Compreensão winnicottiana sobre os transtornos alimentares

Tipo de documento:Revisão Textual

Área de estudo:Psicologia

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São Paulo 2019 RESUMO Este estudo tem como objetivo compreender a importante influência da relação mãe – bebê nos primórdios do desenvolvimento com futuro surgimento de transtornos alimentares a partir da psicanálise winnicottiana. Do ponto de vista biomédico, esses transtornos alimentares se caracterizam por um padrão desadaptativo na ingestão/restrição alimentar, medo de engordar e distúrbio na autoimagem corporal, configurando um grave quadro em saúde. A Teoria do Amadurecimento situa as primeiras relações objetais como fundantes do psiquismo, sendo que diante de condições favoráveis, o indivíduo se desenvolve satisfatoriamente. Enquanto que falhas na provisão de cuidado, afeto ou segurança, indicam formação de sintomas psicológicos. Os TAs podem ser entendidos do ponto de vista winnicottiano como formas de ser ou estar do indivíduo no mundo.

Os TAs podem se manifestar em todas as etapas do desenvolvimento humano e englobam uma série de disfunções como a Pica1, ruminação, restrições/evitações, anorexia nervosa, bulimia, compulsões, dentre outros (APA, 2014). A etiologia desse transtorno é multifatorial, e, é classificado analisando os fatores predisponentes, precipitantes e os mantenedores. Por esta razão, a intervenção adequada deve considerar esses três aspectos, em geral envolvendo médico, psicólogos e nutricionistas. Assim, inicialmente, sobre os aspectos predisponentes, é importante considerar o histórico familiar ou comorbidades psiquiátricas, traços específicos de personalidade, aspectos físico-biológicos e traumas do indivíduo. Questões relacionadas à dieta e eventos estressantes compõem o grupo de fatores precipitantes. Além disso, a seleção dos trabalhos publicados nos últimos cinco anos, fez um recorte mais atualizado sobre o tema em discussão.

O percurso escolhido para discutir o tema apresentado partiu, inicialmente, da apresentação do viés biomédico do transtorno alimentar. Conhecer a etiologia, curso e fatores que se relacionam a esses transtornos pode auxiliar na elaboração de estratégias terapêuticas e preventivas mais eficientes. Na sequência, pretendeu-se estabelecer uma dialética entre esse modelo, que propõe uma explicação orgânica ou genética dos transtornos e o viés psicológico que é o propósito desta pesquisa. Para abordar o desenvolvimento psicológico dos TAs adotou-se a teoria do amadurecimento, que apresenta como as primeiras relações, especialmente mãe-bebê podem ter um papel estruturante no sofrimento psíquico. Por fim, cabe esclarecer que o presente trabalho foi dividido em três sessões, a saber: anorexia e bulimia pelo viés biomédico; a Teoria do Amadurecimento; e a bulimia e/ou anorexia segundo a psicanálise winnicottiano.

TRANSTORNOS ALIMENTARES: O VIÉS BIOMÉDICO Antes de partir para uma compreensão psicanalítica sobre a anorexia nervosa (NA) e bulimia nervosa (BN), este estudo optou por apresentar a visão médica desses transtornos. Inicialmente, cumpre esclarecer que, embora tais transtornos alimentares (TAs) tenham classificações nosológicas distintas, eles compartilham um padrão persistente de desajuste na restrição/ingestão de alimentos, medo de ganhar peso e distorções da imagem corporal (APA, 2014). A Tabela 1 estabelece uma comparação entre esses dois quadros psicopatológicos: TABELA 1 – Comparação entre NA e BN Anorexia Nervosa Bulimia Nervosa Restrição da ingestão calórica em relação às necessidades; Medo intenso de ganhar peso ou de engordar; Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados; IMC pode variar de ≥ 17 kg/m2 a < 15 kg/m2; A prevalência de 12 meses de anorexia nervosa entre jovens do sexo feminino é de aproximadamente 0,4%; Início gradual durante a adolescência ou na idade adulta jovem; A taxa bruta de mortalidade (TBM) para anorexia nervosa é de cerca de 5% por década; Fatores de risco (temperamentais, ambientais, genéticos e fisiológicos); marcadores diagnósticos (leucopenia, anemia, trombocitopenia e hemorragias; desidratação; desregulações hormonais; bradicardia; problemas ósseos; inanição, amenorreia; hipertrofia das glândulas salivares); Riscos de suicídio (12/100,00 ao ano).

Episódios recorrentes de compulsão alimentar – ciclo (alto consumo, sentimento de falta de controle); Vômitos, uso de laxantes ou diurético, exercícios em excesso, jejum prolongado para compensar; A gravidade varia de uma média de 1 a 3 episódios de comportamentos compensatórios inapropriados por semana até 14 ou mais comportamentos compensatórios. Neste sentido, o tratamento pode ser dividido em três etapas, normalmente: restauração do peso; abordagem psicossocial quanto às distorções da imagem e relacionamentos interpessoais, e, por último, a remissão. Já quanto às estratégias de manejo para a bulimia, o foco inicial concentra-se em minimizar progressivamente a compulsão e a purgação. Neste caso, orienta-se também alimentação com horários e porções mais regulares (APOLINÁRIO; CLAUDINO, 2000). Polacow e Alvarenga (2010) explicam que o indivíduo com AN manifesta uma recusa a manter o peso recomendado, em média 85% a menos que o esperado para seus indicadores de idade e altura.

Com o padrão altamente restritivo, não conseguem ganhar peso, gerando grave comprometimento nutricional. Carmo, Pereira e Cândido (2014), consideram as condições etiológicas para o desenvolvimento dos TAs. Não se pode negar o papel da cultura, especialmente na atualidade, quando o valor de um indivíduo é medido por seus atributos físicos. O padrão de magreza imposto às mulheres desconsidera suas características singulares e seu biotipo, gerando uma sensação de inadequação social. Combinado a este fator, somam-se as questões biológicas, genéticas, psicológicas e familiares. Além disso, a baixa autoestima, traços de personalidade obsessivos e perfeccionistas, história na família, puberdade precoce, dentre outros, podem ser fatores preditores para o TA. A teoria do amadurecimento possui alguns pressupostos básicos pensados por Winnicott: primeiro, a tendência ao amadurecimento é inata, porém requer condições facilitadoras do ambiente para seu desenvolvimento; o fluxo do amadurecimento é contínuo, do nascimento à morte; a visão do teórico rompe com a dicotomia racional biomédica, na qual conceitos de saúde e doença são mutuamente excludentes e os considera como manifestações de ser e estar no mundo; e, por fim, todo e qualquer sofrimento se relaciona a uma fase do amadurecimento (DIAS, 2008).

O início do surgimento do ego inclui inicialmente uma quase absoluta dependência do ego auxiliar da figura materna e da redução gradativa e cuidadosa da mesma visando à adaptação. Isto faz parte do que eu denomino “maternidade suficientemente boa”; neste sentido o ambiente figura entre outros aspectos essenciais da dependência, no meio do qual o lactente está se desenvolvendo, utilizando mecanismos mentais primitivos (WINNICOTT, 1983, p. Considerando todas as etapas do ciclo vital de um indivíduo, a teoria do amadurecimento dedica maior atenção aos primeiros anos de vida, pois a estrutura psíquica e a personalidade estão em construção nessa etapa. São quatro as principais tarefas dessa fase da vida, que seguem em constante aprimoramento nas outras etapas, sendo responsáveis pela construção da identidade e do senso de existência do indivíduo: “a integração no tempo e no espaço, a habitação da psique no corpo, o início das relações objetais e a quarta tarefa, constituição do si-mesmo” (DIAS, 2008, p.

Nas etapas seguintes da vida humana, o ambiente fornecerá ou não as condições para o desenvolvimento pessoal, mas nessa etapa inicial a mãe é definidora, pois vê o bebê “não apenas como um corpo que tem necessidades físicas, ou seja, capaz de se identificar com as necessidades pré-verbais da criança e lidar com elas, seja nos estados tranquilos, seja nos excitados” (MENDONÇA, 2008, p. Cumpre esclarecer o conceito de mãe suficientemente boa. A mãe, e aí inclui-se o pai ou relações não biológicas, mas que acompanham desde o nascimento, tem a tarefa de cuidar do seu bebê. Winnicott desenvolve a questão da maturação emocional a partir da expressão “suficientemente boa”, que em linhas gerais, refere-se à capacidade adaptativa da mãe de perceber, suprir e mais adiante frustrar o bebê em suas necessidades.

A frustração também é importante para o processo de formação da independência. Além disso, a anorexia foi obervada em estruturas psíquicas diferentes, não sendo exclusiva de uma única explicação para o transtorno. Ainda foi observado pela pesquisadora que as pacienes anorexicas apresentavam falhas na elaboração do luto, expondo assim, mais uma vez, a fragilidade da dinâmica transicional, quando o sujeito não dá conta de lidar, nem se mantém integrado, frente a ausência do objeto, negando a perda e sentindo-se abandonado. Como tentativa de reparar a perda do objeto danificado, as participantes relataram desesperança e agressividade Não vem de Winnicott as pistas iniciais sobre a simbiose, satisfação e formação do eu. Para Freud, as primeiras experiências de satisfação do bebê são por meio da alimentação.

A amamentação nutri fisicamente, mas também possibilita uma estimulação prazeroza, que promove sensações no corpo do bebê. Garcia (2015) explana que para compreender a anorexia e a bulimia através da Teoria do Amadurecimento, é preciso considerar a dinâmica transicional e a progressiva capacidade do indivíduo de estar sozinho. Isso porque, para a autora, nesses transtornos há falha na negociação e simbolização objetal, ou seja, houve um fracasso na função do objeto transicional. Isso significa dizer que se a pessoa que fornece os cuidados primordiais ao bebê se faz constantemente ausente, a criança não consegue manter a imagem mental ou simbolização da mesma, perdendo sua representação. Com isso o bebê experiencia sensações de angústia e desamparo. Nas palavras de Winnicott isso pode ser melhor compreendido: Como é bem conhecido, quando a mãe ou alguma outra pessoa de quem o bebê depende está ausente, não há uma mudança imediata pelo fato de que o bebê possui uma lembrança ou imagem mental da mãe, ou o que podemos chamar de uma representação interna dela, a qual continua viva durante certo período de tempo.

também teríamos o alimento “como coisa em si”, tanto na tentativa de se separar da mãe, no caso da anoréxica, como na negação da separação, no caso da bulímica” (GARCIA, 2015, p. A mãe realiza a função de espelho enquanto alimenta seu filho. Eles mantêm contato visual e o bebê se vê refletido no rosto e no olhar materno. Essa imagem determina aspectos saudáveis ou não do bebê. Ao não receber esse reflexo de volta, o bebê perde sua capacidade criativa e busca saciar a necessidade de ver a si mesmo através de choros, agressividade ou adoecendo. Em apenas um dos casos os sinais foram percebidos logo no início, os demais foram percebidos tardiamente e dois com alto nível de desnutrição e risco à saúde.

Outros membros da família observam, porém em nenhum dos seis casos o pai percebeu que algo estava errado. A perda brusca de peso, em geral, foi ignorada na fase inicial. Porém, os familiares passaram a perceber alterações no padrão, seletividade e excesso de atividades esportivas. Além disso, os jovens passaram a não compartilhar a mesa com a família ou outras situações sociais que envolviam alimentação. Implicitamente, ela proporciona segurança, carinho e intimidade. Através da amamentação a criança deixa visível seu mundo interior, tanto as satisfações, quanto os conflitos. O sintoma alimentar pode ser uma forma da criança sinalizar sua necessidade de atenção e amor. Os transtornos alimentares, por exemplo, podem advir de um desenvolvimento psíquico desfavorável.

Uma amamentação boa está para além do nutricional orgânico. A relação com a fome, com o corpo e com a comida depende das primeiras experiências e relações com seus primeiros cuidadores, com o mundo que o cercou na idade primitiva. Comer é uma forma de comunicação. Os transtornos alimentares então, são uma exigência interna que se auto alimenta (MOURA; SANTOS; RIBEIRO, 2015). Conforme Lucas (2015), o TA é uma dissociação que ocorre devido uma falha psicossomática, ou seja, a AN ou BN estariam comunicando que a psique não se alojou no corpo. O sintoma informa o desejo pela integração soma-psique. Os transtornos alimentares se caracterizam por padrões desadaptativos de ingestão de alimentos. Sobretudo, há distorção quanto a sua imagem corporal.

Partiu-se de uma análise winnicottiana, que explorou profundamente a díade mencionada, tanto na formação saudável, quanto adoecida do indivíduo. Neste sentido, partindo da teoria do amadurecimento, mesmo que não se possa estabelecer o momento exato em que alguma falha aconteceu, a origem dos transtornos alimentares, embora multideterminada, pode apresentar relações com os estágios iniciais de vinculação entre mãe e bebê. Contudo, muito mais do que atribuir culpa ou responsabilização a alguém, conhecer o funcionamento psíquico e compreender as relações abordadas, pode auxiliar na elaboração de estratégias terapêuticas e prevenção desses casos. et al. revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli. et al. Ed, Porto Alegre: 2014. APPOLINARIO, José Carlos; CLAUDINO, Angélica M. br/scielo.

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