A FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: os desafios da ressocialização

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Jô de Carvalho. IPATINGA/MG 2019 Dedico esta monografia a meus familiares, aos colegas de curso, aos professores e a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para esta conquista. AGRADECIMENTOS À minha família, amigos, professores, orientador e todos aqueles que me ajudaram a concluir a minha monografia. Sou grato a todos aqueles que tiveram paciência nos momentos de tensão e empenho. Obrigado por fazerem parte da minha vida! Por fim, agradeço a Deus, por traçar os melhores planos para a minha vida e por me ensinar a aguardar o momento certo para vivê-los. Período da vingança privada 13 2. Período da vingança divina 14 2. Período da vingança pública 14 2. Período humanitário 16 3 DOS FINS DAS PENAS 20 3. Teorias absolutas ou retributivas 20 3. Os presídios brasileiros se transformaram em verdadeiros depósitos de pessoas marginalizadas, resultado de uma sociedade que mesmo esquivando-se de suas responsabilidades, cobra por soluções urgentes para o combate à criminalidade.

Como resultados, são presenciadas graves violações aos direitos humanos, já que os presos são encarcerados em condições sub-humanas, suscetíveis a doenças e ameaças à sua integridade física e psíquica. A questão norteadora desta pesquisa é: frente ao caos que se instalou no sistema prisional brasileiro que não ressocializa o apenado, o que os estudiosos do sistema prisional sugerem em termos de políticas públicas para tornar o sistema eficaz e consonante com os fins das penas? Tem-se como hipótese que em face da falência do sistema prisional brasileiro, os direitos previstos na Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal - LEP) na prática, não têm se efetivado, levando ao aumento da criminalidade, o que torna necessário conhecer as políticas públicas propostas na literatura para mitigar o problema.

O estudo ora desenvolvido é importante ante à constatação de que a Lei de Execução Penal padece com a falta de implementação de grande parte de suas diretrizes, o que leva à majoração da criminalidade. O aparato penitenciário, político e jurídico mantido pelo Estado está deteriorado e por ausência de interesse político, as normas deixaram de ser aplicadas. Foram utilizados também, outros autores, a exemplo de Ana Maria Straube (2016), Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Luís Cláudio Lourenço (2016) e Marta Azenha (2017), que denunciam as mazelas nos presídios brasileiros, por terem constatado in loco sérias violações aos direitos humanos. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA E AS ESCOLAS PENAIS A vivência humana se perfaz através de agrupamentos sociais e, em face do teor associativo, as necessidades, anseios, conquistas, enfim, a satisfação individual passara a encontrar amparo coletivo.

Contudo, desde os primórdios da vivência social, o ser humano violara as regras de convivência, fazendo com que a aplicação um castigo (sanção) se mostrasse necessária (BATISTA, 2000). A sanção se apresenta assim como uma decorrência inerente da própria vivência em coletividade, que efetiva a existência da punição como condição necessária à convivência social harmônica, à pacificação das relações em comunidade e à própria tutela do bem jurídico. Desse modo, a necessidade faz com que o homem passe a renunciar parcela da sua liberdade individual em prol a harmonização da vida em coletividade. A pena consiste, pois, em definição intimamente ligada a construção do Estado, à medida em que observa-se que o desenvolvimento do ente estatal encontra ligação direta com ideia de pena.

Verifica-se assim que a compreensão de sanção penal deve restar manifesta, trazendo ao lume o modelo socioeconômico e a forma de Estado apresentada, para assim ser possível detectar as especificidades do sistema sancionador (BUSTOS RAMIREZ; MALARÉE, 1982). A expressão sancionatória passa, portanto, a apresentar as características ínsitas ao Estado ao qual se encontra inserta e, tal intento perfaz com que a ideia de pena no âmbito do Estado de Direito denote por característica basilar a preponderância da tutela dos direitos fundamentais, inclusive quando se pune. Tal perspectiva, segundo Beccaria (2015), advém do fato de que o fundamento punitivo encontra seu embasamento exatamente em face das próprias liberdades individuais e, por conseguinte, não pode desconsiderar a existência destas ao sancionar.

O surgimento do poder estatal originou-se exatamente em face da necessidade do exercício de controle das atividades sociais, passando a estatuir as condutas que seriam admitidas e vedadas em prol da conservação das liberdades individuais, pugnando assim pela evitabilidade da lesão a bens jurídicos mais relevantes e fazendo com que a punição passasse a encontrar aplicação quando manifestas as violações as regras sociais (BECCARIA, 2015). Contudo, para que a ideia da imposição sancionatória passasse a restar fixada no âmbito de um Estado de Direito como instrumento apto a punir, mais que ao mesmo tempo congregue em si a ideia de reabilitação social do violador da norma penal, observou-se o desenvolvimento de etapas sociais que contribuíram para a visualização da ideia de sanção penal conforme vislumbrada no atual contexto social.

A expressão pena advém assim do latim poenae do grego poiné, correspondendo à ideia de imposição de castigos de natureza física ou moral que passam a ser fixadas aos transgressores dos regramentos normativos. Desse modo, a pena apresenta a existência de um sofrimento a ser percorrido pelo autor do delito, sendo este manifesto com a anuência social (MAGGIORE, 1972). A pena corresponderia, num primeiro momento, à expressão da devolução do mal causado pelo agente delitivo quando da prática da infração penal, implicando, desta forma, na manifestação de um castigo, de uma reprimenda que altera sua intensidade quanto à retribuição do mal ao criminoso no decorrer da evolução histórica da sociedade. A existência da pena passa, portanto, a ser compreendida como a institucionalização estatal do exercício punitivo, de modo a viabilizar a minimização da reação coletiva violenta em face de um desvio que tende a ser dotado de intolerância social, trazendo ao infrator a garantia contra a manifestação de arbítrios punitivos e excessos através do controle social (FERRAJOLI, 2014).

Período da vingança divina Com a difusão da religião e sua influência perante os grupos sociais, observa-se o deslinde do denominado período da vingança divina, onde as normas denotavam natureza religiosa. Através da ideia de vingança divina ao agressor deveria ser imposta a sanção para abrandar a ira dos deuses e reconquistar a sua benevolência (CALDEIRA, 2009). A ideia do divino que incidiria na fixação punitiva também encontrava amparo na manifestação probatória do estado de inocência ou de culpabilidade do suposto autor do crime, à medida em que a prova dos fatos era feita através das “provas de Deus”, onde fazia-se com que a pessoa acusada caminhasse sobre o fogo e, na eventualidade desta não vir a contrair queimaduras, seria considerada inocente das imputações que lhe acusavam, do contrário, seria considerada culpada (CALDEIRA, 2009).

Verifica-se assim o misticismo religioso envolto na punição que, inclusive passa a atribuir ao sobrenatural a própria constituição probatória da ideia de culpabilidade em face da manifestação ou não do crime, o que, por conseguinte tendia a formalizar o afastamento da concretude sancionatória que perpassasse a fixação de uma contenção da infração penal e a tutela do bem jurídico em si. Período da vingança pública Por fim, com a maior estabilidade do Estado, surgiu a fase da vingança pública. O seu avanço em diferentes pontos (políticos, culturais, religiosos e econômicos) proporcionou uma grande evolução dos hábitos de cunho meramente vingativo, característica da política adotada por esta fase. Em Roma, o sucesso de seus comandantes e a expansão de suas terras ocasionaram uma necessidade de regulamentar as obrigações de seu povo, bem como de estabelecer deveres a serem cumpridos.

Desta forma, devido à necessidade de organizar-se para manter o poder, o Direito Romano impulsionou uma grande evolução nos códigos utilizados naquele tempo, tornando-se referência para a construção de vários outros ordenamentos, inclusive de outras cidades e em outros tempos. A colaboração do Direito Romano foi de suma importância para o Direito Penal, pois trouxe para a fase da vingança pública, uma forma diferente de penalidade, evoluindo para a utilização de outros métodos mais racionais e justos, tornando a pena, em regra, pública, abolindo a pena de morte, em favor da utilização da deportação e do exílio. Além disto, os romanos foram os primeiros a falar de imputabilidade, legítima defesa, coação irresistível, agravantes, atenuantes, entre outros dispositivos utilizados, atualmente, mostrando sua importância para a ciência penal.

Com o fim da Idade Medieval, o pensamento de “libertação” e a sede por igualdade brotaram na mente da sociedade. Com esse espírito de mudança, surgiu a escola do Iluminismo, caracterizado como o período humanitário do Direito Penal. Nele se refutavam inúmeras atitudes arbitrárias executadas pelas autoridades medievais. A título de curiosidade, eis alguns dos principais questionamentos que levaram a aguçar o sentimento de liberdade daqueles oprimidos pelas amarras estatais. Veja-se: a) Por que havia prisões infundadas, restringindo o indivíduo sem que houvesse, sobretudo, indício de autoria? b) Por que se utilizava de tanta tortura no interrogatório, apenas para que se forçasse a confissão daquilo que não praticara? c) Por que as penas eram tão desiguais e desproporcionais aplicadas à luz de uma justiça divina apoiada pelo Estado? d) Por que a punição deveria passar por todas as gerações do condenado, ocasionando a perpetuidade em toda a família? (CALDEIRA, 2009).

A implementação da humanização na imposição da pena, cria para o Estado, responsabilidades no exercício de seu poder punitivo máximo, haja vista que se antes o Direito Penal submetia o indivíduo ao suplício extremo, o contrato social refaz as relações, a partir do que se estabelece um equilíbrio entre a capacidade de punir e o ônus de ser punido (BICUDO, 2015). Assim, ao Estado, cabe impor sanções, na hipótese de violação de alguma de suas normas, enquanto, ao indivíduo, resta-lhe sujeitar-se às punições, desde que fixadas em consonâncias com as normas. Segundo as diretrizes da humanização ao se punir, verifica-se que Estado e indivíduo se submetem a um mastro comum, cujo leme fixa limites a ambos, de modo que de um lado, o Estado garante ao indivíduo limites que lhe protejam a dignidade, e de outro, a sociedade se sujeita às sanções, por meio de lei (BICUDO, 2015).

Elencando a ideia de limitação ao exercício punitivo do Estado, verifica-se o fato de que cada cidadão possui deveres a cumprir ante a necessidade de respeito à sociedade e às normas que a circunda, esta, igualmente, também detém obrigações a cumprir com respeito a cada cidadão (BECCARIA, 2015). Examina-se, pois, que a fase da humanização trouxe significativa diminuição da severidade penal no que é pertinente às penas aflitivas. A resposta à questão dos fins da pena encontra-se na teoria absoluta, na teoria relativa e na teoria fruto da combinação delas, as quais serão, mais adiante, dissertadas. Teorias absolutas ou retributivas Volvendo os olhos para sua origem e analisando a pena numa visão simplista, percebemos que, em sua formatação primeira, detinha tão somente função retributiva, correspondendo à resposta estatal ao homem que cometia uma conduta tida por delituosa1.

Consequência necessária da substituição operada pelo Estado quando avocou para si o poder-direito de solucionar as lides interindividuais, tomando o lugar do particular na punição e, concomitantemente, subtraindo deste, esta faculdade. Na gênese do Estado politicamente organizado, a pena guardava íntima ligação com sua irmã de antanho, a vindita privada. Com o surgimento do Estado, este se substituiu ao particular na atividade de penar, e a pena, agora como sanção institucionalizada, passou a funcionar como substitutiva da vingança privada que até então reinava soberana. Quanto ao grau, a medida da pena a ser aplicada devia observar a lei de talião, tendo em vista que o castigo (pena) deveria ser proporcional ao fato criminoso praticado. Ainda, conforme os autores supracitados convém mencionar que Kant elaborou o célebre exemplo: Se os indivíduos membros de uma sociedade, domiciliados em uma ilha, resolvessem dissolvê-la, emigrando para outro lugar, deveriam, primeiro, verificar se havia alguém condenado a pena de morte; depois, teriam que executá-lo antes de esse corpo social ser dissolvido, por uma questão de justiça (Gloeckner; Amaral, 2013).

Segundo Costa Jr. p. “na dialética hegeliana, como o delito é a negação do direito, a pena, enquanto negação de uma negação constitui a afirmação do direito”. As teorias relativas atuam no âmbito preventivo, dirigindo-se tanto à coletividade (prevenção geral) quanto ao indivíduo delinquente (prevenção especial), neutralizando-o. Em verdade, as teorias relativas são conhecidas como teorias utilitaristas, já que visam a atribuir à pena uma utilidade máxima. Sobre a prevenção geral e especial será melhor detalhado nas seções a seguir. Prevenção geral Sob a ótica de César Bitencourt (2018), as teorias da prevenção geral visam evitar a prática futura de crimes, agindo sobre os indivíduos que compõem a sociedade. A lei penal, ao cominar as penas às condutas delituosas, cria na sociedade uma sensação de coação psicológica, no sentido de não cometimento de tais condutas sob pena de experimentarem seus membros, na prática, as agruras da pena.

Já para Dias (2007), no que se refere à prevenção geral negativa, a pena é concebida por parte do Estado com a intenção de intimidar os membros da sociedade para que estes, ao verem o sofrimento daquele que delinquiu, se abstenham de práticas criminosas. Segundo Gloeckner e Amaral (2013), a prevenção geral negativa é geral “porque se destina a toda população, e negativa porque atua em termos de coação psicológica”, entenda-se inibição da prática delituosa. Conforme os autores, o sujeito faria este raciocínio: se valeria a pena cometer o delito, sujeitando-se a pena cominada no tipo penal. Assim, o temor da pena pode ser falível, uma vez que a ameaça da sanção penal pode não ser levada a sério pelo delinquente.

Conforme Beccaria, citado por Gloeckner e Amaral (2013), a certeza na aplicação da pena é que pode dissuadir os indivíduos que compõe a sociedade de agirem em desconformidade com as normas penais. A reafirmação desse sistema pretende mostrar aos cidadãos, integrantes da sociedade, que a violação da norma não abalará a confiança nela, pois ela permanecerá vigente, embora violada. Isso pelo fato de ela servir para orientar o modo de as pessoas procederem em suas relações intersubjetivas. Prado (2015) não deixa de observar que: [. a prevenção geral positiva ou integradora se dirige a todos, e seu fim precípuo em reafirmar a vigência da norma violada diante da totalidade do corpo social, sempre que houver uma infração normativa deverá ser aplicada uma pena, independentemente das características do agente (PRADO, 2015, p.

Deve-se mencionar que essa prevenção age em um plano simbólico, não em concreto (GLOECKNER; AMARAL, 2013). Para esse autor, a finalidade da pena (e da medida de segurança) seria a prevenção de novos delitos, levando-se em consideração a personalidade de cada agente, evitando, assim, a reincidência. Um requisito, portanto, que irá mensurar a aplicação da pena será o grau de periculosidade do agente, sua personalidade, enfim, seus caracteres pessoais. Interessa, agora, a figura do delinquente em si, recaindo a punição sobre o autor do fato, e não sobre o fato (VON LISZT, 1927 apud BITENCOURT, 2018). Para os infratores ocasionais, Von Liszt (1927 apud BITENCOURT, 2018) entendia que caberia a mera advertência (intimidação); para os que precisam de correção, deve haver a função ressocializadora, haja vista que através do trabalho o criminoso seria reeducado, podendo retornar à sociedade (função de restabelecimento).

Para os incorrigíveis ou criminosos habituais, cabia o isolamento por longo período, enquanto perdurasse a necessidade de afastá-lo (função inocuizadora). argumenta que a “pena deve causar arrependimento e compreensão, ou seja, uma mudança da atitude que garanta pelo menos uma adaptação externa à ordem legal”. Fica evidente que essa teoria tem por escopo melhorar o indivíduo, a fim de que ele futuramente faça escolhas mais acertadas, abstendo-se de reincidir na criminalidade. A nosso ver, o Estado como garantidor da paz social, deve fornecer os subsídios para que o infrator se ressocialize, porém respeitando a autonomia do indivíduo. Nesse caso, as medidas ressocializadoras não devem ser impostas ao sujeito, o que seria incabível em um estado democrático de direito.

Assim, um problema que pode ser apontado para essa teoria é que em países, como o Brasil, em que há uma superlotação carcerária, devido à infraestrutura caótica dos presídios, os apenados estão mais propensos à reincidência do que a se ressocializarem. A prevenção especial negativa não foca na ressocialização e por esta visão, apenas tirar o criminoso do convívio social seria suficiente para dar à sociedade a proteção almejada. No entanto, este não é o modelo ideal, especialmente no Brasil em que nenhum condenado pode ficar preso por mais de 30 anos e que o preso faz jus a muitos benefícios para a progressão de regime. Assim, mesmo quando comete crimes hediondos, volta ao convívio social e volta a delinquir, o que demonstra que a proteção dada à sociedade é temporária, já que não se investe em políticas públicas para recuperar o apenado e inclui-lo na sociedade.

Teorias mistas, unitárias ou ecléticas As teorias mistas surgiram como uma proposta intermediária e conciliadora a fim de, suplantando as intermináveis críticas às teorias anteriores, unidimensionais, atribuir ao complexo fenômeno da pena, as naturais funções: repressiva e preventiva, especial e geral. É a orientação que predomina nas ordenações punitivas da maioria dos países. Ressalta Juan Bustos Ramirez (1984) que, no instante em que é imposta uma sanção penal a um condenado determinado, a pena não se converte em um princípio absoluto de justiça, carente de utilidade social, como nas teorias absolutas, nem pode tratar o homem como um meio em relação a outros homens ou um objeto (defesa social, bem comum, ordem, utilidade pública, maioria etc. Desta forma, a pena necessária para preservar a organização política e democrática serve como limite da intervenção do Estado na vida do indivíduo.

Dentro dessa corrente, encontram-se, ainda, algumas posições que serão detalhadas a seguir. Essa teoria, segundo Mir Puig citado por Bitencourt (2018, p. foi concebida pelo Projeto Oficial do Código Penal Alemão de 1966, que estabelecia que a função do direito penal seria a proteção da sociedade, sendo que esta se daria pela “retribuição justa” ao determinar a pena, já as finalidades preventivas teriam um caráter meramente complementar. Nesse diapasão, ao respaldar a aplicação de penas mais brandas para condutas menos graves, e também por consubstanciar uma ideia de ressocialização que está assentada no respeito à personalidade e autonomia do apenado e à dignidade da pessoa humana, a Teoria Dialética Unificadora ganha fôlego quando se trata de justificar a utilização de penas restritivas de direitos, as quais se configuram em importantes instrumentos de reinserção social.

O Estado, a segurança pública e a privação da liberdade O Estado é criação humana para arregimentar, fomentar e resguardar os contornos de uma sociedade. A figura do Estado será, portanto, a detentora do Poder Social, com o propósito de tolher os instintos humanos de ingratidão, inconstância, hipocrisia e ganância, com o propósito de promover a paz social, como desenhou Maquiavel (2011), no Século XVI. Os Estados Modernos, subscritores da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e defensores da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no que concerne à sanção, preconizam o cerceamento de liberdade como algo justo e equânime a todos aqueles transgressores da lei de seus ordenamentos jurídicos. Neste patamar, não poderia ser diferente, também estão reflexos os mesmos limites de atuação do Estado de proibição de excessos e garantia do mínimo.

pessoas privadas do devido processo legal, sem direito à defesa, e vítimas de tortura no momento de detenção, agressores na abordagem e na delegacia, boletins de ocorrência assinados sem depoimentos, violência física e psicológica dentro das unidades, superlotação, péssima qualidade de serviços básicos como assistência médica e alimentação, condições degradantes de salubridade, higiene e ventilação, entrada de forças especiais para revista de celas com violência e destruição de pertences pessoais, durante a qual os presos são obrigados a passar horas nus ou apenas de cuecas sentados no pátio sob o sol, revistas vexatórias de familiares e presos, falta de itens de higiene, comercialização de produtos básicos em cantinas de presídios, abusos em casos de maternidade e a ausência de investigações e responsabilização de inúmeras ilegalidades (Azenha, 2017, p.

A descrição deixa claro que o sistema prisional do Brasil está em colapso. Colapso esse que se prolonga por anos sem melhorias significativas e com picos de crise que com grande frequência dão origem às manchetes veiculadas pela mídia. A título de exemplificação, em São Paulo, na década de 90, uma grande quantidade de rebeliões, fugas, resgates e execução de detentos, marcaram as prisões (DIAS, 2016). No estado do Ceará, em 2016, a taxa de superlotação nas maiores unidades prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza beirou a 100%. Procedendo-se à comparação com a média mundial, que é de 144 presos, esse número, aliado aos demais dados aqui expostos, demonstra que existe uma grande disposição em encarcerar por parte do Estado brasileiro.

E quem são essas pessoas aprisionadas no Brasil? A observação da população carcerária demonstra que 64% são negros ou pardos – em comparação ao percentual nacional em que 53% da população total é constituídas de negros –, 74% são do gênero masculino, somente 9% conseguiu concluir o ensino médio, 52% cometeram crimes contra o patrimônio (roubo) ou tráfico de drogas, e nos presídios femininos essa taxa é ainda maior, 73% (BRASIL, 2017), o que deixa claro que a população carcerária brasileira, em sua maioria, pertence a um recorte populacional de classe e raça que, mesmo antes de transigir normas legais e entrar no sistema, já sofria com a marginalização. Além disso, o Brasil conta com um elevado índice de presos provisórios que sobrecarrega o sistema prisional em 40% do total de aprisionados no país, cuja motivação para o encarceramento está em indícios subjetivos de culpa, e não na condenação definitiva pela justiça, dando ao investigado todos os meios de exercer o contraditório e a ampla defesa (Straube, 2016).

Esse fato é ainda mais preocupante, pois, provavelmente é grande o número de inocentes encarcerados. Ainda, o Conselho Nacional de Justiça (2017) levantou dados com vistas a conhecer o percentual de presos provisório por unidade federativa, e o resultado causa indignação. Segundo o Diretor da Prisão Jan Roelof van der Spoel, a política criminal do país visa ao indivíduo, em vez de um fim social genérico e, muitas vezes, inatingível. Tratamentos de gestão da raiva, vício em drogas ou problemas financeiros podem levar à prática de ilícitos e, segundo Van Der Spoel, buscam ser resolvidos dentro do sistema penitenciário (SPOEL, 2017). Educação, estruturas sociais, políticas públicas e, até mesmo, a cultura e os costumes estão todos diretamente ligados à lógica de um povo.

Todos estes são exemplos reflexos e constituintes do próprio espírito do povo (volksgeist), que segundo Bitencourt (2017), representam e fundamentam as próprias diretrizes e limites do Estado. Portanto, é necessário questionar: quais são os componentes do espírito do povo brasileiro e no que diferem essencialmente os anseios do povo brasileiro e dos holandeses. Além disso, executa atividade econômica específica e delimitada. Dessa forma, a GPA é uma sociedade de propósito específico, constituída por cinco empresas de direito privado, que se comprometeram por um período de 27 anos a construir, manter e gerir o Complexo Penal de Ribeirão das Neves. Porém, o Estado continua implicado na execução do contrato, embora não participe diretamente da maioria das questões gerenciais, tem como missão principal monitorar o serviço prestado pelos entes privados (SANTOS, 2017).

O Complexo Prisional possui 2. metros quadrados e está localizado no município de Ribeirão das Neves, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte - MG. O presídio conta com área administrativa, rouparia, sala de monitoramento de segurança, escritório para assistência jurídica, celas exclusivas para os presos se comunicarem com seus advogados, instalações médicas e odontológicas, farmácia, sala de assistência social, salas de aula (Figura 2), espaços para oficinas de trabalho (Figura 3), áreas de lazer e quartos para visitas íntimas (Bergamaschi, 2017). Figura 2 – Sala de aula no Complexo Prisional de Ribeirão das Neves Fonte: Santos (2017) Figura 3 – Oficina de costura no Complexo Prisional de Ribeirão das Neves Fonte: Augusto Velloso (2018) No Complexo Prisional, 2000 (dois mil) presos são beneficiados com atividades educacionais.

As aulas ministradas englobam o ensino fundamental, ensino técnico e ensino a nível universitário. Atualmente 80 (oitenta) presos estão matriculados em cursos ministrados pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec e 32 (trinta e dois) cursam ensino universitário na modalidade à distância. Outros 60 (sessenta) detentos frequentam cursos religiosos. Os consultórios médicos, odontológico e a farmácia ficam do lado oposto reservado às oficinas de trabalho. Nesses espaços, existem celas de espera e celas para pacientes que precisam ficar em observação. Os serviços de saúde oferecem atendimento em nível de atenção básica e conta com três núcleos. Foi realizada uma parceria com a Rede Pública de saúde, tendo em vista que o município de Ribeirão das Neves é agraciado com recursos para o atendimento dos detentos.

Em cada unidade fica uma equipe médica. Segundo a Revista Exame (2019), isso significa que 3 a cada 4 pessoas ficaram aptas a ter uma arma. Esta medida encontrou grande resistência no Congresso e a legalidade dos decretos publicados pelo Presidente estão sob análise e aguarda decisão. Decerto esta foi uma medida apenas para responder aos anseios da população e cumprir com a principal promessa de campanha de Jair Bolsonaro, mas não irá resolver o problema da segurança pública. As medidas mais aguardadas, no entanto, são as anunciadas pelo atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro. O ano começou com uma sucessão de ataques promovida pelo crime organizado no estado do Ceará, incendiando dezenas de ônibus, carros de passeio e um caminhão de lixo, além de disparar tiros contra uma agência bancária e instalar uma bomba abaixo de um viaduto.

Já a Holanda conseguiu reduzir o índice de criminalidade investindo em educação, práticas restaurativas e empoderamento dos detentos. Com base nessas experiências, é possível afirmar que a punição não deve enveredar pelo estabelecimento de sanções injustas, de modo que o funcionamento de qualquer sistema penal deve ser considerado em sua totalidade para afastar pretensões que, lastreadas pelo crivo de justiça, implique em punições obscuras. Neste estudo foi visto que a execução da pena no Brasil hodierno em muito se encontra desvinculada da finalidade punitiva ressocializatória, que traz por objetivo a reeducação do detento, bem como por sua reintegração ao âmbito social após o cumprimento da pena privativa de liberdade que lhe fora imposta. No Brasil as prisões são criticadas por violarem a dignidade humana e por não ofertarem requisitos mínimos para que o detento cumpra sua pena, sem que tenha sua condição humana mitigada.

Dentre os diversos problemas que assolam o sistema prisional está a falta de oportunidades de trabalho, educação, a mescla de presos e, principalmente, a superlotação, que favorece o surgimento de doenças, gera estresse e motiva a realização de rebeliões e motins. Curitiba: Juruá Editora, 2018. AUGUSTO VELLOSO. Complexo Prisional do GPA – Ribeirão das Neves – MG. Disponível em: <http://www. augustovelloso. º Encontro Anual da ANPOCS, 24 a 28 de outubro de 2016, Caxambu – Minas Gerais. BATISTA, Nilo. Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia: Freitas Bastos, 2000. BECCARIA, Cesare. Acesso em: 15 jul. Bergamaschi, Mara. Com três anos, presídio privado em Minas Gerais não teve rebeliões. O Globo, 07/01/2017. Disponível em: <https://oglobo. Acesso em: 15 jul. BICUDO, Tatiana Viggiani. Por que Punir? Teoria geral da pena.

ed. São Paulo: Saraiva, 2015. The Telepraph, 22/01/2016. Disponível em: <https://www. telegraph. co. uk/news/ worldnews/europe/netherlands/12201375/Netherlands-doesnt-have-enough-criminals-to-fill-its-prisons-as-crime-to-drop. htm>. Acesso em: 15 jul. Lei nº 7. de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em: 15 jul. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Manual de Derecho Penal Español: Parte general. Barcelona: Ariel Editorial, 1984. MALARÉE, Herman.  Hormazabal. Pena y Estado. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Conselho Nacional de Justiça. Reunião Especial. Brasília, DF, 2017. Sistema Produtor e Reprodutor da Violência. Violências, p. –27, dez. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: parte geral. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares; Luiz Flávio Gomes.

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Prender para lucrar. Violências, p. –25, dez. VITTO, Renato Campos Pinto de. Justiça criminal, justiça restaurativa e direitos humanos.

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