A DEMANDA PELA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E INFLUÊNCIA MIDIÁTICA
Quando isso acontece, está-se diante de uma ideologia. A “maneira de ver” a criminalidade e a violência são tratadas por Zaffaroni e Pierangelli (2007), logo no início de sua obra, com o título Delito como “construção” e como “realidade”. Diz o autor não ser necessário nenhum exame de profundidade para saber que a conduta de quem emite um cheque sem fundos e de quem ataca uma mulher e a estupra são ações com significados completamente diferentes. Caso ocorram, no entanto, ambos têm em comum a solução institucional: existe uma legislação incriminadora que preconiza uma pena e um devido processo legal que poderá resultar na privação de liberdade do seu autor; ou seja, “na realidade social, existem condutas, ações, comportamentos que significam conflitos que se resolvem de um modo comum institucionalizado, mas que, isoladamente considerados, possuem significados sociais completamente diferentes” (ZAFFARONI; PIERANGELLI, 2007, p.
Após citar vários exemplos de ações não desejáveis, imorais e conflitivas cometidas por diferentes pessoas ou até mesmo pelo próprio Estado (ter relações sexuais com uma prostituta e não pagar o preço avençado; não pagar o salário do empregado; apropriar-se de um objeto perdido; não devolver o livro emprestado; não pagar conta de energia elétrica; produzir armamentos nucleares capazes de destruir toda a humanidade) o autor demonstra que nem todos os problemas dão margem à solução punitiva institucional. Cita como exemplo a antropologia primitiva e a biologia: com base em teses racistas e no evolucionismo, justificaram o colonialismo inglês e francês, pregando a existência de raças inferiores e outras superiores. Esse exemplo deixa claro como o poder (e a ideologia) condiciona e influencia o saber.
Por isto, Duarte Junior (2002, p. conceitua ideologia como sendo “uma explicação com respeito a instituições e fatos sociais que esconde seus verdadeiros porquês”; diz mais, “quase sempre a ideologia serve aos interesses de determinados grupos sociais ao esconder a realidade das instituições e criar-lhes outra através da palavra, mesmo que esses grupos não tenham consciência disso” (DUARTE JR. p. Consumismo, aceitação da violência, individualismo, machismo, preconceitos sociais e comodismos nos são vendidos diariamente, junto com bebidas, roupas e carros” (BECKER, 2003, p. Outro aspecto relacionado à manipulação midiática tem a ver com a localização espacial das notícias, quer dizer, determinados acontecimentos parecem mais próximos, e outros mais distantes da realidade do telespectador. Marilena Chauí cita como exemplo a destruição das Torres gêmeas do World Trend Center, no dia 11 de setembro de 2001.
Os atentados nos Estados Unidos, apesar da distância geográfica, foram sentidos com mais emoção no Brasil, do que as próprias tragédias brasileiras: “[. muitas pessoas referindo-se a eles como se fossem algo muito próximo e que as atingia, embora continuassem observando calmamente e sem nenhuma emoção às crianças esfarrapadas e famintas pedindo esmolas nas esquinas das ruas das cidades brasileiras onde vivem os telespectadores” (CHAUÍ, 2012, p. após ter sido esfaqueado durante um assalto na pista de lazer da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio de Janeiro, e o estupro coletivo de quatro garotas na cidade de Castelo do Piauí, no dia 27. DOMINGO, 2016). Igualmente, a mesma pesquisa realizada pelo DataFolha, em abril de 2013, demonstrou que se dependesse dos paulistanos, a maioridade penal no Brasil, que hoje é de 18 (dezoito) anos, seria reduzida para 16 (dezesseis) anos.
Nada menos do que 93% dos paulistanos, naquele mês, desejavam a redução da maioridade penal, 6% eram contra, e 1% não soube responder1. O debate sobre a alteração da idade penal tinha voltado à tona após o assassinato do universitário Victor Hugo Deppman, de 19 (dezenove) anos. Além disso, dos 54 jornais diariamente monitorados, o número de notícias publicadas sobre maioridade penal atingiu uma média de 370 por ano para 3. em 2007, ano da morte de João Hélio, sendo que, desse total, 1. textos foram publicados em fevereiro, quando o crime aconteceu (ANDI COMUNICAÇÃO E DIREITOS, 2012). Ainda segundo a ANDI (2012), 67,1% dos noticiários envolvendo adolescentes em conflito com a lei estavam centrados no ato infracional, 47,3% em casos individuais, e somente 2,2% faziam uma cobertura mais contextualizada, levando em conta as políticas públicas, ações e projetos dirigidos – ou negados – a esse segmento da população, do que concluiu: “em outros termos, as narrativas dos jornais monitorados inviabilizam uma visão sistêmica sobre o fenômeno dos adolescentes em conflito com a lei, responsabilizando unicamente os indivíduos pelo quadro de infrações” (MAZZARELA, 2009, p.
Ocorre que o adolescente também sofre violência. Outra explicação para a indiferença da sociedade brasileira, de certa maneira, mais otimista, é dada por Athayde, Bill e Soares (2005), que afirmam que é possível que a indiferença tenha se tornado um mecanismo de defesa adaptativo, que bloqueia a percepção, entorpece os sentidos, anestesia a sensibilidade e turva a visão, a fim de proteger o indivíduo, salvá-lo daquilo que é doloroso demais, caso ele se desse conta. Independente do modo mais ou menos ácido para explicar a indiferença, a alienação, o saber-comunicado-formador de opinião, de raízes ideológicas, a verdade é que isso lembra a eleição do bode expiatório, a “pessoa sobre quem se faz recair as culpas alheias ou a quem são imputados todos os reveses” (FERREIRA, 2009, p.
É mais fácil culpar os adolescentes autores de atos infracionais violentos, quer dizer 0,1% da população total de adolescentes brasileiros, por todos os problemas de violência no país, e reduzir a maioridade penal, porque assim, tratando todos os adolescentes de 16 (dezesseis) anos como adultos (inclusive os autores de atos não violentos), finalmente a criminalidade será solucionada ou, ao menos, reduzida (VIANNA, 2013). Este é um grande equívoco. Aqueles que pensam assim se esquecem que não existe pena perpétua no Brasil: o jovem (caso sobreviva ao desumanizador sistema penitenciário adulto) sairá dali com muito mais motivos para vingar-se daqueles que o elegeram anteriormente como bode expiatório, depositando-o e esquecendo-o em presídios, sem dar-lhes chances para ressocializar. Acesso em: 6 out. ATHAYDE, Celso; BILL, M. V; SOARES, Luiz Eduardo.
Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012. COIMBRA, Cecília. Operação Rio: o mito das classes perigosas. Rio de Janeiro: Oficina do autor. Acesso em: 6 out. DOMINGO, Cíntia Oliveira. Adolescente e Maioridade Penal. Curitiba: Juruá Editora, 2016. DUARTE JUNIOR, João-Francisco. O capital da notícia: jornalismo como produção social da segunda natureza. São Paulo: Ática, 1989. MAZZARELA, Sharon R. Por que todos estão sempre perseguindo os jovens? O pânico moral em relação aos jovens, à mídia e à cultura. In: MAZZARELA, Sharon R. Acesso em: 5 out. VIANNA, Túlio. Maioridade seletiva. O Estado de São Paulo. Publicado em: 20 abr. org. br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil. pdf>. Acesso em: 6 out. ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique.
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