A função da pena ou as funções da pena: uma observação de caráter histórico frente à centralidade temática no interior da concepção da gramática normativa do Direito Pena
Tipo de documento:Artigo cientifíco
Área de estudo:Direito
Palavras-chave: Direito Penal; função da pena; História do Direito; polissemia 2 Introdução No interior da discussão acerca do Direito Penal, não há impasse mais recorrente do que a colocação da pena em um caráter de centralidade. Ainda que pareça uma discussão relativa a um tema óbvio, um ponto comum do discurso penalista, tal aparência logo se desvanece por conta da carga teórica que o respectivo tópico traz consigo. Ora, como discutir o Direito Penal sem que seja estabelecido, ao menos, os limites interpretativos concernentes à pena, ou seja, os termos em que este conceito opera no interior do específico ramo do Direito que leva em sua própria expressão a referência ao tema posto em questão? Seria colocando em evidência certos papéis que podem assumir o desdobramento da ontologia da palavra “pena” uma escolha razoável a título de entender o que ela caracterizaria? Do mesmo modo, parece ser plausível e razoável prospectar em direção às origens do respectivo termo a fim de dar conta da polissemia envolvente, além de, no percurso, tornar viável a comunicação do conceito em questão à função ou, então, às múltiplas funções pautáveis.
Por outro lado, não há pretensão de esgotar o tema, dada sua extensão quase inesgotável, mas trazer luz à discussão, como já foi enfatizado, da centralidade da pena no estudo do Direito Penal. O percurso a ser descrito será o do período da Idade Média em diante, recorte ainda muito extenso, dado que há a pretensão de aproximar alguns dos pontos de contato entre as chamadas Escolas Penais e, posteriormente, a alusão à metamorfose do conceito de pena - e, portanto, de sua função - no contexto pátrio. Apesar de não ser discutido no presente artigo a temática da dicotomia silvícola-primitivo, ver GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena. São Paulo: Max Limonad, 1970; e WINCH, Peter.
Comprender una Sociedad Primitiva. Barcelona: Paidós Ibérica, 1994. Evidencia-se aqui outros sentidos de pena: não se trata de uma amenização da ira divina, mas de uma intenção de reaproximar o transgressor de Deus, além de uma confusão entre meios e fins diante da concepção trazida pelo meio de produção de provas - ainda que se misture com o conceito moderno -, sempre imerso em um pano de fundo religioso, de redenção e de re-aproximação com o divino. A pena, além disso, era tomada como um meio de expiar o suposto infrator do pecado, na medida em que crime confundia-se com o pecado 5 e, portanto, pela via do acoimo, haveria a possibilidade de salvação e do alcance da vida eterna2.
DUEK MARQUES, 2008, p. Em um registro cronologicamente posterior, o Tribunal do Santo Ofício julgava de modo inquisitivo, recaindo, diversas vezes, em juízo impetuoso, o que incidia na aplicação de suplícios, físicos e psicológicos. Por outro lado, apresenta-se que o Santo Ofício era acionado em decorrência de provocações como o simples recebimento de uma carta anônima, dado o rigor do embate às heresias, mas há de se notar o exagero em se tratando da atuação da respectiva instituição, além de, por vezes, não remontar à tortura pura e simples a fim de extrair confissões dos hereges3. Histórias Noturnas. São Paulo: Companhia de Bolso, 2012. A respectiva imagem traz de imediato a situação em que Jean Valjean, personagem de Victor Hugo no romance Os Miseráveis, é lançado às docas em decorrência de ter furtado um pedaço de pão.
Ainda que se dê em um momento posterior ao século XVI, o emprego dos meios de reprodução institucional garantiam a segregação social. enumera algumas causas a título de explicação da mudança da prisão-custódia para a prisão-pena: a valorização da liberdade e a formação de caminhos ao pensamento racionalista no século XVI; a ocultação do castigo a fim de evitar o disseminamento do mal causado pelo delito; a intenção da classe burguesa em ascensão, pois se trata de uma dupla faceta envolvendo o ensino do modo de produção capitalista e o controle social a título de obtenção de mão-de-obra barata; além do já mencionado aumento da pobreza e da mendicância, que tornava inviável a aplicação da pena capital5.
Em 1521, as Ordenações Manuelinas tomam lugar das Afonsinas, com mínimas alterações, sendo a prisão expedida como pena incomum, tomada como recurso necessário a fim de aplicar a pena capital. SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. Ainda em 1603, com a publicação das Ordenações Filipinas, a aplicação da pena de morte ainda detinha grande aplicabilidade, ficando ao critério do juiz a fixação da respectiva punição ou, conforme a qualidade das malícias, disposto no Livro V, título CXVIII, §1º do diploma normativo em questão. Por outro lado, houve, no período, tentativa de combate à justiça privada e o fortalecimento da justiça pública. Apesar do pensamento Iluminista ganhar vestes, o absolutismo recobria o caráter político. Evoca-se, ainda, que o Iluminismo abre alas à concepção de prevenção, ou seja, a função da pena é de evitar o cometimento dos delitos, seja como Beccaria e a finalidade puramente preventiva da aplicação penal ou enquanto Bentham por meio da prevenção geral visada em função da imposição de um mal decorrente de um fato cometido ou omitido7.
É válido ainda apontar os princípios que envolveram a reforma penal proveniente do Iluminismo: com a Declaração Francesa dos Direitos do Homem, o axioma da legalidade influenciava a função da pena, que passava a tomar o caráter positivo de uma norma como fundamento da aplicabilidade penal, logo há o pressuposto de haver lei subordinando a cominação da pena; com o desaparecimento do delito de lesa majestade, da criminalização da magia, da feitiçaria e de atos afins, promovidos por meio da Reforma Toscana, a pena é desvinculada do teor religioso e de sua função enquanto garante da expiação dos pecados; por fim, outro princípio reformador foi o da mitigação das penalidades, com a oposição à pena de morte, à mutilação e outras aplicações, remontando aos princípios da personalidade e da proporcionalidade das penas, o que não mais incorreria em um uso desmedido da punitividade a fim de mensurar poder e domínio diante da sociedade, por parte do governante.
Diante do período, evidencia-se o reforço ao pensamento humanista na medida em que Kant, Feuerbach, Roeder, entre outros influenciaram no contexto cultural da época. Kant, basicamente, entendia que o direito penal tratava do poder do soberano diante dos súditos, utilizando-se da pena como meio de infligir sofrimento em casos de transgressão; Feuerbach entoava que a doutrina da intimidação coletiva, por via da intimidação psicológica, não seria o suficiente para conter o criminoso; enquanto Roeder, de Heidelberg, tomava a pena enquanto tratamento correcional a fim de reformar a injusta verdade do delinquente, ou seja não se limitava ao alcance da pura legalidade externa às ações humanas. Já, diante da chamada Escola Clássica do direito penal, nomes como Carrara, Rossi e Carmignani não podem deixar de ser mencionados.
Nesse sentido, Lombroso, Ferri e Garofalo são os maiores nomes diante deste posicionamento. Noutro giro, a consideração do delito enquanto fenômeno natural e social produzido por conta de causas biológica, física e social, pautado no critério de delinquência e, basicamente, no enviesamento da liberdade enquanto ilusão, ou seja, do livre arbítrio humano como ilusório. A função penal é de ordem, resumidamente, da defesa social8. idem, p. Diante da terza scuola, Alimena e Carnevale gozam de uma oposição em face da escola positiva e da escola clássica, encontrando-se como se numa espécie de meio termo entre ambas. LA idea de fin en el derecho penal. Breve referência ao conteúdo e a finalidade da pena nos diplomas normativos pátrios No decorrer do período de colonização do Brasil, a colônia importou a aplicação das Ordenações do Reino em razão da submissão à Coroa portuguesa.
Entre as Ordenações, Faria (1958, p. aponta que não houve aplicação das Afonsinas por conta da ausência de aparato estatal adequado, enquanto que as Manuelinas (1521) tiveram uma parca aplicação até que foram substituídas pelas Filipinas em 1603, aplicadas com intenso rigor entre a revalidação de D. João (1643) até a vigência do Código Criminal do Império (1830). CAMARGO, 2002, p. Outro aspecto a ser erigido é a implementação da pena de multa pautada no sistema de dias-multa para a pena pecuniária, conforme Prado (1993, p. dispõe. Enfim, com a abolição da escravatura e a proclamação da república, notou-se a necessidade de substituição do atual modelo de repressão, poucos anos após a instituição do Código Imperial, se comparado ao período de atuação das Ordenações Afonsinas.
Já na República, em 1890 a instituição do Código Penal se realizou, restando consolidadas a abolição da pena de galés e de banimento judicial, além da pena de morte, salvo em casos de guerra, conforme a Constituição de 1891 previu. era a de justa retribuição, embebida com conteúdo ético. Nessa percepção, “foram situados dois momentos para o emprego da pena, isto é, a fixação do quantum e a qualidade da sanção; a outra, determinação do grau de periculosidade, para se apurar o modo de execução, com a finalidade de socialização”. POLAINO, 2011, p. Quanto ao Código Penal de 1984, aponta-se que houve modificação em relação às penas restritivas de liberdade a fim de gerar um abrandamento às sanções prisionais; ainda que se tivesse mantido o caráter de reclusão e o de detenção no artigo 32, possibilitou-se a formação do regime progressivo em conformidade com o comportamento do preso na respectiva execução penal.
CAMARGO, 2002, p. Envolve, por outro lado, a expiação de um mal, por meio da aplicação dos tribunais e tendo como fundo o respeito a um processo regulador decorrente de um mal causado pela violação do Direito. O respeito à Ética, ou seja, à normatividade que torna possível a vida em sociedade é o horizonte, sendo a pena uma contraface diante do desrespeito normativo. Logo, a pena pode ser tomada, ainda, como retribuição, ao mesmo tempo em que sua função pode ser a da busca pela manutenção da paz. Nessa via, a pena é tida como meio com que o Estado toma seu fim, ou seja, o de garantidor da seguridade dos direitos fundamentais, sendo, nesse sentido, uma retribuição estatal. HUNGRIA; FRAGOSO; LYRA, 1958, p. Luiz Regis Prado. Série Ciência do Direito Penal Contemporâneo, v.
São Paulo: RT, 2002. CUELLO CALÓN, Eugenio. Derecho Penal: parte geral. São Paulo, n. jan. mar. FARIA, Bento. Código Penal Brasileiro (comentado). Rio de Janeiro: Forense, 1958. MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal: parte geral. ed. São Paulo: Saraiva, 1964. A Justiça do Soberano e a Divina. O suplício e a Inquisição. in: Universitas FACE, v. n. Disponível em <https://www. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. ed.
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