Em prol da leitura de Grande Sertão: Veredas e outros clássicos

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Literatura

Documento 1

Direito à literatura. Introdução O romance Grande Sertão: Veredas é considerado uma das mais significativas obras da literatura brasileira por muitos motivos. Publicada em 1956, de autoria de Guimarães Rosa, chama atenção pelo seu volume – quase 500 páginas – e pelo fato de não ser dividida em capítulos. O autor conseguiu fundir nesse romance elementos do experimentalismo linguístico da primeira fase do modernismo e a temática regionalista da segunda fase do movimento, para criar uma obra única e inovadora. No entanto, mesmo tendo obras maravilhosas da literatura clássica como Grande Sertão: Veredas, a civilização do espetáculo (Vargas Llosa, 2012) poderia explicar o porquê de não as lermos (Calvino, 1993), apesar de termos o direito à literatura (Candido, 1995). Eliot, de 1948, ele expõe o modelo ideal de cultura estruturada em três instâncias (individuo, grupo de elite e a sociedade em conjunto) deste autor.

Depois, se refere à “resposta” que G. Steiner (1971) deu ao livro de T. S. Eliot, no qual Steiner afirma que acha “irresponsável toda teoria da cultura [. O último ensaio que fecha o prólogo do livro de Vargas Llosa (2012), é o do sociólogo F. Martel (2011), chamado Cultura Mainstream, no qual se descreve a “cultura do entretenimento” e onde não se fala de nenhum livro a não ser O Código da Vinci, e também não se fala de pintura, escultura, música, dança, filosofia ou humanidades em geral como forma de entretenimento, mas sim de filmes, programas de televisão, videogames, mangás, música rock, pop e rap. Quando aborda este ensaio, Vargas Llosa contrapõe a cultura do passado com o entretenimento atual descrito por Martel e afirma que “a cultura de hoje é diversão, e o que não é divertido, passa a não ser cultura”.

Ou seja, é o mercado que fixa um único valor e determina que aquilo que vende é bom e aquilo que não conquista o público é ruim. Depois de ter dado este panorama e mostrado como a noção de cultura se transformou na última metade do século, Vargas Llosa se concentra no que ele chama de “a civilização do espetáculo”, da qual fazemos parte hoje em dia: um mundo de entretenimento no qual a diversão tem primazia, um mundo no qual a cultura é banalizada e no qual o jornalismo prefere divulgar boatos ou escândalos de maneira irresponsável. Vargas Llosa (2012:66) afirma que a noção de cultura está tão estendida que desapareceu e pergunta: “quem é culto onde todos pensam que são? Os antropólogos estabeleceram que cultura era a soma de crenças, conhecimentos, linguagens, costumes, roupas, usos”, mas o que eles fizeram foi contribuir não para que todas as culturas sejam levadas em consideração, mas sim para que sejam equivalentes e que se pense que falar de “culturas superiores e inferiores” ou “culturas modernas e primitivas” transforme o indivíduo em colonialista ou racista.

Ele também diz que contribuíram para a abolição da fronteira entre a cultura e a incultura. Ao tratar o tema da educação (ou melhor, da crise educacional), Vargas Llosa (2012) observa como desaparece o prestígio dos docentes e como a escola pública, que era uma referência de ensino de qualidade em outras épocas, está empobrecida e perdeu terreno para as escolas privadas. Neste contexto, voltando ao tema da educação, Vargas Llosa faz uma reflexão sobre o ensaio de Lionel Trilling2 sobre o ensino da literatura, referindo-se à dificuldade de mostrar o verdadeiro valor de uma obra literária para um grande público porque este valor só se alcança no prazer da leitura individual. O autor também menciona a oposição que a Igreja Católica manteve contra o capitalismo e mostra como o mercado livre, apesar de ter proporcionado o surgimento da classe média, nos levou à degradação da cultura, na qual artistas medíocres ou nulos, “mas vistosos e pirotécnicos, experts na publicidade e na autopromoção, alcançam parcelas muito altas de popularidade” (p.

Mas por quê? Porque se pensarmos em direitos humanos como aquilo que consideramos indispensável para nós e para o próximo, a essência do problema pode estar no fato de que, normalmente, é necessário um esforço muito grande para reconhecer este pressuposto, porque a tendência é que o ser humano ache que os seus direitos são mais urgentes que os do próximo. Normalmente, as pessoas costumam ser vítimas de uma curiosa contradição porque elas afirmam que o próximo, sem dúvida, tem direito a certos bens fundamentais (casa, comida, educação, saúde), mas será que pensam que as minorias teriam direito a ler Dostoievski ou a ouvir uma sinfonia de Beethoven? Apesar das boas intenções no outro setor, talvez isto não lhes passe pela cabeça.

E não por mal, mas somente porque quando arrolam os seus direitos não estendem todos eles ao semelhante. Mas, o esforço para incluir o semelhante no mesmo elenco de bens que reivindicamos precisa estar na base da reflexão sobre os direitos humanos. Com relação a este tema, podemos citar o ponto de vista do sociólogo Louis-Joseph Lebret (1963) que foi o fundador do movimento Economia e Humanismo e, no seu manifesto por uma civilização solidária, fez uma distinção entre “bens compressíveis” e “bens incompressíveis” nos quais estes, são os que não podem ser negados a ninguém. Toda obra literária é uma espécie de objeto construído e organizado cujo poder humanizador é grande porque seja de forma consciente ou não, a organização da obra literária torna-se um fator que nos permite ordenar a nossa própria mente e os nossos sentimentos, organizando, consequentemente, a visão que temos de mundo.

Candido (1995) afirma que a literatura é humanizadora porque entende a humanização como: o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. Partindo desse pressuposto, o que age na literatura como “força humanizadora” é a própria literatura. Isto é, a capacidade que ela tem de criar maneiras pertinentes de dizer algo porque, não importa o tipo de literatura, mas seja ela idealista ou realista, acaba assumindo a tarefa de unir a sociedade aos direitos humanos.

Por que ler os clássicos? Normalmente, as obras clássicas são aquelas que constituem uma riqueza para os que puderam lê-las. Os clássicos são livros que podem exercer uma influência particular quando se tornam inesquecíveis e também quando permanecem na memória pessoal, fazendo parte do inconsciente coletivo ou individual. Calvino (1993) afirma que uma obra clássica é aquela que “nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” e que os clássicos são: aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). Um clássico é uma obra que induz uma onda de críticas sobre si, mas continuamente as manda para longe.

São livros que, mesmo que tenhamos ouvido falar deles antes, só quando os lemos conscientemente é que eles se revelam em toda a sua essência. Sua intenção era a de recriar o sertão de forma fidedigna, para dar voz às suas personagens e escrever o seu único romance: Grande Sertão: Veredas, considerado, como já foi mencionado anteriormente, um dos grandes clássicos da literatura brasileira de todos os tempos. Durante a primeira parte da obra, surge a figura do narrador em primeira pessoa, Riobaldo, que faz um relato de diversos fatos, aparentemente desconexos entre si, e que refletem suas inquietações sobre a vida. Os temas giram em torno das clássicas questões filosóficas ocidentais, tais como a origem do homem, reflexões sobre a vida, o bem e o mal, Deus e o Diabo.

Porém, Riobaldo não consegue organizar suas ideias para expressa-las de modo satisfatório, fazendo com que o relato seja bastante caótico. No entanto, em um determinado momento da obra, surge o personagem de Quelemén de Góis, que o ajuda um pouco e Riobaldo começa a narrativa propriamente dita. A travessia desse labirinto, por analogia, pode ser interpretada como a travessia da existência. O direito à leitura de Grande Sertão: Veredas Apesar de ser considerada uma obra de leitura difícil e, portanto, fazendo com que grande parte da nossa população não possa alcança-la e ter o direito de lê-la, é possível dividi-la de acordo com alguns fatos marcantes do enredo para poder facilitar a leitura, de modo que todos possam ter acesso a este grande clássico.

Há uma 1ª parte na qual se introduzem os principais temas do romance: o povo; o sertão; o sistema jagunço; Deus e o Diabo; e Diadorim. Neste primeiro momento, Riobaldo introduz também a figura do interlocutor, que, como foi mencionado anteriormente, não aparece diretamente na obra. Uma 2ª parte que se inicia no meio da narrativa e na qual, durante a segunda guerra, Riobaldo e Diadorim, chefiados por Medeiro Vaz, tentam vingar a morte de Joca Ramiro. De forma direta, pode-se dizer que, para Guimarães Rosa, o sertão é um mundo – um espaço existencial – e um mundo confundido com linguagem original, poética e criadora, no sentido de que tudo pode ser visto como um universo não explorado, de puro de sentido ao qual todo ser humano tem o direito de entrar, de estar em contato.

Conclusão Em uma pesquisa encomendada pelo Ibope e publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 19/05/2016, constatou-se que, apesar de o número de leitores ter crescido no Brasil – passou de 50% em 2011 para 56% em 2015 – 54% dos leitores não consomem livros literários por vontade própria. Se tivermos em conta o conceito da civilização do espetáculo (Vargas Llosa, 2012), observamos que a literatura está longe de ser o formato preferido pelos brasileiros porque mais da metade dos alfabetizados só lê romances, contos ou poesia por imposição das instituições de ensino, por exemplo. Os dados são da quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura, realizada pelo Ibope por encomenda do Instituto Pró-Livro. Jornais físicos e digitais lideram o ranking dos tipos de materiais mais procurados: 17% os leem todos os dias, enquanto a literatura atinge 9% da população diariamente, atrás ainda de revistas e livros não-literários.

Portanto, a luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis de cultura. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma separação injusta, como se, do ponto de vista cultural, a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de cidadãos. Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e que a arte e a literatura em todas as modalidades e em todos os níveis possam alcançar todos os seres humanos, é um direito inalienável. Das cenas de Grande Sertão: Veredas surgem espaços existenciais, interativos, vivos, por vezes personificados, verdadeiramente panteístas; brota um universo folclórico, cercado de transcendência; brota a vida enquanto existência exterior e interior, e a morte enquanto limitação; brotam assim belos, o amor, a comunhão, os rompimentos, os medos, as certezas, as angústias, as esperanças, as desilusões, as descobertas, as perdas, Deus, o Demônio, o bem e o mal, as tensões entre o sujeito sertanejo e o sertão, entre o sujeito sertanejo e o outro, entre o sertão e o mundo, entre o mundo e a linguagem.

Ter contato com todo este universo, é direito de todos. CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. ª ed. Revista e ampliada. Folha de São Paulo. São Paulo, maio, 2016. Seção Ilustrada, Livros. Disponível em: https://www1. folha.

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