O INFANTÍCIO INDÍGENA ANALISADO SOB A PERSPECTIVA DA COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E O DIREITO À CULTURA

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:Direito

Documento 1

No intuito de se atingir os resultados propostos, adotou-se o tipo de pesquisa bibliográfico e documental, cujo método de pesquisa é o dedutivo, interpretativo, qualitativo e monográfico. Por fim, ressalta-se que quando houver choque entre os Direitos considerados Fundamentais, é preciso aplicar a técnica do sopesamento, ou seja, assegurar aquele que protege de forma mais ampla a Dignidade Humana, posto que não existam direitos absolutos no ordenamento jurídico brasileiro. Palavras-chave: Infanticídio indígena. Direito à vida. Liberdade cultural. INTRODUÇÃO A cultura brasileira é o resultado de uma miscigenação iniciada no período da colonização e, assim, é incontestável a influência da cultura europeia nos costumes brasileiros, por exemplo, algumas das heranças portuguesas que está presente na cultura brasileira é a língua portuguesa e a religião católica, que é a crença da maior parte da população brasileira.

Ocorre que, antes da chegada dos colonizadores já existiam no Brasil diversas comunidades indígenas com práticas e costumes completamente distintos. Dentre essas práticas pode-se mencionar o culto religioso, pois enquanto os colonizadores traziam consigo uma crença católica, os índios acreditavam nas forças da natureza e no misticismo. Em que pese, a legislação brasileira assegura aos indígenas o direito de perpetuar a sua cultura no corpo do Art. § 1º da Constituição Federal de 1988, e, em razão disso,alguns desses povos têm questionado a necessidade da prática do infanticídio indígena. São Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. ” (ONU, 1948). Assim, todos possuem direito àdignidade simplesmente por serem humanos, e, para tanto, os Direitos considerados humanos em plano universal devem ser respeitados e efetivados.

Nesta toada, os Direitos humanos não podem ser negados; mas, por vezes, podem ser restringidos, já que não existe nenhum direito considerado absoluto. Como ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco: (. Pode-se dizer que o direito à vida é fundamental. Trata-se do principal direito assegurado a todas as pessoas, indistintamente. Segundo Alexandre de Moraes “o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais” (MORAES, 2005, p. Sendo assim, o direito posto não tem como reivindicar anterioridade à cultura, mas é compreensível que queira ser seu coetâneo e que busque provar uma relação intensa ao ponto de ser reflexo ao outro por atos individualmente praticados. Assim, pode-se dizer: o que se pratica culturalmente repercute no direito e vice-versa.

E o que é pior: a falta de segurança à qual estes povos estão expostos. Tribos indígenas não raro são invadidas, saqueadas, deixando um grande número de mortos, a exemplo dos ataques que ocorreram no dia 13 de janeiro de 2020 contra indígenas e quilombolas em Dourados – MS, deixando vários índios feridos. Esta mesma tribo já havia sido atacada em 2018, deixando 2 mortos e em 2019, deixando 7 mortos. Mesmo com os ataques os índios continuaram desprotegidos (SUDRÉ, 2020). Após muitas lutas, algumas delas sanguinárias, aos poucos foram surgindo movimentos que acolheram esses indivíduos e os integraram a sociedade brasileira, fornecendo acesso à educação (especialmente ensinando-os o idioma português), emprego, moradia, saúde e sobretudo, devolvendo a eles a dignidade que tinha sido roubada pelos conflitos instalados no seu paísde origem.

Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria, sente-se igual (ROCHA, 2004 apud SARLET, 2006, p. O Brasil é um país dotado de diversidade cultural e com o surgimento da globalização essa miscigenação aumentou cada dia mais, pois há uma “convivência” (mesmo que virtualmente) com povos de diferentes nacionalidades e consequentemente de diferentes culturas. Logo, a troca de conhecimentos é recíproca. Nesse sentido, muito bem lecionam os pesquisadores Arno Wolf e Narciso Leandro Xavier Baez (2014): [. Primeiro, a previsão expressa da dicotomia entre patrimônio material e imaterial, que surge no cenário internacional em 1982 com a Declaração do México (UNESCO, 1982). Segundo, a possibilidade de tratamento dos bens culturais, tanto individualmente (o que predominava com o tombamento de bens isolados), quanto em conjunto. E em terceiro, a inclusão da ideia de referência cultural que conecta por meio da identidade, da ação e da memória os distintos grupos formadores da sociedade brasileira ao seu respectivo patrimônio cultural (ARANTES, 2015).

A compreensão de patrimônio cultural constante na CRFB/1988 foi, portanto, ampliada com a inclusão do patrimônio imaterial. A previsão constitucional de que se deve proteger os bens culturais “tomados individualmente ou em conjunto” (BRASIL, 1988, s. Isso é evidente não apenas no título, mas também nos próprios artigos que a compõem. Isso quer dizer que ela abrange todos os países integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), considerando todos os gêneros como iguais em direitos e deveres. No entanto, nem todos os países recepcionam todos os valores apregoados pela Declaração, o que é compreensível, pois, a ideia de uma universalização de direitos fere o direito ao relativismo cultural, segundo o qual, não se deve julgar uma cultura tomando outra como parâmetro.

Uma frase do filósofo e historiador alemão Oswald Spengler (1918) resume esta ideia: “Toda cultura tem seu próprio critério, no qual começa e termina sua validade. Não existe moral universal de nenhuma natureza”. A herança jusnaturalista permeia a cultura do ocidente de um único aspecto, uma pretensão de superioridade no que se refere às demais culturas (PIOVESAN, 2008). Os argumentos relativistas baseados em fatores culturais, entretanto, são empregados com o objetivo de afastar práticas de subjugação e exploração de seres humanos fundamentadas em diferenças de grupos sociais, de gênero ou mesmo como justificativa para que um povo passe a ser governado de forma arbitrária, contra a possibilidade de dominação cultural dos países hegemônicos. E aí a crítica dos universalistas quando apontam que o reconhecimento da diversidade cultural valendo-se de uma postura relativista não possui relevância moral alguma (PIOVESAN; Ikawa; FACHIN, 2010).

Se os direitos humanos, como todo e qualquer direito, têm natureza histórica e cultural, percebe-se que são, de certa forma, equivocadas as posturas universalistas. Não se pode exigir a pronta e irrestrita observação aos direitos humanos de povos e culturas que não participaram da construção histórica desses direitos. E o desafio da quadra histórica contemporânea é justamente a de construir consensos em termos de direitos humanos, de proteção à dignidade humana, de combate às graves formas de sofrimento humano. Consensos estes ultrapassem as áreas de influência da cultura ocidental hegemônica, para serem também compartilhados por outros povos, por outras culturas. Mesmo na diferença, há que se encontrar denominadores comuns. INFANTICÍDIO INDÍGENA: aspectos legais e culturais O infanticídio é um tipo especial de crime contra a vida.

Na realidade, há um delito de homicídio praticado pela mãe contra o seu próprio filho (SILVA, 2019). O aspecto místico é tão presente na cultura indígena que o pesquisador Granero (2011, p. afirma que: “em muitas sociedades ameríndias, o nascimento de gêmeos é considerado uma manifestação de fecundação não humana”. Esse seria um dos fatores que justificaria a prática do infanticídio indígena. Na Constituição Federal brasileira de 1988 os direitos dos índios estão expressos em capítulo específico (Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios) com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições. “A população indígena hoje no Brasil tem o direito de buscar maior integração, bem como de se manter intacta em sua cultura, aldeada, se assim entender que é a melhor forma de preservação” (PROENÇA, 2017, s.

No Brasil, segundo reportagem veiculada pelo Fantástico em 2014, a prática do infanticídio ocorre em cerca de 13 tribos que vivem isoladas, a exemplo dos suruwahas, ianomâmis e kamaiurás. As justificativas culturais para a prática variam: crianças deficientes, fruto de relacionamentos adulterinos, gêmeos, filhos de mães solteiras, dentre outros (GLOBO. COM, 2014). Explicados os aspectos legais e culturais do infanticídio indígena, passa-se à análise do Projeto de Lei nº 1. do então deputado Henrique Afonso visando proteger as crianças indígenas da prática do infanticídio. e no art. º8 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Também o Código Civil determina em seu art 2º, que o começo da personalidade civil se dá com o nascimento com vida (deixando claro que os neonatos já são titulares de personalidade civil).

O projeto de lei tem como finalidade a erradicação da prática do infanticídio, tentando dialogar com as tribos indígenas brasileiras, especialmente as adeptas do infanticídio, adotando medidas educativas permeadas pelo diálogo junto a estes povos, por entender ser esta a melhor arma contra violações aos direitos humanos, consoante disposto no art. º9 do PL nº. Cabe ressaltar que em caso de colisão de princípios, um deles goza de precedência com relação ao outro dependendo de certas condições. Mediante outras condições, pode-se estabelecer a precedência de maneira diversa (ALEXY, 2008). Assim, não há uma determinação geral para todas as situações de colisão de princípios, o caso concreto é que vai estabelecer qual dos princípios em conflito terá precedência.

Diante disso, a proporcionalidade é o critério, como entendem alguns doutrinadores, ou o princípio norteador, como entendem outros, para solução desse conflito. A ideia da proporcionalidade, bastante aceita e difundida no pensamento jurídico-constitucional contemporâneo, teve sua origem, segundo Bonavides (2018) na década de 1950 na doutrina alemã e desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, foi recepcionada pela doutrina e jurisprudência de vários países do mundo, inclusive o Brasil. Como se viu, os direitos referentes a vida e a cultura são protegidos tanto pela CRFB/1988 como por normas internacionais. Porém, quando se trata do infanticídio indígena a garantia constitucional e internacional de proteção à vida é superior, já que o direito à vida é o primeiro e mais elementar dos direitos positivados, sendo que para se alcançar o direito cultural tem que ser concedido ao homem primeiro o direito a vida.

De acordo com Canotilho (2003, p. “considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”. Essa incidência dos direitos necessita da proteção para as duas partes, pois ambas detêm tais direitos positivados. assevera que o direito à vida é “o direito primeiro; primeiro não só em seu sentido cronológico, mas, sobretudo em seu sentido axiológico”. Embora não haja hierarquia entre os princípios constitucionais, há visivelmente colisão entre dois deles, o direito à vida e o direito à cultura. Por este motivo é importante realizar uma análise de relevância através da ponderação dos princípios. Todavia, quando este direito influencia na existência de outo, medidas devem ser tomadas por parte do Estado.

Portanto, entre o direito à vida e à cultura, no contexto do infanticídio indígena, mostra-se necessário elevar o valor do primeiro direito em face do segundo. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. Coleção teoria & direito público) ALVES, Marcilene Sousa. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. Atini voz pela vida. Disponível em: https://www. atini. Disponível em: https://cafecomsociologia. com/o-que-e-relativismo-cultural/. Acesso em: 18 nov. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 27 ago. BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Decreto nº 5.  de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.  Disponível em: http://www. planalto.

br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=351362. Acesso em: 24 out 2020. CANOTILHO, José Joaquim Gomes.  Direito constitucional e teoria da constituição. ed. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Disponível em: https://periodicos. ufsc. br/index. php/sequencia/article/ view/15330/13921. GRANERO, Fernando Santos. Hakani e a campanha contra o infanticídio indígena: percepções contrastantes de humanidade e pessoa na Amazônia brasileira. Mana, Estudos de Antropologia Social, 2011.   Disponível em: http://www. planalto. br/site/ index. php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11138. Acesso em: 25 set. de 2020.   MBAYA, Etienne–Richard. Os Direitos Humanos dos Humanos sem Direitos. Refugiados e a Política do Protesto. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. n. Jun. ebc. com. br/direitos-humanos/noticia/2017-04/povos-indigenas-conheca-os-direitos-previstos-na-constituicao#:~: text=%E2%80%9CA%20popula%C3%A7%C3%A3o%20ind%C3%ADgena%20hoje%20no,de%20preserva%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D%2C%20explica%20Proen%C3%A7a.

Acesso em: 20 nov. PIOVESAN, Flávia.   SILVA, Ana Flávia Ferreira; DIAS, Ritchelly Halbertt Oliveira. Infanticídio indígena: o conflito entre o direito à vida e o direito de proteção à cultura. Âmbito Jurídico, 2020. Disponível em: https://ambitojuridico. com. SUDRÉ, Lu. Primeiros dias de 2020 já registram ataques contra indígenas e quilombolas. Brasil de Fato, 14. Disponível em: https://www. brasildefato. net/descargas/drets_culturals400. pdf. Acesso em: 27 ago. VIEGAS, Cintia Camila Liberalino; TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. O papel da ambiência histórica nos processos de tombamento de sítios históricos urbanos. Acesso em: 25 mai. de 2020.

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