TEOLOGIA - CULTURA TEOLÓGICA NO COTIDIANO HUMANO

Tipo de documento:Redação

Área de estudo:História

Documento 1

Palavras – Chave: Teologia / Cotidiano / Ambiguidade. ABSTRACT The present work focuses on identifying and pointing out the theological practices applied in the daily life of the human race, which seek to solve the problems that usually arise in the vicissitudes of their daily life, whether financial, family or professional. It provides in principle the practices used by the Medieval Catholic Church and the historical criticisms generated by them, as well as punctuating the daily life of the so-called Protestant Churches and their currents. In this context, the theological presuppositions of these religious experiences are pointed out, which in their intrinsic concern involve both doctrinal zeal and spiritual zeal, both mind and soul, both faith and works, and sometimes through ambiguities are carried out with the hybridism of creed and the inevitable subjectivist syncretism or deinstitutionalizing the religions or creating the ruse of incipient belief.

Key - words: Theology / Daily life / Ambiguity. A Terra encontra-se repleta de maravilhas que se espalham em todos os continentes, revelando a exuberância de belezas singulares que impressionam e emocionam ao serem contempladas. São formosuras que se estendem desde as profundezas dos mares e rios, que são verdadeiros paraísos submersos, ao cume das montanhas, passando por densas florestas, pelo interior de cavernas à vastidão dos desertos. O homem desde os seus primórdios e com a curiosidade que lhe é peculiar sempre buscou respostas acerca de sua origem e propósito de sua breve estadia na terra, sobretudo, quanto ao seu destino depois de deixa-la em razão da morte. Por mais que as teorias vigentes da vertiginosa evolução cientifica tentem explicar o inicio de tudo o que existe, não apresentam respostas plausíveis que venham mitigar a agonia humana no que concerne a limitada condição de tudo aquilo que nasce, vive e inevitavelmente sucumbe.

Em suas reflexões, o gênero humano infere que a sua realidade material, por mais abundante que seja, se mostra ineficaz quando se trata de suprir a mais intima de suas necessidades espirituais ainda que ambas não sejam excludentes entre si. O cristianismo em permanente contato com o mundo filosófico grego, não apenas se traduziu em uma nova linguagem, como também se configurou nessa nova realidade de forma praticamente completa, assumindo novas categorias e procedimentos teórico-metodológicos. Em contato com a estrutura social romana e, posteriormente, da que adveio dos povos bárbaros, soube também se entender-se e se adaptar. Mas não somente em razão disso de forma a provocar a união entre judaísmo, helenismo e modos de existência romana e bárbara que veio a se tornar matriz da cultura ocidental, levando a marca cristã desde seu nascimento até os dias atuais.

Afinal, o que chamamos de Ocidente é uma cultura fortemente marcada pelo cristianismo e sua idiossincrasia. A partir do século XIII d. Prova disso é que a reflexão cristã-teológica sempre se deu, por excelência em diálogo, não somente com a filosofia, mas também com as demais ciências. Na verdade, o cristianismo não compreende sua fé vivida sem um referencial comunitário, que com o passar do tempo veio a se estruturar como Igreja. Esta ao se institucionalizar, ocupou importante espaço público, ainda que com denominações diferenciadas, vem constituir o referencial necessário à elaboração teológica. E mais ainda, o cristianismo não compreende a vivência de sua fé sem referência à sociedade na qual vivem os fiéis.

Tanto do ponto de vista ético quanto político, a afirmação da fé cristã tem consequências sociais, mais ainda pela força de sua estrutura eclesiástica. Anos se passaram até se chegar à conclusão de que o chamado “Astro Rei” era mais uma das bilhões de estrelas que integram a galáxia. O questionamento constitui a alavanca fundamental do conhecimento. Pode-se afirmar sem sombras de dúvidas, que foi a curiosidade do homem aliada ao seu conhecimento evolutivo, empenhados em desvendar os mistérios do cosmo que levaram a tantas e, muitas vezes, surpreendentes descobertas. Entretanto, tanto homens da ciência quanto da fé, pagaram alto preço por defenderem veementemente suas convicções. No passado remoto, quando a fé suplantava a ciência, refutar o dogma aristotélico abraçado pela igreja de Roma equivalia assinar a própria sentença de morte, na medida em que as opiniões da igreja romana eram consideradas infalíveis e seus dignitários supunham ser sua prerrogativa impingir aos outros a crer como eles e se utilizarem da força para compelir a consciência.

A Igreja na acepção da palavra – do original grego ekklesia – não era mais a assembleia de pessoas que professavam a mesma doutrina e a mesma fé, mas sim a totalidade dos seus bispos. Uma vez instituído como religião oficial do império romano o cristianismo passou a ser não mais os ensinos de Cristo, mas a doutrina religiosa do Estado. Destarte, a Igreja e o Império passam a ser considerados como partes homogenias e o objetivo de um passou a ser o alvo do outro – a conquista e o domínio de todo o mundo. Falsos documentos surgiram em favor da prerrogativa papal a ponto de cada sucessor à cadeira do pontífice instar ser não somente ser o representante de Deus na terra, mas o vigário de Cristo e, como tal, possuía o direito legitimado de empunhar as duas espadas, tanto a espiritual enquanto sacerdote, como a secular, enquanto chefe de Estado.

Sistematizou-se a teologia à revelia das Escrituras com imposições de doutrinas dadas como verdades indiscutíveis, certas, e inatingíveis. Embora não tenha formulado uma doutrina Erasmo influenciou bastante os intelectuais daquela época ao expressar uma tendência a uma religião simplificada tão somente baseada nas Escrituras que combinava fé e razão (doutrina de Tomás de Aquino). Sendo uma das vozes mais fortes no inicio daquele século registrou em sua obra críticas impiedosas contra os excessos da Igreja romana. Transcrevem-se alguns trechos que fornecem um vago retrato daquela época: “[. Sobre o “comércio religioso” – Persuadidos dos perdões e das indulgencias, ao negociante, ao militar, ao juiz, basta atirarem a uma bandeja uma pequena moeda, para ficarem tão limpos e tão puros dos seus numerosos roubos como quando saíram da pia batismal.

Tantos falsos juramentos, tantas impurezas, tantas bebedeiras, tantas brigas, tantos assassínios, tantas imposturas, tantas perfídias, tantas traições, numa palavra, todos os delitos se redimem com um pouco de dinheiro, e de tal maneira se redimem que se julga poder voltar a cometer de novo toda sorte de más ações. Além disso, assim como a Igreja cristã foi fundada com sangue, confirmada com sangue e dilatada com sangue, assim também os papas a governam com sangue como se nunca Jesus Cristo tivesse existido para protegê-la e sustentá-la”. “A guerra é por natureza tão cruel, que muito mais conviria às feras do que aos homens, tão insensata que os poetas a atribuíram às forças do inferno; tão pestilenta que corrompe todos os costumes; tão iniqua que a fazem melhor perversos ladroes do que homens probos e virtuosos; finalmente, tão ímpia que nenhuma relação possui com Jesus Cristo nem com sua moral.

Isso não impede que alguns pontífices abandonem todas as funções pastorais para consagrar-se inteiramente a esse flagelo da humanidade. Entre esses papas guerreiros encontram-se até velhos que agem com todo o vigor da juventude, que nenhuma consideração tem pelo dinheiro, que suportam corajosamente a fadiga e não tem o menor escrúpulo em fazer subverter a leis, a religião e a humanidade. Mas não faltam eruditos aduladores para dar a esse manifestíssimo delírio o nome de zelo, piedade, valor. Essa concepção ameaçava o sacerdotalismo da igreja que se autoproclamava como sendo a principal responsável pela missão de redimir a humanidade (a despeito das Escrituras). Não por acaso, Lutero foi o primeiro tradutor da Bíblia para o idioma alemão, retirando, assim, do monopólio católico que admitia apenas o latim como “língua oficial da fé”, o privilégio da leitura dos textos sagrados.

Foi classificado de herege, chamado de impostor e “enviado do demônio”. O cardeal Adriano, de Tortosa em carta enviada a faculdade de Teologia de Louvain (países baixos) classificou como heresias grosseiras os escritos e tradados de Lutero. Transcrevem-se aqui alguns trechos: “[. Ora nem tu nem qualquer pessoa pode negar que ela é mais corrupta do que qualquer Babilônia ou Sodoma. Tanto quanto compreendo, ela é uma impiedade totalmente deplorável, sem esperanças e notória. Fiquei indignado com o fato de que se escarnece do povo cristão sob teu nome e sob pretexto da Igreja romana. E assim resisti e resistirei enquanto o espirito da fé viver em mim. Não que eu pretenda o impossível e espere que apenas graças a mim alguma coisa seja promovida nessa confusíssima Babilônia, visto que me combatem tantos aduladores furiosos.

“Wittemberg, 6 de dezembro de 1520. Martinho Lutero, Carta de Lutero a Leão X, sumo pontifice, em obras selecionadas,pp. Lutero já excomungado, fora convocado por Carlos V imperador do Sacro império Romano-Germânico e negando-se a se retratar perante a Assembleia de Worms, foi banido do império. Em suas reminiscências registra um vago panorama dos abusos e dos feitos ruinosos da Igreja romana praticados em nome de Deus: “[. alguém me dirá: quantos crimes, quantos escândalos, essas fornicações, essas bebedeiras, essa paixão desenfreada pelo jogo, todos esses vícios do clero! [. Os constantes ataques à sã doutrina remontam á épocas antigas quando as seitas heréticas por sustentarem concepções desviadas da verdade, consideravam o cristianismo como “religião ilícita” e empregavam os mais possíveis e imagináveis recursos espúrios com o objetivo de angariar adeptos e diluir a Igreja cristã a qual, em que pese às perseguições externas, lutava pela preservação da simplicidade e da pureza internas.

A Igreja romana reagiu com a Contra-Reforma como um conjunto da luta antiprotecionista e com espirito guerreiro e amplos instrumentos de repressão usados como “braço secular” dos Estados. O 19º concilio ecumênico da historia da Igreja (Concilio de Trento) demonstrou que as esperanças de reconciliação entre os católicos romanos e os protestantes eram infundadas. Do ponto de vista do dogma, este concilio deu uma resposta precisa às doutrinas heréticas e concretizou os elementos fundamentais do catolicismo. Quanto à disciplina, aprovou decretos para renovar costumes e estruturas eclesiásticas. Uma das primeiras consequências da submissão da realidade ao estudo racional afetava as concepções religiosas. Era o inicio do deísmo, ou religião natural que excluía os dogmas, a revelação e os ritos tradicionais.

Naquele sistema, portanto, Deus era uma entidade distante, abstrata, afastada do homem e da natureza, que regulava o universo e as leis mecânicas controladoras da vida cotidiana. Segundo a doutrina filosófica do deísmo Deus depois de criar o mundo permanece distante sem interferir na natureza e nos acontecimentos universais, não agindo nem tampouco se fazendo presente absolutamente em nada. Uma vez questionada a certeza cristã de que a vida humana constitui um percurso doloroso para a vida verdadeira, a felicidade passou a ser o problema central dos pensadores daquela época. ” “A religião cósmica é o móvel mais poderoso e mais generoso da pesquisa científica. ” Ocorre que o principal problema existente na relação entre a teologia e o cotidiano decorre do fato de que ambos os fatores são concebidos a partir de uma visão equivocadamente ambígua.

O conceito de religião oficial é separado da religião popular na medida em que o fiel divorcia-se da teologia religiosa e espiritual para associar-se ao senso comum e popular, o que o leva a dificuldade de discernir o que vem a ser o labor espiritual, a prática acadêmica e a liturgia a ser praticada, gerando assim, as dicotomias. Em decorrência desse cisma exacerbado, resultado de um voo muito alto alçado pela ciência teológica como se uma sofisticada aeronave fosse, surge a necessidade de se criar uma conjunto metódico de conhecimentos com o objetivo de unir a prática acadêmica, o saber teológico à vida eclesiástica: a teologia prática. Tal doutrina vem equipara-se a um dispositivo utilizado para ligar, ou ao menos mitigar a distancia alçada pela teologia (aeronave) e o solo (cotidiano).

é feita pelos membros de comunidades cristãs que querem participar do discurso teológico com o auxilio de pessoas especialmente formadas e que os métodos da teologia prática são a hermenêutica e a dialética, quer dizer, interpretação, análise critica e planejamento de atos de linguagem que visam mudanças sociais [. seu objetivo é a libertação dos sujeitos, baseada na fé cristã, numa sociedade livre e justa”. Uma vez que fora enclausurada nos mosteiros e universidades, a teologia percebeu a necessidade de retornar ao cotidiano ensejando o surgimento da dita teologia prática com seus novos métodos e teorias, objetivando, além disso, centralizar a práxis da vida eclesiástica voltada à comunidade cristã resgatando em essência a sua credibilidade. Inicialmente, a aplicação incipiente da teologia prática não se coadunava com as outras ciências na medida em que ora se confundia com estas, ora as considerava como sendo simples ferramentas analíticas da realidade, fato que tornou necessário buscar de maneira escrupulosa a especificidade teológica sob pena de incorrer aquela em nova confusão com as outras ciências.

Entretanto, considerando que a teologia prática deve se fundamentar não somente nos escritos históricos, mas, sobretudo, nos escritos bíblicos, tem-se que fragmentar a teologia em áreas especificas consiste em falta de cautela na medida em que esta estaria voltada apenas para o cotidiano atual, divorciando-se de sua trajetória primitiva. Nos dias atuais, em função da grande desconfiança que grassa no seio de toda a sociedade, ocorre o esvaziamento e, por extensão, o enfraquecimento de ambas as instituições por força de suas respectivas mazelas e descaminhos, gerando o êxodo das igrejas e o total descontentamento social no que tange ao âmbito politico. Diante desse quadro é de extrema urgência repensar a ciência teológica a ser adequada a uma nova conjuntura politica.

O desenvolvimento acadêmico da teologia dado por questões historicamente compreensíveis possui em sua essência um valor ínfimo quando se trata da verdadeira causa teológica que vem se tornar exequível com o advento do Corpus Christianorum europeu. Por meio desse grande empreendimento editorial escritos confessionais de autores cristãos são publicados pelas igrejas e organizações ecumênicas de todo o mundo de modo a dar uma peculiar e singular unidade entre Igreja e Estado nos moldes do Sacro Império Romano. No entanto, além dos muros que compreendem esse universo eclesiástico, faltavam elementos necessários para dar consistência à essa união. Em essência, o individuo pratica a teologia quando exercitando a fé e sua aplicabilidade em busca do entendimento (fides quaerens intellectum).

Assim, não é tanto o teólogo que se ocupa da fé, antes; é a fé que vem ocupar o teólogo, surgindo então, a retórica da fé sobre si, isto é, a teologia enquanto fé em estado de ciência (in statu fidei ex scientia). Na teologia a fé em si é tanto tácita quanto explicita na medida em que na fé encontra-se uma teologia implícita. A razão teológica não interfere na fé a modo de substitui-la ou mitiga-la como poder de ação. São independentes, porém, silenciosamente harmônicas a ponto de poder ser a teologia definida como “a fé crescendo mediante o intelecto”. Não foi por isso mesmo que ele ousou batizar sua fala como teologia? Logos, discurso, conhecimento, ciência do divino [.

E de fato eu ousaria dizer que o mais alto desejo é justamente aquilo que é proibido: o teólogo não tem permissão para dizer a verdade, [. Dizer a verdade sobre Deus não será um voo por demais alto para nós que mal conseguimos saltar?” Essa tentação da teologia recrudesce quando somada à premissa denotativa de inexistência de barreiras que venham delimitar seu campo de análise de forma a considerar que tudo pode ser teologizado, incorre no risco da introdução do absolutismo teológico gerado no seio acadêmico vindo este a ser legitimado em detrimento da teologia usual, pois tendo o conhecimento de Deus com maior profundidade do que qualquer ciência já conhecida tem-se que a teologia detém a verdade sobre todas as coisas.

Esse pensamento teológico de caráter oficial vem revelar que as questões menores do cotidiano comunitário tendem a ser ignoradas constituindo na prática, uma flagrante contraposição às mensagens cristãs. Inserido nesse contexto, pode-se observar o que insiste Brakemeier em comparar fides qua (a fé) com fides quae (a fé é), ou seja, a coincidência entre fé na qual se crê e a fé abraçada. Nos benefícios trazidos ao corpo, mente e alma, residem os segredos da teologia e não nas suas elucubrações. Por essa razão, a teologia enquanto ciência, por não ter como ponto de partida um dado determinado, mas sim empírico, precisa ser considerada como um conhecimento cientifico de natureza sui generis. Surgida a partir do dinamismo da fé repousada na vida cotidiana que busca compreender o experimentado, a teologia se empenha na procura da verdade, ainda que seja uma pequena aproximação do absoluto.

Daí a defesa de Martinho Lutero de que a teologia surge no esmiuçamento diuturno da Bíblia onde mesmo sob a perseverança da oração e da meditação podem advir tentações, sendo essa tripla experiência possivelmente vivenciada pelo individuo no seu confronto cotidiano. No seu entender, Baeske assevera:. Assim, era conveniente viver sob a égide dos religiosos. Por anos essa ideologia marcada pelo rígido controle dos ignorantes e acomodados, dominou por completo nações inteiras, induziu ao erro e manteve a realidade afastada com o intuito de tão somente atender os interesses dos que se beneficiavam com esse status quo para submissão dos povos e imposição dos seus ideais autoritários. Ora, o poder enquanto nas mãos dos homens não se define, mas se exerce.

Portanto, se servir das Escrituras com o objetivo de estabelecer um sistema de governo fundado no poder de dominação sem freios assume o significado de “tomar” o poder e não de ganha-lo. Acresce lembrar que a historia também se encontra permeada de acontecimentos envolvendo a tomada de poder, onde inevitavelmente a mão de quem o tomou fora “queimada”. Em qualquer sociedade a religião define um modo de ser no mundo transparecendo a busca de um sentido para a existência, sendo a vida do homem nas suas relações sobre-humanas, ou seja, a vida do homem em relação ao poder que o criou, a autoridade suprema acima dele, ao ser invisível com o qual ele se capacita a ter uma comunhão. A prática religiosa fundamenta-se na própria constituição do individuo e é inerente à essência humana em toda a sua existência, não se tratando apenas de um corpo de doutrinas, mas de vida e da vida do individuo que ao sondar sua alma encontra nela a necessidade de uma relação com um ser supremo, criador, poderoso e soberano.

São nos momentos de intensa tribulação, de angústias e de tormentos que parecem ameaçar a vida é que o apelo religioso se exterioriza se tornando mais forte por meio de práticas religiosas frequentemente relacionadas com a procura de verdades que se encontram acima do communia, do conhecimento comum ou da dedução puramente racional. Quanto mais urgente a necessidade tanto mais o homem procura uma resposta. A parte espiritual do ser humano tem como sede a religião cuja essência consiste no estado da alma e do coração revelando em todas as suas ações a condição do homem interior, encerrando em tudo o que ele é e faz, definindo-o por meio de suas ações. Tais críticas foram aparentemente recepcionadas com vistas a uma solução para o problema da distancia criada entre a teologia e a realidade.

Como consequência o cotidiano passa a ser reverenciado sob uma ótica homogênea negligenciando as desigualdades que se fazem presentes nas relações sociais. Com vistas a emprestar maior valor e proeminência ao cotidiano Ivone Gebara vem destacar as experiências existenciais e corpóreas como sendo a principal origem das crenças: “Creio que é nestas experiências corporais, existenciais de nosso cotidiano que nasceram nossas crenças e depois se organizaram em forma de religiões. É da atração sexual, do nascimento, da morte, da partilha, do cuidado que se organizaram as mais primitivas crenças religiosas. As religiões oficializadas passaram em seguida a gerenciar a criatividade popular e ao gerenciá-la, controlá-la. No seu entender ocorre um grande equivoco ao se transformar fatos sociais em fatos ocorridos, confundindo a realidade humana enquanto construção social de um sistema interpretativo de valores, com a realidade natural: “Do ponto de vista de sua origem, o mundo que se nos apresenta hoje como reificado, como um conjunto de fatos sociais que podem ser analisados como se fossem coisas, surgiu como ‘externalização de significações subjetivas’, como uma ‘objetivação do Espírito”.

No contexto religioso significa privilegiar a teologia já estabelecida e produzida nos parâmetros científicos relegando a teologia praticada no cotidiano da vida humana. Em controvérsia, existem alguns teólogos que defendem que é na natureza perene do cotidiano em sua prática teológica que se encontram as verdadeiras raízes da teologia. No entender daqueles, quando se organiza o pensamento em termos teológicos o cotidiano precisa ser enfatizado ocupando o primeiro lugar na cadeia do raciocínio, pois é por meio de seu exercício da fé que a vida flui e obtêm-se os favores de Deus. Entretanto, ao dar proeminência ao cotidiano a teologia revela a propensão a uma visão equivocada do romantismo ou até mesmo inclinação a um idealismo deletério, conforme o entendimento de Marilena Chauí: “Os Românticos esperam que a afirmação da alma popular, do sentimento popular, da imaginação, simplicidade e pureza populares quebre o racionalismo e o utilitarismo da Ilustração, considerada por eles causa da decadência e do caos social.

Entretanto, nas entrelinhas dos escritos evangélicos creio que há algo dessa dimensão. O encontro com os leprosos, os doentes [. o pão partilhado revelam a importância de certas experiências ordinárias de vida como lugares reveladores do melhor de nossa humanidade. Há algo da compaixão humana que se mostra como uma espécie de atração particular do ser humano pelo ser humano frágil e necessitado ou do ser humano simplesmente amado. São ações, são paixões que nos levam a sair de nosso egoísmo habitual e nos incitam a buscar a dignidade da vida para além de nós mesmos. Abraão recebe uma revelação divina e abandona a cidade de Ur (onde reinava o politeísmo) e muda-se para Canaã.

De Abraão descendem Isaque e o filho deste, Jacó; de cujos filhos são originadas as doze tribos do povo judeu (a palavra deriva de Judá, a mais proeminente das doze tribos). Por volta de 1700 a. C. os hebreu migram para o Egito onde seriam escravizado por mais de 400 anos. Em lá chegando depara-se com um cenário no mínimo insólito: mesas com pães, candelabros de sete braços (menorá), uma arca dourada, incensários etc. Fazendo parte desse inusitado cenário surgem indivíduos vestidos de branco e sentados à mesa (sobre a qual, um copo com água) são abordados para “consultas” e no decorrer das quais, se utilizam de expressões, tais como: “encostos” “abrir caminhos”, “trabalho forte” “caminhos fechados” entre outras. Essa “liturgia” culmina com distribuição de diversos artigos: fitas para atar nos pulsos, “óleo ungido”, “azeite do monte das oliveiras” (como se lá houvesse alguma usina de beneficiamento), “rosa ungida”, sacos miniaturizados contendo mantimentos como garantia de “permanente provisão”, “toalhinhas consagradas”, sabonetes e até pentes (segundo instruções devem ser usados para realizar uma “limpeza”).

Toda sorte de objetos tidos como verdadeiros “amuletos da sorte” são distribuídos em meio a uma histeria coletiva como um espetáculo nefando misto de paganismo, superstição e feitiçaria. Práticas e ensinos que representam verdadeiros folguedos e ciladas perpetradas contra a dignidade humana. É oportuno, portanto, questionar acerca da principal causa que atormenta e espanta toda a segmentação de uma sociedade: onde se encontra a origem da crueldade humana? Ela é própria dos vícios do poder ou emana do próprio conjunto da sociedade? Por outro lado, qual o destino dos teologicamente incultos? Onde passarão a eternidade? São perguntas escatológicas sobre o que está reservado como destino final para os incrédulos ou àqueles que se utilizaram da teologia como piedade supondo ser esta uma fonte de lucros? Ou para aqueles cuja fé ao se dissipar lhes trouxe tormentas em razão das duvidas e incertezas da vida e para as quais supõem restar somente um único aliado – a morte – que os redimirá o livrará de todos os sofrimentos passados, presentes e futuros.

Diz certo axioma: “Felix qui potuit rerum cognocere causas” (Feliz daquele que pode conhecer a causa de todas as coisas). Tal a sua periculosidade, todo ensino realizado no oculto e cujo objetivo seja unificar o mundo sob um reino ocultista, deve ser anatematizado e desarraigado das mentes e corações humanos. Contudo, o modelo tradicional de certas denominações cristãs tem como conceito de “Igreja” a sua organização administrativa e seus membros, como se de um clube fossem, não passam de meros frequentadores e simples espectadores não possuindo nenhum envolvimento com a vida cristã. O líder desses lugares encontra-se centrado na figura do homem e sua autoridade provém dos estatutos e das normas de comportamento por ele impostas. Existem aqueles que adicionaram a todas essas instruções humanas mais tradiçõezinhas ao se deixarem estereotipar por meios de suas indumentárias e em seus usos e costumes porque lhes foi dito que isso lhes conferia um paradigma de santidade.

Em razão desses evangelhos fantasiosos, impregnados de modismos e heresias e propagados por guias cegos milhares de pessoas são levadas a abandonar as comunidades cristãs dizendo-se “decepcionados com Deus” quando em Deus não reside culpa alguma senão naqueles que falam em seu nome sem nenhum preparo, nenhuma revelação e, sobretudo, nenhuma sabedoria, gerando pessoas feridas, cansadas e infelizes por se deixarem aprisionar pelo legalismo, permanecendo no seio cristão não por amor e fidelidade incondicionais ao Criador, mas sim por uma falsa devoção e fé com hipocrisia que em suas conveniências litúrgicas vem demonstrar o medo extremo ao diabo e o pavor incontido de irem para o inferno. Portanto, a reflexão acadêmica desde que não seja pretensa no sentido de ser absoluta única ou genérica poderia constituir um importante instrumento de vaticínio para a teologia linear.

Se por um lado, no cotidiano as ações de opressão e exploração são legitimadas, por outro, a reflexão teológica pode desestabilizar a ideologia predominante e incitar questionamentos por parte das massas. No entender de Boff: “Não podemos nos submeter acriticamente ao cotidiano, como também não devemos fugir para os encantos da teoria que simplifica, de modo geral, a realidade” Quando se pensa na relação entre a teologia e a realidade, surgem inúmeras questões de natureza dicotômica. O dualismo conceitual [. ‘não parece repousar em definições precisas, e sim originar-se em juízos de valor [. Tal dualismo conceitual também é empregado à teologia quando essa for compreendida distintamente entre a religião popular e a oficial. No entanto, a dúvida [.

se estende, na verdade, a toda utilização de conceitos dicotômicos em sociologia que parece originar-se de um raciocínio sistemático e teórico, tendo como ponto de partida concepções ideológicas de bem e de mal e não uma consulta direta à realidade estudada [. É na vida ordinária que os símbolos – os objetos primários da teologia – são evocados, surgindo como chaves mágicas que fornecem o horizonte para o qual o ser humano dirige seu caminhar. Os símbolos abrem as dimensões e estruturas da nossa alma que correspondem às dimensões e às estruturas da realidade. Um grande drama não nos dá apenas uma nova intuição no mundo dos seres humanos, mas também revela profundezas ocultas do nosso próprio ser”.

E nos dizeres de Boff: “A teologia é ciência na medida em que realiza a tríplice caracterização formal de toda ciência, que é de ser crítica, sistemática e auto-amplificativa”. Por fim a teologia busca uma relação combinatória, infindável e crescente na medida em que se encontra intrinsecamente ligada à experiência e ao subjetivismo humanos. Petrópolis: Vozes, 1975; • Alves Rubem, Filosofia da ciência: ed. São Paulo: Loyola, 2005; • Alves, Rubem, O feitiço erótico – herético da Teologia. São Paulo: Loyola, 2005; • Boff, Clodovis, Teoria do método teológico, Petrópolis: Vozes, 1998; • Baeske, Albrecht. Como se estuda e vive teologia conforme Lutero, in Hoch Lothar (ed. Formação Teológica em Terra Brasileira. São Leopoldo: Sinodal, 2001.

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