CENÁRIOS DE TRABALHO DO NEGRO NO BRASIL NO IMEDIATO PÓS ABOLIÇÃO, LEITURAS HISTORIOGRÁFICAS E SOCIOLÓGICAS

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:História

Documento 1

Para tanto, foi construída uma revisão bibliográfica com importantes representante de movimentos historiográficos e sociológicos de interpretação da história da população negra brasileira e as mudanças históricas que afetaram o cotidiano de trabalho dos negros após o fim da escravidão. Entre as conclusões, está a importância das contribuições ofertadas pelos debates produzidos pelos intérpretes da história do negro no Brasil. Destacando as abordagens produzidas pela História Social que oportunizaram múltiplos questionamentos e investigações sobre a população negra, devido sua abordagem de mapeamento da experiência dos subalternizados. Palavras-Chave: Pós-abolição; Raça; Mundos do trabalho. INTRODUÇÃO As questões em torno da racialidade da população brasileira, desde o século XIX, são motivadoras de uma série de debates que mobilizaram importantes intelectuais no Brasil.

Por isso, aqui, nos voltamos especificamente aos cenários de trabalho dos libertos no imediato pós-abolição, situando alguns debates sobre trabalho entre libertos e, depois, estendendo o olhar para as produções que tomam a Bahia como recorte espacial. Dessa forma, o artigo procura contribuir com o debate sobre o negro brasileiro com uma narrativa sintética das abordagens interpretativas construídas até então. Perguntando pelas construções narrativas sobre a experiência de trabalho dos libertos no imediato pós-abolição, é construída aqui uma revisão bibliográfica que articula as principais referências que, de alguma forma, abordam essa temática. SOBRE O NEGRO BRASILEIRO, PRIMEIROS INTÉRPRETES No século XIX, a ampla existência de indígenas e escravizados africanos na sociedade brasileira tornava sua presença nas narrativas sobre a história do Brasil inevitáveis.

Nesse processo, Von Martius, Varnhagen e José de Alencar foram figuras que se destacaram na construção de proposições narrativas históricas e literárias que, de alguma forma, incorporaram essas figuras. As proposições freyrianas tomaram corpo e encontraram eco em outros autores. Além disso, o contexto da Segunda Guerra Mundial facilitara o processo. Os horrores vividos pelo Holocausto fez com que boa parte do mundo achasse encontrar no Brasil a resposta. A ideia da harmonia racial entre brasileiros foi o que motivou, por exemplo, os estudos do Projeto UNESCO no Brasil2, responsável pela mobilização de vários pesquisadores para debater a questão racial brasileira. OS DEBATES DA DÉCADA DE 1950 Os investimentos da UNESCO modificaram profundamente a produção dos pesquisadores brasileiros sobre o cenário racial.

Eles oportunizaram essa primeira leitura sobre o cenário sócio-racial do Brasil conjugada com as narrativas históricas sobre o negro4. FLORESTAN FERNANDES, O NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES EMERGENTE O livro ‘A integração do negro na sociedade de classes’, publicado pela primeira vez em 1965, responde as inquietações e debates da década de 1950, como já exposto. Nos primeiros capítulos, através de uma abordagem histórica, o texto se ocupa dos processos de consolidação da abolição e os interesses dominantes nesse contexto. Fernandes5 constrói associações entre o pós-abolição e os processos de urbanização e constituição do capitalismo industrial em São Paulo. Para ele, esse último procedimento intensificou o regime de exclusão dos negros no Brasil. Fernandes defende que as modificações decorrentes do processo de consolidação da produção cafeeira, sob regime de trabalho servil, foi responsável por uma revolução burguesa em São Paulo que explica a emergência de um empresariado rural paulista.

Além de novos métodos de estratificação social que, no entanto, não modificava o lugar social da população negra. Permanência atribuída, principalmente, a imigração, mas por fatores distintos dos já apontados até então. Segundo Fernandes7, estariam os imigrantes europeus melhor adaptados ao que ele chamava de sociedade competitiva, ou seja, aos modos de operação e trabalho do capitalismo urbano industrial. Os hábitos de acumulação do capital, já velho conhecido da maioria dos imigrantes, era novidade para as classes senhoriais brasileiras e, principalmente, para os recém-libertos. Processo oportunizado, entre outros fatores, pela leitura do historiador inglês E. P. Thompson. THOMPSON E A HISTÓRIA SOCIAL DA ESCRAVIDÃO E DO PÓS-ABOLIÇÃO NO BRASIL A produção de Thompson é permeada por uma série de polêmicas, debates e por oportunizar abordagens teóricas e metodológicas que permitiam inserir “os de baixo” nas narrativas construídas pela historiografia.

Thompson, sem abrir mão do materialismo histórico, foi responsável pela ampliação da leitura da luta de classes a partir, também, dos elementos pertencentes à cultura. Em 2005, foi publicado o livro ‘Além da escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação’. Hebe Mattos, prefaciando o livro, conta que os textos traduzidos e publicados naquele ano, já tinham sido debatidos no início da década 1990. O livro foi fundamental para iniciar os estudos, na perspectiva da História Social, em torno das questões do pós-emancipação no Brasil11. Desde então, a própria Mattos e outros historiadores como Ana Lugão Rios, Flávio Gomes e Olívia Cunha foram responsáveis por publicações que mostravam que os estudos sobre o pós-abolição no Brasil se consolidavam12.

HISTORIADORES DO PÓS-ABOLIÇÃO NO BRASIL Ainda hoje, a tese de Mattos é uma das principais referências para o campo da História Social do Pós-Abolição no Brasil. Ela investiga e descreve o que denomina cidadania negra. Albuquerque16 investiga os sentidos sociais e políticos da liberdade e da cidadania experimentados pela população de cor em Salvador no fim do século XIX. As investigações da historiadora demonstraram como o imediato pós-abolição soteropolitano apontou para um movimento de racialização da hierarquia social. Nas disputas provocadas por esse movimento, ela narra como não só se articulavam mecanismos de repressão dos negros recém-libertos como se mobilizavam garantias jurídicas de negação da cidadania a esses sujeitos, pois se compreendia que eram incapazes de atuar socialmente.

Tudo isso sob um jogo dissimulado de amenização das hierarquias raciais, nos quais foram disputados artifícios jurídicos que garantiam a exclusão de negros e mestiços. A busca por trabalhadores, algumas vezes, devido ao ainda escasso número de imigrantes, implicara na empregabilidade de alguns libertos sob dinâmicas de trabalho assalariado. Além disso, muitos dos libertos que se recusavam a permanecer nos locais de trabalho onde tinham sido escravizados encontravam na migração sazonal e nas cidades as oportunidades de empregar-se a experimentar outra condição dissociada das ideias escravistas ainda vigentes. É importante salientar que tais dinâmicas (de migração) também foram identificadas por Mattos20 na sua investigação. Quando presentes nas cidades, negros e negras disputaram e, segundo Pacano21, ocupavam alguns setores de trabalho urbano que exigiam qualificação, o que não exclui ou apaga os processos de intensa violação da trajetória dos sujeitos.

Mecanismos distintos de subalternização, econômicos, sociais e morais foram mobilizados para garantir a manutenção de uma estrutura de desigualdade social e racial. Com a industrialização da produção de açúcar, mesmo considerando suas determinações agrícolas, o espaço catalisador destas novas sociabilidades passa a ser a cidade23. Os intensos regimes de desigualdade e as dificuldades de sobrevivência no campo estavam entre os principais motivos de migração de libertos para as cidades. Todavia os centros urbanos não eram, necessariamente, o lugar onde o acesso a possibilidades empregatícias eram reais e efetivas. Pelo contrário, no burgo, dispositivos materiais de subalternização somavam-se aos morais. Construíam os negros “biscateiros” como vadios, inimigos da sociedade que se desenvolvia. Apesar dos três trabalhos compartilharem a defesa do cenário de subalternidade produzida no Sudeste escravista, os textos de Mattos e Pacano constroem uma abordagem que, para além de identificar a subalternidade, nos permite espiar as mobilizações táticas de negros libertos entre as possibilidades do período.

Além disso, o esforço de Fernandes de ratificar a hipótese da falta de instrumentos psicossociais para o negro disputar a sociedade competitiva que se estruturava inibe quaisquer narrativas que atribuam protagonismos as gentes de cor. Tais narrativas corroboram em leituras que, ao atribuir algum nível de anomia a população negra, colaboram na cristalização do lugar de inferioridade, da impossibilidade de se movimentar no interior dos limites impostos por setores dominantes, forçando-os, questionando-os, criando alternativas. As criatividades de sujeitos negros de negociar e resistir aos procedimentos de subalternização são fundamentais para o mapeamento da experiência desses sujeitos. Atentando-se, especialmente, a historiografia baiana e as narrativas em torno da trajetória de trabalho dos libertos na Bahia, é possível identificar que negros se esforçaram para a construção de regimes de autonomia, formas de subsistência construídas a partir de mecanismos dispostos na realidade social do período.

O historiador descreve várias formas de articulação da sobrevivência executada por libertos no período. Houve quem se afastasse da influência do antigo senhor, houve quem permanecesse ligado aos laços familiares e territoriais estabelecidos ao longo do escravismo e, também, aqueles que construíram redes de comércio entre vários pontos do Recôncavo. O processo de consolidação das comunidades negras camponesas como continuidade das bases colocadas pela estrutura escravista é uma importante evidência das condições de trabalho ofertadas no período. Isso porque, diferente da abordagem de Fernandes, por exemplo, que apontava apenas para processos de subalternização, a narrativa de Fraga torna evidente as reatualizações, disputas, negociações sobre os regimes de desigualdade praticados. Para além da brecha camponesa e do sistema de roças enquanto estruturas de dominação, Fraga30 aponta para comunidades de libertos que, ainda que permaneçam aproximados e com relações com seus ex-senhores, reivindicam e disputam cotidianamente a condição de livres.

Houve quem, ocupando funções das mais diversas, permanecesse nos antigos redutos senhoriais e, também, quem arriscasse a possibilidade de se estabelecer nas cidades. Diferentes táticas foram utilizadas para garantir a sobrevivência e alçar níveis de cidadania. Tal como em Albuquerque que apontava para a mal recebida, porém persistente presença negra em espaços de privilégio intelectual, Souza também identificou trajetórias de sujeitos que, entre testamentos e inventaram, deixaram legados materiais para seus herdeiros. Apesar de pouco comum e o reduzido número de sujeitos africanos com bens testados, os casos levantados serviram para que a historiadora demonstrasse indícios das diversidades e do caráter dinâmico do universo em que circulavam africanos e crioulos no fim da escravidão brasileira.

A partir desse caráter dinâmico e do universo de circulação apontados, a pesquisa de Souza aponta para cenários sociais de interação, locais de encontros, de fofocas, de diversões, bem como espaços de intersecção entre o rural e o urbano. As configurações de ocupação da terra influenciaram os modos de fazer das populações negras rurais daquela região. A autonomia sobre a produção rural de subsistência inseriu o sertão baiano também nas formatações de campesinato negro comuns entre escravizados, libertos e quilombolas no Brasil. O sistema de roças, comum no período escravista e, especialmente demonstrado no imediato pós-abolição34, autorizava formulações comerciais que ultrapassavam os limites das fazendas. Dessa forma, o trabalho de Silva35 oportuniza a observação de dinâmicas autônomas de sobrevivência a partir do trabalho agrícola e da comercialização de excedentes.

Chama atenção para o protagonismo negro na construção da experiência histórica desses sujeitos, alinhando-se com as abordagens teórico metodológicas dos historiadores sociais do imediato pós-abolição. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Wlamyra. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. BALABAN, Marcelo. LIMA, Ivana Stolze. S. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. ed. Ver. São Paulo: Brasiliense, 1995. FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Editora Record, 1998. GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos e Quilombos: Uma história do campesinato negro no Brasil. PACANO, Fábio Augusto. O forjar da modernidade: Piracicaba e a belle époque caipira (1889 – 1930). Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia.

Universidade Estadual Paulista. Tese (doutorado). Universidade Federal da Bahia (UFBA), Programa de Pós Graduação em História. Salvador, 2017. SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Travessias e tramas: fragmentos da vida de africanos e afro-brasileiros no pós-abolição – (1888 – 1930).

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