios formais, quais sejam: 1) são designados direitos fundamentais os direitos ou garantias elencados no instrumento constitucional; 2) são aqueles direitos que recebem da Constituição um maior grau de garantia ou segurança; ou são imutáveis ou pelo menos de mudança dificultada8. Direitos, garantias e deveres é a tríade que regula a vida em sociedade de todo e qualquer cidadão, porém, para que estas três grandezas jurídicas tenham valor jurídico e sejam respeitadas, precisam estar definidas e asseguradas por meio de leis e pela Constituição de um país. No Estado brasileiro estas grandezas foram dispostas e referendadas como dispositivos de lei obrigatórios na Constituição Federal de 1988.

É evidente que enquanto ser social, os direitos básicos de todo ser humano devem ser respeitados, salvaguardados, garantidos e obedecidos pelo Estado. Com a instituição da Constituição Federal de 1988, que possui como um de seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais tornaram-se objetos primordiais à ordem constitucional, já que constituem os elementos jurídicos necessários para a proteção da existência humana com dignidade. Além de tais classificações, existem princípios que orientam a interpretação e aplicação dos direitos fundamentais, tais como: supremacia da Constituição; eficácia direta; eficácia vinculante e eficácia irradiante. Estes princípios informam e estruturam o sistema a partir de um âmbito objetivo (ordem de valores) e subjetivo (direitos passíveis de ser exigidos por todos os participantes da ordem jurídica).

Sendo assim, toda a discussão jurídica é realizada dentro de um mesmo sistema, que deve ser construído com base na coesão legislativa, e toda a inconsistência ou lacuna precisa ser expurgada através de controle de constitucionalidade. Outro ponto relevante a respeito dos direitos fundamentais reside na necessidade de compreender que estes não são absolutos. Eles podem conflitarem e, nestes casos, um irá se sobrepor a outro(s), situação em que será necessário proceder à ponderação de princípios. Assim, não cabe apenas recorrer à subsunção. Abre-se espaço à ponderação. Mas ela não pode ser irracional, já que os direitos fundamentais são constituídos de valores às vezes conflitantes e difíceis de serem harmonizados. Deve-se, portanto, buscar concretizar os direitos de maneira fundamentada, observando requisitos que reduzam ou domestiquem a discricionariedade ínsita à ponderação.

Desta forma, surge o debate no âmbito nacional quanto às restrições a direitos fundamentais. Conforme Jorge Reis Novais, a teoria interna imanente revela uma fronteira ao conteúdo do Direito16. A teoria interna segundo José Afonso da Silva17 traz o entendimento de limites imanentes, desta forma, os direitos fundamentais não seriam absolutos, tendo em vista, possuírem limites constitucionais, implícitos ou explícitos. Novais18 aduz que quando se fala de limites entende-se que serão declarados limites previamente existentes, já quando se trata de restrição seria algo constituído, como uma nova restrição, algo que não seria imanente, não estaria na Constituição. Então, quando se observam colisões entre direitos fundamentais, consoante a teoria interna seriam declarados limites constitucionais e não restrições, destacadas do direito, conforme expressa a teoria externa.

Uma das críticas à teoria externa identifica nela uma insegurança jurídica, pois existiria um direito prima facie que geraria uma expectativa de sopesamento entre princípios para a solução dos confrontos entre os direitos fundamentais. Deste jeito, é perceptível que se está perante dois bens jurídicos que mereceram a consagração na Constituição. Desde logo, torna-se imperioso carrear o princípio da ponderação, porquanto sempre que possível é necessário tentar-se uma solução de otimização em que ambos os direitos se realizem. Porém, sempre que assim não se logra solucionar o conflito, é legítima a convocação do princípio da ponderação, segundo o qual um direito prevalecerá sobre o outro, sem obnubilar que esta solução de preferência se esgota no caso concreto que resolve.

Neste domínio, impõe-se ainda verificar a observância do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, com os corolários inerentes da legitimidade de meios e fins, proporcionalidade em sentido estrito, necessidade e adequação. Igualmente, o núcleo essencial do direito concretamente preterido deve permanecer intocado, sob pena de a restrição se revelar ilegítima por violação do princípio da salvaguarda do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Referente à adequação, esta seria a relação entre meio e fim da escolhida feita. A necessidade seria a questão do meio menos restritivo ao direito fundamental escolhido, dentre os meios disponíveis. Essas duas decorrem da natureza dos princípios como mandamentos e otimização, em face das possibilidades fáticas. A proporcionalidade em sentido estrito se refere ao próprio sopesamento, que nos dizeres de Alexy “decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas”26.

Nas ponderações de Humberto Ávila esse sopesamento “exige a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição dos direitos fundamentais”27. Saliente-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, do qual se podem extrair os princípios da boa-fé e da função social do contrato são considerados como fundamentais pelo constituinte e traduzem uma ordem axiológica que privilegia os valores existenciais e, com isso, reformula a própria noção de contrato. O contrato, portanto, ganhou novos contornos a partir do princípio da dignidade humana. O viés patrimonialista hodierno, em que a relação contratual consubstanciava-se em mera operação econômica, é reavaliado por uma ótica existencialista. Como afirma Pietro Perlingieri31, não se trata de ignorar completamente o conteúdo patrimonial das relações jurídicas, mas sim de redimensioná-las, funcionalizando-as aos valores existenciais que prevalecem no sistema.

Dessa forma, na visão de Antônio Junqueira Azevedo32, ocorreu uma reviravolta epistemológica onde o contrato passou a ser considerado como composição de interesses do homem, afirmação que traz como proibição a superlativização da obrigação que nele é traduzida (levando à opressão econômica) bem como a simplificação de seu uso como instrumento para a aquisição de bens imprescindíveis à vida. Isto porque nem sempre o devedor estará em condição de inferioridade ao credor. É possível, por exemplo, que o credor também esteja endividado e necessite do dinheiro para custear tratamento médico. É possível também, e em caso de alienação fiduciária de bem imóvel esta é a possibilidade mais freqüente, que o credor seja um banco e que em razão da insegurança trazida pelas revisões contratuais, este passe a impor cada vez mais exigências para contratos futuros, inviabiliando que uma grande parcela da sociedade tenha acesso à moradia própria.

Estas são questões sobre as quais é preciso refletir antes que se defenda a indiscriminada revisão contratual com fundamento na dignidade individual, em detrimento da dignidade coletiva. Por esta razão, importa que não se permita o uso indiscriminado causando excessos na proteção do inadimplente e se busque respeitar a regra da obrigatoriedade dos pactos no que for possível, que não serão feridos os direitos fundamentais do outro contratante nem o interesse público. também a proteção dos interesses difusos, notadamente com relação aos direitos humanos, é uma tendência típica da pós-modernidade. A dignidade, enquanto princípio fundamental no âmbito contratual, também se liga à confiança dos contratantes. Aquele que contrata o faz porque confia que poderá adimplir sua obrigação, bem como confia que a outra parte também o fará e que as circunstâncias permanecerão inalteradas.

Quando não se atinge este objetivo, ambos os contratantes frustram-se e, se isto ocorre sem a culpa de nenhum, mesmo que apenas um destes deixe de cumprir, se pode dizer que este teve frustradas suas legítimas expectativas quanto àquele contrato. Deverá ele cumprir sua obrigação de acordo com os limites da dignidade e das legítimas expectativas de ambos. Explicados os direitos fundamentais, seus conceitos, evolução histórica teorias, restrições e limites, especialmente aplicados às relações contratuais privadas, passa-se a uma breve exposição sobre as gerações de direitos com vistas a melhor compreender, na sequência, o direito social à moradia 1. Das dimensões de direitos As dimensões podem ser definidas da seguinte forma: 1ª dimensão, direitos fundamentais individuais de defesa; 2ª dimensão, direitos fundamentais sociais; 3ª dimensão, direitos fundamentais difusos40.

Nessa linha de pensamento, passa-se à análise pontual das dimensões dos direitos fundamentais, e da apresentação do momento em que surge o direito à moradia. Os direitos fundamentais de primeira dimensão representam os ideais revolucionários do século XVII, em especial com os princípios: da propriedade, da liberdade e da fraternidade. Em suma, esses direitos se traduzem como direitos de Liberdade; foram os primeiros a constarem nas constituições formais como direitos Civis e Políticos. A busca da igualdade material é o elemento qualificador dessa dimensão. Nessas Constituições é que surgem as primeiras menções à ideia de função social da propriedade que podem ser entendidas como correlatas à moradia. Mas é só em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU que, pela primeira vez, pela ordem internacional é que foram reconhecidos os assim denominados direitos econômicos, sociais e culturais, dentre os quais a moradia está inclusa, com o seguinte dispositivo: Todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência e circunstâncias fora de seu controle45.

Com base nesse diploma, a Moradia, aqui definida como habitação, passou a constar em diversos outros Tratados Internacionais como: Pacto Internacional de direitos sociais, econômicos e culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil. Dois outros documentos de fundamental importância no que se refere ao Direito à Moradia no ordenamento pátrio foram: a Declaração de Vancouver sobre assentamentos humanos – Habitat I (1976), no qual restou assegurado que o Direito à Moradia Adequada como um direito básico da pessoa humana; e a designada Agenda Habitat II (1996) resultado de uma conferência da ONU realizada em Istambul, Turquia, que segundo Ingo Sarlet é um dos mais completos documentos sobre a matéria, e do qual inclusive o Brasil é signatário, além de reafirmar a Moradia como um direito de realização progressiva. Da mesma forma, a expressão pacto dilatório foi utilizada por Carl Schimitt em relação à Constituição de Weimar.

Felizmente, essa perspectiva tem tomado nova feição com o passar dos anos, e, após quase um século, já se percebe que os direitos de segunda geração também possuem subjetividade e na medida em que foram deslocados do conceito de normas programáticas. Os direitos fundamentais de terceira dimensão, além da ideia de liberdade e igualdade, que têm como cerne o homem, conforme leciona Vazak, “são direitos ligados à fraternidade ou à solidariedade, como: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação”48. Como doutrina Bolzan de Morais, “o cerne do direito deixa de ser o direito individual-egoístico e passa a ser predominantemente coletivo – e difuso – onde a socialização e a coletivização têm papel fundamental”49.

O vértice estrutural dessa dimensão é a titularidade coletiva, em diversos momentos indetermináveis, como exemplo o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida50. Assim, a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz a quarta dimensão dos direitos fundamentais, tendo a democracia, o acesso à informação e o direito ao pluralismo, como centro dessa nova ordem. A ordem de uma sociedade aberta para o futuro são os direitos de quarta dimensão que para a classificação Bonavides54 são o topo de uma pirâmide que possui em sua base os direitos de primeira (direitos individuais), segunda (direitos sociais) e terceira (direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade). Como visto, na segunda dimensão de direitos encontram-se os direitos sociais, no qual se inclui o direito à moradia.

Tendo em vista que é o direito à moradia que está sob análise nesta dissertação, a ele será dedicada a próxima seção. Direito social à moradia Em que pese o direito à moradia esteja no rol dos direitos humanos desde a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, inaugurando assim, uma nova dimensão de direitos sociais, no Brasil, somente após a instituição do Estado Democrático de Direito os direitos sociais foram consagrados na Constituição Federal de 1988, sendo que, quanto ao direito a moradia, esta inclusão deu-se mais adiante, por ocasião da Emenda Constitucional n. Não existe norma jurídica sem deveres. Fernando Noronha, ao traçar o dever jurídico como um dever social, explica-se que as normas são comandos rígidos a todos os componentes de um grupo, obrigação numa acepção ampla “significando o dever, compromisso ou imposição que está subjacente a toda e qualquer regra de conduta (ou norma) social, seja ela jurídica, moral, religiosa ou de trato social (cortesia)”57.

A regulamentação dos direitos concernentes à organização das cidades brasileiras tem por base aspectos da sociedade e da ordem jurídica em prol de atender problemas sociais e jurídicos, uma vez que muitos direitos são corolários imediatos das necessidades sociais primárias. No caso sob exame, por exemplo, para a moradia como necessidade humana fundamental, exsurge um Direito a ela invariavelmente ligado58. Assim, nasce a normatização como um aspecto relevante na solução de problemas relacionados à moradia, por meio da edição de normas em vistas à efetivação de medidas que beneficiem a sociedade respectiva. Trata-se de financiamento com juros mais baixos e com parcelas de valores reduzidos, mas tendo em vista tratar-se de pessoas de baixa renda, frente às recorrentes adversidades às quais o ser humano está sujeito, é possível que o devedor de um contrato de financiamento imobiliário, mesmo após ter adimplido grande parte das parcelas previstas em contrato, não consiga repentinamente arcar com os valores das parcelas pactuadas e, neste caso, perderá seu direito à moradia, posto que o imóvel será levado a leilão e a experiência mostra que os valores obtidos, neste caso, mal cobrem as parcelas vincendas, já que os valores arrecadados são bem inferiores ao valor de mercado do imóvel, restando ao devedor um valor infinitamente menor ao que na verdade adimpliu.

O resultado é que após anos pagando o financiamento de sua casa própria, de repente, o indivíduo se vê sem moradia e sem dinheiro para tentar adquirir outro imóvel. É neste contexto que se defende a aplicabilidade da teoria do adimplemento substancial aplicada aos contratos imobiliários de pessoas menos favorecidas, tendo em vista que o autor desta pesquisa entende que a perda do direito à moradia, após a maior parte das parcelas pactuadas terem sido adimplidas, atenta contra a dignidade da pessoa humana, devendo este contrato ser, portanto, objeto de revisão contratual. Com vistas a fundamentar este posicionamento, a próxima seção irá contrapor a dignidade da pessoa humana ao Pacta Sunt Servanda. Dignidade da Pessoa Humana versus Pacta Sunt Servanda A pessoa humana e sua dignidade são fundamentos e fim da sociedade e do Estado Democrático de Direito, consubstanciando-se no cerne do ordenamento jurídico – nacional e internacional, de modo que “é o Estado que existe em função da pessoa humana”, servindo “como instrumento para a garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas”60.

Segundo Sarlet, “o indivíduo, na qualidade de pessoa autônoma e responsável, deve ser reconhecido como titular de direitos e obrigações, o que implica, principalmente, a manutenção de suas condições de existência”66. Tratando-se da dignidade humana como forma de projetar condições condignas de existência, deflui então o conceito do mínimo existencial, que não se confunde com o mínimo vital, que garante a vida, a sobrevivência física, mas sem necessariamente proporcionar condições dignas, qualidade de vida. Como pontuam José Renato dos Reis e Iuri Bolesina67, o mínimo existencial, por sua vez, é definido como um estágio posterior ao mínimo vital: assegurada a sobrevivência, buscam-se os direitos e a fruição destes em um patamar quantitativo e qualitativo que concretize a dignidade humana segundo as particularidades do contexto específico.

Atuando como vetor interpretativo e verdadeiro direito pleno e aplicável, o mínimo existencial tem função assecuratória da “dignidade humana nas relações interprivadas, já que é bastante claro que os particulares podem concretizar ou violar a dignidade de outros particulares”68, mormente nas estipulações contratuais. Nesta toada, obtempera-se que um direito privado saudável deve ter por centro o conceito de personalidade, devendo garantir e proteger os direitos da personalidade. Sendo a igualdade o fundamento da dignidade, que veda ser o indivíduo vítima de qualquer tratamento discriminatório, esta igualdade não é apenas formal, mas, sim, substancial, prevendo a necessidade de tratar as pessoas, quando desiguais, em conformidade com a sua desigualdade, ensejando reconhecimento e proteção pelo ordenamento jurídico, cuja função torna-se a de zelar para que todos sejam igualmente considerados e respeitados pelo Estado e pela comunidade.

Uma vez que cada pessoa é credora de um dever de respeito e proteção, a dignidade da pessoa humana não atua somente como um limitador da atuação estatal (perspectiva democrática do Estado de Direito) ou diretiva de ações afirmativas estatais (perspectiva do Estado Social de Direito), mas também envolve as relações privadas, cujo exemplo maior encontra-se nas pactuações contratuais. Assim, em prestígio à distribuição de justiça, a intervenção judicial para revisar o contrato constitui instrumento de equiparação e equilíbrio da avença, suplantando as desigualdades reais que influíram na pactuação e os desequilíbrios decorrentes de alterações circunstanciais posteriores. Consoante Fábio Konder Comparato73, a consideração e o tratamento do outro como um ser inferior configura “pecado capital” contra a dignidade humana, de modo que estar-se-á desrespeitando a dignidade humana sempre que houver a desnaturação do homem como um fim em si mesmo, sendo convertida a pessoa em instrumento para fins alheios.

Deve-se ressalvar, no entanto, que, sendo o objeto do princípio da dignidade humana a proteção dos direitos da personalidade, a tutela da pessoa humana não pode ser relegada a hipóteses isoladas, mas é um valor fundamental que admite uma série aberta de situações. No que diz respeito ao contrato, entenderam que o seu descumprimento implicava quebra de compromisso, equivalente à mentira; e como esta constituía pecado (peccatum), faltar ao obrigado atraía as penas eternas. Pelo princípio da autonomia de vontade, nenhuma das partes é obrigada a contratar sem que estejam acordadas. Portanto, Carlos Roberto Gonçalves80 explica que caso venham a firmar o contrato, o mesmo será valido e deverá ser cumprido, levando-se em consideração que a vontade dos pactuantes fará lei entre as partes e para que haja modificações ou revogação do contrato, será necessário o consentimento de ambas, dando assim força para que em caso de descumprimento, a parte lesada possa recorrer ao judiciário para pleitear a reparação do dano causado, exceto em hipótese de caso fortuito ou força maior.

Para Álvaro Villaça Azevedo81, no comércio, a declaração de vontade é instrumento natural não podendo ser declinada. A fim de que seja eficaz, no entanto, é preciso que seja obrigatória sempre que exista a possibilidade de ferir interesses alheios. Através das ações revisionais. Observa-se que a força obrigatória, tem sentido de tornar claro que as tratativas entre as partes formalizadas no contrato sejam consideradas leis, as quais devem ser rigorosamente cumpridas, sob pena de sanções jurídicas no caso de descumprimento, só podendo ser alterada com o acordo mútuo entre as partes. Considerando a obrigatoriedade, sendo o que dá sentido ao contrato, não é aceitável arrependimento se não por cláusula especifica, uma vez que foi dada a liberdade de aceitação ou não das cláusulas respeitando o princípio da autonomia e consensualismo.

Ressalte-se que o Código Civil mitigou a força obrigatória dos contratos, favorecendo, em certos pontos, a parte economicamente mais fraca, subordinando o cumprimento do contrato à sua função social, à dignidade da pessoa humana, aplicando-se o princípio do favor debitoris, em favorecimento do devedor, também no sentido de que este não deve ser levado à ruína, cumprindo o contrato, que a ele tornou-se insuportável83. Tendo em vista a possibilidade de o devedor ser protegido e impedido de ser levado à ruína através da revisão contratual, busca-se no próximo capítulo explicar a Política Nacional de Habitação no Brasil, os contratos de financiamento habitacionais e suas peculiaridades a fim de que no capítulo 3 desta dissertação seja possível explicar a teoria do adimplemento substancial relacionando-a ao inadimplemento dos contratos de financiamento imobiliário, à violação contratual e às suas conseqüências para o credor e para o devedor.

Foram medidas que beneficiaram mais os investidores do que os trabalhadores. Embora tenha havido uma melhoria das condições de saúde no país, a contenção das epidemias devem ser atribuídas mais à majoração da rede de água e esgoto aliada às obras de saneamento do que às ações sanitaristas86. A classe trabalhadora, quando associadas, eram atendidas pelas iniciativas fragmentárias dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões por meio das carteiras prediais. Contudo, as disposições liberais da Constituição e do Código Civil que asseguravam o direito de propriedade vigoraram nas relações entre locador e inquilino. E apenas entre 1921 e 1927 passou a vigorar a primeira lei de inquilinato, um dos fatores que desestimularam os investimentos na construção de moradias para aluguel demandando a intervenção do Estado que limitada resultou na ação dos próprios trabalhadores por meio da autoconstrução.

o BNH foi criado muito mais para atender aos requisitos políticos econômicos e monetários dos Governos que conduziram ao efêmero “milagre” brasileiro, do que para solucionar o verdadeiro problema da habitação. Realmente, hoje não há como negar que o BNH e os vastos capitais postos à sua disposição serviram apenas para estimular certos setores estratégicos da economia e para beneficiar as classes de alta renda que constituíram um dos suportes sobre os quais se apoiou o pacto hegemônico que legitimou o regime brasileiro até o Governo Geisel88. Para Bolaffi89 apesar dos fartos recursos e das iniciativas das instituições públicas e privadas para dinamizar tais recursos, os planos e metas habitacionais foram se sucedendo e os problemas foram substancialmente agravados, devido a ausência de diretrizes políticas consistentes e capazes de traduzir as metas e os planos em obras tendo em vista que desencadearam confronto de valores, interesses e pressões sociais contraditórios.

O BNH institucionalizou o SFH e Saneamento sendo competente para “orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro de Habitação”, que possibilitou que as políticas habitacionais adquirissem uma sistematização. Santos90 afirma que o BNH foi um banco sem funções executivas diretas e encarregado somente de fornecer orientações técnicas e de efetivar repasses financeiros. Azevedo e Andrade93 assinalam que o BNH surge com traços do populismo anterior sendo também encarado como banco de desenvolvimento social. Ideologia e percepção dos dirigentes quanto ao papel da casa própria na cooptação das camadas populares com raízes em períodos anteriores. O BNH assume outras funções macroeconômicas que relegaram as funções sociais e políticas do banco. Seus objetivos eram incompatíveis.

Como explicam Azevedo e Andrade: Na falta de mobilização política que as apoiasse, as metas redistributivas e sociais perderam terreno para as de dinamização da economia, capitalização das empresas de construção e de produção de materiais, geração de empregos, solidificação do sistema de financeiro de habitação [. Nos dizeres de Maricato: A queda do Welfare State e a ascensão do neoliberalismo tiveram consequências muito conhecidas: desregulamentações, privatizações, precariedade nas relações de trabalho, ampliação da concentração de capitais, ampliação dos mercados, ampliação da desigualdade, hegemonia do capital financeiro, enfraquecimento dos sindicatos e partidos de esquerda, mudança na geopolítica mundial, entre outras. As cidades na globalização também se tornaram objetos de estudos específicos, já que a reestruturação produtiva tem forte impacto sobre o território, e os ajustes impostos pelo ideário neoliberal enfraqueceram os investimentos em políticas sociais; entre elas figuram as políticas urbanas estruturadas como: transporte, habitação e saneamento97.

As modernas regulações laborais, começando por um novo padrão de acumulação do capital, proporcionado pelo processo de reestruturação produtiva e pelos menores investimentos estatais em políticas sociais, levam à perda de proteção social e de direitos sociais conquistados ao longo da história pelos trabalhadores. Referente à questão urbana, surgiram novas demandas, a saber: o déficit habitacionais, as péssimas condições das moradias e a segregação socioespacial, o que levou a novas determinações relacionadas à política social. No ano de 2009, o governo federal, visando ao desenvolvimento do Sistema Nacional de Habitação - SNH e do Plano Nacional de Habitação-PlanHab, com vistas a ampliar as políticas habitacionais, demandava por instrumentos jurídicos que autorizassem a implementação de medidas particulares com vistas a viabilizar o acesso à moradia a grupos populacionais específicos.

A lei da MCMV também foi inserida neste novo paradigma institucional. O PMCMV surgiu logo que a crise financeira de 2008 eclodiu, levando o governo brasileiro a implementar as chamadas “ações emergenciais anticíclicas”. Uma importante estratégia escolhida foi o apoio ao setor da construção civil, em razão de seu potencial para gerar empregos e investimentos. A meta do programa era construir 1 milhão de moradias. Destas, 400 mil seriam destinadas às famílias que recebessem até 3 salários mínimos, outros 400 mil para as famílias cuja renda estivesse entre 3 e 6 salários e 200 mil para as de renda entre 6 e 10 salários100. Os contratos de financiamento habitacionais e suas peculiaridades Os contratos de financiamento habitacionais normalmente são firmados valendo-se da alienação fiduciária, sendo esta última empregada com maior frequência.

Segundo Silva et al104, dados emitidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sinalizam que, desde o ano 2000, 2008 foi o ano que apresentou maior número de contratações no setor da construção civil, apresentando um saldo positivo de contratações de 197. trabalhadores. Entre 2005 e 2009, as contratações no setor superaram as demissões, apresentando uma média de 144. pessoas por ano. Ressalte-se, ainda, que, conforme dita o art. º dessa norma legal, as operações de financiamento imobiliário, geralmente são livremente implementadas pelas entidades que têm autorização para operar no SFI, conforme condições de mercado e evidenciadas as prescrições legais, podendo, inclusive, nas operações tratadas neste artigo, serem usados recursos advindos da captação no mercado financeiro e no mercado de valores mobiliários, consoante a legislação pertinente.

Assim, no âmbito do SFI, as operações de financiamento imobiliário, nos termos do art. º caput, da Lei nº 9. devem observar as seguintes condições essenciais: Art. Para Mezzari113, o SFI tem suas bases no trust anglo-americano, ao passo que o pactum fiduciae (alienação fiduciária), vem dos romanos. Segundo o mencionado autor, o SFI é um mercado relativamente novo, desregulamentado, fundamentado em normas de livre mercado. Aduz que nesse modelo encontra-se presente a nova filosofia atualmente vigente no Brasil, em que o neoliberalismo econômico e a globalização, especialmente seus princípios, têm papel destacado, propiciando tanto ao capital nacional como ao estrangeiro novos caminhos para a promoção do desenvolvimento econômico. A respeito da alienação fiduciária, tratará o capítulo seguinte mais detidamente.

Alienação fiduciária A alienação fiduciária de coisa imóvel consubstancia-se em uma das formas de garantir as operações de financiamento imobiliário, consoante dispõe o art. O poder decorre da transmissão do direito; o dever, do caráter fiduciário da alienação, funcionalizada para o alcance da finalidade pretendida. Essa é uma atribuição característica do negócio fiduciário quando reveste a forma de contrato atípico ou quando se vale do chamado negócio indireto. Neste sentido, independentemente das diversas funções que o negócio fiduciário possa, em concreto, realizar, sempre se estará diante de uma titularidade a conta de outrem ou para realizar um fim, o que irá atrair disciplina jurídica própria, condizente com essa específica situação.

Os expedientes de garantia relacionam-se com a concessão de créditos e, por isso, são de grande importância para o desenvolvimento das relações econômicas. O permanente desafio do sistema de garantias consiste na busca pela máxima efetividade do direito do credor com o menor ônus possível ao devedor. Assim, o devedor, especialmente aquele de baixa renda ao qual o PMCMV visou beneficiar, é impedido de usufruir do direito fundamental à moradia, mesmo tendo adimplido parcela substancial do contrato. Em razão de defender-se nesta pesquisa a aplicação da teoria do adimplemento substancial aplicado a contratos imobiliário, busca-se no próximo capítulo explicar esta teoria e relacioná-la à boa-fé objetiva, à função social da propriedade e à equivalência material. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais.

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