A religião em Marx e a religião de Marx.
Tipo de documento:Revisão Textual
Área de estudo:Medicina
Sob este ponto da religião como ideologia, surge o segundo momento do paper, tratando das críticas endereçadas a Marx e como suas posições em relação ao futuro comunista resultaram em uma nova religião, religião secular. Palavras-chave: Religião, Karl Marx, ideologia, política, regimes totalitários. INTRODUÇÃO A sociologia da religião é um campo vasto de análise que tem raízes bem expostas nos clássicos “pais fundadores” como Marx, Durkheim, Weber e Simmel. Estes autores, bem como tantos outros, dedicaram muitas páginas analisando o fenômeno religioso e explicando por diferentes prismas as causas de milhares de pessoas se curvarem a uma multidão de divindades dos mais diferentes tipos (SOUZA e MARTINO, 2004). Dentre as análises dos clássicos, talvez o que menos se preocupou como a religião, em si, foi Karl Marx.
Esse Estado e essa sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica em forma popular, seu point d’honneur espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua base geral de consolação e de justificação. Ela é a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui uma realidade verdadeira. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. Não poucas vezes, a visão de Marx sobre a religião é resumida na expressão “ópio do povo”.
Tal expressão é tomada fora de contexto, dando a impressão de uma total rejeição ou invalidez das expressões religiosas. No entanto, se entendida em um contexto maior, a expressão utilizada indica uma perspectiva política por parte de Marx, em que a religião serviria como uma espécie de resistência aos problemas sociais vigentes. A religião serve assim como “uma forma resignada de protesto contra o real. A visualização de um horizonte ilusório, expresso pelo ‘paraíso celestial’, funciona como um combustível de esperança no percurso do fiel pelo ‘vale de lágrimas’ do real: a religião aparece como resistência” (MARA, 2007, p. Os atores sociais, dentre eles os próprios religiosos da época, só poderiam se emancipar politicamente, caso a religião fosse abolida da esfera pública e passasse para a esfera privada.
É interessante notar a preocupação do autor quanto à laicização do Estado. Segundo Marx, não seria suficiente um Estado em que não fosse professada uma fé específica, mas que houvesse uma emancipação completa da humanidade. Pode-se dizer que a “análise marxista” da religião como uma realidade histórica e social, inicia-se com a Ideologia Alemã (2001). Michael Löwy (2007, p. Assim, a marcha da história não dependeria exatamente das ideias produzidas pelos homens, mas das mudanças técnicas e econômicas produzidas por estes homens. Dar-se conta deste fato, já serviria para uma inversão da realidade e, consequentemente, a diminuição do efeito das ideologias sobre a consciência social. No entanto, para fazer justiça a Marx e não o classificar, apenas, como um simples determinista técnico-econômico, toma-se O 18 Brumário de Luís Bonaparte, como um reconhecimento, mesmo que não determinante, de que as ideias e tradições (em que, logicamente a religião está colocada) exercem impacto sobre a realidade e sobre a história, pois A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos.
E justamente quando parecem estar empenhados em transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas épocas de crise revolucionária, eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar, com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial. MARX, 2011, p. Marx e Engels, em A Ideologia Alemã, escrevem sobre a noção de que as ideias da classe dominante serão aquelas que serão postas como oficiais para toda a sociedade, sendo, portanto, tidas como naturais, os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante.
A classe que dispõe dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante. MARX e ENGELS, 2001, p. grifo nosso) Pode-se inferir desta citação que, sendo a religião parte do aparato ideológico das classes dominantes, a religião dominante seria aquela “escolhida” pela classe que detém o poder econômico e intelectual. Atualmente, no entanto, não é fácil determinar qual seria a religião da classe dominante, mas percebe-se que no mercado religioso, as religiões mais tradicionais estão envoltas em disputadas de legitimidade com outras menos conservadoras. Marx foi um grande crítico da religião, como podemos perceber nas páginas anteriores, mas até que ponto suas teses não se transformaram, elas próprias em uma religião que aliena e deturpa a realidade? 2.
Richard Dawson Em sua obra Progresso e Religião (2012), Christopher Dawson ao analisar o tema do progresso material, aponta para o fato de que a ideia de progresso se desenvolveu ancorada numa noção de perfectibilidade humana e avanço contínuo na melhoria das condições de vida da civilização ocidental. Dawson salientou que, enquanto o movimento industrial do século XIX, elevava o padrão geral de vida (em comparação com a privação de outras épocas), causou um retrocesso na posição do trabalhador comum, como o próprio Marx enfatizou diversas vezes ao tratar da perda de controle do artesão sobre a sua própria produção, tornando-se, assim, uma mera engrenagem na maquinaria indústria que começava a dominar a Europa. Dawson afirma que “sob tais circunstâncias era inevitável que a propaganda revolucionária [.
em nome dos Direitos do Homem, devesse assumir, em última instância, uma forma econômica” (DAWSON, 2012, p. Eric Hoffer A inevitabilidade da marcha da história seria, então, uma espécie de fé secular, que veria no futuro socialista a única via possível para a emancipação humana, do homem em si, com seus semelhantes e com a natureza. Esta inevitabilidade ou singularidade de alternativas, especialmente encarnada em regimes totalitários como a antiga União Soviética e a atual Coréia do Norte, relacionam-se bem com uma das características das religiões monoteístas como o islamismo, cristianismo e judaísmo, qual seja: a noção de singularidade, apresentada por Eric Hoffer: “onde quer que apresentemos a singularidade de uma religião, de uma verdade, de um líder, uma nação, uma raça, um partido ou uma causa santa, nós estaremos proclamando a nossa própria singularidade.
” (HOFFER, 1955, p. Hoffer chama a atenção para o que ele denomina de “true believer” (ou o verdadeiro crente), que seria uma característica religiosa dos participantes de movimentos de massa. O true believer é o indivíduo fanático que, independentemente das crenças que carrega, possui uma disposição mental e física para, se preciso for, sacrificar-se por uma causa, dando-lhe sua própria vida. As reflexões sobre o mundo, que antes eram questões metafísicas, passam a ser mundanas. É necessário salvar-se no mundo e não fora dele, gerando uma obrigação para ação no mundo, sem igual. Revoluções e movimentos políticos teriam suas justificativas baseadas nisto (VOEGELIN, 1982; 2000). Voegelin aborda o que ele chama de “proibição da pergunta” em Marx. Para se entender o que isto significa é preciso entender que em Marx “a ordem do ser é um processo da natureza fechado em si mesmo” (VOEGELIN, 2009, p.
O que resta após a morte de deus é o poder que outrora era a ele projetado, agora projetado nos próprios homens, tendo assim, como afirma Voegelin (2000), o super-homem de Marx, que toma forma como o homem socialista. A “proibição da pergunta” e a morte de deus estão intimamente ligados, pois o sistema criado por Marx depende destas duas premissas para se sustentar, e ambas estão ligadas à total imanentização. ECCEL, 2016). Sendo assim, o marxismo e todas as tentações totalitárias, em Voegelin, mereceriam o título de religiões políticas. Raymond Aron Raymond Aron, um dos maiores intelectuais do século XX, carregou consigo o título de anticomunista e, de fato, assim se considerava. A concepção mítica da revolução reside na esperança de que uma vez realizada a revolução, a classe trabalhadora assumiria o controle dos meios de produção e a redenção da sociedade viria junto.
Tal redenção é um elemento muito forte na religião cristã, demonstrando os empréstimos da retórica marxista para a afirmação de um mundo pós revolução em que um novo tempo de paz, harmonia e felicidade surgiriam em meio à destruição necessária. Aron, quanto a isto, indaga-se se as revoluções merecem, de fato, este tipo de confiança e glorificação; os homens que as pensam não são os que as fazem. Os que a iniciam assistem raramente ao seu epílogo, a não ser do exílio ou da prisão. Serão elas em verdade os símbolos de uma humanidade senhora de si própria, se nenhum homem se reconhece na obra saída do combate de todos contra todos? (ARON, 1959, p.
A infelicidade do proletariado demonstra a vocação, e o partido bolchevista se torna a Igreja a que se opõem os burgueses pagãos que recusam escutar a boa nova. ARON, 1959, p. Os elementos que permitem comparar o marxismo a uma religião justificam para Aron a atitude dos intelectuais franceses de sua época. Ao utilizar o termo “ópio dos intelectuais”, além de fazer um trocadilho com a expressão “a religião é ópio do povo”, acusou o marxismo de cegar ou entorpecer seus colegas de trabalho para as atrocidades que os regimes totalitários, especificamente o comunismo de Stalin, produzia. Intelectuais como Sartre e Merleau-Ponty utilizaram toda sua capacidade intelectiva e imaginativa para a defesa do indefensável, para explicar as razões que as “aparentes” distorções dos ideais democráticos do socialismo demonstravam.
Numa palavra, Marx e o marxismo tornaram-se objeto de culto. PAIM, 2009, 576) A fé na inevitabilidade histórica e na justificação das ações sejam elas quais forem, pois, feitas em nome de uma causa, dão um caráter religioso ao marxismo e corroboram as críticas feitas pelos autores apontados aqui. Marx, de crítico da religião, tornou-se ele próprio em imagem de adoração. Não foi o objetivo mostrar a validade ou invalidade dos pressupostos de Marx. O propósito foi levantar questões que nem sempre são levadas em consideração ao se aderir a projetos políticos e teóricos. Mitos e Homens (O ópio dos intelectuais). Trad. Tomás Ribeiro Colaço. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1958. DAWSON, Christopher. Trad.
Ivo Storniolo. Aparecida: Ideias & Letras, 2009. HOFFER, Eric. True Believer: thoughts on the nature of mass movements. Otacílio Nunes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. LÖWY, Michael. Marxismo e religião: ópio do povo? In: A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2010. Brumário de Luís Bonaparte. Trad. São Paulo: Martins Fontes, 2001. PAIM, Antonio. Marxismo e Descendência. São Paulo: Vide Editorial, 2009. SOUZA, Beatriz Muniz de; MARTINO, Luís Mauro Sá (orgs. Buenos Aires: Hydra, 2009.
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