Análise da Lei 13.840/2019: avanços ou retrocessos em matéria de Direitos Humanos?

Tipo de documento:Monografia

Área de estudo:Direito

Documento 1

Dr. Xxxxxxxxxxxx. Rio de Janeiro 2020/1º Semestre NOME DO AUTOR ANÁLISE DA LEI Nº 13. Avanços os Retrocessos em Matéria de Direitos Humanos Monografia de final de curso elaborada no âmbito da graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Palavras-chave: Drogas. Internação compulsória. Direitos humanos. Redução de danos. ABSTRACT This study aims to address what advances or setbacks brought by Law No. Harm reduction. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 07 1 UM PANORAMA GERAL SOGRE AS Drogas NO BRASIL 010 1. A legislação brasileira e sua eficácia 11 1. Críticas sobre a eficácia da nova lei de drogas no combate ao crime organizado 15 1. A polêmica discussão sobre a descriminalização das drogas 17 2 O TRATAMENTO DO USUÁRIO DE DROGAS E A POSSIBILIDADE DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA 27 2.

Porém, entende-se que esta prática consubstancia-se em clara violação aos direitos humanos, implicando, portanto, em retrocesso no que diz respeito à política de saúde pública. O presente estudo tem como tema a Lei n. que dispõe sobre algumas mudanças na Lei de Drogas (Lei n. delimitando-se a uma análise crítica sobre os avanços ou retrocessos em matéria de direitos humanos. Para tanto, a questão que norteou esta pesquisa foi: em matéria de direitos humanos, quais os avanços ou retrocessos trazidos pela Lei n. Assim, entende-se que este estudo é importante, por explicar cada um dos tratamentos previstos nas legislações, verificar os pontos positivos e negativos de cada um deles e propor caminhos para que o dependente químico seja tratado, sem que sua dignidade seja violada.

Com vistas a alcançar os objetivos propostos nesta monografia foi empregada a pesquisa teórico-dogmática, tendo em vista que foi realizada uma revisão de literatura em doutrinas, legislações e jurisprudência com o intuito de responder ao problema de pesquisa delimitado. As áreas do conhecimento abrangidos pela presente pesquisa apresentam caráter transdisciplinar, perpassando searas distintas da Ciência do Direito, a exemplo do Direito Penal e do Direito Constitucional. No campo do Direito Penal, destaca-se o fato de a nova lei impor tratamento ao dependente químico que assemelha-se à punição. No que tange à incidência do Direito Constitucional, destaca-se o fato de a internação compulsória tirar do indivíduo o direito que este possui de autodeterminar-se. Referidos usos também foram registrados durante os processos de descobrimentos, nas terras brasileiras, por exemplo, o padre Antônio Vieira, observava o papel das chamadas “drogas do sertão” para a economia metropolitana, e reclamava da utilização de mão de obra indígena no processo.

No decorrer do tempo se constituiu uma vasta historiografia sobre os usos dessas substâncias, as alcoólicas em especial possuem uma ampla bibliografia, mas há também outras como o tabaco, o ópio e o cânhamo. O uso de substâncias capazes de alterar a percepção ou os “estados de consciência” por diversas vezes na história foram objeto de interditos, segundo Bucher (2012), a busca por tais alterações sempre ocorreram, mas não se limitam apenas aos usos de psicoativos: O homem sempre procurou modificar as suas percepções, assim como a orientação com relação a si mesmo e com relação a seu meio, e provavelmente vai continuar a fazê-lo. A utilização de substâncias psicotrópicas é apenas uma das inúmeras maneiras de atingir esse objetivo; mas ela sempre esteve presente através da história e no mundo inteiro (BUCHER, 2012, p.

No entanto, segundo Coelho (2017), foi a partir da época quinhentista que teria emergido um sistema mundial de comercialização especializada em traficar certos gêneros, promovendo a circulação de artigos que outrora eram considerados de luxo, portanto a circulação era restrita, a exemplo do açúcar, ópio, café, chá e tabaco, tornando-os cada vez mais acessíveis a todos os grupos sociais. Destacamos para esta classe a Maconha. Quanto aos efeitos sobre o comportamento e a percepção, como explica Mota (2009), as drogas podem ser divididas em estimulantes, depressoras e perturbadoras do sistema nervoso central. As drogas estimulantes aceleram o organismo, diminuindo o sono e o apetite, elevando a adrenalina, pressão sanguínea e a ansiedade, como é o caso heroína. Já as depressoras diminuem os estímulos cerebrais, deixando uma sensação de sonolência, pois têm efeito analgésico, minimizando a função dos neurônios responsáveis pelo processamento da dor.

Tais efeitos são alcançados com o consumo do álcool e substâncias inalantes. passou a ser o crime praticado mais recorrentemente e responsável pelo elevado índice de encarceramento no Brasil. O aumento no número de presos por tráfico de drogas ajuda a compreender o porquê de os presídios brasileiros estarem tão superlotados abrigando em alguns casos o triplo de detentos que tem capacidade de abrigar. A lei 11. inaugura uma nova forma de tratar um tema tão complexo. Antes, a lei antidroga tratava o tema de uma forma penalista e com o surgimento da atual legislação, a questão passou a ser vista do ponto de vista sociológico. Ademais, ressalte-se que irá se submeter às mesmas penalidades aquele, que incorrer nas práticas elencadas no parágrafo primeiro do artigo 33 da lei 11.

importar, exportar, remeter, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, fornecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo ou guardar, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; semear, cultivar ou fazer a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; utilizar local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consentir que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas (BRASIL, 2006, s. p). O artigo 34 da lei 11.

a seu turno, elenca as ações que podem ser consideradas como tráfico de drogas e entorpecentes. da Lei de Drogas, sendo, ficando, desta forma, possível aplicar a pena restritiva de direitos em detrimento da pena privativa de liberdade (GRECO, 2013). Também o livramento condicional sofreu restrição, sendo que este, com a nova legislação, poderá ser concedido apenas após ser cumprido 2/3 da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico, nos termos do art. da lei 11. O art. da lei 11. Faz saber que o objeto jurídico desse delito não é o viciado, mas, sim a saúde pública. Críticas sobre a eficácia da nova lei de drogas no combate ao crime organizado A descriminalização para o uso das drogas tem sido alvo de críticas pela doutrina tendo em vista que o uso de drogas tem sido citado como uma das explicações para a violência, criminalidade, desigualdades social e desestruturação das famílias.

    Segundo Coelho (2017), o usuário de drogas, para conseguir sustentar seu vício, muitas vezes pratica furtos, roubos e outros crimes por estarem sob efeito da droga, havendo também aqueles que se utilizam das drogas para obter coragem para praticar um ato ilícito.   Assim, os doutrinadores que defendem a necessidade de punir também o usuário, assim como Carvalho (2016), priorizam a proteção da coletividade, tendo em vista os vários perigos que aquele que está sob os efeitos de drogas traz à sociedade. O simples uso de drogas ilícitas pode ser entendido por muitas pessoas, inclusive pelos usuários, como um problema pessoal, no entanto o simples ato de usar droga movimenta um enorme comércio que coloca em risco a sociedade como um todo. Portanto, como expõe Coelho (2017), para aqueles que criticam a descriminalização do uso de drogas, o simples uso de substâncias psicoativas extrapola os limites individuais do cidadão trazendo problemas para a sociedade, mortes, gastos por parte do Estado afetando, portanto, a todos.

Dessa forma, a maior proteção que a sociedade teria contra as drogas e as consequências delas advindas deveriam ser fornecidas pelas leis e pela punição daqueles que expõem todos a risco e é por esta razão que a descriminalização do usuário pela lei de drogas tem recebido tantas críticas. Complementarmente, a decisão de não aplicar punições ao usuário vem seguida de propostas para descriminalizar também a comercialização das drogas. Os que defendem a liberalização das drogas defendem que a descriminalização faria cessar o tráfico e, consequentemente, os problemas dele advindos. É o que será discutido a seguir. Em uma sociedade obcecada pela noção de eficácia instrumental, o indivíduo intoxicado – principalmente tratando-se de um hábito regular – será rotulado como desviante.

Neste caso, a intoxicação crônica por substâncias inscreve-se neste rol de comportamentos “indesejáveis” que conduzem a um processo de rotulação negativa. Mota (2009) acrescenta que a condição de ilegalidade de uma substância potencializa seu efeito condenatório em relação aos dependentes de drogas lícitas. Os usuários de drogas ilegais são quase sempre vistos como criminosos ou cúmplices. Atualmente, boa parte do discurso veiculado pelos meios de comunicação de massa e campanhas antidrogas acusa os usuários de drogas ilícitas de serem os principais responsáveis pelo atual poder do narcotráfico e, por consequência, por toda e qualquer forma de violência praticada contra a população civil nos grandes centros urbanos. g. vida, patrimônio, integridade física etc.

têm como seu titular o próprio indivíduo, ou seja, o particular que os controla e deles dispõe. Já quanto aos bens jurídicos supraindividuais (v. g. protege (legitimamente?) a saúde pública ou a individual? Sendo assim, passa-se à análise doutrinária sobre o referido questionamento. Na doutrina há posições em ambas as direções, ou seja, 1) trata-se de legítima interferência na liberdade do usuário, uma vez que o objetivo do legislador seria a proteção da coletividade através da saúde pública (SILVA, 2019); 2) trata-se de ilegítima a proteção da saúde pública em razão do uso de drogas para consumo próprio, pois que caracteriza uma autolesão, logo, um prejuízo à saúde individual, não à pública (CARVALHO, 2016).

Veja-se. De acordo com o que comentam Bizzoto e Rodrigues (2007), ainda que se reconheça a proteção da saúde pública como sendo o objeto de proteção jurídico-penal do art. caput, Lei 11. Roxin (2012) refere, que na verdade, só se poderia estar se referindo à saúde de diversos indivíduos integrantes de uma comunidade. Assim, “estes só podem, entretanto, ser protegidos respeitando o princípio de que auto-colocações em perigo são impuníveis [. Não é possível, assim, deduzir da proteção da ‘saúde pública’ um fundamento adicional de punição” (ROXIN, 2012, p. Bottini (2005) assinala que a punição pelo uso de drogas se traduz num tipo penal que não protege bem jurídico algum, pois que a conduta é inadequada para lesionar terceiros além do próprio agente: “A absolvição do agente consumidor de entorpecentes deve se fundamentar na ausência de lesividade a bem jurídico, pela falta de perigo, mesmo abstrato, para a comunidade.

Trata-se de uma questão moral, de foro íntimo, afastada dos interesses do Estado repressor” (BOTTINI, 2005, p. São os chamados “papelotes” de cocaína; os “baseados” de maconha; as “pedras” de craque; as pílulas de ecstasy e para operacionalizar este comércio se valem dos préstimos de pequenos traficantes que também são consumidores. Estes pequenos traficantes, muitas vezes custeiam o seu vício repassando drogas a outros compradores, consumidores e viciados (LEAL; LEAL, 2010). Nesse terreno tão melindroso da existência humana, a pequena quantidade pode ser um indicador, mas, não necessariamente uma certeza de que a droga servirá mesmo para o consumo pessoal daquele que a porta. Consequentemente e com o objetivo de enfrentar essa complexa tarefa de diferenciar tráfico de uso e identificar se, no caso concreto, a conduta estava mesmo sendo praticada apenas por um consumidor ou por um traficante, a Lei 11.

em seu art. Alguns países já discutem ou até mesmo já descriminalizaram algumas drogas como é o caso da Holanda e da Espanha, cujo tratamento dado às drogas será discutido a seguir. Em 1976, a Holanda adotou uma política que visava a não intervenção ou execução penal relativa a ofensas que envolvessem a posse ou venda de cannabis, até 30 gramas. A droga é considerada, em vários países que discutem as suas problemáticas, como uma “porta de entrada” para outras drogas, e, assim, é vista como um meio de dar lugar a outros comportamentos não conformes às normas. No entanto, e surpreendentemente, a noção de um efeito de “porta de entrada” era parte do ímpeto para permitir que os coffeeshops vendessem pequenas quantidades desta substância (KORF, 2002).

  A política holandesa continua a ser desenvolvida em resposta às pressões políticas internas e externas.   Bessa (2010) expõe que a principal lei relativa a drogas na Holanda é a Lei do Ópio (Opium Act). A primeira lei surge em 1919 e foi um dos resultados da participação do país na Convenção de Ópio Internacional em 1912 que se realizou em Haia. A nova lei entrou em vigor em 1928, e permanece ainda hoje servindo de base para a legislação atual. No âmbito desta lei, a importação e a exportação de qualquer droga é vista como uma grave violação sendo que a pena por tráfico de drogas duras pode ir de 12 a 16 anos de prisão. Contrastante é a pena máxima para a importação ou exportação de qualquer quantidade de cannabis que é de 4 anos de prisão e/ou 67.

Vendem cerca de 50 a 150 toneladas de cannabis, num valor avaliado em cerca de 300 a 600 milhões de euros por ano. Acredita-se que 1/4 dos 4. milhões de turistas que visitam Amesterdã vão aos coffeshops e que 10% destes mesmos turistas afirmam que são estes coffeshops que os levam a visitar o país (MACCOUN, 2010). A Espanha é outro país com uma posição bastante liberal no que toca às drogas. Neste país, segundo Maccoun (2010), não se considera crime o uso e a posse de drogas para uso próprio. da lei 11. que criminaliza quem possui drogas para consumo próprio não está de acordo com o inciso 10 do artigo 5º da Constituição Federal, que prevê a proteção à privacidade e à intimidade do indivíduo. Ou seja, a pressão ao usuário é questão constitucional, pois a Constituição brasileira tem como princípio basilar a dignidade humana e, por esta razão, afasta a possibilidade de criminalizar qualquer comportamento que não implique em risco a bens jurídicos, mesmo que isso traga danos saúde, integridade física ou à própria vida do agente.

O fato de alguém se autocolocar em perigo não é tema do qual o Direito Penal pátrio se ocupa, o que não quer dizer que a sociedade esteja de acordo com referido comportamento, o que ainda tem sido um óbice para que a maconha seja descriminalizada no Brasil.   Sobre a matéria, o STF busca a associação da Lei de Drogas, que aplica sanções criminais ao usuário com o princípio da dignidade humana. Consoante a Associação Americana de Psiquiatria, os transtornos relacionados ao uso de substâncias englobam 10 classes distintas de drogas: álcool; cafeína; Cannabis; alucinógenos; inalantes; opioides; sedativos; hipnóticos e ansiolíticos; estimulantes; tabaco; e outras substâncias. Tais classes não são totalmente distintas. Isto porque todas as drogas que são consumidas excessivamente têm em comum a ativação direta do sistema de recompensa cerebral, o qual está envolvido no reforço de comportamentos e na produção de memórias (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Importa dizer que, para os fins do presente trabalho, serão analisadas somente as implicações decorrentes das drogas consideradas ilícitas, na forma do art. Lei 11. O código clínico correto para se referir ao transtorno pelo uso de substância é o CID-10-MC e depende da presença de um transtorno induzido por substância comórbido (incluindo intoxicação e abstinência) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Feita esta liminar abordagem acerca dos aspectos clínicos sobre o transtorno por uso de substância, vale enfrentar o conceito referente à dependência de drogas. Para a Organização Mundial de Saúde, a dependência química é uma doença que decorre mais de uma pane na química cerebral do que um colapso do caráter, assim A Organização Mundial da Saúde – OMS define a dependência química como um estado psíquico e físico que sempre incluem uma compulsão de modo contínuo ou periódico, podendo causar várias doenças crônicas físico-psíquicas, com sérios distúrbios de comportamento.

Pode também, ser resultado de fatores biológicos, genéticos, psicossociais, ambientais e culturais, considerada hoje como uma epidemia social, pois atinge toda gama da sociedade, desde a classe social mais elevada a mais baixa. A Classificação Internacional de Doenças – CID-10 define-a como transtornos mentais e de comporta-mento decorrentes do uso de substâncias psicoativas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2004, p. Elencada a conceituação da dependência química dentro do contexto médico, bem como jurídico, vale enfrentar a distinção entre alguns conceitos básicos para melhor compreensão da problemática da dependência de drogas: dependência física, dependência psicológica e tolerância. Estes aspectos estes serão melhor detalhados na próxima seção. Dependência Física, Psicológica e Tolerância Para dar início no presente item, vale registrar o que leciona Helena Regina Lobo da Costa: A criminalização do uso de entorpecentes, especialmente no que se refere ao dependente, ignora o funcionamento e dificulta a atuação de outras instâncias de controle social, que poderiam ser muito mais efetivas para lidar com este problema.

A criminalização acaba impedindo uma reflexão aprofundada sobre o assunto (COSTA, 2005, p. Isto posto, e dando seguimento no presente item, importa reconhecer que dois conceitos são de fundamental importância na identificação dos males causados pelas drogas: dependência (seja física ou psicológica) e tolerância. A base de tal abordagem preconizada pelo programa se traduz na imposição de tratamentos coercitivos aos usuários de drogas e hoje encontra-se amplamente difundida nos Estados Unidos e possui vários defensores no Brasil, a exemplo de Ribeiro (2013). Assim, merece ser destacada a diferença evidente que existe entre o tratamento voluntário (considerado uma estratégia de redução de danos), e a imposição de tratamento compulsório, no âmbito da “Justiça Terapêutica”, que incorpora parte da estratégia proibicionista, uma vez que segundo Ribeiro (2013), exige a abstinência, e sistematiza o uso de drogas no plano da moral.

Importa dizer que a adesão voluntária ao tratamento, preferencialmente ofertado pelo sistema público de saúde e fora do âmbito penal, difere do modelo compulsório (LEMOS, 2013), porque não exige a “cura” e depende do compromisso e envolvimento do indivíduo a ele submetida que pode procurar a abstinência através da moderação de seu uso ou meramente adotar hábitos de temperança no consumo de drogas (RIBEIRO, 2013). Na via oposta se encontra a abordagem coercitiva que, de acordo com a Associação Nacional de Justiça Terapêutica, pode ser compreendida como “[. um conjunto de medidas que visam a oferecer atenção terapêutica aos infratores usuários e/ou infratores dependentes de drogas e, com isso, a possibilidade de modificar os comportamentos anteriores delituosos para comportamentos legais e socialmente adequados” (SILVA; FREITAS, 2008, p.

Portanto, segundo Carvalho (2016), o uso de drogas ilícitas é tido, sob esta perspectiva, como uma imoralidade a ser enfrentada. Carvalho (2016) afere que a questão da aplicabilidade do projeto (Justiça Terapêutica) ganhou novos contornos a partir da previsão, como sanção ou condição da transação penal, de aplicação de “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo” (art. inc. III, Lei 11. Prevendo a nova sanção, a Lei de Drogas avançou no sentido de limitar sua duração temporal, obstaculizando o cerne do projeto Justiça Terapêutica em fazer com que o tratamento se torne coercitivo, denominado como transação penal ou pena, em medida de segurança atípica de tempo indeterminado – “[. Portanto, no que se refere à política de redução de danos, estratégia que não se amolda à abstinência ou mesmo à tolerância zero, vale abordar os seus principais aspectos, principalmente no que tange ao tratamento do dependente de drogas, entendida como a política possivelmente mais adequada para enfrentar a problemática da dependência de drogas.

LEI Nº 13. Avanços ou Retrocessos em Matéria de Direitos Humanos Tendo em vista que o Estado tomou para si a responsabilidade de tratar o usuário e dependente químico, cabe à rede de saúde do Estado implementar programas para cumprir esse desiderato. Para tanto, é importante observar as diretrizes do Ministério da Saúde bem como os princípios capitaneados no art. da Lei nº 13. Soares e Millen e Lemes (2019) criticam o texto da Lei n. no trecho que dispõe que a opção pela internação involuntária pode ser admitida se constatados motivos capazes de justificar esta medida. No entanto, não traz exemplos de razões que possam servir de justificativa para tal ato, assim como também não é clara com relação à forma de triagem para adotar este procedimento, já que não é obrigatório que um psiquiatra prescreva e autorize a internação.

Ademais, a lei diz que a internação involuntária poderá durar até 90 dias, prazo considerado suficiente para que o usuário possa se desintoxicar. É possível que o usuário seja liberado até antes por determinação do médico responsável. Assim, a internação e a interrupção do tratamento são voluntárias. Para a internação involuntária, que também é a exceção, Costa (2019) entende que esta não deve ser determinada, uma vez que invade a direitos fundamentais, a exemplo da liberdade de locomoção e de autodeterminar-se. A internação involuntária ocorre somente após ser formalizada a decisão pelo médico responsável. Silva (2019) expõe que esta é indicada após haver a avaliação sobre qual a droga usada pelo dependente, o padrão de uso e quando não for possível empregar outras formas de tratamento terapêutico previstos na rede de atenção à saúde.

Sua duração será a necessária à desintoxicação, com o prazo máximo de 90 dias, sendo o término determinado pelo médico responsável. A inclusão dependerá de pedido escrito do acolhido, vedado seu isolamento físico (MOREIRA, 2019). Entende-se que o dependente químico mereça especial atenção, posto que possui sua autonomia diminuída em face da sua capacidade de discernimento e autodeterminação reduzida. Segundo Coelho (2017), é importante reconhecer que o dependente químico é um indivíduo doente e, portanto, precisa de suporte médico, da família, amigos e do Estado, sempre alheio ao âmbito do Direito Penal, tendo em vista que a política de redução de danos é vista como a mais adequada para o tratamento deste dependente. Assim entende-se que a internação involuntária pode trazer efeitos contrários aos desejados ao dependente químico e, portanto, em termos de Direitos Humanos, é um retrocesso e o tratamento mais adequado é o que visa à redução de danos conforme se verá a seguir.

Política de redução de danos É possível dizer, com apoio na doutrina especializada, que a política (ou estratégia) de redução de danos se trata de uma tentativa para minimizar as consequências adversas do consumo de drogas pela ótica da saúde e seus aspectos sociais e econômicos sem, necessariamente, diminuir esse consumo (ANJOS, 2015). A referida associação foi resultante da auto-organização de usuários de drogas, ex-usuários, técnicos de diferentes áreas e pessoas propostas ao propósito de prevenção à Aids e demais doenças. Também em 1997, ocorreu, no Distrito Federal, o I Encontro Nacional da associação recém criada, com a eleição da primeira diretoria e a oficialização dos estatutos. Entre os anos de 1997 e 1999, a Aborda seguiu o surgimento de associações estaduais, v.

g. a Aprenda, de São Paulo, a Acorda, de Santa Catarina e a A. Isto porque, conforme assevera Carvalho (2016), ainda que se entenda a alternativa da descriminalização do uso pessoal de droga como a mais harmônica com as políticas de redução de danos, sobraria indagar-se de quais formas de tratamento seriam possíveis e de que modo seria possibilitado conceber mecanismos de pequena interferência no âmbito pessoal do dependente (direitos de personalidade). Uma resposta a tais interrogações pressupõe transvalorar os modelos político-criminais (criminalizadores e descriminalizadores) e colocar em pauta políticas efetivamente reducionistas, para além da carta intencional e meras formalidades pontuadas nos capítulos iniciais da Lei 11. Diante disto, as propostas auxiliares aos dependentes químicos formuladas pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), com o objetivo de diminuir as arbitrariedades e as lesões aos direitos de réus e condenados submetidos à medida de segurança, representaram o passo inicial na procura de alternativas viáveis fundamentadas na principiologia orientada para o respeito à diversidade e à autonomia individual.

Destarte, a política de redução de danos fixa como requisito da intervenção o reconhecimento daquele envolvido com drogas, usuário ou dependente, como sujeito com capacidade de diálogo, isto é, possuidor dos atributos da fala e da escuta. Assim, como expõe Carvalho (2016), abre-se espaço para novas maneiras de ação cujo escopo primordial é o de minimizar os efeitos deletérios causados pelo (ab)uso das drogas, deixando de lado qualquer intenção moralizadora oriunda do ideal de abstinência. O princípio do respeito à autonomia Deve-se iniciar o presente item com a abordagem acerca do conceito e noções fundamentais que englobam a autonomia, uma vez que tal análise permitirá o estudo do princípio de respeito à autonomia e suas implicações no que se refere ao usuário e dependente de drogas.

Deste modo, começa-se tratando da autonomia enquanto dispositivo consagrado no art. º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO: Art. º: Autonomia e responsabilidade individual: Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para a tomada de decisões, desde que assumam a responsabilidade por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais indivíduos. Para aqueles que não forem capazes de exercer a autonomia, devem ser adotadas medidas especiais para a proteção de seus direitos (CASADO, 2013, p. quando uma pessoa é coagida a fazer algo). Isto porque a autonomia enquanto valor fundamental e direito básico faz parte da teoria moral e política do liberalismo individual. Consoante a doutrina e a tradição jurídico-filosófica que engloba a noção de autonomia, imperioso destacar o que se entende pelo chamado “princípio de respeito à autonomia” e suas repercussões em se tratando do usuário e do dependente de drogas (VÁSQUEZ, 2013, p.

Assim, sob o ponto de vista da ética normativa, partindo do discurso moral como prática real, deve ser aceito que qualquer autoridade ou convenção social é passível de submissão crítica, excepcionada a própria prática de criticar, característica do discurso moral que reflete a adoção do valor da autonomia. Na realidade, a discussão moral tem como finalidade a superação de conflitos e alcançar a cooperação através do consenso e, este pressupõe a livre aceitação de princípios justificadores de ações e atitudes, com o risco de que se incida em inconsistência pragmática. Em tese, todos são livres para o desempenho de suas atividades, desde que obedecido o princípio do respeito ao direito alheio, que cumpre um papel inibidor ao exercício da autonomia.

Assim, segundo Tozzi Coelho e Sporleder de Souza (2016) pensar o uso de drogas a partir do ponto de vista dos envolvidos com a problemática impõe perceber a conduta como autônoma e o dano como próprio. Bizzoto e Rodrigues (2007) afirmam, com base no art. inc. III, Lei 11. Assim, devem ter voz ativa no planejamento de seu processo de recuperação para, desta forma, ser possível ponderar sobre qual o lugar que as drogas ocupam em sua vida e em qual modalidade de tratamento desejam se engajar. Soares e Millen e Lemes (2019) elucidam também que existem diversas pesquisas que defendem que o melhor tratamento que se pode outorgar ao usuário de droga é o que não o segregue e retire do seio social. Ademais, tem-se conhecimento que o sistema de saúde brasileiro é precário e muitas clínicas destinadas ao tratamento de dependentes químicos praticam maus tratos e violam os direitos humanos destas pessoas.

Assim, reforça-se que os projetos de redução de danos apontam como requisito à intervenção o reconhecimento do envolvido com drogas, seja usuário, dependente, ou sujeito capaz de dialogar, isto é, portadores de fala e de escuta, abrindo-se caminho para novas maneiras de ação com escopo primordial de minimização dos efeitos deletérios causados pelo (ab)uso de drogas, abrindo mão de quaisquer intenções moralizadoras oriundas do ideal de abstinência. CONCLUSÃO Os problemas dos usuários de drogas psicoativas ganham cada vez mais destaque na sociedade, permeando discussões em diversos segmentos, porquanto suas consequências e seus efeitos ameaçam as instituições e as estruturas basilares do Estado. Neste compasso, não se mostra aceitável qualquer forma de paternalismo jurídico-penal para proteger o indivíduo de autolesões consentidas caso isto implique em óbice ao exercício da autonomia.

Destarte, para que não se ultrapasse o limite do necessário, importa dizer que, em se tratando do usuário (juridicamente capaz) e uso de drogas, mesmo que se fundamente a proibição do uso de drogas sob argumentação paternalista, não se pode concordar com a mesma, pois que o usuário, ao usar a droga, o faz em face de sua autonomia enquanto indivíduo, devendo ser respeitado enquanto sujeito autônomo, livre, portanto, para tomar a decisão: usar ou não a droga. E, por fim, no que se refere ao dependente de drogas, que não possui autonomia, pois que sem capacidade de discernimento e autodeterminação em face da compulsão pela utilização da droga, merece tratamento especial do Estado, mas preferencialmente fora da esfera penal.

Isto porque o dependente de drogas é pessoa doente e que necessita de amparo médico, familiar e dos amigos. Por isso, conforme acentuado ao longo do estudo deste último capítulo, a medida mais adequada no trato para com o dependente de drogas é a que se dá através da política de redução de danos, que privilegia o respeito à autonomia individual e possibilita ao envolvido com a situação-problema um espaço aberto de diálogo, de fala e de escuta, priorizando a vontade do dependente em se tratar ou não, uma vez que o primeiro passo para a eficácia do tratamento contra a dependência é a vontade do próprio sujeito dependente. Tradução de Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Porto Alegre: Artmed, 2014.

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação Penal Especial. ed. n. p. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. ed. Lei nº 11. de 23 de agosto de 2006. Disponível em: http://www. planalto. gov. htm. Acesso em: 17 out. BUCHER, Richard. Visão Histórica e Antropológica das Drogas In: FIGUEIREDO, Regina. Org). Revista outubro, São Paulo, v. CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. COELHO, Gabriela. Especialistas veem retrocesso em lei que facilita internação involuntária para dependentes químicos. Disponível em: https://www. conjur. com. Disponível em: https://asmego. jusbrasil. com. br/noticias/100385057/a-lei-a-internacao-compulsoria. Acesso em: 18 out. Acesso em: 15 mar. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei de drogas comentada artigo por artigo.

ed. São Paulo: RT, 2011. Lisboa: Edições 70, 2011. KORF, Dirk J. Dutch Coffee Shops and Trends in Cannabis Use. Addictive Behaviors, v. issue. n. p. MACCOUN, Robert. What Can We Learn From The Dutch Cannabis Coffeeshop System? Addiction, Londres, v. issue. f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. MOREIRA, Solange. As implicações das alterações na Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas para o exercício Profissional de Assistentes Sociais no Brasil. Disponível em: http://www. Disponível em: http://www. nij. gov/topics/courts/drug-courts/pages/welcome. aspx. Acesso em: 25 mar. int/substance_abuse/publications/en/Neuroscience_P. pdf. Acesso em: 17 mar. QUINTAS, Jorge. Os tratamentos coercivos dos dependentes de drogas em confronto com a internação compulsória.

f. Tese (Doutorado em Direito Penal, Medicina Legal e Criminologia). Departamento de Direito Penal, Medicina Legal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006. ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. unaerp. br/revista-cientifica-integrada/edicao-atual/3373-rci-a-internacao-involuntaria-uma-abordagem-a-luz-da-lei-n-13-840-2019-06-2019/file. Acesso em: 18 out. SODELLI, Marcelo. A abordagem proibicionista em desconstrução: compreensão fenomenológica do uso de drogas. Uso de drogas e autonomia: limites jurídico-penais e bioéticos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 24, v. p. dez. VÁZQUEZ, Rodolfo.

582 R$ para obter acesso e baixar trabalho pronto

Apenas no StudyBank

Modelo original

Para download