O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA: UMA ANÁLISE DO ESTADO LIBERAL AO NEOLIBERAL
Tipo de documento:Artigo cientifíco
Área de estudo:Direito
Busca-se, ao final, encontrar os possíveis caminhos que o Brasil tem a percorrer na reconfiguração do seu Estado de Bem-Estar sem que seja necessário aderir à agenda neoliberal. Palavras-chave: Economia. Estado liberal. Estado social. Estado neoliberal. Neste trilhar, foram analisados os diferentes dogmas por que passou o Estado moderno, partindo da ideologia liberal, passando pela do bem-estar social, até chegar ao Estado neoliberal, dando-se especial enfoque às premissas estabelecidas por cada um desses ideais quanto ao quantum de intervenção estatal na economia. O estudo se justifica, pois, o Estado de Bem-Estar-Social vem sendo apontado pela corrente neoliberal como o grande vilão das crises financeiras pelas quais os países vêm passando. Afirmam que os custos elevados de manutenção desse modelo estatal, principalmente os gastos com Seguridade Social, estão inviabilizando a própria sobrevivência dos estados, consumindo quantias que poderiam estar sendo utilizadas em infraestrutura, educação, e desburocratização da máquina estatal, por exemplo, gerando mais empregos e desenvolvimento.
No caso brasileiro, o maior culpado apontado pelos neoliberais é a Previdência Social, alvo de constantes ataques, inclusive midiáticos, pregando a necessidade premente de sua reforma, sob pena da República Federativa do Brasil não ter dinheiro para mais nenhum tipo de investimento social daqui a poucas décadas. Assim, pregam que deveria haver uma retração do Estado Social, sua diminuição, com a privatização de empresas estatais, a saída do Estado na prestação de serviços públicos em áreas de saúde, educação e previdência, por exemplo, deixando que o mercado forneça esses serviços, uma vez que esse teria maior expertise, atuaria com menores custos e maior eficiência. O absolutismo restringia a liberdade das pessoas, submetendo a nação aos desígnios do soberano por mais extravagantes que fossem.
Com sua queda, surge o Estado Liberal, capitaneado pela burguesia, que passou a garantir nas constituições os ideários que entendia necessários ao seu projeto político, à luz dos valores da iniciativa privada, quais sejam: liberdade, propriedade privada e não intervenção do Estado. Caberia ao Estado manter a paz e a segurança, sendo restrito nos seus poderes e funções, devendo se abster de interferir na vida privada dos cidadãos, havendo garantias desses contra aquele. Esse Estado se identifica com a ideia de limites/liberdades e tem como ator principal o indivíduo. Requisito básico desse modelo é que as pessoas viviam debaixo de leis gerais e abstratas, previamente conhecidas5. Portanto, Bonavides10 adverte que o Estado liberal não poderia ser chamado de um Estado Democrático, uma vez que o liberalismo não teve como mote a participação popular na formação da vontade do Estado, nem mesmo o direito de igual participação nessa formação.
Assim, a burguesia implantou seu projeto de poder liberal dissociado da preocupação com a igualdade substancial. O ESTADO SOCIAL Justamente pelos motivos delineados acima, o Estado Liberal não produziu desenvolvimento social. O individualismo pregado pela doutrina liberal não trouxe prosperidade para toda a sociedade, mas somente para parte dela – os burgueses. A igualdade formal não se concretizou em igualdade material. Milton Vasques Thibau de Almeida demonstra bem essa configuração política, ao narrar o ocorrido na Alemanha: [. Ante o clamor popular, numa nação [recém-unificada] por ele que se industrializava com rapidez, compreendeu que seria inútil usar apenas a repressão policial e militar. Ao contrário, entendeu que era preciso oferecer um programa político novo, que “roubasse” o conteúdo da pregação socialista e que, dentro do estilo e da estrutura do governo alemão, aliciasse a simpatia do povo alemão a seu favor.
A industrialização da Alemanha, seu crescente poderio econômico, militar e cultural eram fatos que chamava a atenção na Europa e, internamente, criavam ambiente propício à eclosão dos movimentos sociais. Assim, BISMARCK elaborou a célebre mensagem de Guilherme I, instituindo os seguros sociais, em caráter geral e obrigatório. Ainda segundo essa autora, em 1970 estava instaurada a sociedade salarial, sendo que a integração na comunidade das pessoas se dava em conformidade com o lugar que cada um ocupava na sociedade, não somente pelo valor do salário, mas pela identidade, estatuto e posição social dos indivíduos. Nessa fase são consolidados os direitos fundamentais de segunda geração, os chamados direitos prestacionais do Estado, dentre eles: educação, saúde, previdência, moradia, proteção ao trabalhador, salário mínimo, transporte urbano, função social da propriedade, lazer, cultura, alimentação, vestuário, dentre outros.
Enquanto o Estado Liberal tinha como lema a liberdade, no Estado Social o lema foi a igualdade, não a meramente formal, mas a material, sendo que sua legitimidade se fazia e crescia à medida que os direitos sociais se concretizavam17. Kerstenetzky18 aduz que o Welfare State significa a garantia de direitos sociais de cidadania, um direito a certo padrão de civilização, uma garantia de direitos politicamente reivindicados a partir de uma concepção de política de cidadania. A mesma autora, discorrendo sobre o tema, fala que o Estado Social passou por algumas fases no seu desenvolvimento. Esse regime tem como principal mecanismo de proteção social a Seguridade Social. O mesmo tem como marca uma estratificação social, marcada pelo status do emprego e baixo grau de desfamiliarização, haja vista que o princípio redistributivo que rege o sistema é o de equivalência, o que reflete a segmentação da força de trabalho, com melhores benefícios para os trabalhadores com melhores empregos e servidores públicos, criando ainda uma divisão entre os que estão dentro do sistema e os que estão fora, esses, eventualmente, elegíveis à assistência social.
A maior parte das transferências ocorrem em gastos com aposentadorias e pensões, cerca de três vezes mais das demais transferências. Referida pesquisadora concluiu que esse regime traz resultados melhores no combate à pobreza absoluta e relativa do que o regime liberal, mas ainda fica aquém dos modelos alcançados nos países nórdicos. O regime social-democrata, nas explanações de Kerstenetzky25, caracteriza-se por alto grau de desmercantilização, direitos sociais universais abrangentes e generosos, provisão pública de serviços sociais com alto grau de universalização e iguais para todos, elevado grau de desfamiliarização, com elevada presença de mulheres e idosos no mercado de trabalho, transferências universais para famílias e pensões básicas iguais. Referente aos direitos fundamentais de terceira geração, Com a crescente complexidade das relações humanas, somada ao pluralismo e contradições das sociedades contemporâneas, além da consciência de um mundo partido entre sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, verificou-se que os direitos fundamentais de primeira geração ‒ proteção individual ‒ e os de segunda geração ‒ proteção coletiva stricto sensu ‒ não eram suficientes para proteção do ser humano em sua totalidade, nem mesmo para manutenção de um mundo equilibrado.
Foi necessário, então, acrescentar uma nova geração ou dimensão de direitos fundamentais ‒ os chamados direitos de terceira geração, que são aqueles protegem os direitos da sociedade como um todo, e não somente de determinados grupos sociais. São os chamados direitos difusos, transindividuais, que pertencem a todos. São conhecidos como direitos de fraternidade e solidariedade29. Por não serem objetos deste trabalho, os direitos de terceira geração não serão detalhados. Neste contexto, o principal traço marcante do Estado Moderno, a soberania, é abalada, enfraquecida. O poder de auto-organização dos Estados encontra-se fragilizado, tendo que ceder aos desejos do mercado. Some-se a isto, que várias organizações internacionais, tais como as chamadas agências de risco, emitem notas e classificações sobre a confiabilidade dos Estados para se investir, quase nunca através de critérios transparentes, sendo que uma qualificação ruim pode gerar a transferência de vultosos capitais para outros países com apenas um clique no computador33.
Lado outro, o mercado tecnológico agrava o problema do desemprego no estrato da população mais vulnerável da sociedade, haja vista que essas pessoas não tiveram estudo e treinamento suficientes para trabalharem com tais tecnologias, além de que várias máquinas foram, estão e serão criadas para substituir o trabalho braçal e mecânico do homem34. Cumulativamente, o envelhecimento da população, fruto do sucesso do Estado de Bem-Estar em políticas públicas de saúde e educação, somado às taxas de fecundidade declinantes, contribuem para o estrangulamento financeiro do Estado de Bem-Estar Social, posto que mais gastos com saúde e seguridade social serão despendidos e haverá menos pessoas para sustentar referido modelo estatal. Isto porque é impossível a consolidação desse modelo estatal sem a prática da solidariedade, haja vista que, se cada um agir egoisticamente, uns querendo se sobrepor aos outros, não haverá convergência para soluções de problemas comuns à sociedade, restando impossibilitada a construção de um projeto de Estado de Bem-Estar38.
Nos países de modernidade tardia, o problema ainda é maior, já que esses sequer chegaram a concretizar o Welfare State de modo satisfatório e já têm que lidar com a crise desse modelo, inclusive com vozes dizendo não ser o mesmo mais sustentável. Diante desse quadro de fragilidade a que está exposto o Welfare State, surge o modelo neoliberal se autointitulando como o modelo viável e correto para solucionar os problemas do Estado de Bem-Estar, possuindo os mecanismos necessários para correção dos rumos, o que será analisado na próxima seção. O NEOLIBERALISMO O Neoliberalismo trata-se de uma proposta de volta ao Estado mínimo, típico dos Estados Liberais. Conforme exposto por Behring, o paradigma desse “novo” modelo é “mais mercado livre e menos Estado Social”39.
Nesse contexto, é interessante perceber que o próprio FMI, que sempre propôs para os países do sul do Equador políticas neoliberais, já admite o fracasso dessas, ao se preocupar com a flagrante elevação do índice de pobreza e miséria e decadência dos indicadores sociais em países que aderiram a essas políticas48. Portanto, tendo em vista o estado da arte exposto nesta seção, resta claro que a solução para a suposta crise do Welfare State definitivamente não se encontra no neoliberalismo, o que aponta para a necessidade de reconfiguração do Estado de Bem-Estar social, tal como ocorreu ma Europa e principalmente em países nórdicos, a exemplo da Suécia, Dinamarca e Noruega, que diante da crise estrutural do pleno emprego e do envelhecimento de suas populações, investiram em políticas de serviços sociais e de conciliação da vida familiar com o mercado de trabalho.
O investimento em políticas de serviços sociais de cuidados, como creche de qualidade e em tempo integral para crianças, possibilitou às mulheres uma maior inserção no mercado de trabalho49. Da mesma forma, políticas de serviços sociais voltadas para o cuidado de idosos trouxeram resultados similares, o que possibilitou inclusive o incremento na base de sustentação financeira do Estado de Bem-Estar, com mulheres ativas no mercado de trabalho, passando a serem contribuintes do Estado50. Desse modo, com base em políticas de serviços sociais, o problema do envelhecimento da população passou a ser olhado não como um problema do Estado Social, mas para o Estado de Bem-Estar Social solucionar, nas palavras de Kerstenetzky51, tendo sido mitigado de forma eficiente pelos países escandinavos.
Fundações hospitalares e educacionais, asilos, creches comunitárias, prestam serviços públicos que auxiliam e muitas vezes substituem a atuação do Estado. Nesse contexto, uma relação público-privada que observe os parâmetros elencados nesta pesquisa, bem regulamentada e fiscalizada, pode contribuir de forma substancial para o Estado de Bem-Estar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegando-se ao final deste estudo e na tentativa de somar sugestões às já dadas pelos autores abordados nesta pesquisa para a reconfiguração do Estado de Bem-Estar Social, tem-se que questão substancial para a reconfiguração do Welfare State é incluir a classe média como usuária de serviços públicos, que têm que ser de qualidade, passando a mesma de mero financiador do Estado de Bem-Estar a seu usuário, materializando a solidariedade que fundamenta o sistema.
Desse modo, essa classe consentirá em contribuir com uma carga tributária elevada, viabilizando financeiramente esse modelo estatal. Outro ponto a ser levado a cabo é encontrar meios eficazes de tributar a nova riqueza mundial, haja vista que se a economia gera cada vez mais insegurança enquanto se torna mais rica, é necessário que se concebam formas de financiar o seguro social com os recursos advindo da nova riqueza. Se abraçar a agenda neoliberal cegamente, irá criar retrocesso social. Ao contrário, se entender as mudanças pelas quais o mundo passa e adequar as ferramentas de proteção social a essas novas variantes, manterá sua configuração de Welfare State. Portanto, a conclusão a que se chega é que a hipótese pregada pelos neoliberais de falência do Estado de Bem-Estar-Social não se comprova cientificamente.
O que foi verificado é que esse vem passando por reconfigurações. O caminho que o Brasil tem a percorrer na reconfiguração do seu Estado de Bem-Estar é longo, sem precisar aderir à agenda neoliberal, mormente se levado em conta que sequer as promessas contidas na CRFB/1988 de transformação social foram cumpridas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972. BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. ed. São Paulo: Malheiros, 2018. Revista de administração pública, Rio de Janeiro: Repositório FGV de Periódicos e Revistas, v. n. KERSTENETZKY, Célia Lessa. O estado do bem estar-estar social na idade da razão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. Brasília: Ipea, dez. Disponível em: http://www. ipea. gov. br/portal/index. Maiquel Ângelo Dezordi. A crise do welfare state e a hipertrofia do estado penal.
Direito, estado e sociedade, Rio de Janeiro, n. jul. dez. THIBAU, Milton Vasques de Almeida de. Elementos nucleares da previdência social. Belo Horizonte: PUC Minas Virtual, 2008. VAZQUEZ, Daniel Arias. Modelos de classificação do welfare state: as tipologias de Titmuss e Esping-Andersen.
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