Comédia como meio de crítica social
ORIENTADOR __________________________________________ EXAMINADOR __________________________________________ EXAMINADOR DEDICATÓRIA (OPCIONAL) AGRADECIMENTOS (OPCIONAL) EPÍGRAFE (OPCIONAL) RESUMO A comédia, gênero do teatro, além de provocar o riso, pode tomar rumos relevantes: o da crítica social. Em muitos casos, de maneira subliminar, personagens lidam com situações do cotidiano que são cometidas, mas não assumidas por todos. Nesse âmbito, tem-se a Senhora dos Absurdos, personagem do ator Paulo Gustavo, que é extremamente preconceituosa e homofóbica, disparando “absurdos” contra os negros, gays, lésbicas, entre outros. É com esse cenário, então, que este trabalho tem como objetivo explorar a comédia como forma de crítica à sociedade, sem que ela seja usada apenas para provocar risadas. Para isso, falas da personagem Senhora dos Absurdos foram transcritas e analisadas, em um estudo de caso, de acordo com o referencial teórico acerca do preconceito racial e sexual, recorte escolhido para este trabalho.
Objetivos 11 1. Justificativa 12 1. Metodologia 12 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E ANÁLISE METODOLÓGICA 14 2. Paulo Gustavo e a Senhora dos Absurdos 14 2. Pequena discussão histórica acerca das raízes do preconceito 17 2. Em sua origem, a comédia não tinha nenhum padrão rígido – diferentemente, por exemplo, da tragédia grega em que era fundamentada na temática mitológica. Porém, sempre tendia a criar situações absurdas e, dentro delas, elaborar críticas aos políticos, nobres e até aos deuses (DUVIGNAUD, 1972). Para Duvignaud (1972), além das transformações políticas da época, o ator de teatro surge como uma forma de representar os cidadãos gregos que passavam a habitar as cidades-estados. Em outras palavras, os atores são criados como forma de corresponder um dinamismo e uma transformação das estruturas sociais que modificavam a forma do pensamento, da natureza dos mitos, das crenças etc.
tornando possível a participação coletiva nesse novo cenário. Diversas teorias, argumentos e dados vão desmistificar essa crença, verificando que, na realidade, a possível melhora da população negra é bem restrita e incomodante à cultura dominante – e por cultura dominante entende-se como a categoria social branca, rica e heterossexual, inclusive, como a própria Senhora dos Absurdos se auto define. E, relacionado ao tema anterior, o assunto sobre homossexualidade também foi escolhido porque o processo de discriminação que ocorre é muito mais direto e explícito por parte da personagem, justamente como forma de representar a realidade social. Diversos movimentos sociais recentes e frequentes, como a parada gay, por exemplo, revelam a importância que se tem em debater sobre o assunto, para conhecê-lo melhor e estranhá-lo menos – uma vez que existem ainda poucos artigos científicos sobre o assunto – numa sociedade que se diz democrática.
Objetivos O principal objetivo deste trabalho é demonstrar como o gênero comédia pode ser utilizado como meio de críticas à sociedade, saindo do âmbito de que a comédia apenas serve para provocar o riso. Além disso, outros objetivos relevantes são: refletir a utilização da comédia como caminho crítico no cotidiano e questionar o preconceito, analisando a questão através da personagem Senhora dos Absurdos, de Paulo Gustavo, a fim de ampliar a abordagem do tema. Para o trabalho aqui presente, especificamente, serão adotados métodos de pesquisa bibliográfica e estudo de caso. Inicialmente, a pesquisa bibliográfica, de acordo com Marconi e Lakatos (2003), abrange uma bibliografia pública em relação ao tema abordado, compreendendo livros, revistas, jornais, gravações, audiovisuais, entre outros.
Nesta pesquisa, optou-se por desenvolver fundamentações teóricas – sobre preconceito e a comédia como meio de crítica social - com base em livros, artigos e material audiovisual, na forma de esquetes disponibilizadas em rede. Já o estudo de caso, que segundo Gil (2008) é caracterizado por um estudo profundo e exaustivo de um objeto, de modo a permitir conhecimento amplo do tema, será elaborado da seguinte forma: 1. Foram selecionados vídeos com falas da personagem Senhora dos Absurdos; 2. Nesse contexto, Paulo Gustavo (2015) afirma: Acho que o humor pode funcionar como uma forma leve de crítica social. Minha personagem Senhora dos Absurdos, por exemplo, é preconceituosa, homofóbica. Mas essa não é uma questão simples. Aquele que está fazendo a crítica por meio do humor opera em uma linha tênue: até que ponto estou criticando um comportamento e até que ponto estou disseminando esse comportamento? Dessa forma, as falas que serão analisadas foram transcritas e podem ser vistas a seguir: • “Eu não gosto de música, por exemplo, não gosto, tenho horror de música.
Por quê? Porque toda música me remete uma coisa que eu odeio. Eu já não gosto da MPB por isso. É bonita?! É! É poética?! É, mas eu não gosto, entendeu?! Outra coisa que eu não gosto, por exemplo, é música POP, por quê? Porque a música POP me remete ao quê? Ao viado, à bicha, à bicha louca, sinistra, entendeu?!” • “Menina, tá acontecendo uma coisa esquisita comigo agora, que toda semana eu encontro com uma lésbica. É mole?! Toda semana na rua eu encontro com a masculinizada. Teve uma que tava tão masculina que eu cheguei perto dela e falei ‘Você não tem vergonha não, garota?! Você não tem vergonha com essa cara de masculina pra cima de mim?’ [. Então é assim, eu não gosto muito de chegar perto de lésbica, não gosto mesmo, e você não pode atacar muito elas não porque, por exemplo, o viadinho.
Porque se eu tivesse lá, tinha dado um tapa junto, com certeza. A história do negro é outra que me irrita. O negro sai na rua, sofre a discriminação, reclama, mas é assim desde que o mundo é mundo, o país é assim. Não tem que sair na rua o negro, tem que ficar em casa. Ou então se não tá satisfeito vai pra outro lugar. Horror! Eu gosto de ser sincera. Eu acho que as pessoas têm que ser sinceras umas com as outras. O correto é esse! Agora a sociedade, às vezes, obriga a gente a mentir, porque tem coisa que eu não falo na cara das pessoas. Por exemplo, esses dias eu subi com uma menina aqui do meu prédio no elevador, a menina com buço, com pelo no braço, com pochete, falei ‘É sapatão essa merda’.
Mas eu não falei pra ela, claro que eu não falei, fiquei quieta. De acordo com uma análise histórica da ideia de preconceito, ele já existia nas Antigas Grécia e Roma, embora não fosse um preconceito de base racial, uma vez que não existiam divisões e hierarquias raciais nesse contexto, mas sim de base cultural, ou seja, um preconceito por parte da sociedade e daqueles que eram considerados cidadãos, contra as pessoas escravizadas (SNOWDEN, 1995). No Período Medieval (séculos V ao XV), há relatos da criação de instituições com o intuito de segregar indivíduos que apresentassem alguma deficiência ou anomalia perante o que era considerado como normal ou padrão para a sociedade da época – e tal argumento possuía legitimidade e até incentivo perante o meio religioso e político do período.
Tais instituições foram denominadas por asilos, que funcionaram até por volta do século XVII como internatos para os excluídos da sociedade. Posteriormente, os asilos se tornaram prisões, as quais cada vez mais se naturalizavam no ambiente social, enclausurando pessoas que causavam algum incômodo ou constrangimento, ou não se enquadravam como o que ficou definido por “ser humano normal” (FOUCAULT, 1972). O autor Foucault (1978), em seus estudos, discutiu sobre o fenômeno do preconceito tratado como loucura, desde o Renascimento (século XV) até a sociedade do século XX. Mais recentemente, o filósofo italiano Bobbio (2011) assumiu uma posição diferente. Na visão dele, o preconceito provém de uma generalização superficial que é acolhida passivamente por uma tradição, costume ou até autoridade. Ele se caracteriza ainda por formar estereótipos que fazem parte da crença e não do conhecimento racional, do tipo: “todos os baianos são preguiçosos”, “todas as mulheres são frágeis”, “todos os ciganos são ladrões”, dentre outros (BOBBIO, 2011).
Nessa linha de raciocínio, uma atitude preconceituosa pode ser ainda o resultado de um medo sem explicação. É exatamente isso que defende a escritora e linguista brasileira contemporânea Luft (2010). O conceito geral de preconceito e sua relação com o racismo No raciocínio de Allport (1954), o termo preconceito pode ser definido como uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente por acreditar que o mesmo pertença a um grupo sem prestígio social, ou seja, ele é uma espécie de julgamento preconcebido, geralmente, na forma de uma ação discriminatória perante pessoas, culturas, religiões, lugares ou costumes considerados diferentes e exóticos. Normalmente, o preconceito, quando colocado no sentido pejorativo, costuma ser simplista, supérfluo, equivocado e grosseiro. Considerando que existem inúmeros grupos socialmente desvalorizados1, existem, consequentemente, vários tipos de preconceitos.
Dentre as formas possíveis de preconceitos recorrentes, destaca-se uma em particular, que se dirige a grupos em função de seus aspectos físicos ou fenotípicos supostamente herdados – trata-se do preconceito racial ou étnico (ALLPORT, 1954). Segundo Allport (1954, p. Pode-se, então, distinguir o conceito de racismo com o de preconceito: O racismo repousa sobre uma crença na distinção natural entre os grupos, ou melhor, envolve uma crença naturalizadora das diferenças entre os grupos, pois se liga à ideia de que os grupos são diferentes porque possuem elementos essenciais que os fazem diferente, ao passo que o preconceito não implica na essencialização ou naturalização das diferenças (LIMA E VALA, 2004, p. Segundo, o racismo não existe apenas na condição do indivíduo, mas também no segmento institucional e cultural da sociedade – o racismo consegue englobar os processos de discriminação e de exclusão social; o preconceito permanece, geralmente, como uma atitude.
As definições, bem como a natureza e as formas de expressão, do preconceito e do racismo são influenciadas pelas normas sociais presente no contexto que se analisa. Todavia, apesar de sua relevância como problema social, o preconceito e o racismo, de certa forma, sempre foram percebidos como sendo um problema do outro e, portanto, longe da responsabilidade de cada um (LIMA E VALA, 2004). Nos séculos de escravidão e exploração do trabalho, por exemplo, o racismo era manifestado de maneira aberta, uma marca que caracterizava as normas sociais de discriminação e exploração vigentes da época3. Assim, o racismo brasileiro é verificado através de “brincadeiras”, “ sem a intenção de ofender ninguém”, mas com grandes consequências (SCHWARCZ, 1996; TURRA E VENTURI, 1995). Para se ter uma ideia em números da problemática brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), a população é composta por cerca de 54% de pessoas que se autodeclaram ser negras ou pardas e sua participação no grupo dos 10% mais pobres do país é de, aproximadamente, 75%.
A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED, 2013-2014), desenvolvida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), já havia feito um levantamento anos antes sobre os negros nos mercados de trabalho metropolitanos das cidades de Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo: o valor recebido pelos negros para cada hora trabalhada, em média, corresponde a 77,5% do que os brancos recebem. Com o atual comportamento ruim da economia, o IBGE (2015) apontou que, quando a taxa média de desocupação no Brasil era em torno de 7,9%, na realidade, esse número sofria alteração quando afunilado de acordo com o critério de cor – a população negra ocupava cerca de 8,8% de desempregados enquanto que a branca 7%. A mesma pesquisa conseguiu aferir ainda que, de acordo com os setores do mercado de trabalho, os únicos que os negros têm maior participação são o de construção civil – que exige certa força braçal – e de serviços domésticos – que historicamente pagam menos salários e requerem menor grau de instrução.
Quando colocado em estatísticas nacionais, ele tem o poder de demonstrar seu caráter de anomalia social. As novas expressões de preconceito e racismo, apesar de discretas e indiretas, são tão ou mais prejudiciais que as ações mais abertas e flagrantes, uma vez que, por serem mais difíceis de serem identificadas, são também mais difíceis de serem modificadas ou combatidas. Soma-se a isso, ainda, a capacidade de mutação dessas formas veladas de preconceito em manifestações extremamente violentas de fanatismo nacionalista ou xenofóbicas. As formas de preconceito contra a orientação sexual Verifica-se que, apesar de tímidas e pouco significativas, algumas minorias sociais, como as minorias raciais, conquistaram certas mudanças na legislação de vários países, incluindo o Brasil, que, no entanto, ainda não apresenta mudanças significativas às minorias sexuais.
Historicamente, segundo estudos de Badinter, Bremmer, Costa e Veyne, a sexualidade inicia-se no berço das civilizações antigas, como Grécia e Roma, por exemplo, quando as relações homoeróticas apenas eram repudiadas caso ameaçassem a hierarquia social. Esse interesse mostra-se perceptível tanto nos movimentos que lutam pelos direitos dos homossexuais, tal como a parada gay, como em forma de programas sociais que têm como objetivo reduzir o preconceito6. De acordo com Herek (2000b), o preconceito contra pessoas que preferem ou optam por se relacionarem com outras do mesmo sexo pode ser compreendido como homofobia e heterossexismo. Ambos os termos surgiram no final da década de 60, a fim de responder às mudanças ocorridas na época com a revolução sexual, que modificou o pensamento da sociedade com relação à orientação sexual, termo esse que teve início um pouco mais tarde, na década de 80, de forma a servir como expressão da natureza do desejo sexual.
Sendo assim, de acordo com Almeida Neto (1999, p. e 43): No tocante às expressões “preferência” ou “opção sexual”, os campos semânticos referem-se à afirmação, entre outras, nas noções de liberdade, voluntariedade, consciência, intencionalidade e escolha, haja vista que o indivíduo que “opta por” ou “prefere” um sexo a outro como objeto de desejo está elegendo – livre, racional, deliberadamente – uma alternativa em detrimento de outra. Outras representações correntes do senso comum são as de que a homossexualidade “é apenas uma fase” ou é um “estilo de vida” que o indivíduo pode optar por rejeitar (DUNCAN et al. expressões populares, evidentemente, que fazem com que o indivíduo, com frequência, sinta repugnância, desconforto e confusão. Ao que o raciocínio psicológico e sociológico indica, a cognição sobre os homossexuais não se baseia apenas em estereótipos, mas, de certa forma, em crenças cujo elemento fundamental é a atitude preconceituosa e o estigma de todo um grupo social.
Nesse ínterim, muitas pessoas poderiam ter preconceitos contra homossexuais por acreditarem ter valores diferentes ao da cultura dominante, como é o caso da personagem de Paulo Gustavo, que se auto denomina heterossexual, com tom de superioridade. Consequentemente, os indivíduos homossexuais são discriminados e têm seus direitos humanos violados em diversos espaços da sociedade, sendo o ambiente doméstico/familiar, de trabalho, residencial e serviços de saúde, locais públicos, instituições escolares e diversos órgãos governamentais, assim como a polícia e o exército (DUNCAN et al. • E, por fim, de acordo com mais uma pesquisa, os homossexuais no Brasil contam com uma rejeição de 78% entre a população geral e 82% entre formadores de opinião, ou seja, políticos, juristas, executivos, comunicadores e membros da Igreja (MOTT, 1996).
As consequências sofridas pelos homossexuais podem, ainda, ser mais explícitas nas palavras de Di Placido (1998, p. tradução livre): No contexto de seu status de minoria sexual, lésbicas, gays e bissexuais experienciam homofobia e estigmatização, o que os coloca em risco para sofrer eventos de vida negativos, especificamente eventos relevantes para a homossexualidade – exemplo: perda de emprego, moradia ou custódia de filhos, violência e discriminação decorrente de sua orientação sexual –, assim como problemas diários mais crônicos – exemplo: escutar piadas preconceituosas, estar sempre na defensiva. Todos os dados apresentados, entre outros, portanto, colocam o Brasil como campeão mundial de assassinatos de homossexuais, equiparando-se a países como Irã, Sudão, Zimbábue e Iraque, onde a homossexualidade é considerada pela legislação crime passível de execução (MOTT E YONARA, 1999).
É relevante, ainda, esclarecer que as expressões referentes a assassinatos de homossexuais designam, exclusivamente, homicídios, cujo principal motivo deu-se de acordo com a orientação sexual da vítima. Posteriormente, foram elaborados os conteúdos, com seus respectivos referenciais, acerca de preconceito racial e sexual; em outras palavras, racismo e homofobia. Para essas seções, os estudos de Allport (1954), Fernandes (1978), Foucault (1978), Luft (2010), Herek (2000b), Duncan e Cols (2000), Almeida Neto (1999), entre outros, foram de extrema importância no entendimento do tema. Em meio aos conceitos e definições mostrados sobre os dois tipos de preconceito, considerou-se interessante já implementar a análise do estudo de caso, aproveitando-se de parágrafos relevantes para a abordagem da Senhora dos Absurdos. Em meio a toda a análise, entende-se, primeiramente, que a personagem do ator Paulo Gustavo assume um papel extremamente preconceituoso, que profere “absurdos” com relação a negros e homossexuais, elevando sua posição de “mulher rica, branca e heterossexual”.
Das suas falas, transcritas na seção 2. Disponível em <https://www. abglt. org/> Acesso em 23 de julho de 2017. ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. BEN BRIKA, J. et al. Racism and xenophobia in Europe. Bruxelas: European Commission, 1997. Journal of Homosexuality, v. p. CONSELHO NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO. Brasil sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. dieese. org. br> Acesso em 20 de julho de 2017. DIPLACIDO, J. Minority Stress Among Lesbians, Gay Men, and Bisexuals. MACDONNELL, J. ROEDDING, D. CHOW, K. MILNE, D. Improving the Access to and Quality of Public Health Services for Lesbians and Gay Men. São Paulo: Perspectiva, 1978. GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social.
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