Falando com estranhos

Tipo de documento:Projeto

Área de estudo:Literatura

Documento 1

mas havia um pequeno problema com ele: Ainda que estivéssemos há quilômetros da civilização, meu pai fazia questão de que houvesse câmeras de segurança em cada canto do nosso quintal. Havia até mesmo detectores e alarmes de calor e outras coisas do gênero. Na minha cabeça, só havia uma explicação: meu pai assistiu a muitos filmes de terror da sessão corujão ou qualquer coisa do tipo, pois não era possível que alguém como ele vivesse do jeito que vivia no lugar onde vivia. Assim, eu pensava que meu pai era neurótico – ou paranoico, nunca soube de fato a diferença. Eu não tinha sequer o direito de ir à escola. Felizmente – e ainda bem que ele não o sabia –, eu podia me comunicar com as pessoas por jogos eletrônicos: a única diversão que eu podia ter.

Parece brincadeira, mas eu comecei a ficar obcecada por jogos eletrônicos já com 16 anos de idade. E quando digo obcecada, quero dizer que fiquei realmente viciada por jogos, ou melhor, pela comunicação interpessoal que eles podiam me oferecer. Eu comecei jogando como uma forma de ajudar a passar o tempo tedioso entre o estudo de uma matéria e outra que meu pai me ensinava e depois da janta. Depois, meu pai descobriu que havia plataformas que podiam ajudar meus estudos – e era divertido fazer vários exercícios de matemática e ficar em primeiro lugar no ranking. Meu pai bateu à porta e eu fechei o jogo depressa e me encaminhei para a porta: – Olha, Joana, se você não largar esses jogos, eu vou cortar! – Disse-me severamente.

– Mas pai… – esbocei respondê-lo, mas ele foi implacável: – Nem um “mas”! Tomei uma decisão: disse a Darkmatter que meu pai estava me ameaçando. Ele riu e disse que sabia como eu poderia me livrar daquilo, e ele disse: “eu estou contigo”. Certo dia, conversávamos e conversávamos… ficamos até de madrugada. Eu tinha quase certeza de que Darkmatter ia me pedir em namoro. Ele lavava sistematicamente todas as frutas e legumes; ele tomava banho ao longo do dia mais vezes que o normal e comprou – não sei como, pois nunca o vi sair de casa exceto, como disse, para irmos ao cinema – vários produtos de limpeza antibacterianos e vidros e vidros de álcool em gel. Eu dizia para mim mesma que aquilo era uma besteira – porque dizer que meu pai não estava em si era chover no molhado.

Quanto a mim, a rotina voltou a ser como era antes, mas agora nem direito a usar os jogos como métodos auxiliares de estudo eu tinha mais! Eu não conseguia pensar em nada além de Darkmatter. Será que ele estava chateado comigo por conta daquilo? Alguns dias se passaram até que meu pai me deixasse jogar novamente. Mas com uma condição: eu só podia jogar duas horas por dia. – Mas o que você quer, Darkmatter? – Perguntei. – Você – Respondeu. Fiquei em choque. Ele finalmente estava me pedindo em namoro! – Nosso amor não é forte o bastante para lutar contra seu pai? – perguntou-me. Eu já não sabia mais o que fazer, sabia apenas que devia aceitar o seu pedido sem titubear, e foi o que fiz. Mas minha alegria foi efêmera: mais uma vez eu não lembrei que meu pai podia acabar com tudo.

Eu dei a Dark o meu endereço e nome por áudio: não queria e não podia fazê-lo por mensagem de texto. Era mais seguro mandar um áudio no jogo; porém meu pai me ouviu fazendo tudo isso entrou mais uma vez como um monstro no meu quarto perguntando incessantemente a quem eu tinha dado aquelas informações. Eu entrei em pânico, não sabia o que dizer. Meu pai perguntou, e eu estava paralisada; ele então tirou o fone de ouvido de mim e quebrou-os com suas próprias mãos. Quando se aproximou o horário de eu me encontrar com Dark, peguei minhas malas e saí nas pontas dos pés pela janela da parte de trás da casa, onde eu sabia que não havia detectores de movimento ou de calor: ali era o único lugar da casa que eu podia pisar.

Como o mato ali era muito alto, senti medo. Atravessei com cuidado e muito sofregamente o matagal, com medo de cobras e ratos que podiam eventualmente transitar por ali – na verdade, eu sabia que estavam ali. Fiquei à beira da estrada, esperando Dark. Estava trêmula e pensava só em como ia finalmente sair da prisão que meu pai me impunha até os meus dezesseis anos. Ele então parou o carro e abriu a porta; meu coração começou a bater forte de novo. Já ia saindo do carro, mas como estava muito escuro, ele voltou e acendeu a luz. Quando levantou, eu pude vê-lo e me senti muito mal: não era quem eu havia imaginado: ele parecia um perdedor qualquer que vestia roupas sujas e fedia.

Ele era muito, muito estranho. – Joana… – Foi então que percebi que ele estava tossindo e lembrei do reportagens que meu pai ouvia pelo rádio. Eu não entendi. Do que ele estava falando? Ele disse que minha mãe havia acordado do coma e, então, eu soube de toda a história. Minha mãe entrou em coma assim que eu nasci. Eu nunca ouvi a voz de minha mãe, nunca vi seus olhos nos meus. Meu pai me contou então que minha mãe teve complicações durante a gravidez: eu nasci antes do tempo, e ela precisou correr para a sala de parto para fazer a cesária e, depois que ela tomou a anestesia para dormir, nunca mais acordou. Meu pai também não confiava – e com razão.

Eu sabia que Dark, ou melhor, João, já tinha enchido minha caixa de mensagens. Eu sabia que estava todo mundo em casa e que as chances de ele estar jogando de madrugada eram grandes. No entanto, fui ficando curiosa. Além disso, queria descontar tudo o que ele me fez passar. Eu comecei a chorar. Quem tinha estado ali? Quem era aquele menino? Ele disse que jamais dera meus dados para ninguém. Eu disse que estava chorando e ele respondeu que ia embora e não precisávamos nos ver mais. Afirmei com todas as forças que estava tudo acabado e que ia desativar a minha conta. – Eu estou contigo – Disse. Ele perguntou a quanto tempo os sintomas apareceram, eu respondi que hoje e meu pai estava com muita febre.

Ele disse pra esperar ao menos um dia (podia ser qualquer outra coisa) e procurar o hospital mais próximo. O dia ia passando e eu sentia mais do que preocupação: na verdade, o que eu sentia era culpa. Eu sabia que tinha sido eu, pois meu pai não saía de casa. Estava cuidando dele, mas sabia que tinha sido naquela noite e que aquele menino, o João (que eu acreditava ainda ser o Dark), me passou e eu passei para meu pai que, contudo, não dizia nada nem me culpava.

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