O combate ao Trabalho Infantil: Aplicação das Convenções 138 e 182 da OIT por Brasil e Portugal

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Sociologia

Documento 1

Esse é o caso do tema do trabalho infantil, e a OIT possui um histórico de atuação importante, do qual destacam-se dois mecanismos gerados em seu bojo: as Convenções n° 138, de 1973, e 182, de 1999. Ambas foram ratificadas por vários países e tiveram um papel de relevância na busca por um tratamento viável e justo do tema. Nesse sentido, o presente artigo tem como tema central a aplicação das Convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por Brasil e Portugal, a partir do seguinte problema de pesquisa: quais os resultados da aplicação das Convenções 138 e 182, da OIT, por Brasil e por Portugal, no combate ao trabalho infantil? A metodologia utilizada serão os estudos de caso do tema em Brasil e em Portugal, tendo como critérios de análise os dois níveis principais que são afetados pela ratificação desses dispositivos: o âmbito jurídico e a formulação de políticas públicas.

Assim, o objetivo geral é analisar os efeitos da adesão às Convenções, nos níveis jurídico e nas ações governamentais, à luz do contexto histórico-social, na luta contra o trabalho infantil. Para tanto, o artigo se divide em quatro partes. O conceito de trabalho infantil começou a ser discutido no contexto das repercussões da Revolução Industrial na Inglaterra, no começo do século XIX. Esse foi também o momento em que, por um lado, foi iniciada a busca por um tipo de regulamentação das atividades laborais praticadas por crianças, demandando uma ação estatal mais efetiva na área; por outro, foi também o panorama da emergência de novos conceitos sobre a infância, que passaram a contrastar com a prática recorrente de empregar crianças nas indústrias (CULLEN, 2007).

Cabe destacar que, embora o trabalho infantil seja um fenômeno antigo, há um agravamento do mesmo com o surgimento das atividades industriais (KASSOUF, 2007). No entanto, os debates sobre a necessidade de sua regulamentação eram, nesse momento, uma parte do cenário mais amplo sobre a luta pelos direitos trabalhistas. Segundo Heywood (2009), já nesse momento inicial dos debates sobre o tema, o próprio termo “trabalho infantil”, longe de ser neutro e técnico, é uma categoria que atribui à atividade um julgamento de valor negativo. Em termos de definição de estratégias no combate ao problema, Cullen (2007) afirma que as primeiras convenções da OIT, até meados da década de 1950, eram baseadas no estabelecimento de idades mínimas para a empregabilidade, além de terem como escopo setores específicos do mercado de trabalho, como a indústria de manufatura, agricultura e setor de serviços.

Nesse sentido, o autor observa que a abordagem do trabalho infantil era feita sob a ótica da regulação doméstica de cada país dos padrões de trabalho do que sob o que hoje é considerado como direitos humanos. Percebe-se, mais uma vez, que, pelo menos até metade do século XX, a questão do trabalho infantil era abordada como uma das dimensões do tema da regulamentação do trabalho e dos direitos trabalhistas. Ademais, observa-se também como o componente político acompanha todos os esforços de promover uma luta internacional do combate ao trabalho infantil. Foi apenas a partir da década de 1980 que esse fenômeno passou a ser mais vinculado com a discussão dos Direitos Humanos (DH). Entender esses instrumentos jurídicos demanda, além do conhecimento do seu conteúdo, analisar o contexto em que foram criados e os seus antecedentes.

Com esse tipo de abordagem, espera-se esclarecer a relação das Convenções com a noção de trabalho infantil da época e o foco da estratégia internacional de combate ao problema. A utilização de Convenções em tópicos específicos relacionados ao mundo do trabalho e suas posteriores recomendações são os instrumentos que têm influenciado a base legislativa trabalhista dos Estados membros após sua ratificação (LIETEN, 2009). No que tange ao assunto do trabalho infantil, a despeito de não ter sido uma das pautas mais protagonistas de atuação da OIT, recebeu atenção desde o lançamento da Organização. Como mencionado, os primeiros esforços ocorreram no sentido de fixar uma idade mínima para empregar crianças no trabalho nas indústrias.

A relação entre possibilidade de utilização de mão-de-obra infantil e tipo de trabalho possível foi estruturada, na Convenção, em três categorias, a partir das idades: na categoria mais jovem (6-12 anos), todas as formas de trabalho eram proibidas, exceto os trabalhos leves, como nos empreendimentos familiares e nos trabalhos do lar. A segunda categoria, de crianças de 13-14 anos, permitia as dimensões do trabalho leve, porém apenas em momentos em que as crianças estivessem fora da escola, sem que prejudicasse seu desenvolvimento físico e mental. À terceira categoria, dos adolescentes acima de 15 anos, era permitido o trabalho regular, com exceção dos que poderiam prejudicar sua saúde. O mecanismo tinha por pressuposto o entendimento de que o emprego de crianças no mercado de trabalho era algo inaceitável.

Por outro lado, é importante destacar também outro aspecto da Convenção 138: a tentativa de internacionalizar a luta contra o trabalho infantil, reconhecendo as dificuldades particulares que a realidade social e política de cada país apresenta. A despeito dessa contradição, a CDC e os demais instrumentos baseados na ótica dos DH procuram encontrar uma via média entre essas duas abordagens, tendo como ponto de partida, a partir da Convenção de 1989, o reconhecimento da criança como “sujeito legal” – reconhecida pela esfera jurídica. No início dos anos 1990, a OIT, impulsionada pela adesão dos países às convenções e pela ascensão do tema na política internacional, lançou o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC, em inglês), cujo principal objetivo é a eliminação progressiva do trabalho infantil pelo fortalecimento das capacidades nacionais na identificação do problema e pela mobilização internacional na luta contra o fenômeno, a partir de iniciativas de cooperação técnica.

As ações no âmbito do Programa são baseadas nos estudos de caso que demandam a participação de governos, atores não governamentais, organizações de empregados e empregadores e demais atores da esfera pública e privada. O histórico de atuação da IPEC parte do princípio de que, devido ao fato do trabalho infantil ter múltiplas causas, a estratégia de combate deve ser multifacetada. Não é suficiente tirar as crianças envolvidas com as piores formas de trabalho; é necessário, também, oferecer possibilidades de desenvolvimento, incluindo questões como educação e treinamento (OIT, 2004). Os mecanismos apropriados para a fiscalização da aplicação das disposições da Convenção devem ser estipulados também pelas autoridades nacionais competentes. No entanto, a despeito das responsabilidades cuja definição ficam a cargo do Estado, o Artigo 7° enfatiza a centralidade de promover uma educação de base gratuita para todos e da readaptação e integração social das crianças envolvidas com as piores formas de trabalho.

Juntamente com a Convenção n° 182, a 87° Sessão da OIT aprovou a Recomendação n° 190. Esse documento consiste em uma série de medidas recomendatórias para os países definirem planos de ações mais eficazes no combate ao trabalho infantil, seguindo os objetivos da Convenção. Essas medidas detalham os grupos de crianças com maior vulnerabilidade ao trabalho infantil, o papel da educação no combate, a importância da cooperação internacional e a possível necessidade de estabelecer sanções em casos de descumprimento desses objetivos por parte de empregadores. Nesse sentido, é possível perceber que há uma semelhança com o contexto internacional mais amplo, daquela época, da abordagem do tema: a vinculação, primeiramente, com as relações de trabalho e sua repercussão no âmbito jurídico.

Foi com o processo de redemocratização, em 1985 e, especialmente, com a Constituição Federal de 1988 que a abordagem do tema do trabalho infantil passou a ser vinculado, também, a uma questão de Direitos Humanos. Na nova Constituição, esse elemento pode ser observado na menção à obrigatoriedade de fornecer uma assistência social às crianças e adolescentes carentes, na garantia da educação infantil para a primeira infância e dos direitos de desenvolvimento físico e intelectual em todas as fases anteriores à maioridade (BRASIL, 1988). Além das disposições constitucionais, contribuem para a abordagem da questão mecanismos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, e o conteúdo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) referentes à proteção das crianças.

Em 1992, o Brasil aderiu à IPEC, iniciando uma nova fase na questão do trabalho infantil, a qual passou a envolver o governo, entidades não-governamentais, sindicatos e grupos representantes de empregadores e empregados. No ano seguinte, a Portaria n° 356 definiu as novas atribuições da CONAETI, em conformidade com as Convenções 138 e 182. Dentre as alterações, destaca-se a tarefa de coordenar, monitorar e avaliar o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente, além de apresentar anualmente, até o mês de dezembro, propostas de modificações (BRASIL, 2004). Em 2008, duas importantes medidas de políticas públicas foram adotadas a partir da criação desses instrumentos jurídicos: : instituiu-se o Programa Nacional de Inclusão dos Jovens (PROJOVEM), voltado para jovens de 15 a 29 anos, cujo objetivo é promover a reintegração ao processo educacional e qualificação profissional, tendo quatro áreas de atuação principais: Projovem adolescente (serviço socioeducativo), Projovem urbano, Projovem Campo (saberes da Terra) e Projovem trabalhador (BRASIL, 2008a).

Ademais, foi aprovada e regulamentada a lista da Convenção n° 182 sobre a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, proibindo o trabalho de menores de 18 anos nas atividades descritas, com a exceção de o emprego ser autorizado pelo então Ministério do Trabalho e Emprego, após consultas às organizações interessadas e envolvidas com o tema, e desde que não comprometa a saúde, a segurança e a moral do adolescente (BRASIL, 2008b). Conforme argumenta Oliveira (2009), a ratificação das Convenções da OIT e o ingresso do Brasil na IPEC geraram uma repercussão no âmbito jurídico no sentido de criar instrumentos de controle e fiscalização das medidas de combate ao trabalho infantil que, por sua vez, preconizassem a estratégia de eliminação das piores formas de trabalho.

Ademais, o relatório abrange também a situação das áreas de emprego: “47,6% das pessoas de 5 a 13 anos de idade exerciam atividade agrícola em 2016, enquanto 21,4% das pertencentes ao grupo de 14 a 17 anos de idade encontravam-se ocupadas nessa atividade” (PNAD, 2016, p. A diminuição dos índices pode ser atribuída aos esforços do Estado de criar um aparato legal às políticas públicas voltadas ao combate do trabalho infantil, que combinaram esse objetivo com a busca pela diminuição da pobreza, aumento da escolaridade e promoção da justiça social. Exemplos dessa abordagem foram os programas Bolsa Família, Bolsa Escola e o Programa de Eliminação do Trabalho Infantil (PETI), que associavam medidas de transferência monetária com a obrigatoriedade de frequentar a escola, assumida pelas famílias beneficiadas.

Essas politicas geraram impactos mais expressivos especialmente nas regiões mais pobres do país (OIT, 2013). Contudo, estudos indicam que a baixa prioridade da questão nos assuntos tratados pelo Executivo e Legislativo, bem como o constante contingenciamento de verbas. Um dos principais antecedentes jurídicos de Portugal no combate ao trabalho infantil foi decorrente da busca por se adequar às normas internacionais já existentes, ainda que outros países europeus ainda não as tivessem ratificado. Esse foi o caso do Decreto-Lei n° 396, de 1991, que estabeleceu, de um lado, a obrigatoriedade da frequência do ensino básico com a duração de nove anos e a definição da idade mínima para admissão no mercado de trabalho de 15 anos. Essas mudanças são reflexo, também, dos mecanismos internacionais que discorrem sobre a relação entre DH, educação e combate ao trabalho infantil, como o mencionado CDC.

Além disso, conforme consta no Decreto-Lei, essas alterações visavam adequar o ordenamento jurídico do país para gerar condições para a ratificação das convenções da OIT (PORTUGAL, 1991). No caso de Portugal, a primeira das convenções principais OIT sobre trabalho infantil a ser assinada foi a Convenção n° 138, a qual foi ratificada em 19 de março de 1998. Pelo Decreto, o contrato de trabalho com esse grupo etário “deve incluir uma parte reservada à formação correspondente a pelo menos 40% do limite máximo constante da lei” (PORTUGAL, 2002, p. Trata-se, portanto, de uma maneira de conciliar o incentivo à completar o ensino básico sem retirar o jovem do mercado de trabalho. O desenvolvimento de uma política de combate ao trabalho infantil baseada no reforço da educação, na busca pela eliminação das piores formas de emprego e da regulamentação gerou avanços importantes logo nos primeiros anos após a adesão às Convenções 138 e 182.

Goulart, Eaton e Beji (2014) afirmam que, de acordo com os dados de 2002 da OIT, a taxa de trabalho infantil em Portugal era de 4%, sendo que metade das crianças desse grupo estavam no setor da agricultura, enquanto as demais se concentravam em setores como a indústria, o comércio e a construção. Contudo, os autores destacam que, desde então, não houve mais pesquisas sobre a temática a nível nacional em Portugal. Incialmente, esses esforços eram focados em dois aspectos principais: a definição de uma idade mínima e a vinculação com a regulamentação das relações trabalhistas de modo geral. Foi somente em meados da década de 1980 que a estratégia de combate ao trabalho infantil foi dotada de outra abordagem: a dos direitos humanos.

O contexto de ascensão, na política internacional, do interesse pelo tema fez com que o mesmo fosse expandido para diversas áreas, dentre as quais o modo de se tratar as atividades laborais praticadas por crianças. É nesse contexto que as políticas promovidas pela OIT e a centralidade das Convenções 138 e 182 ganham o significado central que possuem hoje: além do discurso dos direitos humanos, esses mecanismos expõem a necessidade de promover uma atuação conjunta do Estado e das OIs, no campo do Direito Internacional, para se combater um problema tão complexo e multifatorial como este. No caso brasileiro, a permanência do trabalho infantil tem suas raízes na estrutura socioeconômica desigual, no baixo interesse em se investir em educação, nas dificuldades institucionais de assegurar o cumprimento da lei e na ausência de alternativas para criar um ambiente propício ao desenvolvimento das crianças.

Uma das áreas visadas é justamente o combate ao trabalho infantil, objetivo que adquiriu maior atenção com a assinatura do Memorando de Entendimento entre a CPLP e a OIT, em 2006, o que possibilitou a ampliação e o compartilhamento das estratégias utilizadas pelos países membros para erradicar o trabalho infantil. Desse modo, as estratégias nacionais puderam contar com perspectivas de outras políticas públicas, como foi o caso do PEETI, de Portugal, disseminado aos demais países lusófonos (OIT, 2014). Referência bibliográfica: BEJI, Arjun; EATON, Martin; GOULART, Pedro. Trabalho infantil em Portugal. In: A economia portuguesa na União Europeia. de 10 de junho de 2008. Dispõe sobre o PROJOVEM. Disponível em: http://www. planalto. gov. Dispõe sobre a composição do CONANDA. Disponível em: http://www.

planalto. gov. br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5089. Acesso em: 10 mai 2019. BRASIL. Decreto n° 3597, de 12 de setembro de 2000. Promulga Convenção n° 182 e a Recomendação 190 da OIT sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil. Disponível em: http://legislacao. br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 15 mai 2019. CULLEN, Holly. The role of international law in the elimination of child labour. In: HINDMAN, Hugh (ed). The world of child labour. Nova York: M. E. Sharpe Publisher, 2009. org/public//english/standards/ipec/simpoc/portugal/report/english/page4. htm. Acesso em: 15 mai 2019. INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Child Labour: a textbook for university students. Revista Nova Economia, vol. n°2, mai-ago 2007, p. KOMINSKY, Ethel. Recent history of child labour in Brazil. In: HINDMAN, Hugh (ed). E. Sharpe Publisher, 2009. NEGRÃO, Leonardo; ROBALO, Helder. Trabalho Infantil em Portugal é residual.

Disponível em: https://www. Sharpe Publisher, 2009. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Relatório Mundial sobre Trabalho Infantil. GENEBRA: OIT, 2013. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Resolução do Conselho de Ministros n° 75/98. Diário da República, I série B, n° 150, 2 jul 1998, p. PORTUGAL. Resolução da Assembleia da República n° 47/2000. Diário da República, I série A, n° 127, 01 jun 2000, p. Social Science views on working children. In: In: HINDMAN, Hugh (ed). The world of child labour. Nova York: M. E.

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