O MITO DA NEUTRALIDADE DA CIÊNCIA: PERIGOS E INCERTEZAS
Tipo de documento:Artigo cientifíco
Área de estudo:Filosofia
Palavras-chaves: Ciência. Neutralidade. Modernidade. INTRODUÇÃO O presente artigo trata da ideia moderna a respeito de uma suposta “neutralidade da ciência”, ou seja, de que determinadas proposições objetivas advindas dela podem ser aplicadas indiferentemente dos valores sociais e que esses não desempenham um papel importante na escolha dos parâmetros adotados pelos próprios cientistas. A proposta aqui é tirar a ciência do pedestal que ocupa, expor a historicidade dos paradigmas ao mostrar como cada época pensava o seu saber sobre a natureza e a relação dessa com o Homem. OS ANTIGOS Durante grande parte da antiguidade, pelo menos até Platão, os Homens geralmente entendiam que Natureza não havia sido criada pelo homem, nem mesmo por nenhum Deus. A afirmação de Heráclito de que "essa ordem cósmica de todas as coisas sempre foi, é e será.
um sempiterno fogo que se inflama e se apaga em proporções"1 mostra bem a posição do mundo grego de que a Natureza encerrava todas as coisas que vinham a existir por si mesmas. O Homem tem aí sua importância pois é o indivíduo mortal em meio a imortalidade, aquele que violenta a natureza, ou seja, perturba aquilo que seria a eterna quietude. Platão, por sua vez, desacreditava totalmente dos sentidos humanos, pois tudo aquilo que observamos era apenas uma sombra retorcida do mundo suprassensível, das formas ou ideias. A "CIÊNCIA" MEDIEVAL Não faltarei com a explicação a respeito das aspas com as quais destaquei a palavra ciência quando me referi à ciência medieval no título da seção: as coloquei para explicitar que o que nós entendemos hoje em dia como ciência tem pouca, se não nenhuma, relação com o que os medievais o julgavam ser.
Para eles, assim como para os aristotélicos, a "extinção do eu" era condição sinequanon da prática científica. Pois não seria, por conseguinte, a contemplação inativa - um asceticismo feroz - a prática mais adequada ao observar a maravilha da criação divina? Diferentemente dos gregos, o Deus cristão havia realmente criado não só o planeta Terra, mas todo o Cosmos que seria a própria materialização desse ser divino. Hannah Arendt6 aponta de forma perspicaz que em toda filosofia verdadeiramente cristã o homem é um 'peregrino sobre a terra', portanto, a interrogação do parágrafo anterior é respondida positivamente quando nos colocamos no lugar daqueles homens. É uma inversão tremenda a que ocorre quando o homem, que com os antigos era tido como mortal frente a natureza imortal, se torna - na tradição cristã - eterno frente a uma natureza perecível, cuja data de validade não ultrapassa a do juízo final.
Sobre essa dialética da ciência podemos considera-la destrutiva por dois pontos: Primeiro, ela exige a destruição em larga escola de paradigmas e grandes alterações nos problemas técnicos da ciência normal. Segundo, ela é gerada pelo fracasso constante dos quebra cabeças da ciência normal em produzir os resultados esperados13. A utilização pelo novo paradigma de conceitos do velho não é uma contradição, é, pois, um mal-entendido entre as duas escolas competidoras. Os leigos que zombavam da teoria geral de Einstein porque o espaço não poderia ser "curvo" não estavam errados ou enganados. O que anteriormente se entendia por espaço era algo necessariamente plano, (. As representações que se julgam detentoras da verdade são, na verdade, meros constructos humanos e as escolhas são necessariamente carregadas de valores sociais17.
Portanto, a ideia de verdade, e consequentemente de neutralidade, é ilusória18 ou falsa19 pois mostrou-se impossível a correspondência de uma teoria e sua contrapartida "real" na natureza20. Um entendimento dessa matriz, que opera no campo da verdade material, só pode ser possível quando mergulhados no substrato da modernidade, a saber, o valor do controle baconiano ou a ontologia humana indicada como o controle do Homem sob a natureza. O APOGEU DO VALOR MODERNO BACONIANO O totalitarismo é a palavra-chave desse texto, e por ele se entende todo o sistema social cuja base está inscrita em ideologias plenamente desenvolvidas, isto é, sistemas baseados numa única opinião suficientemente forte para atrair e persuadir um grupo de pessoas e bastante ampla para orientá-las nas experiências e situações da vida moderna21.
O Século XX foi o apogeu dessa ideia moderna, até aqui discutida, de controle sobre a natureza e sobre o homem. A FALSA EUFORIA DE FIM DE SÉCULO O fim do século XX foi cenário de um momento de euforia: o colapso da URSS, a democratização de vários governos autoritários e o surgimento de um número recorde de sistemas democráticos inspirou homens como norte-americano Francis Fukuwama a escrever sobre o Fim da História24, que começa com a vitória da democracia como sistema de governo. Esse clima de otimismo também foi compartilhado brevemente por outro norte-americano chamado Samuel Huntington, com a famosa alusão ao fim da ideologia. Para ele durante meados dos 80’s e no começo dos 90’s, o momento compreendia o que ele chama de onda de democratização, a terceira, para ser mais específico.
A ciência também foi tomada pela euforia de fim de século visto que os avanços na área da genética, as pesquisas espaciais, da física quântica, da inteligência artificial e da neurociência foram extraordinárias. Os cientistas se vêm imbuídos de uma intenção pura: ele é motivado pela "pura" curiosidade; busca o conhecimento pela busca do conhecimento25. A própria verdade perde seu status para o mesquinho conceito de pós verdade em nossos tempos. A internet, fruto da revolução da ciência, se transformou num cérebro digital global que transmite publicamente nossas relações, intenções e nossos gostos pessoais, a melhor e mais perfeita instituição de sequestro dos indivíduos, na qual ao permitir que nossos milhares de ‘amigos’ saibam o que fazemos, pensamos, lemos, vemos e compramos28, nós nos entregamos espontaneamente ao poder, prontos para sermos examinados e credenciados pelos algoritmos.
Esse é o sonho do projetista totalitário que se torna realidade, colocado em prática pelos cientistas do cérebro e da computação. Os telefones móveis são outra evolução tecnológica que nos coloca sob a constante vigilância, seja ela internalizada ou externa. Interna pois, nessa sociedade da exibição infeliz é aquele que não tem nada a mostrar aos outros. A construção de uma base moral baseada nos direitos humanos por meio da mídia de massa e da educação35 e a educação científica - cuja tarefa é desenvolver autoconsciência crítica sobre o caráter da atividade científica e de suas aplicações36 são as únicas opções que temos para que a sociedade não se dissolva em barbárie.
É preciso que cada cientista assuma a responsabilidade sob as suas criações, sob as consequências sociais de suas tecnologias. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo, Perspectiva, 2014. Panorama da Historiografia Ocidental (até aproximadamente 1930). In: Idem. Um historiador fala de teoria e metodologia. Bauru, SP: Edusc, 2005. FOUCAULT, Michel. LACEY, Hugh. Valores e Atividade Científica, São Paulo, Editora 34, 2008. MARCUSE, Hebert. A Responsabilidade da Ciência, 1967. Em: revista “sci.
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