EMANCIPAÇÃO DO CORPO FEMININO: REFLEXÕES ACERCA DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL ENQUANTO VIOLÊNCIA DE GÊNERO ANA COMPLETA

Tipo de documento:Monografia

Área de estudo:Direito

Documento 1

Para isso, propõe-se o levantamento do contexto histórico construído pelos avanços legislativos em função da coibição da violência obstétrica no Brasil, bem como compreender o processo de violência vivenciado pelas mulheres no país, bem como as modalidades como a violência obstétrica ocorre. Através do desenvolvimento da pesquisa, foi possível visualizar casos concretos onde as vítimas são negligenciadas pela ausência de recursos ou conhecimento técnico. Mesmo em situação de privilégio, inúmeros são os casos de violência física, verbal e psicológica vivenciados por parturientes, bem como abuso de técnicas e medicalização do parto. Para o trabalho foi proposta uma pesquisa multidisciplinar, com investigação legal e bibliográfica.

O estudo conclui pela confirmação da existência da violência obstétrica de forma intensa e negligenciada pela legislação brasileira que ainda não a acolhe de maneira específica. Gender violence. Abuse against parturient and unborn child. LISTA DE SIGLAS CF - Constituição Federal CFM - Conselho Federal de Medicina OMS - Organização Mundial da Saúde SUS - Sistema Único de Saúde SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 01 - VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: CONCEITUAÇÃO E PANORAMA GERAL 16 1. O PARTO PARA A SOCIEDADE 16 1. A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: O QUE É? 18 CAPÍTULO 02 - A LESÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PACIENTE COMO FORMA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO 32 2. Apesar da necessidade técnica dos profissionais da saúde para a chegada do nascituro, a mulher ainda deve representar o centro, que tem poder de decisão e ciência acerca dos procedimentos a serem realizados, bem como ter sua integridade física e psicológica preservada.

Para isso, as entidades responsáveis pela saúde emitem diversas orientações e recomendações de procedimentos indicados e contraindicados para que o parto ocorra da melhor forma, conforme os estudos clínicos mais recentes. De acordo com Gonçalves (2015, p. Observou-se que embora o Brasil possua regras que versem sobre violência obstétrica e humanização do parto, elas são genéricas. Não há no ordenamento jurídico brasileiro uma lei específica que dê conta do tema de forma satisfatória. Rogelio Pérez D’Gregorio, presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Venezuela, e tornou-se representativo aos movimentos ligado à "eliminação e punição dos atos e procedimentos tidos como violentos realizados durante o atendimento e assistência ao parto” (MARIANI; NETO, 2016, p.

A violência pode ocorrer de diversas formas, inclusive pela omissão de cuidados essenciais. Desde a imposição de práticas dolorosas desnecessárias à gestante, bem como a agressividade na fala, impedir a medicalização da parturiente que encontra-se em extrema dor para impôr-lhe propositalmente sofrimento, todos configuram exemplos de violência obstétrica. Dentre esses atos de violência, compreendem-se: Além do excesso de intervenções desnecessárias, como venóclise, ocitocina de rotina, episiotomia e privação de uma assistência baseada em boas práticas, tais como parto em posição vertical, impossibilidade de se alimentar e de se movimentar durante o trabalho de parto e presença de um acompanhante destaca-se o excesso crônico de cesarianas (55,6% do total de nascimentos) (ARRUDA, 2015, p. Assim, o objetivo da presente pesquisa é compreender o que é e como ocorre a violência obstétrica.

Além disso, fatores econômicos e geográficos estão diretamente relacionados à dificuldade de acesso à informação, assim como a atendimento humanizado na área da saúde de forma especializada (ARRUDA, 2015). De acordo com o levantamento feito pela Fundação Perseu Abramo, no ano de 2012, constatou-se que 25% dos partos realizados no Brasil tinham relação com ocorrência de violência obstétrica (FRANZON; SENA, 2012). Os dados alarmantes chamam atenção à violência sofrida pelas parturientes. Diante do levantamento, é possível relacionar como fator predominante na ocorrência da violência obstétrica a desinformação da gestante, o que ocorre com maior frequência nas camadas mais pobres da sociedade que não possuem acesso a informações tão técnicas como acerca do trabalho laboral. Assim, quanto menos o assunto é discutido, por mais tempo se perpetua tal tipo de violência.

DESLANDES; GOMES, 2009. p 21) Em razão da abordagem qualitativa do estudo, pressupõe-se como adequado o uso do método indutivo. Essa lógica de raciocínio, segundo Marconi e Lakatos “[. inicia-se em premissa dos fatos observados e que podem levar a conclusões mais amplas do que as premissas nas quais se basearam. ” (MARCONI, LAKATOS, 2003, p. A presente pesquisa foi desenvolvida em três capítulos, além da introdução e das considerações finais. O primeiro capítulo, intitulado "Violência Obstétrica: Conceituação e Panorama Geral", traz a violência em abordagem no sentido amplo, sob uma perspectiva geral de como ela ocorre e de que modo a legislação atual a pune. Por sua vez, o segundo capítulo é intitulado como "A lesão aos Direitos Fundamentais da paciente como forma de violência de gênero" e tem por objetivo identificar e relacionar a violência obstétrica como uma violência contra o gênero feminino, onde o corpo da mulher, institucionalmente, é vítima de desrespeitos.

Por fim, o terceiro capítulo "Perspectivas de enfrentamento à violência obstétrica: inovações da legislação brasileira" traz um levantamento legal e jurisprudencial acerca da violência obstétrica através da realidade enfrentada pelas vítimas que recorrem ao judiciário no país, além de traçar uma linha do tempo que percorre os avanços da legislação na repreensão dessa ameaça. CAPÍTULO 01 - VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: CONCEITUAÇÃO E PANORAMA GERAL A gravidez e o parto, ao longo da história, há longa data são vistos como um evento social (BRASIL, 2001). Humanizar, na realidade, "é um processo vivencial que permeia todas as atividades das pessoas que trabalham, procurando realizar e oferecer o tratamento que merecem enquanto pessoa humana, dentro das circunstâncias peculiares que se encontram em cada clínica" (QUERUBIN, 1980 apud SANTOS et al, 1999, p.

Nesse sentido, as condutas adotadas devem ter como finalidade o bem estar da parturiente e do bebê, através de uma boa comunicação. A humanização do parto não é uma técnica, mas a necessidade de tratar os envolvidos com dignidade e zelo. Primordialmente, o parto deve ser narrado como ato de protagonismo feminino, onde a mulher, no ato de dar a luz a uma nova vida, necessita que sua autonomia em meio às decisões que virão a interferir em seu corpo e no nascituro sejam respeitadas. Contudo, observa-se que em meio aos avanços tecnológicos que as necessidades da mulher têm sido colocadas em segundo plano, transformando o parto em um "evento hospitalar-médico" (OLIVEIRA; ALBUQUERQUE, 2018, p. As novas regras de assepsia, juntamente com as melhorias na estrutura urbana, como luz e água encanada, além dos aparatos, sala de cirurgia, instrumentos esterilizados e enfermagem especializada, foram igualmente relevantes para que o hospital fosse recomendado como local do parto (PALHARINI, FIGUEIRÔA, 2018, p.

Anteriormente visto como um procedimento natural, em que a medicina atuava de maneira assistencial, o parto toma nova forma, e a intervenção médica e de equipamentos tecnológicos passa a ser cada vez mais aceita e menos questionada pela sociedade. Contudo, conforme as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no documento Intrapartum care for a positive childbirth experience (OMS, 2018), é indispensável que seja realizado um plano individual para cada parto, produzido juntamente à gestante, garantido que sua autonomia seja mantida. Dentre as recomendações, listam-se, não exaustivamente (OMS, 2018): 1. Cuidado respeitoso com a parturiente; 2. Assim, a violência, para Chauí (1985) é considerada como forma de dominação e exploração, objetificando um indivíduo e privando-o de qualquer forma de liberdade, cerceando-o. No que diz respeito à violência obstétrica, trata-se da violência ocorrida no período anterior, durante ou após o parto.

Esse tipo de violência diz respeito tanto à imposição de práticas rotineiras no parto, quanto à negar os direitos da parturiente em um momento de tamanha vulnerabilidade. Amorim (2015) explica acerca das formas de violência obstétrica: Desde 2007, com a Ley Orgánica sobre el derecho de las mujeres a una vida libre de violência, a Venezuela reconheceu a existência da violência obstétrica, definida como tratamentos prestados por profissionais de saúde que não atendam às emergências obstétricas de forma oportuna e eficaz; que forcem a mulher a dar à luz em decúbito dorsal, com as pernas levantadas, havendo meios para o parto vertical; que impeçam o contato entre a mulher e seu bebê sem justificativa médica ou que impeçam a mulher de segurar e amamentar imediatamente após o nascimento.

A lei considera, ainda, como violência obstétrica, as técnicas de aceleração do parto sem consentimento expresso e informado e a realização de cesariana sem consentimento quando as condições forem favoráveis a um parto natural (AMORIM, 2015, p. Os dados destacam, assim, a relação profunda entre a ocorrência da violação dos direitos da parturiente e sua classe social. De modo geral, a violência obstétrica já é de difícil identificação pela naturalização da violência contra a mulher em diversos aspectos. Quando se trata de conhecimento técnico e informações de saúde, como a garantia de um atendimento humanizado, mulheres de baixa renda que precisam recorrer ao sistema público de saúde sofrem o impacto de forma mais severa pela falta de conhecimento.

De acordo com a plataforma, ECycle (2022): Segundo a Lei do vínculo à maternidade – lei nº 11. a gestante tem direito à assistência pré-natal, em qualquer maternidade onde será realizado o parto. Acerca do tema, Rodriguez (2016, p. discorre: Na sua forma mais específica, quando praticada dentro das maternidades, durante o período de trabalho de parto e parto, é perpetrada por agentes que deveriam proteger, garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e reparadora. Uma forma, infelizmente, muito comum de violência obstétrica institucional ocorre em função de práticas discriminatórias, sendo as questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e religião um terreno fértil para ocorrência de tal violência. Outro dado relevante são os índices altíssimos de cesáreas realizadas sem indicação médica no Brasil.

De acordo com Mayara Guimarães Santos (SANTOS, 2017), o aumento de cesáreas representa o intenso crescimento de intervenções cirúrgicas nos processos naturais femininos, ou seja, a medicalização do processo do parto. Ressalta que o corpo feminino não deve continuar sendo percebido como uma máquina complexa, a qual somente a ciência é capaz de decifrar. Pensando em uma mudança de paradigma em relação ao cuidado, se torna imprescindível a realização de práticas em saúde pautadas em uma visão holística do cuidado à mulher (ROGRIGUEZ, 2016, p. À medida em que a sociedade passou a encarar a fase gestacional e o parto como problemas médicos, como mencionado por Rodriguez (2016), passou a alavancar o número de intervenções médicas no parto.

Contudo, vale retomar que o cuidado com a mulher e com o nascituro, nessa situação, deve ser tratado de forma humanizada: quando o profissional foge dos limites da assistência ao parto e impõe a mulher procedimentos imprevistos ou com os quais ela não concorda, ou nega a ela direitos básicos, constitui-se a violência obstétrica, como no caso da imposição da cesárea como a única via para o parto, o que recorrentemente ocorre e contribui para os índices. A medicalização dos partos encontra problemática na realização de procedimentos mais invasivos e desnecessários em função de escolha particular da equipe médica que, por diversas vezes, nos casos de violência obstétrica, escolhe o que lhes é mais viável para que o parto seja agilizado, no lugar de priorizar o bem estar e segurança da gestante, bem como lhes dar o direito de escolha.

Como apontado por Mariani e Neto (2016), o Dr. Rogelio Pérez D’Gregorio, médico venezuelano foi pioneiro no tema de violência obstétrica, apresentando-o pela primeira vez ao meio acadêmico, e culminando na primeira tipificação relacionada à violência obstétrica no mundo, na Venezuela, durante o século XXI (RODRIGUEZ, 2016, p 29). Ainda de acordo com a autora, logo em seguida à tipificação pela Venezuela, a Argentina também foi responsável por redigir norma no mesmo sentido. Contudo, no Brasil, ainda hoje não foi legislado a nível nacional acerca da violência obstétrica. Compreende-se que essa modalidade de violência ocorra, principalmente, em mulheres de baixa renda pela ausência de acesso a conhecimentos, sobretudo conhecimentos técnicos da área, onde estas tornam-se ainda mais vulneráveis pela ausência de mecanismos de apoio.

De acordo com a OMS (apud AMORIM, 2015, p. há uma frustração devido à falta de reconhecimento do lado mais humano da prestação de serviços à maternidade e [. que não é mais aceitável tratar a gravidez e o parto como eventos exclusivamente médicos, aos quais apenas soluções médicas devem ser aplicadas". Compreende-se que, da maneira com que os direitos da parturiente são tratados atualmente, há quebra do direito de nascimento com dignidade. Desde piadas de conotação negativa, à violência física: os abusos envolvidos na violência obstétrica retratam diversas formas de violação à dignidade da pessoa humana, tanto da gestante, quanto do nascituro. O caso trazido pela autora evidencia a violação de direitos básicos da gestante, como a presença de um acompanhante, garantia já prevista em lei no Brasil.

O relato evidencia a violência à autonomia da gestante, bem como seus direitos reprodutivos e dignidade da pessoa humana. Nos estudos acerca da violência obstétrica, torna-se bastante evidente que o assunto não se volta apenas à gestantes e parturientes, mas a todos aqueles que precisaram passar pelo processo do parto para estar aqui: todo e qualquer ser humano. Em um momento de tamanha vulnerabilidade, tanto da mulher quanto do nascido, é inaceitável que sejam submetidos a situações de desrespeito ou degradação. A falta de sensibilidade no momento do parto por profissionais de saúde que acreditam que aquele é somente um procedimento médico a ser concluído de forma eficaz traz danos irreversíveis. Desse modo, a violência obstétrica vai além de uma violência física ou imposição de procedimentos médicos: pode ocorrer, por exemplo, através da separação do recém nascido no momento após o parto, sem que seja realizado um primeiro contato pele a pele com a mãe, como recomendado, em razão do vínculo.

Amorim (2015) ressalta o vínculo imediato do toque físico após o parto e que, de forma alguma, o nascituro pode ser tratado como objeto hospitalar. Listam-se como formas de violência obstétrica (MIGALHAS, 2021): Ainda que essas intervenções sejam necessárias ou desejadas pela parturiente, devem ser consideradas a autonomia da mulher e a sua dignidade em todo o procedimento clínico, de modo que as decisões não sejam resultado de pressão psicológica ou outra forma de constrangimento por parte do profissional. Nesse sentido, a violência obstétrica pode se apresentar sob as seguintes formas: violência física, verbal e emocional, práticas sem consentimento, cerceamento à autodeterminação e à autonomia, discriminação a atributos específicos6. Abuso físico O abuso físico ocorre quando não é respeitada a integridade corporal das mulheres ou quando não são oferecidas melhores alternativas à saúde, de modo que os danos ocasionados à parturiente acabam sendo mais significativos que os benefícios almejados.

A chamada "manobra de Kristeller", que consiste na pressão física realizada sobre o útero da mulher para tentar auxiliar a expulsão do bebê - e que pode provocar sérios danos à mulher (rupturas de costelas e hemorragias) e ao filho -, é a única prática oficialmente contraindicada pelo Ministério da Saúde9, desde 2017. Entretanto, sua prática não cessou completamente. Por último, a realização de cesáreas sem indicação constitui outra forma de violência obstétrica. Embora essa intervenção não seja recomendada pela OMS, sobretudo quando se trata de procedimento para aceleração do trabalho de parto, é uma prática que vem crescendo no Brasil. As principais razões desse aumento são: (i) a falta de informação sobre seus riscos a curto e longo prazo, os quais devem ser de conhecimento da gestante, principalmente, durante o período pré-natal; e (ii) o incentivo feito pelos próprio médicos para que a gestante opte pela cesariana.

do Estado de São Paulo, que prevê a elaboração do Plano Individual de Parto10. Para a Organização Mundial da Saúde (2014), em recomendação ao tratamento da parturiente no parto, o modelo ideal é aquele onde a parturiente a autonomia da parturiente é garantida, conforto e segurança no momento do parto. A equipe médica presente auxilia a chegada do nascituro, não a realiza sozinha. Deve haver consenso, harmonia e autonomia de escolha para a mulher entre sua relação com a equipe que coordena a técnica científica do processo da maternidade. Ao realizar um levantamento bibliográfico ao longo de extensas 960 obras, Rodriguez (2016), em seus estudos, identificou que dentre as diversas formas de violência, as mais frequentes ocorrriam "por meio da ausência de informação ou falta de orientação dos procedimentos a que as mulheres eram submetidas; abandono ou a proibição do acompanhante no parto; negar o uso de métodos de alívio da dor, negar procedimentos desnecessários no processo do parto" (RODRIGUEZ, 2016, p.

O acompanhante, por ser uma pessoa de sua confiança, contribui para que o parto ocorra de forma mais tranquila. Além disso, a escolha do acompanhante é feita pela própria gestante e, caso prefira, existe ainda a possibilidade de não ser acompanhada, caso seja sua vontade. Outro aspecto relevante para o momento do parto são as condutas adotadas diretamente pela equipe. O uso de agressões, sejam elas físicas ou verbais, de acordo com Rodriguez (2016), foi o segundo tipo de violência mais relatado nas maternidades. Esse tipo de violência ocorre através de ofensas, discriminações, humilhações, menções desrespeitosas às características físicas da parturiente ou ainda à questões relacionadas ao seu gênero. De acordo com Nery (2022), listam-se da seguinte forma as práticas de violência que ocorrem de modo mais comum contra as parturientes: Foram encontradas formas de violência obstétrica como: desrespeito, preconceito, manobra de Kristeller, uso de ocitocina para acelerar o trabalho de parto, episiotomia e cesárea sem indicação clínica.

No detalhamento dos resultados da pesquisa, observou-se que a tricotomia e a episiotomia foram realizadas na maioria dos casos. Por outro lado, não foi realizado enteroclisma em nenhuma das participantes. Quanto ao banho de conforto, analgesia e restrição de posições durante o cuidado no pré-parto os resultados foram diversificados(3,13,26). Os resultados da pesquisa mostraram um problema recorrente para as mulheres, a peregrinação, que traz três conotações a respeito do direito, da ausência de cuidado e dos sentimentos vivenciados pela busca de atendimento. Conforme abordado anteriormente, o processo do parto, apesar de toda a felicidade e gratificação em receber um novo membro da família, é incontestavelmente cansativo e doloroso à parturiente. Por essa razão, a omissão de métodos que reduzam a dor da paciente quando viável também configura forma de violência contra a gestante e o nascituro.

O acolhimento e dever de um atendimento humanizado pela equipe hospitalar vai além da ética profissional, esperando-se que parta de um senso de humanidade e empatia. A responsabilização desses abusos contra a integridade da parturiente, portanto, devem ser tratados na esfera jurídica. Compreende-se que o respeito à autonomia e a humanização do processo do parto, tornando-o o mais natural e menos doloroso possível impede diversas formas de violência e traumas psicológicos e físicos à mulher e ao nascituro, preservando a integridade de ambos, com tratamento digno. A definição de preconceito de Marilena Chauí afirma que preconceito é uma ideia anterior à formação de um conceito. É um conceito anterior ao que é formado através do pensamento ou sentimento intelectual. Por outro lado, o preconceito reúne informações sem nenhum processo de pensamento, resultando em uma compreensão imediata da vida.

Em contraste com isso, o conceito é um exercício mental que visa chegar a uma verdade. Em contraponto, o preconceito começa com a crença de que é verdade, independentemente de qualquer trabalho intelectual envolvido. Isso geralmente é um reflexo do gênero atribuído. A palavra feminino tradicionalmente se refere à área em que as mulheres vivem. Em termos de construção social, o gênero masculino gira em torno da família e da maternidade. Fazer aparições públicas e reunir objetos de valor são vistos como masculinos, como provedor e protetor da família. A cultura e o senso comum guiam para pensamentos como “os homens não são emocionais” e “as mulheres precisam ser protegidas”. No caso brasileiro, o advento da Nova República abre o diálogo entre organizações da sociedade civil e governo, culminando com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em 1985.

Na segunda metade da década de 80, o movimento de mulheres faz-se protagonista na elaboração da nova Constituição que, sob seu impulso, assegura um reconhecimento sem precedentes dos direitos básicos da mulher brasileira. Apesar da igualdade de direitos entre os sexos estar reco- nhecida na Constituição de 1988, a experiência quotidiana regis- tra ainda evidentes e inegáveis sinais de discriminação. Aparentemente, no Brasil, onde vigora um Estado demo- crático e de Direito, figura-se uma igualdade de gênero, em que homens e mulheres convivem pacificamente, sem disputas nem preconceitos. Antagonicamente, percebe-se o preconceito de não ter preconceitos, tanto de classe, quanto de gênero e étnico. Ora, o sofrimento feminino no parto sempre foi reputado como devido, fazendo com que qualquer alívio fosse negado, além de serem ignoradas todas as imputações de opressão.

A mulher merecia sofrer por ser mulher, por parir. Sua vida estaria fadada a isso simplesmente por ter nascido do sexo feminino, como se estivesse predestinada a carregar uma herança divina de dor. Assim, à mulher, historicamente se atribui uma opressão como forma de retaliação. De acordo com Santos e Izumino (2005), explica-se a violência contra a mulher em razão do gênero como resultado: De uma ideologia que define a condição “feminina” como inferior à condição “masculina”. Como leciona a autora, existe uma “tendência universal a associar o masculino com a cultura e a considerar que o feminino se encontrava mais perto da natureza”. Diante do exposto, infere-se que a sociedade segue um padrão criado historicamente, conservado pelos jargões culturais, e que classifica o mundo em esferas: masculino e feminino.

Nesse sentido, são estabelecidas relações de gênero, elos sociais de poder entre homens e mulheres nos quais cada um recebe um papel social de acordo com suas diferenças sexuais. Não é preciso ir longe para reconhecer que boa parte desses vínculos revelam a desigualdade existente entre os gêneros ao reproduzir padrões sociais rígidos e discriminatórios que são, em sua maioria, imperceptíveis. Isso acontece, por exemplo, quando aspectos como o heroísmo, a bravura e a força são associadas à masculinidade ao passo que a sensibilidade, o sentimentalismo e a delicadeza à feminilidade. Este tipo de violência ignora as necessidades das vítimas e serve para intimidar camadas da sociedade consideradas mais frágeis. Normalmente, essa violência institucional é considerada aceitável quando fere os direitos das pessoas, afeta a igualdade ou é inerentemente injusta.

Contudo, algumas formas de abuso patrocinado pelo Estado são motivadas pela discriminação contra qualquer grupo demográfico específico – como orientação sexual, gênero ou raça – bem como deficiências físicas e mentais. No caso da violência de gênero, surge a partir de influências patriarcais. De acordo com a Plataforma Migalhas (2021): A violência de gênero é um fenômeno social, difuso, cuja complexidade ainda não conseguiu ser apreendida pela lei penal e, consequentemente, pelos atores do sistema de justiça criminal. É nesse contexto que se dá a criminalização do aborto, inclusive, como mecanismo de controle dos corpos femininos. O Estado-Penal toma para si o corpo das mulheres. Os estudos da criminologia crítica e criminologia feminista denunciam, assim, que o sistema de justiça criminal tem uma vocação a ser muito mais um dispositivo para a manutenção das estruturas que sustentam o regime patriarcal, do que para enfrentá-lo.

Em meio aos relatos expostos por Rodriguez (2016), através do levantamento bibliográfico que expôs as mais diversas formas de violência obstétrica sofridas, é possível verificar a desumanização e a objetificação do corpo feminino no procedimento do parto. Ao invés de assumir o lugar de auxílio para a realização do parto, as técnicas e tecnologias médicas se tornam centro do procedimento, o que pode torná-lo mais doloroso e deixar marcas irreversíveis para a paciente. compreende que: Gênero é um primeiro campo social onde o poder é articulado, mas a raça/etnia e a classe social também são filtros de percepção e apercepção servindo de parâmetros para a relação de poder, desta forma gênero não regula apenas a relação entre homens e mulheres, mas as relações homem-homem e mulher- mulher, assim uma violência perpetrada de uma mulher contra outra mulher pode ser produzida pelo gênero como a violência do homem contra a mulher.

Assim, ele é o ponto a partir do qual o poder é articulado, essa articulação processa- se em prejuízo das mulheres na medida em que ser mulher não significa apenas ser diferente do homem, mas provoca opressão e desvalorização, assim torna-se necessário evidenciar que o oprimido tem suas opções reduzidas transformando- se em objeto de exploração e domínio; essas diferenciações submetem as mulheres ao poder e à razão patriarcalista. Diante da desigualdade de gênero enfrentada pelo Brasil, o gênero feminino é visto em posição de vulnerabilidade através de uma sociedade patriarcal. Santos (2016) considera que esse tipo de tratamento atribuído à mulher, inclusive em um momento de tamanha vulnerabilidade como o parto é "fruto de uma construção histórica e social extremamente machista e patriarcal, enxergando-a como objeto das ações de outrem, em uma postura ideal sempre passiva e submissa, sem a possibilidade efetiva de manifestar livremente suas vontades e preferências" (SANTOS, 2016, p.

As mulheres foram condicionadas a se sentirem inferiores aos homens desde o início da humanidade, criando um desequilíbrio de poder entre homens e mulheres em nossa sociedade atual. A violência física é a forma mais perceptível de violência contra mulher, por gerar resultados materialmente visíveis, como hematomas, cortes, arranhões, fraturas, queimaduras, entre outros tipos de ferimentos. Porém, para configurar esse tipo de violência, não é necessário que se deixem marcas pelo corpo, uma vez que a mulher pode ser vítima de contravenção de vias de fato, sem que isso deixe qualquer vestígio. Nos casos em que a violência deixe marcas, podem configurar o crime de lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal.

E, caso não deixem, configuram a contravenção de vias de fato, prevista no artigo 21 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. o 3. Em cartilha elaborada pelo Ministério da Saúde, descreve-se a importância da reformulação do parto em respeito a esses direitos, considerando o processo de humanização e valorização do protagonismo da parturiente (MARIANI; NETO, 2015, p. Silva (2019) explica que, historicamente, a dor no parto é atribuída como normal ao parto, devendo ser sofrida por ser considerada como algo inerente ao processo de nascimento. Por essa razão, por diversas vezes o sofrimento feminino em meio ao parto é ignorado: "A mulher mereceria sofrer por ser mulher, por parir. Sua vida estaria fadada a isso simplesmente por ter nascido do sexo feminino, como se estivesse predestinada a carregar uma herança divina de dor" (SILVA, 2019, p.

Quando a Organização Mundial da Saúde, em 2014, manifestou-se acerca da violência obstétrica, a considerou como uma modalidade de violência aos direitos fundamentais da parturiente: Todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto, assim como o direito de estar livre da violência e discriminação. A institucionalização de abusos e autoridade sobre o corpo feminino alcançou dimensões onde esse tipo de violência passa a ser normalizado, e a priorização da preferência médica acerca das medidas no momento do parto tornaram-se prioridade acima da autonomia da própria gestante. A pesquisa do Ministério da Saúde de 2010 revelou que aproximadamente 52% dos partos foram cirúrgicos.

Esse número crescia a cada dia e era mais comum na rede privada de saúde. No entanto, as mulheres que realizam cesarianas geralmente não participam do processo de tomada de decisão de qual procedimento de parto será utilizado, ainda afirmam ter preferência pelo parto normal. No exercício da medicina, os profissionais de saúde devem seguir códigos éticos de prática que incluem não maleficência, justiça e beneficência. Estes documentos, que universalizam o entendimento de direitos humanos, no entanto, têm como ponto de partida conjunturas específicas da cultura ocidental europeia, que possuem peculiaridades representativas de sua própria realidade, embora sejam projetadas como sendo características universais da própria humanidade. Consagrada pela teoria tradicional de direitos humanos, a noção de humanidade universal não assume que a natureza humana possui raça, classe e gênero, e esquece tanto a multiplicidade de realidades existentes no mundo quanto os sujeitos que estão a margem do poder hegemônico eurocêntrico, dentre eles: as mulheres.

Se olharmos para as reiteradas violações de direitos humanos ocorridas antes, durante e após o parto que se perpetuam mesmo com a promulgação de todos esses mecanismos internacionais e nacionais, conseguimos entender a violência obstétrica como uma violência institucional, um tipo de violência que contribui na consolidação de uma ordem social injusta que precisa ser superada. Ante a limitada eficácia dos direitos humanos da forma como são expostos hodiernamente, é necessário repensá-los sob um novo viés, que se desloque dos pressupostos idealizados e positivistas, tendo em vista o abismo que há entre esses direitos e os indivíduos e dos dogmas jusnaturalistas, que entende os direitos humanos como condição existencial de todas as pessoas para entendê-los como processos culturais de luta por dignidade, como bem apresenta Herrera Flores.

A dignidade concebida por Herrera é oferecer condições sociais, políticas, econômicas e culturais para que todos os indivíduos estejam em pé de igualdade para produzir os elementos necessários em que possam discutir, lutar e decidir sobre suas realidades e modos de vida e desenvolver sua capacidade de realizar. Criar uma nova vida requer uma importância social significativa, portanto, a criação de uma criança requer apoio contínuo. Isso porque o desenvolvimento do corpo da criança envolve processos naturais e fatores ambientais que interagem com a sociedade. Consequentemente, criar uma criança afeta praticamente todos os aspectos da sociedade. O que torna essa transição ainda mais complicada é o fato de cada mãe vivenciar a gravidez de maneira diferente. Assim, é fundamental o acompanhamento da mulher com cuidados que incluam também educação para a saúde e estratégias de intervenção quando necessário.

As unidades de saúde devem considerar a troca de serviços e a implantação de uma nova rede de atenção, uma vez que atualmente o Estado nem mesmo não considera a violência institucional que afeta o cotidiano das unidades de saúde. O atendimento deveria ser feito em um ambiente acolhedor e garantidor de direitos, e não gerar medo e necessidade de proteção e resguardo. CAPÍTULO 03 - PERSPECTIVAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA A violência obstétrica, apesar de sua gravidade, ainda tramita como projeto de lei no Brasil. Desse modo, o presente capítulo tem por objetivo analisar a situação de enfrentamento da violência obstétrica no Brasil, bem como compreender países que são referência no tema.

A REAL DOR DO PARTO: CASOS CONCRETOS OCORRIDOS NO BRASIL No Brasil, de acordo com Relatório emitido pela OMS, onde narra-se a Situação Mundial da Obstetrícia em 2021 (OMS, 2021), constatou-se que pelo menos uma a cada quatro mulheres já sofreram com a violência obstétrica no país. “Eu tinha estudado e sabia dos meus direitos. Ela só parou quando leu meu plano de parto e viu que eu tinha curso superior. Aí falou que não sabia porque naquela maternidade se ‘nivelava por baixo’. E eu sou uma mulher, preta e com ensino superior”, contou. Outra violência que ela denuncia aconteceu durante a cesárea. Tinha uma enfermeira muito grossa, que me tratou mal durante toda a cirurgia, da hora que cheguei até hora dela ir embora para trocar de plantão.

” Eu estava sentindo bastante dor, me contorcendo na maca. A enfermeira simplesmente falou: ‘cale a boca!’. Me senti só mais uma carne que eles iriam cortar e fazer um procedimento”, desabafa. Violência obstétrica é configurada como qualquer tipo de violência, física, moral e psicológica, praticada por profissionais de saúde contra mulheres no parto, pós-parto e puerpério. Gisele e Thel pretendem procurar o Ministério Público da Bahia (MP-BA) e a Secretaria Municipal de Saúde, em busca de suporte. Mesmo ser ter assistido aos vídeos postados por Gisele, a diretora médica do Hospital da Mulher, Andréa Alencar, garante que a unidade não tem casos de violência obstétrica. Ela diz ainda que Gisele pode procurar os meios legais para denunciar o caso.

“Existe um vídeo que circula na internet, que eu não assisti e nem pretendo. Nós temos um sistema de ouvidoria no hospital, temos a diretoria médica, o Ministério Público, se ela quiser, para fazer uma queixa formal”, disse Andréa. Apesar de diversas provas acostadas aos autos, no mês de outubro de 2022, o juiz responsável pelo caso negou a denúncia de Shantal, alegando que o que houve é comum pelo parto natural escolhido. A negativa de denúncia, exposta por diversas plataformas online, evidencia a vulnerabilidade da mãe vítima de violência obstétrica. Apesar de registros audiovisuais que permitem visualizar a agressividade com que o médico tratava Shantal, e a adoção de práticas diversas das escolhidas pela mãe no plano de parto, a justiça brasileira compreende que, por não ser médica, Shantal não tem conhecimento para fazer tais escolhas.

Shantal, em seu plano de parto, havia solicitado por um parto humanizado, onde não seriam feitos cortes ou uso de anestesia. Contudo, o médico não respeitou sua autonomia. Já tinha nascido faz uma meia hora aqui", "Não se mexe, porra", "Que ódio", "Olha aqui o tanto que rasgou", "Ficou toda arrebentada" e "Vou ter que dar um monte de pontos na perereca dela". É aquela velha história dos crimes cometidos contra a mulher: tem um laudo que aponta lesão corporal e outro não. Ele olhou apenas o que dizia não ter lesão. Mas vamos recorrer. Temos confiança que o Tribunal irá reverter", diz Sergei Cobra Arbex, advogado da influencer. A violência obstétrica, ao passo que é facilitada pelo desconhecimento técnico, afeta principalmente mulheres das camadas mais pobres da sociedade.

De acordo com a página do Jornal BBC (2022), os insultos, ou seja, a agressão verbal são só a problemática mais superficial da violência obstétrica. Relatam outros casos: Ela relatou um dos casos em que houve intervenções excessivas. Uma vez, fui acompanhar uma gestante. Na hora do expulsivo [parto], ela estava de pé, tranquila na medida do possível. Não foi minha melhor escolha, poderiam ter evitado de oferecer, tanto que hoje não o fazem", disse. Parei e pensei que tive uma experiência que não foi legal, meu filho não foi recebido da melhor maneira possível. Quero ajudar outras mulheres a ressignificar esse momento", declarou a mulher, que é doula há 1 ano e dois meses. A doula disse que muitas gestantes não sabem que sofrem violência obstétrica.

Na maioria das vezes, elas não fazem ideia do que está acontecendo. “Ele aspirou toda a sujeira [mecônio] do parto, a pediatria correu com ele e foi direto para UTI”, explica. De acordo com ela, o bebê precisou de uma sonda para retirar o mecônio, material fecal, que aspirou. O recém-nascido ficou cinco dias internado na maternidade na Unidade de Terapia Intensiva. “Me sinto humilhada, foi um parto desumano e tive dias de pesadelo", afirma Juliana. Fabiana ainda afirma que, durante os dias em que acompanhou a filha ao hospital. Ela pediu aos médicos que acompanharam o pré-natal para prescrever o procedimento, porém, eles afirmaram que dependeria dos profissionais de plantão no momento do parto, já que apesar da gravidez de risco, o bebê estava saudável.

A nova mãe afirma que se sente apenas mais uma das gestantes que diariamente são maltratadas, apesar de ter passado por situação semelhante anos antes, ela afirma que dessa vez foi pior. Quase perdi meu bebê. Eles não se importam se você está em risco, só querem te forçar a sofrer o parto normal mesmo", finaliza Juliana. MODELOS DE ATENÇÃO AO PARTO A humanização é apontada como a principal estratégia de enfrentamento à violência obstétrica. De acordo com o Ministério da Saúde (2014): Na assistência aos partos de baixo risco, o objetivo do cuidado é obter mãe e bebê saudáveis com o mínimo de intervenção possível que seja compatível com a segurança do cuidado. Essa abordagem implica ter sempre uma razão válida para interferir com o processo natural.

Cabe ao profissional que presta assistência a parturientes de baixo risco: a) fornecer suporte para a mulher e seus familiares durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato; b) monitorar as condições da mulher e do feto com identificação precoce de situações de risco; c) realizar intervenções pequenas, se necessário, tais como amniotomia, episiotomia e cuidados imediatos com o recém-nato; e encaminhar a gestante e/ou do bebê, caso surjam complicações que necessitem de referência para serviços de maior complexidade. Vários países europeus têm um modelo de assistência ao parto e nascimento hierarquizado, estando a assistência ao parto e nascimento de baixo risco baseada na atenção prestada por midwives, um(a) profissional de saúde não médico, que presta assistência pré-natal, ao parto e ao puerpério de gestantes sem complicações, e cuja formação está voltada especificamente para os cuidados com a mulher e a criança, com grande ênfase para os aspectos fisiológicos desses eventos e da importância do suporte emocional para a vivência desses momentos de forma mais positiva e prazerosa.

Nesse modelo, o trabalho do médico obstetra está voltado para a assistência às gestantes de risco. Contudo, a não existência de lei federal que se aplique especificamente aos casos não afasta a ilicitude da violência, seja física ou psicológica, contra a parturientes e gestantes. De acordo com o portal G1 (2022), a depender do caso concreto, pode-se enquadrar os crimes de lesão corporal e importunação sexual. Apesar de a União, até o presente momento, não ter legislado acerca do assunto, o portal relata que a maior parte dos entes federativos já discorreram acerca do tema em legislação estadual: Ao contrário da União, ao menos 18 estados e o Distrito Federal possuem algum tipo de legislação sobre o tema – 8 contra violência obstetrícia e 10 sobre parto humanizado.

Porém, por não fazer parte do Código Penal e não haver lei federal que trate do assunto, não há previsão de prisão, nestes casos (G1, 2022). Contudo, vale ressaltar que no Congresso Nacional, atualmente, tramitam projetos acerca do tema, onde a proposta é voltada para a instituição a nível nacional de uma política de humanização do parto, bem como a criminalização específica da conduta. Apesar do projeto em tramitação, a aprovação lenta preocupa (CONJUR): A Constituição Federal de 1998 contém o princípio da igualdade e dispõe sobre o direito à plena assistência à saúde. A Carta Magna enuncia de forma original o dever do Estado de coibir a violência contra as mulheres, que inclui, portanto, o dever de prevenir e punir a violência obstétrica.

O artigo 5º dispõe o seguinte: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Assim, as mulheres são iguais aos homens, tanto em direitos como em deveres. Prevê, outrossim, que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”, incluindo a assistência prestada às mulheres gestantes e no pós-parto. A tipificação da violência obstétrica possui fundamento na importância de proteger e resguardar as integridades física e psicológica da gestante e da parturiente. Ao considerar a prática como uma mera conduta a ser repreendida e evitada, banaliza-se a gravidade do abuso. Diferentemente do Brasil, países como a Argentina e a Venezuela, precursores na tipificação da violência obstétrica, já discorrem em sua legislação acerca do assunto.

Santos e Souza (2015, p. explicam: De acordo com a legislação argentina e a venezuelana (uma vez que não há leis brasileiras com essa definição) a violência obstétrica é definida como a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres por profissional de saúde, que se expressa em um trato desumanizador e abuso da medicalização e patologiza- ção dos processos naturais. Aponta como eixo estruturante o resgate da autonomia feminina e a transformação das relações interpessoais entre os profissionais e entre usuárias e profissionais. É necessário que se criem ambientes favoráveis às negociações destas relações, de forma a explorar a potência de profissionais e mulheres em elaborar estratégias que efetivem as mudanças de práticas com base em evidências, fundadas no respeito à mulher, seu filho e sua fisiologia, possibilitando o crescente avanço da ciência e de suas inovações no campo da vida humana.

Procuramos realizar uma discussão teórica, com análise crítica baseada na produção científica, mas, sobretudo, considerando o parto como um evento fisiológico e natural da vida reprodutiva da mulher que deve ser construído no contexto histórico-cultural. Os estudos mostram que as mudanças decorrem de profissionais envolvidos e treinados, serviços equipados e capazes de atender dentro de critérios de risco, apontando as fragilidades das relações entre profissionais e usuárias. Permanecemos com desafios a superar para avançar no processo de reorientação do modelo de atenção ao parto no Brasil. As condutas relacionadas ao parto não podem ser generalizadas como procedimentos médicos banais, devendo envolver a gestante/parturiente ao longo de todo o processo. Ao passo que as vítimas geralmente são aquelas que têm seus direitos violados e nem mesmo possuem consciência, é necessário que o Estado busque promover políticas públicas voltadas para a conscientização da população, bem como a obrigatoriedade de as maternidades fornecerem aos seus servidores orientação sobre os cuidados em meio ao procedimento de parto.

A assistência social em meio a esse processo, portanto, é indispensável. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo da presente pesquisa sob título Emancipação Do Corpo Feminino: Reflexões Acerca Da Violência Obstétrica No Brasil Enquanto Violência De Gênero consistiu diretamente em compreender o conceito e como ocorre a violência obstétrica. Além disso, a investigação buscou ainda no contexto histórico razões que levam à ideia de posse e domínio sobre o corpo e autonomia feminina, como forma de violência de gênero. Apesar da tramitação de diversos projetos de leis nesse sentido, que visam passar a reconhecer a violência obstétrica como novo crime para a legislação nacional, alguns argumentos e narrativas do Ministério da Saúde vão contra a expressão que, de acordo com eles, tem uma má conotação.

Contudo, a doutrina majoritariamente reconhece e se posiciona a favor da tipificação da violência obstétrica como crime, onde a vulnerabilidade da gestante, tanto física, emocional, psicológica e técnica devem ser reconhecidas como agravantes para a prática de tal abuso. É indispensável que a legislação preveja o conceito e as modalidades identificadas como violência obstétrica, bem como sanção proporcional ao dano irreparável deixado por esse tipo de abuso. A parturiente, além de não ser protegida por previsão legal que responsabilize penal, administrativa e civilmente os envolvidos, ainda sofre com o não reconhecimento do seu direito no campo jurídico. Observa-se através das decisões levantadas, que o judiciário no Brasil deslegitima as vítimas e relativiza a violência obstétrica.

Muitas vezes, a equipe hospitalar opta por procedimentos invasivos ou indesejados pela gestante por alegarem que aquilo fosse o mais adequado para a realização do parto. Contudo, esse abuso velado viola a autonomia da mulher, negando-lhes direitos, e sobrepõe os interesses hospitalares aos do parto. Conforme exposto, a medicalização do parto tira o enfoque da gestante e põe acima do seu bem-estar a prática de técnicas hospitalares e tecnologias. As práticas relacionadas à violência obstétrica têm relação direta às mais diversas formas de violência sofridas por mulheres ao longo da história. Trata-se de um problema institucional, enraizado na sociedade brasileira, a partir de um olhar patriarcal, onde o corpo feminino é tido como posse, não devendo dispor da própria autonomia, tampouco de seus direitos sexuais e reprodutivos.

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