A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO PELA NÃO CONCLUSÃO DAS INVESTIGAÇÕES DOS CRIMES POLÍTICOS NO PERÍODO DO REGIME MILITAR: UMA ANÁLISE COM BASE NO CASO HERZOG
Tipo de documento:Artigo cientifíco
Área de estudo:Direito
PALVRAS-CHAVE: Responsabilização internacional. Vladimir Herzog. Crimes políticos. Regime militar. Justiça de transição. Ocorre que é muito comum nesses regimes autoritários a existência de crimes que violam gravemente a dignidade da pessoa humana, ao ponto de ser insustentável para o novo governo democrático ignorar tais fatos. Portanto, o presente trabalho tem o objetivo de analisar a responsabilização internacional destes crimes contra os direitos humanos pelos Estados, sobretudo os que são signatários e sujeitos à Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH. O caso de Vladimir Herzog será utilizado como principal parâmetro de comparação de como esses crimes era praticados no regime militar ditatorial brasileiro, uma vez que a CIDH prolatou uma sentença em 15 de março de 2018, determinado que o Brasil proceda à apuração e responsabilização dos agentes responsáveis pela tortura e morte do jornalista.
Logo, por meio de uma análise bibliográfica e descritiva, será possível chegar-se a uma conclusão a respeito da responsabilidade internacional do Estado brasileiro diante desses “crimes políticos” cometidos no regime militar de 1964. I - TUTELA JURISDICIONAL DOS CRIMES POLÍTICOS OCORRIDOS NO REGIME MILITAR E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO O contexto político e social no qual o Brasil estava envolvido no período do governo ditatorial do regime militar e o necessário processo de redemocratização do Estado justificou o estabelecimento de uma justiça de transição. Desta forma, internacionalmente, 8 a ideologia de proteção aos direitos humanos cercou as convenções internacionais, resoluções, cortes internacionais etc. resultando em uma forte influencia dos conceitos e práticas internacionais nas justiças de transição, no que se refere ao direito humanitário.
Na justiça interna as resoluções, recomendações e decisões das Comissões, Tribunal Penal Internacional, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Conselhos da ONU, ONGs internacionais, etc. influenciam fortemente como o Estado vai lidar com o legado oriundo do regime autoritário anterior. Portanto, a utilização dessas normas, jurisprudências, recomendações e práticas criadas internacionalmente são impostas aos países que aderiram aos respectivos tratados e convenções internacionais, resultando em um padrão na justiça de transição. A punição destes crimes é fundamental para que o Estado se reafirme como figura protetora dos direitos e garantias fundamentais, exercendo a sua função democrática de concretização do interesse do povo. Pois a identidade do Estado15 é justamente formada pela forma como a sociedade e conduzida em seus vários aspectos, políticos, sociais, econômicos e jurídicos.
A controvérsia reside justamente nos acordos políticos existente entre os atores de regime autoritário anterior que praticaram atos violadores dos direitos humanos consistente em crimes contra a humanidade, e à sociedade política do regime democrático em transição. Assim, a responsabilização pelos crimes cometidos no período antidemocrático fica prejudicada em razão dessas medidas de “perdão” dos autores respectivos, resultando em verdadeira impunidade. Em 28 de agosto de 1979 foi publicada a Lei de Anistia (Lei nº 6. resultando em uma diferenciação de crimes políticos propriamente dito, objeto de “perdão” com fins de concretizar uma justiça de transição, e crimes políticos de “lesa humanidade” ou “contra a humanidade”, violando a própria natureza do Estado Democrático de Direito, o qual deve combater a impunidade deles decorrentes.
Os crimes políticos com natureza de violação dos direitos humanos, em que os “inimigos” dos detentores do poder são ferrenhamente combatidos, consistem em práticas que não podem ser esquecidas pelas autoridades, ou seja, a investigação e responsabilização não são acobertadas pela imprescritibilidade. Portanto, a jurisprudência dos tribunais internacionais é no sentido de que esse tipo de crime tem natureza de jus cogens, consistindo na necessidade de punição de crimes que abalam todos os seres humanos, independente da nacionalidade, ou seja, de caráter universal. O jus cogens pode ser conceituado em um conjunto de princípios que resulta na punição dos crimes políticos de natureza contra a humanidade, construído a partir da 2ª Guerra Mundial, pelo Tribunal de Nuremberg, pelo qual o regime nazista foi objeto de principal ponto de partida, resultando da valorização da dignidade da pessoa humana no âmbito internacional.
A proteção dos direitos humanos, portanto, não se limita aos períodos de grave violação por meio de um regime ditatorial, mas mesmo em tempos de pacificação social os crimes contra a humanidade devem ser combatidos. Entre os casos mais emblemáticos de violação aos direitos humanos no período da ditadura do regime militar brasileiro foi do jornalista Vladimir Herzog, o qual foi assassinado pelas autoridades no dia 25 de outubro de 1975, ocasião em que foi prestar “esclarecimentos” ao 2º Exército em São Paulo, no Departamento de Ordem Interna – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), pois estes haviam aparecido em seu trabalho na TV Cultura no dia anterior para conduzirem-no, sem sucesso. Vladimir Herzog foi mantido preso, interrogado e torturado, e posteriormente assassinado.
No entanto, na versão oficial do Estado ele morreu decorrente de suicídio, enforcando-se na própria cela. Desta forma, devido a sua suposta participação no Partido Comunista Brasileiro – PCB, ele foi duramente interrogado e torturado até o seu limite, culminando na sua morte pelos “executores” do Estado. Esse caso ganhou repercussão internacional devido ao fato político de que o mesmo não foi enterrado como suicida pelos sacerdotes de sua religião judaica. Assim, o caso Herzog revela-nos o total desrespeito à autonomia, inviolabilidade e dignidade do ser humano, resultando em uma grave violação sistêmica nacional e institucionalizada por meio de um regime autoritário com foco no Estado e não no ser humano. III - RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO BRASILEIRO NAS HIPÓTESES DE GRAVES VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS Diante das várias violações perpetradas durante o regime militar ditatorial brasileira, muitos crimes ficaram na zona de esquecimento da história brasileira, no que se refere a sua responsabilização.
Desta forma, os acordos e convenções internacionais das quais o Brasil faz parte, constitui-se de um bloco de convencionalidade, pela qual os princípios, direitos, garantias e valores são integrados no ordenamento jurídico interno, impondo as regras definidas internacionalmente entre os países signatários. Busca-se, assim, a responsabilização do Estado pelos atos contra as pessoas sujeitas a sua jurisdição, violando os direitos humanos. Portanto, a responsabilização internacional possui duas finalidades: primeiramente, coibir a prática de atos violadores de direitos humanos, cumprindo os acordos internacionais, tratando-se de uma finalidade preventiva; e ainda, a reparação dos danos aos sujeitos dos direitos violados, de natureza repressiva. No caso conhecido como “Gomes Lund”, a Corte Internacional entendeu que a Lei de Anistia era incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, pois acobertava os agentes públicos que cometerão graves violações durante o regime militar, como tortura, morte, desaparecimentos forçados etc.
O STF, no entanto, ignorou completamente as normas internacionais sobre direitos humanos, sendo que o Brasil é signatário da respectiva convenção. Desta forma, em que pesa a decisão do STF, o Estado deve sujeitar-se à jurisdição internacional38, em detrimento da soberania estatal, pois a finalidade precípua deste acordo é justamente combater as violações aos direitos humanos, responsabilizando os seus responsáveis. O caso de Vladmir Herzog já está em fase de investigação pelo MPF, no entanto nada impede que após o ajuizamento das denúncias, as decisões sejam objeto de recurso, fundamentando-se neste posicionamento do STF. Assim, espera-se que a Suprema Corte da justiça brasileira entenda a necessidade da aplicação nas normas internacionais pactuadas, resultando no fortalecimento da sua soberania e com o compromisso com a sociedade, construindo um Estado forte e garantidor dos interesses públicos, sobretudo no que se refere aos direitos humanos.
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