O CORTIÇO

Tipo de documento:Monografia

Área de estudo:Literatura

Documento 1

Seu interesse pelo desenho e pintura já florescentes desde a infância lhe encaminharam para a Imperial Academia de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1876. No Rio, fazia caricaturas para jornais para sobreviver, só iniciando sua carreira de escritor de volta ao Maranhão 2 anos depois, com a morte do pai. Contribuiu para e até fundou jornais, com algumas publicações que se destacaram na sociedade maranhense por abordar o preconceito racial e a abolição da escravidão. Sua obra “O mulato” lhe rendeu a volta para o Rio de Janeiro em 1881 por ser considerada pela corte o primeiro exemplo de Naturalismo no Brasil. A partir de então, produziu textos ininterruptamente até 1895, interessando-se pela observação e análise dos agrupamentos humanos, na degradação das casas de pensão e sua exploração pelo imigrante – principalmente o português.

E a realidade que escolhe como alvo de suas atenções é uma realidade problemática. Idem, p. Dessa maneira, como inclusive fica claro na obra de Azevedo, há um detalhismo acentuado dos lugares e dos personagens na busca pela reprodução fiel da realidade. Esta realidade, por sua vez, é repleta de problemas sociais, políticos e econômicos – apresentando a miséria, a violência, a degradação, contradições éticas e morais, exploração, traições, etc. Todos elementos que podem ser encontrados na realidade comum experienciada por pessoas comuns, que são exatamente o foco desse estilo. Chama-se, até hoje, de cortiço habitações coletivas de baixo-custo destinadas às classes populares. O cortiço “construído” por Aluísio de Azevedo, que servirá de palco principal para os acontecimentos do enredo, reflete o crescimento urbano acelerado do Rio de Janeiro em fins do século XIX.

Tal crescimento estava firmemente associado a um princípio de desenvolvimento industrial, como nos mostra Aluísio ao citar o surgimento da fábrica de massas italianas e de outra de velas nas redondezas do cortiço. As fábricas e serviços associados demandavam mão-de-obra e isso atraía tanto brasileiros quanto imigrantes, principalmente italianos e portugueses (GUIDIN, 1995, p. – que também compunham o quadro de nacionalidades dos residentes do cortiço. O cortiço é um elemento tão central para a obra, que frequentemente o autor o trata como um personagem vivo, como quando o Aluísio relata que determinado fato “abalou o coração do cortiço” (AZEVEDO, 1890, p. ou que “o cortiço acordava com o remancho das segundas-feiras” (Idem, p. A rotina desse personagem que ganha vida, portanto, será “mecânica e animalesca”, segundo Guidin (1995), “ritmada”, como um retrato da vida urbana e especificamente sofrida da maioria de seus habitantes, perpétuamente destinados a passar “suas horas a quebrar ou esfregar roupas para depois dançar, beber e dormir”.

III Pode-se identificar João Romão como o protagonista da história. De origem portuguesa, meticuloso e ganancioso, segundo Azevedo, “com delírio de enriquecer”, se estabeleceu como dono da taberna em que trabalhou dos 13 aos 25 anos, em Botafogo, após seu patrão “retirar-se para a terra”. O conflito entre João Romão e Miranda teve seu gatilho na tentativa deste último em comprar alguns terrenos adjacentes ao sobrado para que pudesse fazer deles um jardim para Zulmirinha: Travou-se então uma lata renhida e surda entre o português negociante de fazendas por atacado e o português negociante de secos e molhados. Aquele não se resolvia a fazer o muro do quintal, sem ter alcançado o pedaço de terreno que o separava do morro; e o outro, por seu lado, não perdia a esperança de apanhar-lhe ainda, pelo menos, duas ou três braças aos fundos da casa; parte esta que, conforme os seus cálculos, valeria ouro, uma vez realizado o grande projeto que ultimamente o trazia preocupado - a criação de uma estalagem em ponto enorme, uma estalagem monstro, sem exemplo, destinada a matar toda aquela miuçalha de cortiços que alastravam por Botafogo.

Idem, p. Na obra, o tempo é trabalhado de maneira linear. Ou seja, com início, meio e fim. O alvo, claro, era a herança de Miranda, mas para isso Bertoleza precisaria sair da jogada, presa ou morta. Utilizando-se de perspectivas importantes trazidas por Ferreira (1995, p. é interessante notar como O cortiço é uma crítica potente não apenas aos códigos sociais de sua época, como também à ideologia dominante. Romão, por exemplo, apenas opera sob a chave da monetização, “apoderando-se com os olhos de tudo aquilo que ele não podia apoderar-se logo com as unhas”. Em sua sede de ascender socioeconomicamente, dá golpes, transforma-se em outra pessoa e até trai a confiança de sua companheira. Posteriormente, os encantos de Rita Baiana o levarão ao descaso por sua esposa, alcoolismo, displicência e ferimento à faca em briga por seu amor.

Piedade, lavadeira, mulher simples e diligente, entregasse ao álcool e à prostituição após ser trocada. Rita Baiana, típica representação da mulher brasileira “mulata” sedutora e festiva, muito querida no cortiço, tinha como amante um capoeirista chamado Firmo, “oficial-torneiro, oficial perito e vadio”, segundo Azevedo. Contudo, após os cortejos de Jerônimo sobre Rita, se estabelece uma disputa entre o brasileiro e o português, que tem seu clímax numa luta de faca da qual Jeronimo sai ferido. Posteriormente, opta pelo personagem que representaria no imaginário coletivo uma ascensão social – o branco europeu. O grupo de lavadeiras é composto por Leandra, que respondia pela alcunha de machona, “portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo”; Augusta Carne Mole, “brasileira, branca, mulher de Alexandre, um mulato de quarenta anos, soldado de polícia, pernóstico”; Leocácia, “mulher de um ferreiro chamado Bruno, portuguesa pequena e socada, de carnes duras, com uma fama terrível de leviana entre as suas vizinhas”; Paula, apelidada de bruxa pelos moradores, caracterizada pelo autor como “uma cabocla velha, meio idiota”, fazia rezas, curas e feitiçarias, “extremamente feia, grossa, triste, com olhos desvairados, dentes cortados à navalha, formando ponta, como dentes de cão, cabelos lisos, escorridos e ainda retintos apesar da idade”; Marciana, “mulata antiga, muito séria e asseada em exagero” que, conforme suas oscilações sentimentais varria e lavava intensamente sua casa, que encontrava-se sempre úmida; Florinda, filha de Marciana, com 15 anos, “pele de um moreno quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca.

Toda ela estava a pedir homem, mas sustentava ainda a sua virgindade e não cedia”, apesar do desejo de Romão; Dona Isabel, respeitada por todos e “privilegiada pelas suas maneiras graves de pessoa que já teve tratamento, uma pobre mulher comida de desgostos”. Possuía uma filha apelidada de pombinha por sua estética e modos europeus; e, finalmente, Albino, um lavadeiro afeminado a quem as mulheres tratavam como se fora do mesmo sexo. Tal grupo cumpre um papel-chave na obra, como explica Guidin: Tratando dessas mulheres dentro da agitação de vida no cortiço, o narrador nos descreve várias cenas em que todas, brasileiras, portuguesas, mulatas, jovens e velhas, apesar das diferenças individuais e de nacionalidade, representam um corpo coletivo feminino que se movimenta ao ritmo da lavagem de roupas.

O que as identifica umas às outras é o mesmo trabalho de chapéu e avental nos tanques, que não distingue nacionalidade ou raça. Guidin (1995) nos apresenta o uso da figura da serpente, associada ao pecado original no cristianismo, para descrever características e comportamentos de alguns personagens mulheres, sem distinção de cor, nacionalidade ou classe social, como na descrição de Rita Baiana: “primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher”. Pombinha também é associada à vitória da serpente (zoomorfização dos personagens, que pode ser percebida no decorrer de toda a obra) sobre seu corpo quando a mãe descobre que está se prostituindo e morando com outro homem, em um hotel. A sugestão que fica para o leitor é que as mulheres desse mundo têm um destino incontornável, que lhes puxa pelo espírito.

Seguindo esse julgamento moral sobre a atividade feminina, Azevedo claramente apresenta que até a maternidade pode ser desonesta e utilitarista (GUIDIN, 1995, p. quando Leocádia busca engravidar para que possa lucrar sendo ama-de-leite na cidade. “Aluísio Azevedo fez um corte transversal no proletariado e estudou os mecanismos de sua vida e suas relações com outras camadas da sociedade”. A multiplicidade étnica, racial, cultural, profissional, de seus personagens, entre outras características, justifica-se pela relevância que todos estes tipos sociais manifestavam na composição social daquele novo momento pelo qual atravessava o Brasil – de império à república, industrializando-se progressivamente. Cada representação, portanto, teria uma significação genérica de cada grupo social ao qual estaria associado, o que pode notar-se nos pensamentos e ações desempenhadas por cada um ao longo do romance: Gilberto Freyre afirma em Sobrados e mocambos que, em O cortiço, Aluísio Azevedo deixou um retrato disfarçado em romance que é menos ficção literária que documentação sociológica de uma fase e de um aspecto característico da formação brasileira.

O que o escritor desejava, diz Mérlan, era entrever o nascimento do homem brasileiro no proletrariado, graças à vinda de imigrantes portugueses que se misturavam à população brasileira negra, sem que as diferenças raciais fossem obstáculos. GUIDIN, 1995, p.

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