Homoparentalidade - Análise de Entrevistas - Método Fenomenológico - Husserl

Tipo de documento:Tese de Doutorado

Área de estudo:Psicologia

Documento 1

Nesse sentido, essa apresentação de resultados e discussão seguiu algumas etapas até poder esboçar os achados de interesse. O fundamento principal da investigação fenomenológica é a epoché, ou seja, mesmo antes de conhecer os seis sujeitos e suas histórias, o pesquisador adotou uma postura de suspensão do seu saber anterior, seja ele teórico ou com base nas suas experiências pessoais. Na sequência, após transcrever as entrevistas, cada história foi lida individualmente e sintetizada. O passo seguinte foi o encontro com as unidades de significação, ou seja, aquilo que se tornou mais evidente e marcante nas falas dos entrevistados, seguido da análise de variação livre e imaginária, que se propôs a identificar os sentidos comuns nas entrevistas, que quer dizer: a ESSÊNCIA que se buscou apreender.

Finalmente, houve espaço para o incremento teórico, que foi feito a partir de estudos sobre parentalidade, adoção, família e homoafetividade. Ana considera a adoção um gesto bonito e uma forma de ajudar aquela criança. Acredita que o vínculo ultrapassa o biológico-sanguíneo, pois, na adoção o “amor é construído”. Ana conta que ao ver o estilo de maternidade da sua mãe, sentiu desejo de ser mãe também. Destacou o tratamento igualitário e o cuidado com as filhas como origem do seu desejo de ser uma “boa mãe também”, como pode ser verifica nos trechos a seguir: “eu acho, né, então não eu acho que por ela ter sido uma boa mãe mesmo é que dá vontade de ter um filho” (ANA).

Em outro momento, Ana comentou sobre sua experiência com a adoção em dois momentos distintos de sua história: primeiro vendo a adoção da sua irmã e agora, na condição de adotante. Porém, ao se sentir mais estabilizada, ela passou a considerar a maternidade, não por meio da gestação, em razão da sua idade. Além disso, o fato de ter constituído uma relação mais consistente com Ana, possibilitou que ela abrisse espaço para se ver como uma mãe, como abaixo: Aí, com o passar do tempo você vê que aquilo lá vai ficando meio vazio, aí eu vi minhas amigas lá com os filhos e tal e aí começou a dar essa coisa de ser mãe, mas eu nunca fui a fundo, né? Eu falava ‘ah não.

’ E vou deixando. vai passando, vai passando. Aí quando eu conheci a [ANA] eu comecei a já mais pensar, a gente começou a pensar da mesma forma, aí eu resolvi mesmo ‘Não, é isso que eu quero mesmo’, e eu sempre gostei de criança, sempre me dei bem com criança, então tudo. eu acho que eu, eu num primeiro contato eu fiquei muito pensativo, eu pensava será que eu dou conta? Será que seria legal, né. quando a gente iniciou o relacionamento eu não tinha. eu morava sozinho e não tinha. preferia não ter nada – não ter nenhuma planta, nenhum cachorro, muito menos um. eu não imaginava ter uma criança, né? Daí quando eu iniciei o relacionamento com ele, ele me mostrou que eu podia encontrar belezas na vida tendo um cachorrinho, ou tendo um gatinho que é o que realmente aconteceu, e logo que chegaram o cachorrinho e o gatinho em casa foi paixão à primeira vista; e até plantinha também, tipo assim, era um comprometimento que eu tinha, que eu antes achava que eu não fosse dar conta que (inaudível) as minhas correrias, ou familiares ou de trabalho – (CARLOS).

eu tive um ponto. não que ele abandonou a minha família, mas, assim, ele era separado da minha mãe, então eu passava as férias sempre na casa dele e tudo, e quando eu estava com 12 anos ele deixou a segunda família que ele construiu depois do relacionamento com a minha mãe, e abandonou a minha mãe também. Então eu fiquei sem notícias do paradeiro do meu pai, até uns 4 anos mais ou menos atrás, que eu fiquei sabendo por onde ele andava e o que ele estava fazendo, se ele tava realmente vivo ainda (riso indicando tensão/ironia). ANTÔNIO). E explica sua visão sobre a parentalidade: [. e eu sabia do desejo, mas não sabia por quê, só sabia que era uma necessidade, não sei explicar muito o visceral, mas era uma necessidade que eu precisava preencher.

SANDRA). Sandra explica sua motivação abaixo: O que me motiva? Ser mãe. Para mim, eu queria muito ser mãe, porque eu acho que a maternidade faz a gente evoluir, progredir como pessoa, desenvolver habilidades, dar vazão para a semente de amor que está dentro da gente e que a gente nem sabe que existe né, é. Existe uma semente que quando a gente é mãe, essa semente cresce e, de repente, é um amor assim que invade, que se torna maior do que a gente é capaz de dimensionar e de pontificar, então, é realmente uma evolução né, e não é só uma evolução pra gente – a gente tá criando alguém, a gente tá dando forma para um ser da melhor forma que a gente consegue, né, protegendo, cuidando, construindo, fazendo o nosso melhor.

É responsabilidade de criar alguém. sem peso, só a noção de que sou responsável, né? Porque eu sei que ela vai acordar à noite, ela vai ficar doente e eu não vou poder dormir, e eu sou responsável por ela, né. Essa é a minha parte, ela tem uma parte dela, né, sou junto com ela [se refere à esposa], então isso às vezes é difícil sim, mas não é pesado (MARIA). A parentalidade ficou marcada pela transmissão de valores, educação, brincar, compartilhar as experiências da vida, sentir a existência de fato de uma família. O segundo ponto de discussão dessa análise diz respeitos às expectativas frente ao processo de adoção e ao tempo de espera. aí a gente ia lá cada 6 meses, eles falavam – a última vez que a gente foi lá a gente tava no 26 –, então a gente fez uma média, então uma criança por mês, então são 12 crianças no ano que está saindo adoção.

Então. porque eu vou estar com 50 anos e não saiu essa adoção ainda, então é nessa parte que eu estou muito desmotivada, muito decepcionada com eles, porque eles falam tanto na televisão de adoção, que as crianças precisam, e eles têm essas falhas de demorar tanto o processo. E a gente participou de tudo, está tudo certo, na risca, mas está lá, fica lá, no fundo esse caso está parado lá esse tempo todo. Tenho certeza que muitas mães e muitos. A espera de Sandra e Maria produziu a busca por uma adoção mais rápida, mas que gera angústia em ambas enquanto não se legaliza a questão da guarda definitiva: É uma espera longa. Na verdade, a gente parou de esperar, né, a gente procurou por outras formas, resolveu se tornar mãe – eu resolvi que eu ia me tornar mãe por outras formas, por isso me tornei mãe e ela também, porque se a gente fosse depender só da fila para se tornar mãe a gente talvez, no meio do caminho, até tivesse desistido, porque a gente ia chegar numa idade que a gente teria desistido, porque a nossa motivação é por um bebê, né, a gente tem algumas ideias, desejos, que fazem parte da gente ter um bebê e de criar de uma determinada forma.

e um bebê que não venha com marcas de abandono. porque a criança que é colocada em adoção a gente sabe que ela passou por diversas. ela é colocada em adoção porque os pais e a família original não foi capaz de proporcionar condições adequadas de desenvolvimento para ela e promoveu situações de abandono, de maus-tratos, de abuso de diversas formas, né, a gente não podia, a gente não queria adotar uma criança assim, é. Vale dizer que a parentalidade é ainda definida e disseminada conforme a cultura e o contexto dos sujeitos (BARROSO; MACHADO, 2010). Barroso e Machado (2010) apresentaram o modelo proposto por Hoghughi (2004), apresentado na Figura 1, que integra proposições teóricas de Brofenbrenner e Belsky, onde há 11 dimensões de parentalidade, que apresenta e avalia práticas parentais.

A partir desse padrão, a parentalidade é constituída de atividades parentais, como exposto a seguir: Figura 1 - Dimensões da Parentalidade Fonte: Barroso e Machado (2010, p. Conhecer os estilos parentais, bem como as dificuldades encontradas nessa tarefa, pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de intervenção e prevenção na família. Para isso, estudar os determinantes parentais, que são formados por características psicológicas e demográficas, é primordial. Historicamente, o Iluminismo e o Romantismo do século XVIII trouxeram o “amor” ou “afeto” para dentro das relações familiares. Até aquele momento as relações se estabeleciam para garantir a acumulação de patrimônio. A partir desse momento as escolhas dos indivíduos passaram a ser valorizadas e os laços maritais e parentais calcados no afeto (ZORNIG, 2010).

Historicamente, a primeira observação feita sobre a família se deu no século XVI a partir de cenas campestres. A vida familiar foi demonstrada pelos artistas primeiro na rua, para só depois voltar-se para o particular. Ariès, 1978/2011, p. Ariès (1978/2011) analisa o desenvolvimento do conceito de família dividindo-o em dois grupos: a “família”, que é algo próximo da moderna, e a linhagem, que se refere a um ancestral comum para seus descendentes. Ele postulou que antes da Idade Média não se falava ainda sobre um sentimento de família, mas que este se ligava à casa (seu governo e vida). A família patriarcal tem seus fundamentos na tendência à indissolubilidade da família. Por isso, o autor pondera que, em decorrência do enfraquecimento da linhagem, surgiu a família conjugal.

Nas suas palavras: O sexo não é (. uma simples questão fisiológica; ele. torna-se o núcleo de instituições tão veneráveis como o casamento e a família. As instituições dos trobriandeses são feitas para permitir que a paixão brutal se purifique e se torne um amor que dure para toda a vida. que ele se fortaleça graças aos múltiplos laços e vínculos criados pela presença dos filhos. Por fim, a família Monogâmica é mais sólida e sua dissolução não pode partir da mulher. Oliveira Junior (2015) reflete sobre os modelos familiares na atualidade e como a mídia exerce papel significativo na manutenção da ideia de família tradicional, mesmo que na prática as pessoas já experimentem diferentes configurações nos seus contextos pessoais.

O autor explana como as diferentes esferas da sociedade são afetadas por essas novas configurações, em especial a escola. Neste sentido, Oliveira Junior (2015) destaca a imposição que a família faz à contemporaneidade para que se compreenda, que há algum tempo vem se rompendo com paradigmas tradicionais puramente heteronormativos. Os arranjos atuais são fruto de relações homoafetivas, monoparentais, novos recasamentos, dentre outros. Assim, como observa a autora, notou-se que o parentesco se enfraquecia, os filhos se tornavam mais independentes, o que reduzia o poder do pai e a mulher se tornou mais produtiva economicamente. Zimerman e Osório (1997) expõem a dificuldade de se encontrar convergências, nos diferentes grupos familiares, distribuídos em todo mundo, a fim de elencar características que ajudassem na definição do termo “família”.

É bem sabido que este núcleo é transpassado pela economia, religião, ambiente, cultura, política e pelas questões socioambientais. Os autores rebatem a noção limitadora de família como unidade base da sociedade, pois esta desconsidera a ação histórica e social para o desenvolvimento deste grupo. Desse modo, após discutir este conceito à luz de outros teóricos como Levi-Strauss, Freud e Pichon Rivière, Zimerman e Osório (1997, p. A autora conclui que durante um longo período histórico foi mais fácil defini-la, pois sua expressão comum era o modelo nuclear, contudo, sua transformação, inclusive no Brasil, tem revelado uma maior abertura para diferentes organizações. Do ponto de vista legal, no Brasil, o conceito de família encontra no Marco Constitucional de 1988, importante fundamentação para suas transformações ao longo da história.

Até aquele momento, o que se observava era a definição de um único modelo e sua legitimação apenas quando vinculada ao casamento (Brasil, 1988). Somado a isso, com a promulgação do Novo Código Civil (Brasil, 2002) outras configurações familiares passaram a ser legitimadas no país. Destarte, a Lei propõe uma mudança radical ao reconhecer como família a união de pessoas que se identifiquem como familiares baseadas no afeto. Teruya (2016, p. relembra a importância de autores como Gilberto Freyre, Oliveira Vianna e Antonio Cândido, que reconstruíram as origens da família brasileira, conjecturando a respeito da “família patriarcal rural e extensa no século dezenove e anteriores e que se transforma em nuclear, quando transplantada para um ambiente urbano e moderno, no século vinte”.

A grande família patriarcal, proprietária e rural, teria, na visão destes autores, construído a Nação brasileira. Por isso talvez, muitas histórias de municípios ou regiões foram contadas a partir da história destas famílias. Um exemplo é o texto de Horta, que afirma que ‘a história de Minas é a história de suas grandes famílias’, e descreve as famílias governamentais mineiras e suas ramificações de parentesco. Visto no fragmento abaixo: A casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econômico, social, político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, o banguê, a rede, o cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado ao pater familias, culto dos mortos etc.

de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de higiene do corpo e da casa (o “tigre”, a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lava-pés); de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola, santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas, recolhendo órfãos. Freyre, 1992, p. No contexto brasileiro, deve-se compreender que o conceito de família reflete o conjunto da organização social, das desigualdades e da miscigenação de um povo que se formou ao longo da colonização portuguesa (Ribeiro, 1995). Outros importantes acontecimentos jurídicos marcaram a história da família brasileira. O Estatuto da Mulher (Brasil, 1962) que garantia à mulher o exercício profissional sem autorização prévia do marido.

A Lei do Divórcio (Brasil, 1977) que impulsionou grandes transformações no âmbito conjugal, já que previa a possibilidade de se dissolver o casamento, já dando sinais de um descolamento da questão religiosa. O artigo 226 da Carta Magna (Brasil, 1988), então, reconhece que a família pode ter diferentes configurações, como a união estável entre homem e mulher, formada por um dos pais e dependentes, e a igualdade de direitos assegurada a todos. No decênio 2004-2013, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou uma mudança demográfica no que se refere às famílias. Apesar das perdas extremas provocadas pelas duas Grandes Guerras e a dissolução da União Soviética, o que se observou foi uma crescente mudança em diversos seguimentos da sociedade.

O mundo se tornou mais rápido e competitivo. O homem explorou diferentes lugares a nível micro e macroscópico. A indústria automobilística, com a produção em larga escala, e de aviação (comercial, militar e espacial), impactaram a organização do trabalho e por consequência a vida privada. Tivemos a queda do socialismo e ascensão do capitalismo, modificando os negócios e o mercado financeiro. Teruya, 2016, p. Como anteriormente mencionado, um marco importante desse momento histórico foi a participação da mulher mais intensamente no mundo do trabalho. Hobesbawm (1995) levanta duas hipóteses sobre esse crescimento: a mão de obra feminina era mais barata e o número de famílias chefiadas por mulheres havia se expandido. O autor coloca relevo sobre a importância das Guerras nesse contexto: Tampouco devemos esquecer os apavorantes massacres das grandes guerras, que deixaram a Rússia pós-1945 com cinco mulheres para cada três homens.

Mesmo assim, são inegáveis os sinais de mudanças significativas, e até mesmo revolucionárias, nas expectativas das mulheres sobre elas mesmas, e nas expectativas do mundo sobre o lugar delas na sociedade. Simionato e Oliveira (2003) explicam que a instituição família não estava se enfraquecendo, mas sim ganhando outros modelos. Até o início do século XVIII, quando se inicia uma demarcação entre a instância pública e a vida privada, e o Estado se fortalecia no seu papel de regulador de leis na Europa Ocidental, a criança era vista como um pequeno adulto, ocupando uma posição puramente instrumental dentro da família. Isto quer dizer que ela tinha uma posição secundária, não era o mote principal da família, pois era o pai que detinha todo o poder.

A função dos filhos era servirem ao pai, que ajudava a manter valores próprios daquela sociedade: o valor da propriedade, do saber tradicional e da ética religiosa (Costa, 1979). Importante destacar, que o modelo tradicional de família, calcado em ideais higienistas, foi construído historicamente e ainda hoje habita o imaginário de algumas parcelas da população, inclusive a brasileira. Assim por exemplo, no século XIX na Grécia, a atribuição das mulheres à vida doméstica e a valorização periódica feita disso, passam por uma redefinição do estatuto da infância e são inseparáveis das transformações das cidades gregas da época. Petersen, 1999). Como consequência, Porto (2002) explana que: Na produção doméstica as mulheres são exploradas, ao mesmo tempo, no seu trabalho e na sua capacidade de reprodução, o produto do seu trabalho retorna ao seu tutor legal e a procriação submete-se ao controle da comunidade.

As mulheres tornam-se, assim, um “bem de uso”, situação que não é própria aos sistemas arcaicos. Este modo de produção doméstica prolonga-se, com efeito, sob outras formas do sistema capitalista, através das relações familiares de produção (empresas artesanais, comerciais, agrícolas). Há alguns anos atrás, o homem era culturalmente educado para ser rígido com os filhos, trabalhar para sustentar sozinho a família. Enquanto a mulher, era educada para cuidar dos filhos, ser amorosa e se submeter ao marido. Esta submissão sufocava os anseios da mulher, pois seus desejos pessoais não eram levados em consideração pelo marido e filhos, pois a ela, cabiam muitas tarefas domésticas impossibilitando-a de buscar sua realização pessoal. Muitas mulheres insatisfeitas com esta submissão, começaram a lutar para terem suas satisfações pessoais e este movimento, acarretou em preconceitos a estas mulheres pois elas estavam indo contra a cultura da época, estavam deixando de serem vistas, segundo Porto (2002, p.

“com desvalorização pela cultura, um ser castrado”. Pierre Bourdieu (2002) defende que a cultura androcêntrica e a consequente “dominação masculina” estão de tal maneira arraigadas em nós que as tomamos como evidentes, deixando de notar o caráter historicamente construído de uma ordem social que é percebida como “natural”. Bourdieu propõe a subversão dessa percepção equivocada: não são as diferenças naturais que definem as especificidades dos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres, e sim, determinados papéis impostos a cada gênero é que fazem as diferenças parecerem naturais. Segundo o autor “a força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem legitimá-la”.

Para ele, As aparências biológicas e os efeitos, bem reais, que um longo trabalho coletivo de socialização do biológico e de biologização do social produziu nos corpos e nas mentes conjugam-se para inverter a relação entre as causas e os efeitos e fazer ver uma construção social naturalizada [. como fundamento in natura da arbitrária divisão que está no princípio não só da realidade como também da representação da realidade [. Não se pode negar as múltiplas interferências que esse grupo sofreu e sofre nas áreas legais, econômicas, religiosas e outras. A família cumpre a missão de eternizar os valores que visam proteger seus membros. Assim, as autoras esclarecem que na análise do comportamento “a família [é] como um sistema de múltiplos agentes, no qual um grupo de pessoas autônomas se comportam em conjunto de forma complexa, resultando em produtos que não seriam produzidos caso essas pessoas se comportassem individualmente” (Naves e Vasconcelos, 2013, p.

No que se referem aos motivos que induziram os movimentos de transformação nos moldes familiares, Naves e Vasconcelos (2013) destacam os divórcios, cada vez mais evidentes, controle da natalidade, a participação feminina em cursos universitários e no mundo do trabalho e a menor vinculação entre casamento e relações sexuais. Quanto aos modelos de família, nuclear e ampliada, caracterizam-se, respectivamente, pela composição apenas do casal com/sem filhos e pela incorporação de outros membros nessa configuração inicial. Ela se reedita ao longo da história, mas mantém, através, por exemplo, dos rituais, a capacidade de reunir ou não seus membros. Conforme Costa (2014, p. “as famílias continuam, afinal, a existir e a afirmar-se na sua pluralidade e diversidade”. Muaze (2016) revisou tudo que já foi produzido sobre a história da família no Brasil, suas fontes e métodos, destacando o crescimento desses estudos nas últimas décadas.

A autora analisou mais de 100 correspondências de uma família brasileira e constatou que os casamentos tinham a capacidade de “expandir a parentela, manter a honra e a fortuna, e consolidar novos laços de solidariedade que, se bem escolhidos, se reverteriam em maior prestígio, cabedal político e econômico para ambas as partes” (Muaze, 2016, p. Logo, ao abordar a questão do desvio é preciso compreender a dinâmica entre imposição e transgressão de regras. Isso quer dizer sobre “alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider” (BECKER, 2008, p. Prosseguindo ainda com as ideias do mesmo autor, quanto ao conceito de desvio, nota-se que, na tentativa de explicar as motivações, as formas e características singulares ou não sobre os desviantes, a ciência se apropriou das ideias do senso comum.

Primeiro, partiu da teoria de que a transgressão é inerente ao desvio; Segundo, acredita-se que o desviante possui algum atributo que o torna inevitavelmente transgressor; Terceiro, os cientistas sociais aceitam o rótulo, sem questioná-lo, logo, eles seguem a mesma “cartilha” daqueles que postularam o julgamento. Segundo Halperin (2003), o termo "queer”, antes usado de forma violenta para nomear homossexuais, detinha um sentido de anormalidade, algo incomum, estranho e doente. Para entender um pouco do tema que estamos aqui desenvolvendo retomaremos ao ponto original da “Teoria Queer”. O nome é atribuído a Teresa de Lauretis, em uma conferência cunhada em 1990, na Universidade da Califórnia. O título da palestra, nada mais foi do que uma provocação à toda comunidade científica, como explica abaixo: She had the courage, and the conviction, to pair that scurrilous term with the academic holy word, “theory.

” […] She wanted specifically to unsettle the complacency of “lesbian and gay studies” (that “by now established and often convenient formula,” as she called it) which implied that the relation of lesbian to gay male topics in this emerging field was equitable, perfectly balanced, and completely understood–as if everyone knew exactly how lesbian studies and gay male studies connected to each other and why it was necessary or important that they should evolve together (HALPERIN, 2003, p. Butler se vale da dialética hegeliana construindo sua teoria de forma não linear, mas como um processo, um devir. Ela assim, contribui para o esclarecimento conceitual dos estudos queer: “o queer não está preocupado com definição, fixidez ou estabilidade, mas é transitivo, múltiplo e avesso à assimilação “ (SALIH, 2015, p. Butler lança questionamentos sem a pretensão de solucioná-los, mantendo a análise sempre aberta, como pressupõe a dialética.

Para Butler, ao se buscar uma resolução para um problema, corre-se o risco de criar um pensamento antidemocrático, já que a solução seria equivalente ao estabelecimento de uma “verdade”, que podem servir como instrumento de opressão à minorias sociais. O exemplo a seguir se aproxima da discussão travada nesse capítulo: [. Em outra obra, Bauman (2011), retomando o Estranho Familiar de Freud (1919/1996), comenta que o caráter ambivalente do estranho, e nesse sentido entra tudo que é diferente, é justamente sua capacidade de repelir e de atrair o outro. Repele pelo medo frente ao desconhecido, mas um desconhecido que revela parte dele mesmo e que rejeita em si e gostaria de não reconhecer como seu. Ao mesmo tempo que atrai pela sedução de querer conhecer a liberdade, a leveza, a pureza, a criatividade que o diferente possui diante da vida e da sua história.

Logo, aquele que estranha tem desejo de vivenciar, mas não encontra coragem de sair de seus padrões rigidamente sistematizados. Esse pensamento está no fundamento do preconceito social. O diferente é marcado por estereótipos. Diferença pressupõe semelhança ou normalidade, que corresponde a determinado parâmetro pré-estabelecido. Assim, a definição de desvio da norma pode ser obtida através de três critérios: estatístico, estrutural e o tipo ideal de ser humano. O estatuto científico estabeleceu padrões que delimitam o lugar social de pessoas consideradas diferentes, “estranhas”. Esse aspecto trouxe implicações nas áreas da saúde e educação. Segundo Fédida (1984), a experiência de encarar a deficiência é semelhante a um “espelho perturbador” na medida em que remete a uma imagem primitiva de fragmentação, que fora recalcada durante a formação do eu.

Além disso, para o autor, as formas de assistência empreendidas a pessoas deficientes seriam mecanismos de defesa contra os impulsos pessoais de violência e ódio que essas pessoas suscitam. Nas palavras do autor: De certo modo, reencontramos aí alguma coisa que a experiência psicopatológica cotidiana conhece bem, isto é, o fato de que, sob qualquer forma que seja em relação à integridade do corpo, o deficiente (re)presenta um espelho perturbador, desorientador, um espelho que, certamente, engaja nossa experiência psicótica pessoal onde ela não se encontra reconhecida como tal, ou chamada como tal (FÉDIDA, 1984, p. Canguilhem (2009) esclarece que o normal biológico é relativo, os limites entre normalidade e anormalidade são imprecisos, e que não se pode determinar o que seja normal ou patológico a partir de comparações generalizantes e métricas estatísticas.

Apenas o sujeito que é capaz de dizer sobre si mesmo. Com efeito, à medida em que nos aproximamos de objetos ou fenômenos, eles vão se tornando mais familiares. Prosseguindo ainda com essa contribuição psicanalítica, o “Infamiliar seria tudo o que deveria permanecer em segredo, oculto, mas que veio à tona” (FREUD, 2019, p. Butler, não explora o conceito freudiano de Unheimliche, mas, vale dizer da potência política desse termo, já que, diante de uma sociedade normalizadora, os estranhos se tornam pessoas que remetem a uma condição torpe. O sujeito dentro da norma, ao se encontrar com um estranho não vê sua imagem narcísica refletida e sim, o desejo do Outro. O Unheimliche produz angústia e incerteza quanto às identidades, e em razão da pressão social, transforma tal angústia em medo e comportamentos violentos.

como aponta Judith Butler, não existe nenhuma natureza ontológica, não há nenhuma diferença anatômica entre os sexos, que não seja sempre já incluída numa instituição cultural do gênero, construída socialmente e definida historicamente. O gênero precede, fabrica e define os sexos de um modo performativo: ser mulher ou ser homem consiste em retomar gestos, atos, discursos, desejos, atitudes, e repeti-los, criando assim, pela reiteração, a ilusão de um modelo anterior à repetição. Essa performatividade do gênero não é, porém, uma escolha deliberada: é uma interpelação social, uma atribuição normativa, uma prescrição coletiva. Uma psicanálise aberta às transidentidades precisa então ser tanto subjetiva quanto social: ela almejaria situar o sujeito no enquadre social, histórico e político no qual ele se inscreve, e abordar o inconsciente a partir do sistema sexo/ gênero.

Essa psicanálise visaria analisar o funcionamento das prescrições de gênero na subjetivação, nas relações do sujeito com os outros, mas também na sua própria perspectiva, como teoria que não escapa às formações discursivas dentro das quais ela surge (AVOUCH, 2015, p. In M. Hoghughi & N. Long (Eds), Handbook of parenting: theory and research for practice (pp. London: Sage, 2004. BARROSO, R. Rigor e generalização em pesquisas sobre fenômenos culturais: contribuições de um percurso de pesquisas fenomenológicas. In Anais do IV Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos, Rio Claro, SP. Versão eletrônica]. Recuperado de http://www. sepq. bvsalud. org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000200010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  27  nov. MALAQUIAS, Carlos de Oliveira.

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